RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5079949-72.2023.4.03.6301
RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: LUANA DOS SANTOS BRAGA
Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS ARCANJO DO NASCIMENTO TEIXEIRA MARQUES - PB32787-A
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, ESTADO DE SAO PAULO, PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO -SP
Advogado do(a) RECORRIDO: PEDRO DE MORAES PERRI ALVAREZ - SP350341-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5079949-72.2023.4.03.6301 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: LUANA DOS SANTOS BRAGA Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS ARCANJO DO NASCIMENTO TEIXEIRA MARQUES - PB32787-A RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO Advogado do(a) RECORRIDO: PEDRO DE MORAES PERRI ALVAREZ - SP350341-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, ESTADO DE SAO PAULO, PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO -SP
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5079949-72.2023.4.03.6301 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: LUANA DOS SANTOS BRAGA Advogado do(a) RECORRENTE: LAIS ARCANJO DO NASCIMENTO TEIXEIRA MARQUES - PB32787-A RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO Advogado do(a) RECORRIDO: PEDRO DE MORAES PERRI ALVAREZ - SP350341-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, ESTADO DE SAO PAULO, PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO -SP
E M E N T A
VOTO-EMENTA
CÍVEL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de fornecimento de uma solução oleosa rica em CBD na cor laranja (20 mg/ml) da linha clássica (3 frascos ao mês, 36 frascos ao ano), bem como que a parte ré arque com o pagamento da taxa de anuidade no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) e frete mensal no valor de R$71,00 (setenta e um reais), CONTINUAMENTE-SEM INTERRUPÇÃO.
2. Conforme consignado na sentença:
“Relatório dispensado, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95.
LUANA DOS SANTOS BRAGA, ajuizou a presente ação em face da UNIÃO FEDERAL, do ESTADO DE SÃO PAULO e do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, objetivando provimento jurisdicional para o fim de obter o fornecimento do medicamento descrito na inicial (canabidiol em solução oleosa rica em cbd na cor laranja 20 mg/ml) para o tratamento de epilepsia grave (CID 10 G 40.2).
Relata a parte autora, que é associada da ABRACE, e conforme demonstra em laudo anexado aos autos possui Epilepsia Grave (CID 10 Q40.2) e só obteve uma melhora clínica satisfatória após iniciar o tratamento com o óleo esperança. Reitera já fez o uso de diversos medicamentos ofertados pelo SUS, quais sejam, Tegratol, Divalcon e Valproato, tendo pouca resposta ao controle do sono e da agressividade. A parte apresenta sono não reparador, comportamento inquieto e movimentos repetitivos, além de agressividade. Sendo assim, não tendo mais opções disponíveis foi recomendado a demandante iniciar o tratamento com o Óleo Esperança rico em CBD, fornecido pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança – Abrace aos seus associados, por reconhecer a melhora clínica no quadro de pacientes com Eplepsia. Todavia, ao se informar a respeito do respectivo óleo, a associação comunicou à demandante que para obter o óleo esperança seria necessário arcar com uma taxa de anuidade no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), além do óleo da cor laranja de CBD de 20 mg/ml da linha clássica no valor de R$ 260,00 ( duzentos e sessenta reais) cada frasco e frete mensal no valor de R$ 71,00 (setenta e um reais), perfazendo o valor total ao ano de R$ 10.562,00(dez mil, quinhentos e sessenta e dois reais) que embora seja menos oneroso do que a importação, ainda assim permanece inviável para a demandante que recebe menos do que um salário-mínimo obter o medicamento por meio da ABRACE, amparando-se nas vias judiciais para obter o óleo e dar continuidade ao tratamento que lhe possibilitou um avanço clínico.
A União Federal apresentou manifestação de formulou quesitos, conforme ID Num. 303558295.
O Município de São Paulo apresentou contestação (ID Num. 303431209). Alegou a necessidade de manifestação da autora ou do Estado de São sobre a eficácia e cumprimento da Lei Estadual nº17.618/2023, sancionada em 31/01/2023. Relata que a referida Lei Estadual, recentemente aprovada pela ALESP e sancionada pelo Governador do Estado, teria previsto a disponibilização de medicamentos à base de Canabidiol na rede pública estadual para pacientes refratários a outros tratamentos. No entanto, não foi informado nos autos se a parte autora pleiteou o medicamento objeto dos autos (ou alguma alternativa terapêutica também a base de canabidiol) junto à rede pública estadual a partir da promulgação da referida legislação. Invoca a ocorrência de potencial falta de interesse de agir na presente demanda, pois pode ser que a necessidade da parte autora seja suprida em âmbito administrativo pelo Estado, com fornecimento do medicamento pleiteado ou, então, de alternativa terapêutica a base de canabidiol igualmente eficaz. Alega que a ação não deve ser demandada em face do Município de São Paulo.
O Estado de São Paulo apresentou contestação (ID Num. 302038948). Alegou que, no caso, a autorização de importação e comercialização deu-se não por lei, mas sim por Resolução da ANVISA. Embora esta seja Autarquia com atribuição de “normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde” (Lei nº 9.782/1999, art. 2º, III), a permissão de importação da substância canabidiol ocorreu em contexto de ausência de comprovação da qualidade, segurança e eficácia, atribuindo ao médico prescritor e ao paciente a responsabilidade pelos danos decorrentes de seu uso (art. 17 da Resolução). Destaca que o Estado de São Paulo não pode ser compelido a fornecer a substância, devendo o pedido ser julgado improcedente. Argumenta que, como decorrência lógica de sequer estar registrado na ANVISA como medicamento, o item pretendido não foi incorporado ao SUS pelo órgão federal competente (CONITEC) e não está incluso em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento da doença da parte autora. Acrescenta que, de acordo com os demais itens do julgado em sede de recurso repetitivo, não está comprovada a incapacidade financeira da parte autora ou de seu grupo familiar em arcar com o custo do medicamento prescrito, conforme determina o item (ii) do tema. E quanto ao item (iii) do Tema nº 106, o Superior Tribunal de Justiça passou a exigir que o medicamento pretendido, além dos requisitos anteriores, também já tenha obtido a aprovação pela ANVISA (registro), requisito que não está presente no caso tratado nestes autos, e que nem pode ser substituído pela autorização de importação pela ANVISA.
A tutela de urgência foi indeferida em análise liminar (ID Num. 301045380).
Laudo pericial, conforme ID Num. 307379952.
Decido.
Nos termos da petição inicial, a parte autora presente o fornecimento do medicamento descrito na inicial (canabidiol em solução oleosa rica em cbd na cor laranja 20 mg/ml) para o tratamento de epilepsia grave (CID 10 G 40.2).
Com relação a preliminar de ilegitimidade passiva aventada pelo Município de São Paulo, ressalto a existência de responsabilidade solidária dos entes políticos (União, Estados-Membros e Municípios) pelo Sistema Único de Saúde, no âmbito de suas atribuições.
A União Federal alegou a ausência de comprovação da ineficácia dos tratamentos disponibilizados pelo SUS. Relatou que o tratamento de Epilepsia é realizado no âmbito do SUS, de acordo com os critérios estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).
Apresenta a relação de fármacos disponíveis no SUS para o tratamento de epilepsia no ID Num. 303558295 - Pág. 6.
Relata que o canabidiol (CBD) não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Por conseguinte, também não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME e não possui preço registrado na CMED.
Alegou que, atualmente, existem alguns produtos com autorização de comercialização no Brasil derivados da Cannabis, quais sejam por exemplo, o medicamento tetraidrocanabinol (THC) 27mg/mL + canabidiol (CBD) 25 mg/mL (Mevatyl®) e o fitofármaco Canabidiol Prati-Donaduzzi 200 mg/mL.
A autora, em réplica, alega que a União pontua em sua peça contestatória que o “Canabidiol (CBD) não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, por conseguinte, também não pertence à relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME e não possui preço registrado na CMED”. Relatou que a própria ANVISA autoriza a importação do produto derivado da Cannabis por pessoa física, desde que atendido os requisitos estabelecidos na RDC nº 335, de 24 de janeiro de 2020. Todavia, a possibilidade de importação para pessoas menos favorecidas financeiramente não se mostra acessível, tendo em vista que o custo da importação de medicamentos à base de Cannabis pode custar cerca de U$ 2.000,00 (dois mil dólares) para tratamento de um mês, sendo o preço, portanto, o principal entrave para acesso à terapia. Ademais, sabe-se ainda que outros recorrem à justiça para obter autorizações para o cultivo e produção de extratos individuais ou o fazem de forma ilegal (ID Num. 304772780 - Pág. 2)
A autora apresentou documentos médicos (ID Num. 303190055 - Pág. 2 e Num. 303202482).
Nos termos do disposto pelo artigo 196 da Constituição Federal “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Trata-se, pois, de direito regido pelo caráter da “universalidade da cobertura e do atendimento”, consoante art. 194, par. único, inc. I e art. 198, inc. II, ambos da CF/88.
O direito à saúde visa assegurar, ademais, a consecução do princípio da dignidade humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. III), bem como a promoção do bem de todos, como um de seus objetivos fundamentais (art. 3º, inc. IV).
Por isso mesmo, caso o indivíduo não tenha condições de arcar com os custos necessários para o seu bem-estar, cabe ao Estado fazê-lo.
Aliás, este é o entendimento pacificado do Pretório Excelso, consoante se verifica da ementa do seguinte julgado:
E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes. (RE-AgR 393175, CELSO DE MELLO, STF)
Dever este compartilhado por todos os entes políticos, consoante expressa disposição constitucional insculpida no art. 198, caput, inc. I e parágrafo. 2º.
Outrossim, confira-se a jurisprudência pacífica de nossos Tribunais no tocante à responsabilidade solidária dos entes políticos pelos serviços de Saúde:
“E M E N T A RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR. ADMINISTRATIVO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS INCORPORADOS PELO SUS. TRATAMENTO ONCOLGICO. NEOPLASIA DE PRÓSTATA. ABIRATERONA E ZOMETA. RESPONSABILIDADE SOLIDRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. NEGA PROVIMENTO AO RECURSO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A responsabilidade para o fornecimento de medicamentos e congêneres solidária entre os entes federativos. 2. Em regra, a União não realiza diretamente, por seus próprios meios, através de serviços de saúde, mas atua em nível estratégico, organizacional e normativo, repassando recursos financeiros aos Estados e Municípios, competentes pela prestação direta dos serviços de saúde. 3. No caso concreto, proposta ação em face da União e do Estado de São Paulo, a imposição solidária aos corréus do fornecimento dos medicamentos e do cumprimento prioritário da medida pelo Estado de São Paulo, que dispõe de logística para a aquisição e fornecimento de tais itens, está em consonância com a tese estabelecida no Tema 793 do STF. 4. Recurso improvido. (TRF – Terceira Região, Órgão julgador - 14 Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, 001764-97.2021.4.03.9301, Classe ReMeCaCiv, Rel. Juíza Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL, Data da publicação - 17/03/2022).
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA RECUPERAÇÃO DE TRATAMENTO DE IDOSO QUE SOFREU ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL. RISCO DE MORTE EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE ELEVAÇÃO SÚBITA DE PRESSÃO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. PACIENTE HIPOSSUFICIENTE. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 196 E 198 DA CF/88. LEI 8.080/90. SUS. ESTADOS, DF E MUNICÍPIOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA NO CUMPRIMENTO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE. 1. Esta Corte Regional já firmou entendimento uníssono no sentido de ser a União parte legítima para figurar no pólo passivo de demandas em que o hipossuficiente requer o custeio de medicamento em razão de sua doença grave. Precedentes. 2. O direito à saúde está garantido na Constituição Federal (arts. 196 e 198) e a Lei 8.080, de 19.09.1990, é explícita ao estabelecer o dever do Estado de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º). 3. O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. 4. Apelações da União, do Estado de Goiás e do Município de Goiânia improvidas.
(AC 200635000154575, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:28/03/2008 PAGINA:306.)
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/STF. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. É assente o entendimento de que a Saúde Pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos em conjunto. 2. O legislador pátrio instituiu um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas, para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros para o tratamento de enfermidades. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a medicamentos. 4. Das razões acima expendidas, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica à espécie o enunciado da Súmula 568/STJ. Agravo interno improvido.( STJ - AINTARESP 201600260470 AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 852363- Humberto Martins – Segunda Turma – 28/06/2016)
Nesse sentido, com relação à legitimidade dos entes federados, a jurisprudência é pacífica no sentido da existência de solidariedade dos entes públicos, quanto às prestações de saúde, dentre elas o fornecimento de medicamentos, de modo que a UNIÃO FEDERAL, o ESTADO e o MUNICÍPIO possuem legitimidade passiva para a demanda.
Com relação a alegação do Município de São Paulo sobre a necessidade de manifestação da parte autora ou do Estado de São sobre a eficácia e cumprimento da Lei Estadual nº17.618/2023, sancionada em 31/01/2023, verifica-se que a parte autora alega na inicial que o medicamento pleiteado é o adequado para seu tratamento, uma vez que foi indicado em prescrição médica e demonstra maior eficácia.
Em 25/04/2018, o STJ, em sede de Recurso Repetitivo, definiu critérios objetivos para a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015.FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos.
Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
(REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018) G.N.
Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituirem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, que criou um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.
De especial interesse para a apreciação do caso concreto, transcrevo os artigos 19-M e 19-Q da Lei 8.080/90, que fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:
I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;
“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”
“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
Com efeito, como já observado, o direito à saúde é preconizado pelo artigo 196 da Constituição Federal.
A Lei nº 8.080/90 regulamentou o dispositivo em comento, instituindo o Sistema Único de Saúde e distribuindo a prestação de assistência, inclusive a farmacêutica, entre todos os entes da Federação (artigos 2º e 7º).
A este teor, é certo que diversos medicamentos são disponibilizados pelos SUS, em cumprimento ao comando constitucional apontado.
O direito constitucional à Saúde envolve procedimentos preventivos e corretivos, bem como o fornecimento de medicamentos e de tratamentos à população, notadamente aos necessitados e hipossuficientes.
Entretanto, a comprovação de determinadas hipóteses para o recebimento gratuito de medicamentos não tem o intuito de promover a escusa do Estado ao dever de suas obrigações, mas sim de não privilegiar um beneficiário em detrimento dos demais sem que este comprove a real necessidade desta cobertura.
No caso, a União Federal apresentou a relação de fármacos disponíveis no SUS para o tratamento de epilepsia, conforme ID Num. 303558295 - Pág. 6.
Com efeito, a princípio, a lista de medicamentos fornecidos pelo SUS deve ser observada. No entanto, se se tratar de circunstâncias excepcionais, que envolve risco à vida ou à saúde, ou na ausência de medicamento com eficácia semelhante, deve o Poder Público primar pelo direito à saúde, tutelado constitucionalmente.
Portanto, o medicamento ausente do rol apresentado pela Administração somente deverá ser fornecido após comprovação da efetiva necessidade do seu fornecimento, de sua eficácia e da impossibilidade de sua substituição por outro medicamento similar fornecido pelo SUS.
No caso concreto, foi realizada perícia médica, cuja conclusão foi a seguinte:
“No caso da Autora, que não vinha respondendo aos esquemas terapêuticos propostos, foi prescrito o Óleo da ABRACE Laranja Clássico Canabidiol, 45 gotas/dia continuamente, com melhora da frequência das crises. O Canabidiol e um dos componentes farmacologicamente ativos da Cannabis sativa e tem como caracteristicas nao ser psicoativo (nao causa alterações psicosensoriais), ter baixa toxicidade e alta tolerabilidade em seres humanos. Os canabinoides agem no corpo humano pela ligação com seus receptores. No sistema nervoso central, o receptor CB1 e altamente expresso, localizado na membrana pre-sinaptica das celulas. Estes receptores CB1 estao presentes tanto em neurônios inibitórios gabaergicos quanto em neurônios excitatórios glutamatergicos. O canabidiol (CBD) age no receptor CB1 inibindo a transmissão sináptica por bloqueio dos canais de cálcio (Ca2+) e potássio (K+) dependentes de voltagem. Desta forma, acredita-se que o Canabidiol possa inibir as crises convulsivas.
Dose inicial, tolerabilidade e estudos randomizados, duplo-cego controladA iavos com foco em populações com epilepsia refrataria, tais como pacientes com síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut estão sendo planejadas. Faltam dados de estudos bem alimentados duplo-cegos randomizados e controlados sobre a eficácia do CBD puro para outros transtornos. No Brasil, de acordo com a Academia Brasileira de Neurologia, os dados cientifícos disponíveis até agora permitem concluir que o uso do Canabidiol em epilepsias de difícil controle poderá desempenhar um papel importante no tratamento dessas epilepsias, em casos específicos, ainda não definidos cientificamente. Além disso, enfatizou que a sua aplicabilidade será dentro do cenário das epilepsias intratáveis e de dificílimo controle; possivelmente com excelente resposta em alguns casos e, em outros, com razoável ou nenhuma resposta. A dose de 200 – 300mg/dia de canabidiol foi administrada em um pequeno numero de pacientes e durante um curto período de tempo. Portanto a segurança acerca do tratamento, a longo prazo, ainda precisa ser estabelecida. Vale ressaltar ainda que conforme dispões o art. 5o, da RDC n o 327, de 9 de dezembro de 2019, os produtos de Cannabis podem ser prescritos quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro. Com relação à segurança, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em Relatório do Comite de Experts em Dependência as Drogas, coloca que o uso do canabidiol tem estudos clínicos limitados com pouca evidencia em ensaios clínicos controlados em humanos. Segundo ainda relatório da OMS, não existem produtos medicinais puros do canabidiol (CBD) comercializados, embora dois estejam em desenvolvimento (2017). Segundo a Associação Americana de Neurologia existem preocupações importantes de segurança sobre o uso de cannabis: Todos os produtos de cannabis tem efeitos colaterais e alguns podem ser sérios. Portanto, mais pesquisas sobre o canabidiol devem ser realizadas para elucidar seu mecanismo de ação no organismo humano, gerando maior segurança na administração de uso para pacientes, cuidadores e prescritores. Portanto, os estudos que existem ate a atualidade limitaram-se a número reduzido de pacientes. Não existe estudo clinico de fase III finalizado, o que e necessário para que se comprove a segurança e eficácia de uma substância. A grande maioria dos estudos com resultados publicados retrata seu uso para a epilepsia, mas nenhum estudo foi capaz de garantir ou mensurar a eficiência e eficácia terapêutica com segurança. Ao contrário, os estudos relatam que ha necessidade de um comparador, estudos randomizados, para apresentarem escalas de evidências.
Diante e apesar do exposto, dado o insucesso das várias medidas antiepilépticas adotadas para a Autora e aparente melhora da condição da Autora, a indicação do uso de drogas com efeito não cientificamente comprovado não é inadequada. No entanto, não se faz necessária a utilização de produtos que não sejam os disponibilizados e comercializados no Brasil (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias- anvisa/2022/anvisa-aprova-novo-produto-medicinal-a-base-de-cannabis).
Conclusão:
Indicado uso de produtos de cannabis de outras marcas com autorização sanitária emitida pela ANVISA.”
Em resposta aos quesitos 3 e 4, esclareceu o seguinte (ID Num. 307379952 - Pág. 4):
“3. O remédio descrito na inicial é o único existente no mercado para o tratamento do(a) autor(a)? O referido medicamento é fornecido pela rede pública de saúde municipal, estadual ou federal?
R. Não, o medicamento descrito na inicial não é o único existente no mercado para o tratamento da Autora e o referido medicamento não é fornecido pela rede pública de saúde municipal, estadual ou federal.
4. Existem outros tratamentos médicos ou medicamentos apropriados para a cura ou estabilização da doença do(a) autor(a)? Em caso positivo, eles são fornecidos pela rede pública de saúde?
R. Sim, existem outros tratamentos médicos ou medicamentos apropriados para a cura ou estabilização da doença da Autora, que são fornecidos pela rede pública de saúde.”
Em resposta ao quesito formulado – id Num. 307379952 - Pág. 5, esclareceu o seguinte:
“De acordo com a inclusa extraida do site da ANVISA (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias- anvisa/2022/anvisaaprova-novo-produto-medicinal-a-base-de-cannabis), no Brasil atualmente sao comercializadas 11 marcas de canabidiois ou extrato de cannabis, com diferentes concentracoes. São elas: - canabidiol da marca PRATI-DONADUZZI® , possuindo 3 diferentes concentracoes: 20 mg/ml, 200 mg/ml e 50 mg/ml; - o canabidiol da marca FARMANGUINHOS® 200mg/ml – o canabidiol da marca NUNATURE®, nas concentracoes 17,18 mg/ml e 34,36 m/mL- o canabidiol da marca VERDEMED® , nas concentracoes 23,75 mg/ml e 50 mg/ml; - o canabidiol da marca GREENCARE® 23,75mg/ml; - o canabidiol da marca BELCHER®, nas concentracoes 17,18 mg/ml e - extrato de cannabis sativa PROMEDIOL® 200 mg/ml;¿ - extrato de cannabis sativa ZION MEDPHARMA® 200 mg/ml; - extrato de cannabis sativa da marca ALAFIAMED® 200 mg/ml; - extrato de cannabis sativa da marca GREENCARE® 79,14 mg/ml. - extrato de cannabis sativa da marca EASE LABS® 79,14 mg/ml. 34,36 mg/ml. Como todos eles são fabricados ou comercializados no Brasil, a respectiva aquisição pelo Ministério e mais econômica, facilitada e bem mais rápida. Considerando a assertiva anterior nesse quesito, pergunta-se: o canabidiol importado e sem registro na ANVISA prescrito ao(a) autor(a) possui eficácia similar a um dos canabidiois/extrato de cannabis das marcas nacionais acima indicadas? Em caso positivo, e possível a respectiva substituição?
R. Sim.”
As partes foram intimadas sobre o laudo pericial.
No caso presente, a perícia realizada concluiu “Indicado uso de produtos de cannabis de outras marcas com autorização sanitária emitida pela ANVISA.”
A parte autora apresentou documento de inscrição no CADUnico (ID Num. 291053380 - Pág. 1).
Consoante anteriormente explanado, o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, em sede de Recurso Repetitivo, definiu critérios objetivos para a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (STJ - Tema 106):
(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência;
No caso, não restou comprovada integralmente o preenchimento dos critérios, tal como definidos em sede de Recurso Repetitivo, para a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (STJ - Tema 106). Tampouco restaram esclarecidas as demais questões, a exemplo da autorização para importação, bem como o custeio do tratamento já realizado.
Todavia, destaco, como acima explanado, a conclusão emitida pelo perito do Juízo de que existem outros tratamentos médicos ou medicamentos apropriados para a cura ou estabilização da doença da Autora, que são fornecidos pela rede pública de saúde.
Sobre o laudo pericial - elaborado por médico de confiança deste Juízo – verifico que se trata de trabalho lógico e coerente, que demonstra que as condições da parte autora foram adequadamente avaliadas.
Verifico, ainda, que o perito judicial respondeu aos quesitos formulados na época oportuna, não se fazendo necessária, portanto, a submissão da parte autora à nova perícia, nem tampouco qualquer esclarecimento adicional, por parte do perito judicial.
Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Concedo a gratuidade de justiça.
Sem custas e honorários nesta instância, nos termos da lei.
Com o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.”
3. Recurso da parte autora: requer a reforma da sentença no tocante ao deferimento das tutelas pretendidas, quais sejam, a tutela de urgência e/ou tutela de evidência, sendo uma solução oleosa rico em CBD da linha clássica, 03 (três) frascos ao mês e 36 (trinta e seis) ao ano, perfazendo o valor total de R$ 9.360,00 (nove mil e trezentos e sessenta reais), além do valor da anuidade de R$350,00 (trezentos e cinquenta reais) e frete de envio de R$ 852,00 (oitocentos e cinquenta e dois reais), considerando que esses são indispensáveis para sua saúde, fixando, desde já, prazo e multa diária para o caso de descumprimento. Seja referendada a liminar, reconhecendo o direito ora pretendido pela autora em face da necessidade já demonstrada do tratamento, segundo prescrição médica.
4. Laudo pericial médico: Consta do laudo: “Discussão Pericianda com histórico de infecção sistêmica grave no primeiro ano de vida que acarretou o atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) em função da encefalopatia crônica não progressiva (ECNP) ou paralisa cerebral (PC). A ECNP é definida como um distúrbio permanente não invariável do movimento e da postura, proveniente de lesões não progressivas encefálicas que iniciam nos primeiros anos de vida. Quaisquer intercorrências na gestação e nos primeiros tempos de vida de um indivíduo, como prematuridade, infecções, traumatismos, intoxicações, malformações cerebrais podem comprometer o encéfalo, ainda imaturo levando a sequelas cognitivas, sensorais e motoras. O grau de comprometimento depende da extensão e dos locais de lesão encefálica e alguns indivíduos com comprometimento motor leve podem ser altamente capacitados para a vida diária. Ao exame pericial da Autora não se observa comprometimento motor, sendo o comprometimento cognitivo é mais significativo, tendo sido observados prejuízos no planejamento, na execução, na solução de problemas e no raciocínio lógico e abstrato. Ademais, a Autora apresenta crises convulsivas de difícil controle características de epilepsia. A epilepsia é uma alteração temporária e reversível da atividade elétrica cerebral (AEC), que não tenha sido causada por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. A descarga eletrica neuronal anomala que geram as convulsoes podem ser resultante de neuronios com atividade funcional alterada, resultantes de massas tumorais, cicatrizes cerebrais resultantes de processos infecciosos (meningites, encefalites), isquemicos ou hemorragicos (acidente vascular cerebral), ou ate mesmo por doencas metabolicas (doencas do renais e hepaticas), anoxia cerebral (asfixia) e doencas geneticas. A sintomatologia apresentada durante a crise vai variar conforme a area cerebral em que ocorreu a descarga anormal dos neuronios. As crises epilépticas são tratadas com drogas antiepilépticas, sendo que cerca de dois terços dos pacientes controlam as crises de forma adequada. Uma vez que a maioria das pessoas com epilepsia tem suas crises controladas com o tratamento medicamentoso e, portanto, podem ter vida normal, com pouca ou nenhuma limitação, a epilepsia não deve ser considerada como uma doença incapacitante. Destaca-se que o objetivo do tratamento da epilepsia e propiciar a melhor qualidade de vida possivel ao paciente e o alcance de um adequado controle de crises com um minimo de efeitos adversos. Quando o controle completo de crises se revelar inalcançável, uma estrategia alternativa adequada e combinar a frequencia de crises minima desejavel com efeitos adversos mantidos dentro de limites aceitáveis. No caso da Autora, que não vinha respondendo aos esquemas terapêuticos propostos, foi prescrito o Óleo da ABRACE Laranja Clássico Canabidiol, 45 gotas/dia continuamente, com melhora da frequência das crises. O Canabidiol e um dos componentes farmacologicamente ativos da Cannabis sativa e tem como caracteristicas nao ser psicoativo (nao causa alteracoes psicosensoriais), ter baixa toxicidade e alta tolerabilidade em seres humanos. Os canabinoides agem no corpo humano pela ligacao com seus receptores. No sistema nervoso central, o receptor CB1 e altamente expresso, localizado na membrana pre-sinaptica das celulas. Estes receptores CB1 estao presentes tanto em neuronios inibitorios gabaergicos quanto em neuronios excitatorios glutamatergicos. O canabidiol (CBD) age no receptor CB1 inibindo a transmissao sinaptica por bloqueio dos canais de calcio (Ca2+) e potassio (K+) dependentes de voltagem. Desta forma, acredita-se que o Canabidiol possa inibir as crises convulsivas. Dose inicial, tolerabilidade e estudos randomizados, duplo-cego controlados com foco em populacoes com epilepsia refrataria, tais como pacientes com sindromes de Dravet e de Lennox-Gastaut estao sendo planejadas. Faltam dados de estudos bem alimentados duplo-cegos randomizados e controlados sobre a eficacia do CBD puro para outros transtornos. No Brasil, de acordo com a Academia Brasileira de Neurologia, os dados cientificos disponiveis ate agora permitem concluir que o uso do Canabidiol em epilepsias de dificil controle podera desempenhar um papel importante no tratamento dessas epilepsias, em casos especificos, ainda nao definidos cientificamente. Alem disso, enfatizou que a sua aplicabilidade sera dentro do cenario das epilepsias intrataveis e de dificilimo controle; possivelmente com excelente resposta em alguns casos e, em outros, com razoavel ou nenhuma resposta. A dose de 200 – 300mg/dia de canabidiol foi administrada em um pequeno numero de pacientes e durante um curto periodo de tempo. Portanto a seguranca a cerca do tratamento, a longo prazo, ainda precisa ser estabelecida. Vale ressaltar ainda que conforme dispoe o art. 5o, da RDC n o 327, de 9 de dezembro de 2019, os produtos de Cannabis podem ser prescritos quando estiverem esgotadas outras opcoes terapeuticas disponiveis no mercado brasileiro. Com relação à segurança, a Organizacao Mundial de Saude (OMS), em Relatorio do Comite de Experts em Dependencia as Drogas, coloca que o uso do canabidiol tem estudos clinicos limitados com pouca evidencia em ensaios clinicos controlados em humanos. Segundo ainda relatorio da OMS, nao existem produtos medicinais puros do canabidiol (CBD) comercializados, embora dois estejam em desenvolvimento (2017). Segundo a Associação Americana de Neurologia existem preocupacoes importantes de seguranca sobre o uso de cannabis: Todos os produtos de cannabis tem efeitos colaterais e alguns podem ser serios. Portanto, mais pesquisas sobre o canabidiol devem ser realizadas para elucidar seu mecanismo de acao no organismo humano, gerando maior seguranca na administracao de uso para pacientes, cuidadores e prescritores. Portanto, os estudos que existem ate a atualidade limitaram-se a numero reduzido de pacientes. Nao existe estudo clinico de fase III finalizado, o que e necessario para que se comprove a seguranca e eficacia de uma substancia. A grande maioria dos estudos com resultados publicados retrata seu uso para a epilepsia, mas nenhum estudo foi capaz de garantir ou mensurar a eficiencia e eficacia terapeutica com seguranca. Ao contrario, os estudos relatam que ha necessidade de um comparador, estudos randomizados, para apresentarem escalas de evidencias. Diante e apesar do exposto, dado o insucesso das várias medidas antiepilépticas adotadas para a Autora e aparente melhora da condição da Autora, a indicação do uso de drogas com efeito não cientificamente comprovado não é inadequada. No entanto, não se faz necessária a utilização de produtos que não sejam os disponibilizados e comercializados no Brasil (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias- anvisa/2022/anvisa-aprova-novo-produto-medicinal-a-base-de-cannabis). Conclusão Indicado uso de produtos de cannabis de outras marcas com autorizacao sanitaria emitida pela ANVISA.”
5. Outrossim, a despeito das alegações recursais, reputo que a sentença, analisou corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo a recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação.
6. Não obstante a relevância das razões apresentadas pela recorrente, o fato é que todas as questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
7. Recorrente condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.