APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-51.2023.4.03.6100
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: ALBERTO BARROSO ABRAO
Advogados do(a) APELANTE: ROANNITA BECKER ZICCHELLA - SP416159-A, SANDRA RAIMUNDA DE LIMA - SP435563-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: NEI CALDERON - SP114904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-51.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: ALBERTO BARROSO ABRAO Advogados do(a) APELANTE: ROANNITA BECKER ZICCHELLA - SP416159-A, SANDRA RAIMUNDA DE LIMA - SP435563-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: A parte autora ajuizou a presente ação de anulação do procedimento de execução extrajudicial, com pedido de tutela de urgência para suspensão do leilão, em face da Caixa Econômica Federal. O MM Juízo a quo deferiu a tutela pleiteada para suspender a realização do leilão. A ré apresentou a contestação. A sentença deferiu os benefícios da justiça gratuita à parte autora e julgou improcedente o pedido deduzido na inicial. Condenou o autor ao pagamento da verba honorária, arbitrada em 10% sobre o valor atualizado da causa, mais despesas processuais comprovadamente incorridas pela parte ré (CPC, art. 84), cuja execução fica suspensa nos termos do art. 98, §3º do CPC em face da justiça gratuita deferida. Custas nos termos da Lei. Inconformado, apelou o autor sob a alegação de que tem direito à cobertura securitária devido à concessão da aposentadoria por invalidez. Resumidamente, pleiteia o reconhecimento da quitação integral do contrato de financiamento em razão da aposentadoria por invalidez concedida desde o ano de 2013, com a anulação da consolidação da propriedade em face da apelada e, subsidiariamente, roga pela retomada do contrato de financiamento. Sem contrarrazões, remetidos os autos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-51.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: ALBERTO BARROSO ABRAO Advogados do(a) APELANTE: ROANNITA BECKER ZICCHELLA - SP416159-A, SANDRA RAIMUNDA DE LIMA - SP435563-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: A questão cinge-se ao contrato de financiamento imobiliário com garantia por alienação fiduciária, celebrado pelas partes, na qual a parte autora (devedor/fiduciante), transfere a propriedade à instituição bancária (credora/fiduciária) até o pagamento total da dívida. Essa modalidade contratual encontra-se regulada pela Lei n. 9.514/97. A norma regulamentadora prescreve que, nos casos de inadimplemento da obrigação pelo fiduciante, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do credor fiduciário, respeitados os procedimentos legais, previstos no artigo 26 da referida Lei. Após essa etapa, a instituição bancária poderá proceder à alienação do imóvel. Conforme se depreende dos autos, o apelante adquiriu o imóvel situado na Avenida Nagib Farah Maluf, n. 370 (atual 388), apto. 13 B, Conjunto Habitacional José Bonifácio, mediante contrato de financiamento celebrado com a Caixa Econômica Federal, assinado em 15/07/2009: contrato de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e alienação fiduciária – carta de crédito individual – FGTS com utilização dos recursos da conta vinculada do FGTS do(s) devedor(es)/fiduciante(s) (id 303420229). Reporta o apelante que, em 2013, foi acometido por enfermidade que lhe causou incapacidade permanente e foi deferido o benefício de aposentadoria por invalidez e, somente em 2018, tomou conhecimento que tinha direito à quitação da sua dívida, tendo em vista o seguro obrigatório inserto no contrato de financiamento. Prossegue afirmando que, na ocasião, procurou a CEF e tratou com uma representante da recorrida, que teria inserido as informações no sistema da instituição financeira e, desde então, não recebia mais os boletos do financiamento, motivo pelo qual acreditava que o contrato estava completamente quitado. Assim, pleiteia a concessão de tutela para suspender os efeitos do leilão designado para o dia 31/01/2023 e do ato de expropriação do imóvel. Roga pela quitação da dívida em razão da aposentadoria por invalidez e anulação do registro da propriedade, caso arrematado o bem. Feitas tais considerações passo ao exame da questão posta. Da quitação pela cobertura securitária Não obstante a parte apelante postule a seu favor a cláusula contratual que prevê a cobertura securitária prescrita na Cláusula Vigésima – Seguros “Durante a vigência deste contrato de financiamento são obrigatórios os seguros contra morte, invalidez permanente e danos físicos do imóvel, previstos na Apólice de Seguro Habitacional Compreensivo para Operações de Financiamento com recursos do FGTS, os quais serão processados por intermédio da CEF, obrigando-se o(s) DEVEDOR(ES)/FIDUCIANTE(S) a pagar os respectivos prêmios”, não foi comprovado nos autos que o autor está permanentemente inválido. Na realidade, compulsando os autos verifica-se que o apelante teve concedido o benefício de aposentadoria por invalidez desde 07/10/2013 (id 29127056); ocorre que o benefício foi cessado em 08/11/2019 (id 29127057). O recorrente afirma ter se dirigido à Caixa Econômica Federal em 2018, enquanto beneficiário da aposentadoria por invalidez, para solicitar a cobertura securitária e que a funcionária do banco teria inserido a informação no sistema. Desde então, não recebeu mais as cobranças das parcelas do financiamento e, diante desse quadro, considerou que o contrato estava quitado e não se preocupou mais com os pagamentos das parcelas. Não obstante a alegação acima, o autor não fez prova do protocolo do pedido da cobertura securitária junto à Caixa Econômica Federal ou perante a companhia securitária. Ademais, contra a cessação da aposentadoria por invalidez, ajuizou o autor ação pleiteando o restabelecimento do benefício (AC. 5003103-82.2020.4.03.6183), cuja sentença determinou o pagamento do auxílio-doença desde a data de 08/11/2019, com reavaliação pela Administração no prazo de 18 meses. Ou seja, uma vez cessada a aposentadoria por invalidez, o benefício atualmente pago é o auxílio-doença. Da consolidação da propriedade A fim de embasar a ilegalidade da consolidação de propriedade em prol da instituição bancária, o autor alega ter sido surpreendido, em janeiro/2023, pela notícia de que o imóvel poderia ser arrematado por terceiros mediante leilão designado para o dia 31/01/2023. Não obstante as alegações, verifica-se que intimações foram encaminhadas ao devedor. Para tanto, necessária a análise do procedimento expropriatório juntado aos autos (id 303420231). Consta dos autos as notificações com as certidões negativas lavradas pelo 7º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo com o seguinte teor: 1) notificação extrajudicial efetuada no endereço Avenida Nagib Farah Maluf 370 – apto 13B – Condomínio Rio Paraná III – Conjunto Residencial Jose Bonifácio (id 303420231 – pg. 10) “Certifico e dou fé que a notificação registrada e microfilmada sob o número de registro acima, NÃO FOI CUMPRIDA em virtude da(s) ocorrência(s): em 16/05/2022 às 13:35h, fui informado pelo Sr Paulo Libâneo, síndico ao aptº 33 A , RG 12.381.36 segundo o qual o destinatário é desconhecido.” 2) notificação extrajudicial efetuada no endereço Avenida Flamingo 827 – Vila Nova Curuca (id 303420231 – pg. 15) “Certifico e dou fé que a notificação registrada e microfilmada sob o número de registro acima, NÃO FOI CUMPRIDA em virtude da(s) ocorrência(s): em 14/05/2022 às 12:05h, fui atendido pelo Sr Reginaldo Bueno, morador do imóvel, RG 28.590.998-3, segundo o qual o destinatário mudou-se para local incerto e não sabido há aproximadamente dez anos.” Por não ser localizado o devedor, a intimação foi via edital. Deve-se ressaltar, ainda, a narrativa do apelante no seu recurso: “Ademais, o APELANTE sequer sabia da suposta dívida, uma vez que não recebia mais os boletos da parcela de financiamento e sequer, recebeu cobrança de eventuais débitos pelo APELADO, sendo que o APELANTE só tomou conhecimento sobre o LEILÃO e de que havia débitos, após receber o comunicado de um vizinho, de que teria encontrado a carta endereçada ao APELANTE no chão do condomínio. Frisa-se que o condomínio – local do imóvel, não possui portaria para recebimento de correspondências, ou seja, não foi oportunizada a purga da mora ao APELANTE, uma vez que este jamais recebeu a cobrança dos valores pelo APELADO e, por tal razão, também deve ser cancelada a consolidação da propriedade em favor do APELADO, por não serem preenchidos os requisitos necessários relativo à intimação do APELANTE para a purga da mora.” Dos elementos colhidos, não se vislumbra a ausência de notificação a invalidar o procedimento de retomada do imóvel pela Caixa Econômica Federal. Não obstante, o pedido merece ser parcialmente provido, eis que a purgação da mora até a data da arrematação merece algumas considerações. Em primeiro lugar, não se desconhece que o Superior Tribunal de Justiça, por sua 3ª Turma, firmara entendimento no sentido de “ser possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei n. 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário (....) até a assinatura do auto de arrematação, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/66” (AgInt no AREsp n. 1.286.812/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. em 10/12/2018, DJe de 14/12/2018). Posteriormente, quando do julgamento do REsp n. 1.649.595/RS, aquela mesma 3ª Turma observou que, com o advento da Lei n. 13.465/2017, a purgação da mora passou a ser viável apenas até a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário; e, mais do que isso, concluiu pela aplicabilidade da inovação legislativa mesmo com relação aos contratos a ela anteriores. Veja-se: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI Nº 13.465/2017. DIREITO DE PREFERÊNCIA. (....) 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, antes da edição da Lei nº 16.465/2017, a purgação da mora era admitida no prazo de 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 ou, a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação do imóvel, com base no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei nº 9.514/1997. Precedentes. 4. Após a edição da Lei nº 13.465, de 11/7/2017, que incluiu o § 2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, assegurando o direito de preferência ao devedor fiduciante na aquisição do imóvel objeto de garantia fiduciária, a ser exercido após a consolidação da propriedade e até a data em que realizado o segundo leilão, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.649.595/RS, em 13/10/2020, se posicionou no sentido de que, ‘com a entrada em vigor da nova lei, não mais se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do fiduciário’, mas sim o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária, previsto no mencionado art. 27, § 2º-B, da Lei nº 9.514/1997. 5. Na oportunidade, ficou assentada a aplicação da Lei nº 13.465/2017 aos contratos anteriores à sua edição, considerando, ao invés da data da contratação, a data da consolidação da propriedade e da purga da mora como elementos condicionantes, nos seguintes termos: ‘i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997’ (REsp 1.649.595/RS, Terceira Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 16/10/2020). 6. Hipótese dos autos em que a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário ocorreu após a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, razão pela qual não há que falar em possibilidade de o devedor purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, ficando assegurado apenas o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária. 7. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 2.007.941/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 16/2/2023.)” Sempre atenta à jurisprudência superior, esta Turma vinha seguindo sem divergência tal entendimento, aplicando a lei nova aos contratos a ela anteriores. Ocorre que, sob o prisma CONSTITUCIONAL, há fundadas razões para sustentar a tese contrária, entendimento que ora passo a justificar. Com efeito, o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. In casu, o contrato configura ato jurídico perfeito, porquanto aperfeiçoado na vigência da Lei n. 9.514/1997 e antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, o que se deu em 12 de julho de 2017. Ora, o direito de purgar a mora é de natureza substancial ou material, possuindo justamente tal natureza as regras que o consagram. Uma vez purgada a mora, desaparece o débito e mantém-se o vínculo contratual. Fosse uma norma relativa ao procedimento, ou seja, atinente às regras do rito tendente à consolidação da propriedade ou à alienação do imóvel, aí, sim, teria procedência o entendimento que dá pela aplicabilidade da lei nova, na perspectiva, por todos conhecida, de que as regras de processo aplicam-se imediatamente, alcançando os feitos em curso. Frise-se, porém, que não é essa a hipótese de que se cuida, pois a purgação da mora produz efeitos na relação jurídica de direito material. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, por respeito à segurança jurídica, a lei nova não alcança os contratos celebrados anteriormente. Veja-se: RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 123 DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CIVIL. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PLANOS DE SAÚDE. LEI 9.656/1998. DISCUSSÃO SOBRE A SUA APLICAÇÃO EM RELAÇÃO A CONTRATOS FIRMADOS ANTERIORMENTE À RESPECTIVA VIGÊNCIA. I - A blindagem constitucional ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada configura cláusula pétrea, bem assim um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, consubstanciando garantias individuais de todos os cidadãos. II - Os efeitos decorrentes da entrada em vigor da Lei 9.656/1998 em relação a fatos passados, presentes, futuros e pendentes pode variar, de acordo com os diferentes graus da retroatividade das leis, admitida pela doutrina e jurisprudência em casos particulares. III - Dentro do campo da aplicação da lei civil no tempo é que surge a regulamentação do setor de prestação de assistência suplementar à saúde, como forma de intervenção estatal no domínio econômico, implementada pela Lei 9.656/1998, a gerar reflexos no campo da aplicação da lei civil no tempo. IV - A expansão da assistência privada à saúde, paralelamente à sua universalização, para além de estar calcada no direito constitucional de acesso à saúde, também atende aos ditames da livre iniciativa e da proteção ao consumidor, ambos princípios norteadores da ordem econômica nacional. V - Como em qualquer contrato de adesão com o viés de aleatoriedade tão acentuado, a contraprestação paga pelo segurado é atrelada aos riscos assumidos pela prestadora, sendo um dos critérios para o seu dimensionamento o exame das normas aplicáveis à época de sua celebração. VI - Sob a perspectiva das partes, é preciso determinar, previamente, quais as regras legais que as vinculam e que servirão para a interpretação das cláusulas contratuais, observado, ainda, o vetusto princípio pacta sunt servanda. VII - A dimensão temporal é inerente à natureza dos contratos de planos de saúde, pois as operadoras e os segurados levaram em conta em seus cálculos, à época de sua celebração, a probabilidade da ocorrência de riscos futuros e as coberturas correspondentes. VIII - As relações jurídicas decorrentes de tais contratos, livremente pactuadas, observada a autonomia da vontade das partes, devem ser compreendidas à luz da segurança jurídica, de maneira a conferir estabilidade aos direitos de todos os envolvidos, presumindo-se o conhecimento que as partes tinham das regras às quais se vincularam. IX - A vedação à retroatividade plena dos dispositivos inaugurados pela Lei 9.656/1998, como aqueles que dizem respeito à cobertura de determinadas moléstias, além de obedecer ao preceito pétreo estampado no art. 5°, XXXVI, da CF, também guarda submissão àqueles relativos à ordem econômica e à livre iniciativa, sem que se descuide da defesa do consumidor, pois todos encontram-se expressamente previstos no art. 170 da CF. X – Os contratos de planos de saúde firmados antes do advento da Lei 9.656/1998 constituem atos jurídicos perfeitos, e, como regra geral, estão blindados contra mudanças supervenientes, ressalvada a proteção de outros direitos fundamentais ou de indivíduos em situação de vulnerabilidade. XI - Nos termos do art. 35 da Lei 9.656/1998, assegurou-se aos beneficiários dos contratos celebrados anteriormente a 10 de janeiro de 1999 a possibilidade de opção pelas novas regras, tendo o § 4° do mencionado dispositivo proibido que a migração fosse feita unilateralmente pela operadora. XII – Em suma: As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como nos contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos inalterados. XIII - Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 948634, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-274 DIVULG 17-11-2020 PUBLIC 18-11-2020) No mesmo sentido: RE n. 212609, rel. p/acórdão Min. Teori Zavascki, j. 29/4/2015; RE n. 180979 AgR, rel. Min. Francisco Rezek; RE n. 263161 AgR, rel. Min. Ellen Gracie, j. 8/10/2002; RE n. 159979, rel. Min. Paulo Brossard, j. 18/10/1994; RE 241777 AgR-AgT, rel. Min. Carlos Britto, j. 26/10/2004). Não é outro o entendimento da doutrina especializada: “Suponhamos a hipótese clássica de uma nova lei sobre determinado contrato. A despeito do efeito imediato, a atuação das leis encontra limite no Direito Adquirido. Ora, os contratos geram consequências que, tendo entrado para o patrimônio do sujeito, se caracterizam como tal. Ergo, a lei aplicável aos contratos é a antiga e não a nova” (Rubens Limongi França, A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998). Tornando ao caso dos autos, não se pode tomar como ato jurídico perfeito a consolidação da propriedade, isoladamente, em detrimento do contrato. A consolidação da propriedade é apenas um dos efeitos que podem resultar do contrato. A proteção da segurança jurídica é maior, abrange o ato negocial por inteiro. Deveras, ao firmarem um contrato, as partes fazem-no à luz do direito então vigente, analisando todas as possibilidades e avaliando os pontos favoráveis e desfavoráveis. Dentre eles se situa, claramente, o direito à purgação da mora como forma de manter o vínculo contratual. Assim, se, quando da celebração do contrato, o ordenamento vigente assegurava ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, não é possível ou mesmo razoável que, posteriormente, uma lei nova incida e reduza-lhe o tempo para o exercício daquele direito; e assim o é porque, em cenário jurídico diverso – e, no caso, também adverso –, talvez a parte ora apelante nem mesmo firmasse o contrato. Acrescente-se que, a prevalecer o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, corre-se o risco de, em alguns casos, suprimir-se por completo o direito à purgação da mora. Sim, pois segundo aquela C. 3ª Turma, se a consolidação da propriedade ocorrer já na vigência da lei nova, restará ao devedor fiduciário apenas a possibilidade de exercer o direito de preferência, ou seja, pode ocorrer que o prazo para a purgação da mora, que se estenderia até a data da assinatura do auto de arrematação, esgote-se antes mesmo da consolidação – por força do § 1º do artigo 26 da Lei n. 9.514/1997 – e, talvez, até mesmo antes da entrada em vigor da nova lei, em claro e indevido caráter retroativo. Para evitar-se a irretroatividade da lei, a única solução aceitável dentro do espectro constitucional, data venia, é a de aplicar-se a lei vigente ao tempo da celebração do contrato, de sorte que, se tal fato deu-se antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, o devedor fiduciário tem direito a purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação; e se tal direito foi-lhe negado, há de ser-lhe assegurado pelo Poder Judiciário. Portanto, considerando o pacto celebrado entre as partes, em 15/07/2009, antes das inovações conduzidas pela Lei n. 13.465/2017, e sob a vigência da Lei n. 9.514/1997, conclui-se que a purgação de mora é possível até a lavratura do auto de arrematação. Atualmente, este é o entendimento acolhido por esta Turma: “PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMÓVEL EM GARANTIA. CONTRATO FIRMADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 16.465/2017. ATO JURÍDICO PERFEITO. PURGAÇÃO DA MORA. POSSIBILIDADE ATÉ A ASSINATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. No caso em apreço, o contrato configura ato jurídico perfeito, porquanto aperfeiçoado na vigência da Lei n. 9.514/1997 e antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, o que se deu em 12 de julho de 2017. 2. O direito de purgar a mora é de natureza substancial ou material, possuindo justamente tal natureza as regras que o consagram, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, por respeito à segurança jurídica, a lei nova não alcança os contratos celebrados anteriormente. Precedentes. 3. Se, quando da celebração do contrato, o ordenamento vigente assegurava ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, não é possível ou mesmo razoável que, posteriormente, uma lei nova incida e reduza-lhe o tempo para o exercício daquele direito; e assim o é porque, em cenário jurídico diverso – e, no caso, também adverso –, talvez a parte ora agravante nem mesmo firmasse o contrato. 4. Para evitar-se a irretroatividade da lei, a única solução aceitável dentro do espectro constitucional, data venia, é a de aplicar-se a lei vigente ao tempo da celebração do contrato, de sorte que, se tal fato deu-se antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, o devedor fiduciário tem direito a purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação; e se tal direito foi-lhe negado, há de ser-lhe assegurado pelo Poder Judiciário. 5. Quanto ao pedido de consignação em pagamento nos autos, a questão deverá ser apreciada pelo juízo a quo, sob pena de supressão de instância, por ser o pedido principal da autora, ora agravante, e ainda não analisado em primeiro grau. 6. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.” (TRF3, AI 5022412-09.2023.4.03.0000, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, Primeira Turma, j. 01/02/2024). Nesse contexto, a análise da demanda implica na anotação do momento da celebração do contrato e, por este fato, deve se dar a derradeira oportunidade para a parte autora purgar a mora até a arrematação. Assim, por ora, a execução extrajudicial conduzida pela Caixa deve ser suspensa, devendo a instituição financeira apresentar o valor atualizado para a purgação da mora, já descontadas as eventuais parcelas pagas. Uma vez notificada a parte autora do valor, o devedor deverá purgar a mora no prazo de 15 dias improrrogáveis. Não purgada a mora no prazo estipulado, a retomada do imóvel pela Caixa Econômica Federal deve ser reiniciada. Por todo o exposto, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para conceder-lhe a derradeira oportunidade para purgar a mora, no prazo de 15 dias, após a notificação do valor fornecido pela Caixa Econômica Federal. Inverto o ônus da sucumbência. Saliento que eventuais embargos de declaração opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. Por último, de forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados meramente ao prequestionamento e de modo a viabilizar o acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconstitucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este Colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário ademais incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, §2º do CPC. É o voto.
E M E N T A
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COBERTURA SECURITÁRIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA E CASSADA. PURGAÇÃO DA MORA ATÉ A ARREMATAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL.
I. Caso em exame.
1. Ação anulatória de execução extrajudicial com pedido de tutela de urgência para suspensão de leilão de imóvel, ajuizada em face da Caixa Econômica Federal. O autor, aposentado por invalidez, alegou que teria direito à quitação do contrato de financiamento imobiliário, argumentando que o seguro habitacional obrigava a cobertura do saldo devedor. A sentença julgou improcedente o pedido e manteve a execução extrajudicial.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber:
(i) se o autor tem direito à quitação do saldo devedor do contrato de financiamento em razão da aposentadoria por invalidez; e
(ii) se a ausência de notificação pessoal do leilão poderia invalidar o procedimento de consolidação da propriedade do imóvel em nome da ré.
iii) possibilidade de retomada do contrato de financiamento.
III. Razões de decidir
3. A cobertura securitária prevista no contrato de financiamento não se aplica, pois não foi comprovada a invalidez permanente e o benefício de aposentadoria por invalidez foi cessado.
4. O procedimento de notificação do leilão foi corretamente realizado por edital, após tentativa frustrada de notificação pessoal, conforme a Lei nº 9.514/1997, não havendo irregularidades que justificassem a anulação da consolidação da propriedade.
5. Considerando o pacto celebrado entre as partes, em 15/07/2009, antes das inovações conduzidas pela Lei n. 13.465/2017, e sob a vigência da Lei n. 9.514/1997, conclui-se que a purgação de mora é possível até a lavratura do auto de arrematação.
IV. Dispositivo e tese
6. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
"1. O direito à quitação de contrato de financiamento por invalidez permanente depende de prova cabal da condição de invalidez à época do requerimento, sendo insuficiente o deferimento temporário do benefício previdenciário. 2. O procedimento de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário não se invalida pela ausência de notificação pessoal, quando regularmente cumprido via edital."