Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0023586-65.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: KALIFA 7 TELEFONIA ELETRO ELETRONICA E INFORMATICA LTDA - ME

Advogado do(a) APELADO: AGNELO JOSE DE CASTRO MOURA - SP54338

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0023586-65.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: KALIFA 7 TELEFONIA ELETRO ELETRONICA E INFORMATICA LTDA - ME

Advogado do(a) APELADO: AGNELO JOSE DE CASTRO MOURA - SP54338

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Remessa oficial e apelação interposta pela União contra sentença que, em sede de mandado de segurança, concedeu a ordem para determinar à autoridade administrativa a realização da confrontação entre as notas fiscais apresentadas pela impetrante e as mercadorias apreendidas, com o afastamento da exigência de apresentação de extratos bancários e livros fiscais, ressalvada a ampla fiscalização no tocante ao recolhimento dos tributos (Id 104179920, p. 83/87).

 

Aduz (Id 104179920, p. 116/132) que:

 

a) a apresentação dos extratos bancários tem como objetivo a analisar a consistência das informações e dos efetivos pagamentos correspondentes, de modo a comprovar a idoneidade da trajetória contábil fiscal e a efetiva aquisição das mercadorias;

 

b) as notas fiscais não são suficientes para a comprovação da regularidade das mercadorias, pois é necessário comprovar a realização de operações mercantis regulares, razão pela qual a fiscalização exigiu a apresentação de extratos bancários, livros fiscais, balancete de verificação, livros caixa, razão, diário, de entrada e registro de inventário;

 

c) o processo de perdimento de mercadorias está regulado pelo Decreto-Lei n. º 1.455/76, que prevê que a decisão que trata do perdimento de mercadorias será proferida pelo Ministro da Fazenda em instância única;

 

d) da leitura do artigo 618, inciso X, do Decreto n.º 4.543/2002 se pode extrair o entendimento de que a pena se dirige à mercadoria e há presunção de ocorrência de dano ao erário, que independe da comprovação da análise subjetiva dos envolvidos na operação de importação.

 

Em contrarrazões (Id 104179920, p. 139/146), o apelado requer a manutenção da sentença.

 

O parecer ministerial é no sentido de que seja desprovido o recurso (Id 104179920, p. 152/154).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0023586-65.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: KALIFA 7 TELEFONIA ELETRO ELETRONICA E INFORMATICA LTDA - ME

Advogado do(a) APELADO: AGNELO JOSE DE CASTRO MOURA - SP54338

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

 

V O T O

 

 

 

I - Dos fatos

 

Mandado de segurança impetrado por Kalifa 7 Telefonia, Eletroeletrônica e Informática Ltda. contra ato praticado pelo Inspetor Chefe da Receita Federal em São Paulo/SP, com vista à realização da conferência física das mercadorias com as notas fiscais apresentadas no Processo Administrativo n.º 16905.000131/2008-07.

 

Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito:

 

a) a impetrante é empresa que se dedica ao comércio e reparo de equipamentos de informática, eletroeletrônicos, telefones e acessórios em geral (Id 104182885, p. 27);

 

b) em 26.08.2008, foi lavrado o Auto de Infração n. º 0815500/2008/114, porquanto encontradas no estabelecimento comercial mercadorias importadas sem a documentação fiscal de sua regular aquisição (Id 104182885, p. 31/38).

 

II – Da aplicação da lei processual

 

Inicialmente, ressalta-se que a sentença recorrida foi proferida em 03.02.2010 (Id 104179920, p. 87), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos n.º 01 e 02/2016, do STJ).

 

III – Do conhecimento parcial do recurso

 

A questão referente à aplicação da pena de perdimento em instância única, na forma do artigo 27, § 4º, Decreto-Lei n. º 1.455/76, suscitada nas razões de apelação (Id 104179920, p. 116/132), não foi objeto sentença (Id 104179920, p. 83/87). Desse modo, observa-se que o apelante inova em seu pedido, razão pela qual tal ponto não pode ser conhecido nesta sede.

 

IV– Da pena de perdimento

 

Cinge-se a questão ao exame da legalidade da pena de perdimento aplicada às mercadorias objeto do auto de infração do Processo Administrativo Fiscal n.º 16905.000131/2008-07, em razão da não apresentação dos documentos solicitados pela autoridade fiscal, na forma dos artigos 105, inciso X, do Decreto-Lei n° 37/66, 23, inciso IV, e § 1º, do Decreto-Lei n° 1.455/76 e 618, inciso X, do Decreto n.º 4.543/2002, que assim dispunham à época dos fatos:

 

Decreto-Lei n° 37/1966

Art.105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

(...)

X- estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação     regular;

 

Decreto-Lei n° 1.455/76

Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

(...)

IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas " a " e " b " do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.

(...)

§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.

 

Decreto n.º 4.543/2002

Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei nº 1.455, de 1976, art. 23 e § 1º, com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002, art. 59):

(...)

X - estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita prova de sua importação regular;

 

Da leitura do Despacho Decisório IRF/SPO n.º 63/2009 verifica-se que o impetrante apresentou impugnação ao auto de infração acompanhada da cópia das notas fiscais. Solicitados documentos adicionais para apuração da idoneidade fiscal das mercadorias, o autuado permaneceu silente e a autoridade determinou a aplicação da pena de perdimento às mercadorias (Id 104182885, p. 46/51).

 

Nota-se que a decisão que determinou a aplicação da penalidade limita-se a afirmar que não foram apresentados documentos fiscais aptos a comprovar a cobertura fiscal da aquisição das mercadorias. Por sua vez, a apresentação das notas fiscais emitidas por empresas regularmente estabelecidas (Id 104182885, p. 76/147) demonstra a aquisição da mercadoria importada no mercado interno e a presunção de boa-fé do adquirente, com o afastamento da alegação de que a impetrante deveria provar a importação regular, obrigação exigível ao importador.  Sobre o tema cumpre destacar a oportuna análise feita pelo Desembargador Federal Lazarano Neto, no julgamento da Apelação Cível n.º 0801764-88.1994.4.03.6107, cujo trecho transcrevo:

 

Portanto, o consumidor final do produto importado, exposto à venda no mercado interno, não pode ser responsável pelo tributo não recolhido pelo comerciante/importador, muito menos sofrer penalidades decorrentes desse inadimplemento, a menos que esteja caracterizada situação de fraude, conluio ou má-fé. Não há nos autos qualquer demonstração nesse sentido, razão pela qual não se pode admitir a aplicação de sanção, decorrente da aquisição de boa-fé, mediante nota fiscal devidamente emitida, de mercadoria importada.

 

No mesmo sentido, confira-se:

 

TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. BEM ADQUIRIDO NO MERCADO INTERNO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AFASTADA A APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO.

Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a importação irregular de mercadorias não pode prejudicar o adquirente de boa-fé no mercado interno.

(TRF 4ª Região, Segunda Turma, AC 5016380-22.2019.4.04.7009, Rel. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, j. 16.05.2023, destaquei).

 

ADMINISTRATIVO. MERCADORIA ESTRANGEIRA. PROCEDÊNCIA IRREGULAR. PENA DE PERDIMENTO. ADQUIRENTE. TERCEIRO DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.

1. Nos termos do entendimento jurisprudencial já firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a "'aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada mediante nota fiscal, gera a presunção de boa-fé do adquirente (...) (REsp nº 718.021/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 22.05.06). Precedentes: AgRg no REsp nº 510.659/DF, Rel. Min. José Delgado, DJ de 09.12.2003; AgRg no REsp nº 553.742/SE, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 03.04.2006." (AgRg no REsp 648.959/MG, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, j. 07.11.2006, DJ 14/12/2006).

2. Em igual passo esta Corte, ao sedimentar o entendimento de que a "aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada, mediante transação regular, gera a presunção de boa fé do adquirente, cabendo ao Fisco a prova em contrário. A pena de perdimento não pode se dissociar do elemento subjetivo, tampouco desconsiderar a boa fé do adquirente." (AMS 330.055/SP, Relatora Desembargadora Federal Alda Basto, Quarta Turma, j. 24.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 em 05.11.2013).

3. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.

(TRF 3ª Região, Quarta Turma, AMS: 0005780-60.2014.4.03.6126, Rel. Juiz Fed. Conv. Marcelo Guerra, j. 27.10.2016, destaquei).

 

Assim, verificada a nulidade da pena de perdimento, é de rigor a manutenção da sentença.

 

Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, quais sejam, artigos 12, parágrafo único, do Decreto-Lei n. º 200/1967, 136 do CTN, 238, inciso IV, da Portaria ME n° 95/2007, 23 a 32 do Decreto-Lei n.º 1.455/1976, bem como os Decretos n.º 83.785/79 e 83.937/79,além da Portaria RFB n° 665/2008, não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados.

 

V - Do dispositivo

 

Ante o exposto, conheço parcialmente da apelação e nego-lhe provimento, assim como à remessa oficial.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADUANEIRO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS PARA VENDA. APRESENTAÇÃO DE NOTAS FISCAIS. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. REEXAME DESPROVIDO. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

A questão referente à aplicação da pena de perdimento em instância única, na forma do artigo 27, § 4º, Decreto-Lei n. º 1.455/76, suscitada nas razões de apelação, não foi objeto sentença. Desse modo, observa-se que o apelante inova em seu pedido, razão pela qual tal ponto não pode ser conhecido nesta sede.

- A apreensão pela autoridade aduaneira foi realizada com fundamento no artigo 105, inciso X, do Decreto-Lei n.º 37/66, segundo o qual aplica-se pena de perdimento à mercadoria estrangeira exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação regular.

- Diferentemente do afirmado pela Receita Federal, apresentadas as notas fiscais emitidas por empresas regularmente estabelecidas que demonstram a aquisição da mercadoria importada no mercado interno, presume-se a boa-fé do adquirente, com o afastamento da alegação de que a impetrante deveria provar a importação regular, obrigação que é exigível ao importador. Precedentes.

- Remessa oficial desprovida. Apelação parcialmente conhecida e desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu conhecer parcialmente da apelação e negar-lhe provimento, assim como à remessa oficial, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. WILSON ZAUHY. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ANDRÉ NABARRETE
DESEMBARGADOR FEDERAL