APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025822-24.2008.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: SAMTRONIC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA
Advogado do(a) APELANTE: JULIANA ASSOLARI ADAMO CORTEZ - SP156989-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025822-24.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: SAMTRONIC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA Advogado do(a) APELANTE: JULIANA ASSOLARI ADAMO CORTEZ - SP156989-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: jcc R E L A T Ó R I O Apelação interposta por SAMTRONIC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA. (Id. 97443957 - fls. 11/25) contra sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou improcedente o pedido e denegou a ordem (Id. 97443975). Alega, em síntese, que: a) o conceito de aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, fato gerador do IRPJ e da CSLL, não alcança a mera expectativa de ganho futuro ou em potencial; b) o saldo credor de ICMS escriturado não constitui disponibilidade econômica ou jurídica atual (renda disponível), mas futura; c) o artigo 289, § 3º, do Decreto nº 3.000/99 (RIR), que não permite considerar como custo o saldo credor de ICMS, viola o princípio da capacidade contributiva e o disposto no artigo 155, § 2º, inciso X, a, da Constituição Federal. Contrarrazões apresentadas no Id. 97443957 (fls. 30/32), nas quais a União requer seja desprovido o apelo. Parecer ministerial juntado aos autos no Id. 97443957 (fls. 38/40), no qual opina seja dado provimento ao recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025822-24.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: SAMTRONIC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA Advogado do(a) APELANTE: JULIANA ASSOLARI ADAMO CORTEZ - SP156989-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: jcc V O T O Apelação interposta por SAMTRONIC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA. (Id. 97443957 - fls. 11/25) contra sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou improcedente o pedido e denegou a ordem (Id. 97443975). Inicialmente, ressalta-se que a questão posta nos autos não versa sobre exclusão de crédito de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mas sim de mandado de segurança, com pedido de compensação, impetrado para assegurar o direito de considerar como custo o saldo credor de ICMS não aproveitado no ano, excluindo-o do conceito de lucro, enquanto permanecer na situação de não aproveitamento, observada a prescrição quinquenal. O juiz da causa julgou improcedente o pedido e denegou a ordem. Irresignada, apela a impetrante. 1. Do mérito A regra matriz de incidência dos tributos está prevista na Constituição Federal e, quanto ao imposto de renda, seu contorno é delimitado pelo artigo 153, inciso III, que prevê a competência da União para instituir imposto sobre: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza". O artigo 43 do Código Tributário Nacional define como fato gerador da exação a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. É possível afirmar, portanto, que o pagamento de montante que não seja produto do capital ou do trabalho ou que não implique acréscimo patrimonial afasta a incidência do imposto de renda. Outrossim, devem ser consideradas, ainda, as hipóteses de isenção ou não incidência legalmente previstas. De outro lado, o artigo 289, § 3º, do Decreto nº 3.000/99 estabelece: Art. 289. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o Livro de Inventário, no fim do período de apuração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 14). § 1º O custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 13). § 2º Os gastos com desembaraço aduaneiro integram o custo de aquisição. § 3º Não se incluem no custo os impostos recuperáveis através de créditos na escrita fiscal. Vê-se que os créditos de imposto recuperáveis mediante escrituração contábil não podem ser utilizados como custo operacional por expressa previsão legal, ainda que não constituam disponibilidade jurídica e o seu aproveitamento não se tenha dado imediatamente. Custo operacional é toda despesa efetuada no exercício da atividade empresária, pois de acordo com o artigo 299 do citado decreto: Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47). § 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º). § 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º). § 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a designação que tiverem. O fenômeno da recuperação acarreta a possibilidade de aproveitamento na operação posterior de créditos decorrentes da anterior, conforme escrituração fiscal do contribuinte. Assim, o valor atinente ao tributo que incidiu na aquisição do bem não pode ser considerado “custo”. Nesse sentido, confira-se: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. PIS. COFINS. REGIME NÃO-CUMULATIVO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS. PREVISÃO TAXATIVA. INCABÍVEL INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. DEDUÇÃO DE DESPESAS.IPI INCIDENTE NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS, BENS PARA REVENDA, ATIVO IMOBILIZADO OU INTANGÍVEL. TRIBUTO NÃO-RECUPERÁVEL. CONCEITO LEGAL DE CUSTO DE AQUISIÇÃO. INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB 2121/2022. ILEGALIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. Ausente previsão legal, deve ser indeferido o pleito da impetrante. A legislação apontada (CF, art. 155, § 2º, inc. X, a) não altera referido entendimento. Ante o exposto, voto para negar provimento à apelação.
1. Para concessão de medida liminar é necessária a demonstração do fummus boni iuris e do periculum in mora.
2. Discute-se a possibilidade de aproveitamento de créditos calculados em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na aquisição de insumos, bens para revenda e bens incorporados ao ativo imobilizado ou intangível, para fins de apuração do valor da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS no âmbito do regime não-cumulativo.
3. Diversamente da não-cumulatividade prevista constitucionalmente em relação ao ICMS e ao IPI, aquela aplicável às contribuições ao PIS e COFINS depende de previsão legal e pode beneficiar distintos setores da atividade econômica, conforme disposto no § 12 do artigo 195 da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional n.º 42/03. Não se trata, portanto, de um direito individual do contribuinte de somente pagar o tributo se observada a não-cumulatividade, na medida em que o dispositivo constitucional apenas conferiu ao legislador a faculdade de instituir a não-cumulatividade, podendo, inclusive, adotar como critério diferenciador o setor da atividade econômica atingido, sem que isso implique em ofensa à isonomia. Nesse sentido, o e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 756 (RE n.º 841.979), firmou tese no sentido de que “o legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança”.
4. A não-cumulatividade visa ao controle da tributação que ocorre de forma sucessiva (“em cascata”) na cadeia econômica, a fim de desonerá-la. Dentre os métodos de operacionalização da não-cumulatividade destaco para a solução do caso concreto: (i) “imposto contra imposto” (tax on tax), em que se subtrai o tributo suportado na entrada, cujo valor do crédito vem destacado no próprio documento fiscal, do montante devido na saída; e, (ii) “base contra base” (basis on basis), em que os custos ou despesas são contrapostos ao valor de receitas, sendo deduzido da base de cálculo aquilo que autorizado por lei, de sorte que não há, necessariamente, uma subtração do que incidiu efetivamente na operação anterior. Quando submetidas ao regime não-cumulativo, a apuração das contribuições ao PIS e COFINS adotam a técnica “base contra base”, pois, na forma dos artigos 3º das Leis n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003, sobre o valor de determinados custos ou despesas é aplicada uma alíquota e este crédito financeiro é descontando do valor calculado pela aplicação de uma alíquota sobre a base de cálculo.
5. Os créditos que podem ser descontados são previstos taxativamente pela legislação infraconstitucional, cujo critério de eleição depende da vontade do legislador, ou seja, a tributação submete-se à conveniência e oportunidade do ato, de sorte que somente nos casos em que o comando legal apresentar inconstitucionalidade objetiva poderá o Judiciário declarar sua invalidade. Assim, na apuração tributária, somente é cabível o aproveitamento de créditos pelo contribuinte naquelas situações expressamente previstas na lei. Ainda, na exclusão do crédito tributário a legislação fiscal deve ser adotada literalmente (artigo 111, I, do CTN), o que não autorizaria interpretação extensiva.
6. Os artigos 3º das Leis n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003 estabelecem que, após aplicação da alíquota cabível sobre a base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS, poderá ser descontado do valor apurado créditos calculados em relação a despesas na aquisição de insumos, bens para revenda e bens incorporados ao ativo imobilizado ou intangível, observadas as exceções legalmente previstas. Ainda, o § 2º dos citados dispositivos legais, disciplina as hipóteses em que não se dá direito a crédito.
7. Nos estritos termos do artigo 13 do Decreto-Lei n.º 1.598/1977, que regula o imposto sobre a renda, “o custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação”. Ressalta-se que, regulamentado a tributação sobre a renda, inclusive a disposição legal supracitada, o artigo 301, § 3º, do Decreto n.º 9.580/2018 expressamente dispõe que ”os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição”.
8. A questão apresenta peculiaridade própria aos tributos não-recuperáveis. O fenômeno da recuperação se dá justamente na possibilidade de aproveitamento, na operação posterior, de créditos decorrentes da operação anterior, tudo em conformidade com a escrituração fiscal do contribuinte. Assim, evidentemente, quando recuperável na escrita fiscal, o valor atinente ao tributo que incidiu na aquisição do bem não pode ser considerado “custo”. Na mesma lógica, quando, embora sujeita ao regime da não-cumulatividade, a tributação se dá de tal forma, impedindo esse aproveitamento de créditos, tem-se que o tributo se torna irrecuperável e, portanto, compõe o custo de aquisição na forma da lei.
9. Na particularidade do IPI, tem-se que, submetido a regime não-cumulativo por força de norma constitucional (artigo 153, IV, § 3º, II, da CF), é devido pelos contribuintes indicados no artigo 51 do CTN, dentre os quais não se encontram comerciantes dos produtos sujeitos ao IPI que não atuem, na cadeia econômica, como fornecedores a outros contribuintes do IPI (inciso, III). Assim, o comerciante adquirente de produto sujeito ao IPI que, porém, dele não é contribuinte, não poderá tomar créditos relativos ao valor do IPI pago na operação de entrada para descontá-lo na operação de saída, restando, assim, irrecuperável na sua escrita fiscal.
10. Nesse sentido, inclusive, o entendimento da Receita Federal do Brasil outrora expressado no artigo 167, II, da Instrução Normativa RFB n.º 1.911/2019. Contudo, referida norma foi revogada pela Instrução Normativa RFB n.º 2.121/2022, que, originariamente, nada dispôs sobre a inclusão do IPI não-recuperável no custo de aquisição de bens. Posteriormente, com a vigência da Instrução Normativa RFB n.º 2.152/2023, foi incluído parágrafo único, no artigo 171 da mencionada Instrução Normativa RFB n.º 2.121/2022, que, em seu inciso III, vedou, para fins da tributação de PIS e COFINS, a geração de créditos relativos ao IPI incidente na venda pelo fornecedor
11. O poder regulamentar é uma das formas de manifestação da função normativa do Poder Executivo, que no exercício dessa atribuição pode editar atos normativos que visem explicitar a lei, para sua fiel execução. No ordenamento jurídico brasileiro (artigo 84, IV, da CF), nos limites do princípio da legalidade, o ato regulamentar se limita a estabelecer normas sobre a forma como a lei será cumprida pela Administração, de sorte que não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem, nem pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 132-133).
12. Tem-se que à pretensão de regulamentação sobreveio indevida inovação jurídica, com restrição de direitos do contribuinte, em manifesta violação ao disposto no artigo 13 do Decreto-Lei n.º 1.598/1977 e nos artigos 3º das Leis n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003.
13. Consigna-se que não haverá direito ao creditamento de valores na hipótese de aquisição de bens sujeito ao regime monofásico das contribuições ao PIS e COFINS, justamente porque o adquirente não é contribuinte destes tributos. Quanto ao ponto, a 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo n.º 1.093 (REsp n.ºs1894741/RS e 1895255/RS) firmou, dentre outras, as seguintes teses: “1. É vedada a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre os componentes do custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica (arts. 3º, I, "b" da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003)” e “4. Apesar de não constituir créditos, a incidência monofásica da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não é incompatível com a técnica do creditamento, visto que se prende aos bens e não à pessoa jurídica que os comercializa que pode adquirir e revender conjuntamente bens sujeitos à não cumulatividade em incidência plurifásica, os quais podem lhe gerar créditos”.
14. Reconhecido o direito, para fins de apuração do valor das contribuições ao PIS e COFINS, ao aproveitamento de créditos calculados em relação ao IPI não-recuperável incidente na aquisição de bens para revenda sujeitos ao regime não-cumulativo plurifásico.
15. Agravo de instrumento provido. (g.n.)
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5025974-26.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 08/04/2024, Intimação via sistema DATA: 08/04/2024)
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRÉDITO DE ICMS NÃO APROVEITADO. CONTABILIZAÇÃO COMO CUSTO OPERACIONAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. TRIBUTO RECUPERÁVEL.
- O artigo 289, § 3º, do Decreto nº 3.000/99 estabelece que os créditos de imposto recuperáveis mediante escrituração contábil não podem ser utilizados como custo operacional, ainda que não constituam disponibilidade jurídica e o seu aproveitamento não tenha se dado imediatamente.
- O fenômeno da recuperação acarreta a possibilidade de aproveitamento na operação posterior de créditos decorrentes da anterior, conforme escrituração fiscal do contribuinte. Assim, o valor atinente ao tributo que incidiu na aquisição do bem não pode ser considerado “custo”.
- Apelação desprovida.