Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção

REVISÃO CRIMINAL (12394) Nº 5015526-57.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA

Advogados do(a) REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA - SP286844-N, HOMERO MORALES MASSARENTE - SP144158-A

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

REVISÃO CRIMINAL (12394) Nº 5015526-57.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA

Advogado do(a) REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA - SP286844-N

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de REVISÃO CRIMINAL, com pedido liminar, ajuizada por CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA, com fundamento no art. 621, inc. I, do Código de Processo Penal, em face da condenação imposta nos autos da Ação Penal Originária nº 0001381-44.2007.4.03.6122.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, que julgou parcialmente procedente a denúncia, a fim de condená-lo pela prática do crime previsto no art. 312, § 1º, c.c. art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do Código Penal, à pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 258 (duzentos e cinquenta e oito) dias-multa, à razão unitária de 1/2 (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como à perda do cargo público (CP, art. 92, I) e à reparação de danos, nos termos do art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal (ID´s 292359903 - págs. 22/50 e 292359904 - págs. 01/09).

No julgamento da apelação criminal, a 11ª Turma desta Corte Regional Regional decidiu, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso interposto pela defesa de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA, apenas para reduzir a pena-base e o valor unitário do dia-multa, ficando a sua pena definitiva fixada em 10 (dez) anos, 4 (quatro) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 50 (cinquenta) dias-multa; e dar parcial provimento ao recurso interposto pela acusação, para condenar os réus ao pagamento das custas processuais. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu, de ofício, afastar a condenação dos réus à reparação de danos, nos termos do voto do Relator, vencido o Desembargador Federal Fausto de Sanctis que mantinha para cada um dos réus o valor estabelecido em sentença à título de reparação pelos danos causados pela infração, tratando-se de efeito automático da condenação, independentemente de pedido expresso, nos termos do art. 91, I, do Código Penal e art. 387, IV, do Código de Processo Penal (ID 292359882).

O v. acórdão transitou em julgado (ID 292357672).

Na presente revisão criminal, em seu arrazoado (ID 292357665), a defesa pediu, liminarmente, a suspensão da execução da pena, bem como do prazo prescricional. No mérito, requereu a reforma da condenação, para que seja "acolhida a tese de nulidade da r. sentença por descumprimento da teoria monista, absolvição por inexistência de requisito essencial ao fato típico a que foi condenado (subtração) ou, subsidiariamente, desclassificação do delito de peculato furto para o de estelionato qualificado".

 O Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Ronaldo Pinheiro de Queiroz, manifestou-se em parecer ministerial pela improcedência do pedido revisional, a fim de que seja mantida na íntegra a condenação do requerente (ID 292518312).

A liminar foi indeferida (ID 292592452) e a defesa interpôs Agravo Regimental em face desta decisão, pugnando pela concessão da medida para suspensão dos atos executórios (ID 292850777).

 É O RELATÓRIO.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

REVISÃO CRIMINAL (12394) Nº 5015526-57.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA

Advogado do(a) REQUERENTE: CIRO AFONSO DE ALCANTARA - SP286844-N

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

1. Do caso dos autos. Inicialmente, insta consignar que, na ação penal originária nº 0001381-44.2007.4.03.6122, CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos artigos 171,§3º, 313-A e 299, c.c. art. 327, §2º, todos do Código Penal. 

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, que julgou parcialmente procedente a denúncia, a fim de condená-lo pela prática do crime previsto no art. 312, § 1º, c.c. art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do Código Penal, à pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 258 (duzentos e cinquenta e oito) dias-multa, à razão unitária de 1/2 (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como à perda do cargo público (CP, art. 92, I) e à reparação de danos, nos termos do art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal (ID´s 292359903 - págs. 22/50 e 292359904 - págs. 01/09).

No julgamento da apelação criminal, a 11ª Turma desta Corte Regional Regional decidiu, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso interposto pela defesa de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA, apenas para reduzir a pena-base e o valor unitário do dia-multa, ficando a sua pena definitiva fixada em 10 (dez) anos, 4 (quatro) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 50 (cinquenta) dias-multa; e dar parcial provimento ao recurso interposto pela acusação, para condenar os réus ao pagamento das custas processuais. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu, de ofício, afastar a condenação dos réus à reparação de danos, nos termos do voto do Relator, vencido o Desembargador Federal Fausto de Sanctis que mantinha para cada um dos réus o valor estabelecido em sentença à título de reparação pelos danos causados pela infração, tratando-se de efeito automático da condenação, independentemente de pedido expresso, nos termos do art. 91, I, do Código Penal e art. 387, IV, do Código de Processo Penal (ID 292359882).

O v. acórdão transitou em julgado (ID 292357672).

Na presente revisão criminal, em seu arrazoado (ID 292357665), a defesa pediu, liminarmente, a suspensão da execução da pena, bem como do prazo prescricional. No mérito, requereu a reforma da condenação, para que seja "acolhida a tese de nulidade da r. sentença por descumprimento da teoria monista, absolvição por inexistência de requisito essencial ao fato típico a que foi condenado (subtração) ou, subsidiariamente, desclassificação do delito de peculato furto para o de estelionato qualificado".

A liminar foi indeferida, tendo sido afastada a tese de nulidade da sentença condenatória, em razão da adequada aplicação da emendatio libelli, prevista no artigo 383 do Código de Processo Penal (ID 292592452).

2. Do Agravo Regimental. A defesa interpôs Agravo Regimental em face da decisão de ID 292592452 que, considerando não configurados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, indeferiu o pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela. 

Em suas razões recursais, reiterou as alegações apresentadas, requerendo, mais uma vez, a suspensão dos efeitos da condenação até o julgamento do pedido (ID 292850777).

Contudo, no caso, julgo o recurso prejudicado, em razão da análise do mérito da revisão criminal. 

3. Do Cabimento da revisão criminal. Consoante reiteradas decisões deste Tribunal (v.g. RVC 00272252420104030000, Márcio Mesquita, E-DJF3 Judicial 1 Data: 16.07.2013; RVC 0012264442011030000, Cotrim Guimarães, E-DJF3 Judicial 1 Data: 20.12.2012; RVC 0006374902012403000, Cecília Mello, E-DJF3 Judicial 1 Data: 20.12.2012), a efetiva ocorrência de cada uma das hipóteses elencadas no art. 621, incisos I, II e III, do Código de Processo Penal, implica, necessariamente, o exame do mérito da ação.

Nessa ordem de ideias, considerando que para o conhecimento da revisão criminal basta a mera afirmação de que está ou estão presentes uma ou mais hipóteses de cabimento previstas em cada um dos incisos do artigo 621 do Código de Processo Penal, conheço do presente pedido revisional, eis que a efetiva ocorrência das referidas hipóteses é matéria reservada ao mérito da ação.

4. Do mérito da Revisão Criminal. A defesa requer a procedência do recurso para que CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA seja absolvido, alegando "inexistência de requisito essencial ao fato típico a que foi condenado (subtração)". E, subsidiariamente, pede a desclassificação do delito de de peculato-furto para o de estelionato qualificado.

Vejamos.

4.1. Do pedido de desclassificação da conduta. O requerente foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos artigos 171,§3º, 313-A e 299, c.c. art. 327, §2º, todos do Código Penal. 

Narra a denúncia (ID 292359884 - págs. 03/15) o que se segue:

"No ano de 2006, auditores da Secretaria da Receita Federal do Brasil apuraram a existência de um esquema montado pelos denunciados com o objetivo de fraudar as Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte - DIRF, de órgãos públicos municipais, e Declarações de Pessoas Físicas - DIRPF, forjando restituições indevidas, totalizando um prejuízo ao erário de mais de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais).

A fraude consistia na alteração dos dados constantes do sistema informatizado da Receita Federal e na elaboração de Declarações de Imposto de Renda na Fonte - DIRF's - em nome de órgãos públicos municipais, mencionando pagamentos e respectivas retenções de imposto de renda na fonte sem que os mesmos houvessem ocorrido.

Nas DIRF's forjadas encontram-se apenas rendimentos pagos a pessoas físicas, a título de "rendimentos do trabalho sem vínculo empregatício" (cód. 0588), tendo sido prestadas, supostamente, pela Câmara Municipal de Pracinha-SP (ano-calendário 2002 e 2003) e pela Câmara Municipal de Prado Ferreira-PR (ano-calendário 2001, 2002 e 2005), conforme segue abaixo (...)

Em resposta, foi informado por ambas Câmaras Municipais que nunca houve qualquer prestação de serviços e, portanto, qualquer pagamento efetuado e retenção de imposto relativo àquelas pessoas mencionadas, bem como que não foram apresentadas DIRFs pelos órgãos nos anos-calendários 2002 e 2003 (fls. 93/95 do apenso I, volume I; fls. 318/320 deste IPL).

Deste modo, os contribuintes que supostamente haviam prestado serviços para os referidos órgãos públicos e tiveram imposto de renda retido na fonte vieram a receber restituições de imposto de renda indevidas, dentre os quais os codenunciados CIRO AFONSO DE ALCÂTARA, LUIZ RICARDO GRIGOLLI FERNANDES, IVO CARLOS GRIGOLLI FERNANDES, LUIZ PAULO GONÇALVES, ANTONIO MARCIO NOCENTE, ALFREDO IVO FERNANDES, ADRIANA GRIGOLLI FERNANDES DE ALCANTARA, MARCIA GOMES FERNANDES, SONIA APARECIDA GRIGOLLI FERNANDES, LEDA MARIA ALCANTARA, bem como os contribuintes Janaina Karen Carolina Alcântara de Lima, Rosa Cristina Caetano, Maurício Ferreira e Maria Danielly Francisca Alves Ferreira.

Foi determinada a suspensão condicional do processo para os réus Alfredo Ivo Fernandes, Adriana Grigolli Fernandes de Alcântara, Antônio Márcio Nocente, Luiz Paulo Gonçalves e Sonia Aparecida Grigolli Fernandes." 

A denúncia foi recebida em 16/04/2010 (ID 292359884 - págs. 16/17).

Após devida instrução processual, sobreveio sentença, que julgou parcialmente procedente a denúncia, a fim de condenar CIRO pela prática do crime previsto no art. 312, § 1º, c.c. art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do Código Penal (ID 6251100).

Em sede recursal, a Turma Julgadora, manteve a condenação do requerente pela prática do crime de peculato-furto, tendo, inclusive, afastado a tese de desclassificação da conduta (ID 292359882). Confira-se:

"... 2. Crime do art. 312, § 1º, do Código Penal Os réus foram denunciados como incursos no art. 171, § 3º, do Código Penal e CIRO foi denunciado também pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. Contudo, o juízo a quo reclassificou os fatos para o tipo do art. 312 do Código Penal.

A inserção de informações inverídicas em declarações de imposto de renda de pessoa física e de imposto de renda retido na fonte tinha por objetivo a apropriação de valores de restituição de imposto de renda, valendo-se os réus da facilidade obtida pelo cargo exercido por CIRO na Receita Federal.

Ainda que se tenha feito uso de expediente fraudulento para se obter o montante subtraído dos cofres públicos, não está caracterizado o crime de estelionato, ante a especificidade do tipo do art. 312, do Código Penal. A conduta adequa-se melhor ao tipo penal do peculato-furto, como consta da sentença (fls. 1.409/1.409v):

(...) embora não tivesse a posse do valor, (CIRO) atuou para que fosse subtraído em proveito próprio (...) e dos demais corréus, inclusive em maior valor à sua esposa, valendo-se de facilidade que lhe proporcionava a qualidade de funcionário público, assim tida o conhecimento da fragilidade dos sistemas de controle da Receita Federal do Brasil.

Além disso, a despeito de se tratar de crime próprio de funcionário público, admite-se a comunicação da condição pessoal aos demais corréus em conformidade com o disposto no art. 30 do Código Penal, de modo que mantenho a classificação jurídica feita pelo juízo a quo, ou seja, do art. 312, § 1º, do Código Penal.

Quanto ao mais, é oportuna a contextualização da restituição indevida de valores de imposto de renda. Foi explorada uma brecha no sistema de cruzamento de dados da Receita Federal, uma vez que, no caso dos municípios, os valores referentes à retenção de imposto de renda são apenas informados à União, via DIRF, sem pagamento por meio de DARF. Assim, não há confronto entre o que foi efetivamente retido pelos municípios e a informação prestada por meio da declaração de ajuste de imposto de renda, o que possibilita a entrega dessas declarações de pessoa física com teor falso, acompanhadas de DIRFs com informação igualmente inverídica e, como consequência, a indevida restituição, sem que se levantem suspeitas, em princípio."

No caso, é indiscutível que o delito praticado amolda-se ao descrito no art. 312, § 1°, do Código Penal, motivo pelo qual não há falar em desclassificação da conduta para o crime de estelionato majorado.

Como bem mencionou o Magistrado a quo, in verbis.: "... o núcleo do crime de peculato é duplo: apropriar-se (peculato apropriação) e desviar (peculato desvio). No § 1° o núcleo do tipo é subtrair (peculato furto). Enquanto no caput o funcionário público tem a posse do dinheiro, valor ou bem em razão do cargo, no § 1° o funcionário público, embora não tenha a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou de terceiro, valendo-se de sua condição de funcionário público. O crime, no caput e seu § 1° exige o dolo, não sendo possível, por óbvio, a punição a título de culpa, salvo hipótese do § 2° (peculato culposo). Trata-se de crime próprio, ou seja, o sujeito ativo só pode ser o funcionário público, admitindo-se, todavia, a coautoria, comunicando-se ao coautor a condição pessoal do agente público. É crime material, cujo objeto é constituído de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Assim, a condição de funcionário público de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA ao tempo dos fatos chama a incidência dos crimes praticados contra a Administração Pública (arts. 312 a 327 do CP), a afastar, ante a especialidade, a aplicação do art. 171 do Código Penal. E a condição de funcionário público de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA é indiscutível, porque Técnico da Receita Federal do Brasil, exercendo, ao tempo dos fatos, cargo de chefia na Agência da Receita Federal do Brasil de Osvaldo Cruz. E, embora não tivesse a posse do valor, atuou para que fosse subtraído em proveito próprio (como referido pelo vigilante Maurício Ferreira, que passou a Ciro cerca de cinco mil reais da restituição indevida recebida) e dos demais corréus, inclusive em maior valor à sua esposa, valendo-se de facilidade que lhe proporcionava a qualidade de funcionário público, assim tida o conhecimento da fragilidade dos sistemas de controle da Receita Federal do Brasil."

Nesse sentido, a jurisprudência a seguir:

"PENAL. ART. 312, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. PECULATO FURTO. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CRIME COMETIDO EM RAZÃO DO CARGO OCUPADO NA ADMINISTRAÇÃO. PENA DE MULTA. REDIMENSIONAMENTO. SUMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O réu somente cometeu o crime porque, aproveitando-se da sua condição de funcionário público, obteve dos correntistas as senhas e os respectivos cartões utilizados na contratação dos empréstimos fraudulentos e, posteriormente, para efetuar o saque do dinheiro. Desse modo é indubitável que o crime praticado amolda-se ao peculato-furto, tipificado no art. 312, § 1º, do Código Penal. (...)" (STJ, AgRg no REsp n. 1.830.776/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/2/2020, DJe de 12/2/2020) 

Desta forma, a classificação jurídica feita pelo Juízo de primeiro grau é adequada.

4.2. Do pedido de absolvição do requerente. Segundo consta do v. acórdão proferido à unanimidade, há provas suficientes para manutenção da condenação de CIRO.

Apesar de não terem sido juntadas aos presentes autos as mídias com os depoimentos testemunhais e interrogatório do réu, nota-se que o conjunto probatório foi suficiente e bem demonstrado durante a instrução processual, e foi analisado de forma ponderada e razoável pela Turma Julgadora. Confira-se:

"... A materialidade foi devidamente comprovada, pela representação do setor de malha fiscal (fls. 05 do Apenso I, vol. I), pela representação fiscal para fins penais nº 15940.000127/2006-80, pelos ofícios das Prefeituras Municipais de Prado Ferreira/SP e de Pracinha/SP (fls. 318 e 319/320), pelo quadro sinótico elaborado pela Receita Federal (fls. 471/472), pela relação das declarações de imposto de renda retido na fonte (DIRF) falsas (fls. 870), nas quais se observa que várias pessoas físicas domiciliadas na cidade de Osvaldo Cruz e região apresentaram declarações de imposto de renda pessoa física, correspondentes aos anos-calendário de 2001 a 2004, com valores de imposto de renda a restituir fictícios, apurados com base em DIRFs ideologicamente falsas, elaboradas em nome de órgãos públicos municipais sem que tivessem ocorrido os mencionados pagamentos por serviços prestados e respectivas retenções.

(...) As restituições pagas indevidamente ocorreram a partir da inserção de informações inverídicas nas declarações de imposto de renda de pessoa física e na de imposto de renda retido na fonte, tendo esses dados falsos a capacidade de gerar automaticamente um valor indevido a ser pago ao contribuinte. Não se pode afirmar que a Receita Federal tenha voluntariamente entregado o valor de restituição, mas sim que as informações falsas provocaram as restituições indevidas, de modo que o montante foi subtraído em prejuízo ao erário, não se podendo falar em atipicidade da conduta.

Quanto à autoria, foram apresentadas declarações de imposto de renda que geraram restituições em nome de Luiz Paulo Gonçalves (vigilante da agência da Receita Federal em Osvaldo Cruz/SP), Maurício Ferreira (vigilante da agência da Receita Federal em Osvaldo Cruz/SP), Antonio Marcio Nocente (vigilante da agência da Receita Federal em Osvaldo Cruz), Alfredo Ivo Fernandes (sogro de CIRO), IVO CARLOS GRIGOLLI FERNANDES (cunhado de CIRO), Adriana Grigolli Fernandes de Alcântara (esposa de CIRO), LUIZ RICARDO GRIGOLLI FERNANDES (cunhado de CIRO), MÁRCIA GOMES FERNANDES (concunhada de CIRO), Sonia A. Grigolli Fernandes (sogra de CIRO), Maria Danielly F. A Ferreira (esposa de Maurício Ferreira), Rosa Cristina Caetano (funcionária de limpeza da Agência da Receita Federal de Osvaldo Cruz), Leda Maria Alcântara (irmã de CIRO), Janaína K C. de Alcântara de Lima (sobrinha de CIRO).

(...)

A defesa do corréu CIRO pugna pela sua absolvição ao argumento de que não há provas de que ele tenha sido o responsável pelo envio das declarações e que qualquer pessoa poderia ter utilizado sua estação de trabalho, uma vez que a máquina só é bloqueada depois de dez minutos de inatividade.

Em seu interrogatório judicial (CD fls. 1.080), negou os fatos, mas não soube explicar o motivo de alguém fazer uso do seu computador, com o seu login, para enviar declarações de imposto de renda com informações falsas para gerar restituição de imposto de renda para pessoas de sua família e amigos próximos. Limitou-se a atribuir a responsabilidade a supostos desentendimentos com superiores hierárquicos, sem trazer nenhuma prova do alegado.

Ora, não é crível que se trate de mera coincidência o fato de que todos os beneficiários das restituições indevidas sejam familiares de CIRO ou funcionários da agência da Receita Federal onde ele trabalhava. Ademais, ele próprio narrou que, quando soube dos pagamentos, deixou de comunicar à Receita Federal o ocorrido, comportamento incompatível com o de um servidor público diligente que não tivesse ciência das declarações falsas e, por isso, temesse responder por isso. Além disso, durante a investigação foi possível apurar que o envio de algumas declarações partira da estação de trabalho de CIRO com o uso do seu login (fls. 216/218 do Apenso I, vol. I), fatos corroborados em juízo pelos depoimentos das testemunhas Carlos Maurício Moura Farjoun (CD fls. 948) e Laércio Yuzo Uehara (CD fls. 1.030).

As investigações apontaram também que CIRO realizara diversas consultas aos CPFs dos contribuintes com declarações falsas, além de acompanhar os CNPJs das Câmaras Municipais de Pracinha, Prado Ferreira e Sagres, totalizando 202 (duzentos e dois) acessos num período de 11 (onze) meses (fls. 369/374 do Apenso I e fls. 856/896 do Apenso I). A defesa de CIRO não trouxe qualquer justificativa para que, por exemplo, tenha sido consultado 27 (vinte e sete) vezes o CPF de Janaína de Alcântara Lima, sua sobrinha, ou 28 (vinte e oito) vezes o CPF de Sônia Aparecida Grigolli Fernandes, sua sogra.

As datas de transmissão dessas declarações também mostram a atuação de CIRO na subtração de valores de restituição de imposto de renda. Por exemplo, no dia 27.04.2005 foram transmitidas do mesmo computador tanto a DIRPF ano-calendário de 2004 de Adriana Grigolli Fernandes de Alcântara, às 13h05:11h, quanto a de Antônio Márcio Nocente, às 12h52:54h. Apurou-se que nenhum desses dois nomes constava da declaração original apresentada pela fonte pagadora em 24.02.2005 (fls. 799/803 do Apenso I).

É oportuna a transcrição das conclusões, em sede administrativa, que apontaram para o acusado como autor da subtração de valores (fls. 871 do Apenso I):

(...) o mentor do esquema realmente necessitava de grande conhecimento do funcionamento do processamento tanto das DIRPF, apresentadas pelas pessoas físicas, quanto das DIRF apresentadas pelas fontes pagadoras, fossem originais e retificadoras. Deveria também ter conhecimento do momento dos cruzamentos das informações nela prestadas, e que, no caso das pessoas jurídicas de direito público, em face de que estas não estão obrigadas a recolherem Imposto de Renda na Fonte, o fato de inexistir batimento de DIRF X DARF, ocasiona a liberação das restituições somente pela verificação e batimento dos valores declarados nas DIRF. Do acima exposto, pode-se aduzir que este foi justamente o motivo do acusado ter escolhido as supostas "fontes pagadoras."

Tais elementos comprovam a autoria delitiva e dolo de CIRO que transmitiu 10 (dez) declarações falsas em nome das fontes pagadoras e 32 (trinta e duas) declarações falsas em nome de pessoas físicas, resultando no pagamento indevido de 14 (catorze) restituições, caracterizando-se o crime de peculato-furto. (...)"

Diversamente do alegado pela defesa, restou comprovado, na ação penal nº 0001381-44.2007.4.03.6122, a tipicidade da conduta, assim como a materialidade, a autoria e o dolo do requerente em relação ao crime de peculato-furto.

A pretensão é pela reavaliação de provas e rediscussão de matéria exaustivamente apreciada, ao que não se presta a revisão criminal.  

Vale ressaltar que a revisão criminal não é meio apto para reapreciação do conjunto probatório ou rejulgamento de teses já afastadas pelo Juízo da condenação, de modo que não seria lícita a substituição do livre convencimento motivado de um órgão julgador por outro sem que houvesse a demonstração de que o julgamento ocorreu em desacordo com  texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. 

Nesse sentido, a jurisprudência a seguir:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, CPP. ART. 16 DA LEI 10.826/03. REVISÃO CONHECIDA. ADMISSIBILIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. MÉRITO. HIPÓTESES. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO CONTRÁRIA ÀS EVIDÊNCIAS. PRETENSO REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. REVISÃO IMPROCEDENTE. (...) Em sede de revisão criminal não há espaço para reavaliação do conjunto probatório e para substituição do livre convencimento de um órgão julgador por outro, no âmbito deste mesmo Tribunal. As provas produzidas nos autos são suficientes para embasar o édito condenatório, sendo certo que a fundamentação expendida no voto do Relator aponta para a induvidosa autoria do delito pelo requerente. (...)" (TRF3, QUARTA SEÇÃO, RVC - REVISÃO CRIMINAL - 1350 - 0002893-46.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 19/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/10/2017) 

"REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CABIMENTO. PRECEDENTES DA QUARTA SEÇÃO. DOSIMETRIA. SÚMULA 444 DO STJ. INAPLICABILIDADE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. AÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Para que a decisão impugnada seja desconstituída por ser contrária à evidência dos autos (artigo 621, I, do CPP), é preciso que referido decisum não encontre qualquer apoio na prova produzida no bojo do processo criminal em que proferido. O C. STJ tem reiteradamente decidido que 'O acolhimento da pretensão revisional deve ser excepcional, cingindo-se às hipóteses em que a contradição à evidência dos autos seja manifesta, estreme de dúvidas, dispensando, pois, a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas', não sendo a Revisão Criminal a via processual adequada para se buscar a absolvição por insuficiência ou falta de provas, pois não se trata de um segundo recurso de apelação. (...)" (TRF3, QUARTA SEÇÃO, RVC - REVISÃO CRIMINAL - 1303 - 0001160-45.2017.4.03.0000, Rel. Juíza Convocada GISELLE FRANÇA, julgado em 19/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/10/2017) 

Portanto, seja porque não se pode conceber a via revisional como sucedâneo de recurso de apelação, seja porque a cognição exarada no édito penal condenatório foi exauriente e ampla, de rigor a improcedência das pretensões, restando mantida a condenação de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA.

Ante o exposto, julgo improcedente a revisão criminal, restando mantido o acórdão impugnado em sua integralidade e ficando prejudicado o agravo regimental. 

É COMO VOTO.

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621, INCISO I, DO CPP. PECULATO-FURTO. PRELIMINAR AFASTADA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PROVAS SUFICIENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL. 

1. Consoante reiteradas decisões deste Tribunal, a efetiva ocorrência de cada uma das hipóteses de cabimento do pedido revisional, taxativamente elencadas no art. 621, incisos I, II, e III, do Código de Processo Penal, implica, necessariamente, o exame do mérito da ação.

2. Nulidade da sentença condenatória afastada, em razão da adequada aplicação da emendatio libelli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal.

3. Impossibilidade da desclassificação da conduta. No caso, é indiscutível que o delito praticado amolda-se ao descrito no art. 312, § 1°, do Código Penal, motivo pelo qual não há falar em desclassificação da conduta para o crime de estelionato majorado. Como bem mencionou o Magistrado a quo, in verbis.: "... o núcleo do crime de peculato é duplo: apropriar-se (peculato apropriação) e desviar (peculato desvio). No § 1° o núcleo do tipo é subtrair (peculato furto). Enquanto no caput o funcionário público tem a posse do dinheiro, valor ou bem em razão do cargo, no § 1° o funcionário público, embora não tenha a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou de terceiro, valendo-se de sua condição de funcionário público. O crime, no caput e seu § 1° exige o dolo, não sendo possível, por óbvio, a punição a título de culpa, salvo hipótese do § 2° (peculato culposo). Trata-se de crime próprio, ou seja, o sujeito ativo só pode ser o funcionário público, admitindo-se, todavia, a coautoria, comunicando-se ao coautor a condição pessoal do agente público. É crime material, cujo objeto é constituído de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Assim, a condição de funcionário público de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA ao tempo dos fatos chama a incidência dos crimes praticados contra a Administração Pública (arts. 312 a 327 do CP), a afastar, ante a especialidade, a aplicação do art. 171 do Código Penal. E a condição de funcionário público de CIRO AFONSO DE ALCÂNTARA é indiscutível, porque Técnico da Receita Federal do Brasil, exercendo, ao tempo dos fatos, cargo de chefia na Agência da Receita Federal do Brasil de Osvaldo Cruz. E, embora não tivesse a posse do valor, atuou para que fosse subtraído em proveito próprio (como referido pelo vigilante Maurício Ferreira, que passou a Ciro cerca de cinco mil reais da restituição indevida recebida) e dos demais corréus, inclusive em maior valor à sua esposa, valendo-se de facilidade que lhe proporcionava a qualidade de funcionário público, assim tida o conhecimento da fragilidade dos sistemas de controle da Receita Federal do Brasil."

4. Diversamente do alegado pela defesa, restou comprovado, na ação penal nº 0001381-44.2007.4.03.6122, a tipicidade da conduta, assim como a materialidade, a autoria e o dolo do requerente em relação ao crime de peculato-furto.

5. A revisão criminal não é meio apto para reapreciação do conjunto probatório ou rejulgamento de teses já afastadas pelo Juízo da condenação, de modo que não seria lícita a substituição do livre convencimento motivado de um órgão julgador por outro sem que houvesse a demonstração de que o julgamento ocorreu em desacordo com  texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. Precedentes. Portanto, seja porque não se pode conceber a via revisional como sucedâneo de recurso de apelação, seja porque a cognição exarada no édito penal condenatório foi exauriente e ampla, de rigor a improcedência das pretensões.

6. Agravo Regimental interposto em face da decisão de ID 292592452 que, considerando não configurados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, indeferiu o pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela. Recurso prejudicado, em razão da análise do mérito da revisão criminal. 

7. Revisão Criminal improcedente.


 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após a colheita dos votos dos Desembargadores Federais NINO TOLDO, MAURÍCIO KATO e HÉLIO NOGUEIRA, foi proclamado o seguinte resultado: a Quarta Seção, por unanimidade, decidiu julgar improcedente a Revisão Criminal, restando mantido o acórdão impugnado em sua integralidade, ficando prejudicado o agravo regimental, nos termos do voto do Relator, no que foi acompanhado pelo Desembargador Federal ALI MAZLOUM, pela Juíza Federal Convocada MONICA BONAVINA, e pelos Desembargadores Federais NINO TOLDO, MAURÍCIO KATO e HÉLIO NOGUEIRA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
PAULO FONTES
DESEMBARGADOR FEDERAL