Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000645-47.2007.4.03.6115

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: LIGA ITUANA DE FUTEBOL, UNIÃO FEDERAL, CAMPBED - ADMINISTRACAO E COMERCIO DE DIVERSOES LTDA - ME, J. A. PATREZE & CIA LTDA - ME, LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA EVENTOS RIO CLARO LTDA - ME, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FEDERACAO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR

Advogado do(a) APELADO: ULISSES MENDONCA CAVALCANTI - SP102304-A
Advogado do(a) APELADO: RICARDO TROVILHO - SP119760
Advogado do(a) APELADO: AUGUSTO FAUVEL DE MORAES - SP202052-A
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO SCORIZA - SP64633-A
Advogado do(a) APELADO: DOUGLAS CASSETTARI - SP178364-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000645-47.2007.4.03.6115

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: LIGA ITUANA DE FUTEBOL, UNIÃO FEDERAL, CAMPBED - ADMINISTRACAO E COMERCIO DE DIVERSOES LTDA - ME, J. A. PATREZE & CIA LTDA - ME, LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA EVENTOS RIO CLARO LTDA - ME, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FEDERACAO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR

Advogado do(a) APELADO: ULISSES MENDONCA CAVALCANTI - SP102304-A
Advogado do(a) APELADO: RICARDO TROVILHO - SP119760
Advogado do(a) APELADO: SANDRO ENDRIGO DE AZEVEDO CHIAROTI - SP140659-A
Advogado do(a) APELADO: AUGUSTO FAUVEL DE MORAES - SP202052-A
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO SCORIZA - SP64633-A
Advogado do(a) APELADO: DOUGLAS CASSETTARI - SP178364-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 jcc

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (Id. 105233373 - fls. 148/168 e Id. 105233374 - fls. 01/19) contra sentença que, em sede de ação civil pública, verbis: "a) julgou improcedente os pedidos deduzidos contra a CEF e a União; b) rejeitou o pedido de condenação das rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA-EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇAO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a indenizar danos morais coletivos; e c) acolheu o pedido de condenação das rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA - EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇAO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇÃO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a não mais exercer a atividade de exploração de bingos permanentes ou eventuais no âmbito desta Subseção Judiciária de São Carlos, ficando decretado nesta sentença a perda, em favor da União, das máquinas e equipamentos apreendidos e dos que ainda se encontrem ilegal ou irregularmente na posse dos réus. Confirmada a liminar de fl. 111/120 no que não conflita com o conteúdo desta sentença, incluindo a cominação de astreintes" (Id. 105233373 - fls.137/144).

 

Alega, em síntese, que:

 

a) deve ser deferida a condenação da CEF à obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer autorização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares;

 

b) a CEF e a União devem fiscalizar os estabelecimentos ilegais, em razão do seu poder de polícia;

 

c) restou configurado o dano moral difuso decorrente do funcionamento ilegal de estabelecimentos destinados à prática de bingo;

 

d) o objetivo maior é a defesa do consumidor e a reparação de todos os danos a ele impostos pelo evento ou resultado prejudicial aos seus interesses.

 

Contrarrazões apresentadas no Id. 105233374 (fls. 28/34 e 37/54), nas quais as apeladas requerem seja desprovido o recurso.

 

Parecer ministerial juntado aos autos no Id. 105233374 (fls. 67/78), no qual opina seja provida a apelação.

 

No Id. 105233374 (fls. 120/122), foi deferido o pedido de destinação das mercadorias apreendidas.

 

Memoriais da apelada (id. 308548822), nos quais requer a manutenção da sentença recorrida.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELADO: LIGA ITUANA DE FUTEBOL, UNIÃO FEDERAL, CAMPBED - ADMINISTRACAO E COMERCIO DE DIVERSOES LTDA - ME, J. A. PATREZE & CIA LTDA - ME, LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA EVENTOS RIO CLARO LTDA - ME, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FEDERACAO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR

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V O T O

 

Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (Id. 105233373 - fls. 148/168 e Id. 105233374 - fls. 01/19) contra sentença que, em sede de ação civil pública, verbis: "a) julgou improcedente os pedidos deduzidos contra a CEF e a União; b) rejeitou o pedido de condenação das rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA-EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇAO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a indenizar danos morais coletivos; e c) acolheu o pedido de condenação das rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA - EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇAO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇÃO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a não mais exercer a atividade de exploração de bingos permanentes ou eventuais no âmbito desta Subseção Judiciária de São Carlos, ficando decretado nesta sentença a perda, em favor da União, das máquinas e equipamentos apreendidos e dos que ainda se encontrem ilegal ou irregularmente na posse dos réus. Confirmada a liminar de fl. 111/120 no que não conflita com o conteúdo desta sentença, incluindo a cominação de astreintes" (Id. 105233373 - fls.137/144).

 

1. Dos fatos

 

Ação civil pública ajuizada para obter: "a) a condenação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL à
obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer auto
rização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares em locais situados na Subseção Judiciária de São Carlos, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000.00 (cem mil reais): b) a condenação da UNIÃO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL à obrigação de fazer, consistente no efetivo exercício do poder de polícia decorrente da legislação em vigor, que lhes atribui a prerrogativa de fiscalizar os estabelecimentos de  bingo e congêneres, inclusive para o fim de, administrativamente, determinarem o fechamento de outros estabelecimentos do gênero no âmbito da Subseção Judiciária; c) a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelo dano moral impingido à sociedade, no valor a ser arbitrado (art. 4º do Decreto-Lei nº 4.657/42 - Lei de Introdução ao Código Civil -e no art. 53 da Lei nº 5.250/67 - Lei de Imprensa), valor esse que deverá ser revertido ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, a teor do que dispõem o art. 13 da Lei n° 7.347/85, a Lei nº 9.008/95 e a Resolução nº 12, de 22/01/2004, expedida pela Presidência do Conselho Federal Gestor do referido Fundo: e d) a procedência dos pedidos, mediante a prolação de sentença que confirme o postulado em sede de liminar, condenando os réus no ônus da sucumbência e, ainda, condenando as empresas -rés a não mais exercer a atividade de exploração de bingos permanentes ou eventuais no âmbito da Subseção Judiciária de São Carlos, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), inclusive com a decretação da perda, em favor da UNIÃO, de eventuais máquinas e equipamentos que se encontrem ilegal ou irregularmente na posse e uso dessas empresas".

 

O juiz da causa julgou procedente em parte o pedido. Irresignado, apela o Ministério Público Federal.

 

2. Do reexame necessário

 

Trata-se de caso de remessa obrigatória, pois, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, deve ser efetuada uma interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, de modo a aplicar analogicamente o disposto no artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis

 

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014/73) 

 

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a sentença que julgar improcedente, procedente em parte ou extinguir a ação civil pública está sujeita ao reexame necessário por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou analógica da Lei da Ação Popular (artigo 19). Confira-se: AgInt no REsp n. 1.547.569/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/6/2019, DJe de 27/6/2019; REsp n. 1.578.981/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019; AgInt no AREsp n. 1.541.937/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022. 

 

3. Do mérito

3.1. Dos jogos de azar

 

Inicialmente, faz-se necessário um breve relato histórico dos dispositivos legais atinentes à matéria, notadamente bingo.

 

A Lei nº 9.615/98, conhecida como "Lei Pelé" (que revogou a Lei nº 8.672/93, "Lei Zico"), autorizou a exploração do jogo de bingo no território nacional em seu Capítulo IX, composto pelos artigos 59 a 81, estabelecendo normas gerais.

 

No ano de 2000, adveio a Lei nº 9.981, que alterou os dispositivos da Lei nº 9.615/98, e revogou todos os artigos que tratavam da exploração do jogo de bingo, a partir de 31/12/2001:

 

Art. 2º. Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.

Parágrafo único. Caberá ao INDESP o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de contas. 

 

Ainda no ano de 2000 foi publicado o Decreto-Lei nº 3.659 (revogado pelo Decreto nº 7984/2013), que determinou que a exploração de jogos de bingo é serviço público de competência da União e será executada direta ou indiretamente pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional.

 

Posteriormente, em 31/8/2001, foi editada a Medida Provisória nº 2.216-37, que alterou a redação do artigo 59 da Lei nº 9.615/98 e explicitou essa regra:

 

Art. 17. O art. 59 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento." (NR)

 

Diante do que foi evidenciado, percebe-se que os artigos que permitiam a exploração de bingos foram revogados pela Lei nº 9.981/00, sendo ressalvado apenas o respeito à vigência das autorizações concedidas pela Caixa Econômico Federal até 30/12/2001, até que expirassem em dezembro de 2002.

 

Assim, conjugando-se todas as disposições, conclui-se que, pelo menos a partir de 01/01/2003, a exploração do jogo de bingo - que vinha sendo tolerado à luz da Lei nº 9.615/98 - passou a ser proibida no território nacional. De outro lado, as autorizações concedidas pela CEF expiraram em dezembro de 2002, bem como que referida instituição financeira não pode mais emiti-las. Desse modo, mesmo após a rejeição pelo Senado Federal da Medida Provisória nº 168/2004 - que proibia todas as modalidades de jogos de bingo e jogos em maquinas eletrônicas denominadas "caça-níqueis" - em nada alterou a ilicitude da exploração do jogo de bingo no Brasil a partir de 31/12/2001.

 

Importa ressaltar que são inconstitucionais as leis estaduais e municipais que buscaram regular a matéria em virtude da competência reservada à União (art.22, inciso XX, da Constituição Federal de 1988), a quem compete, junto com a CEF, fiscalizar os estabelecimentos de exploração de jogo do bingo e similares. Ademais, esse tema foi objeto da Súmula Vinculante nº 2, do Supremo Tribunal Federal:

 

STF. súmula Vinculante nº 2É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

(STF - Sessão Plenária de 30/5/2007, DJe nº 31 de 6/6/2007, DJ de 6/6/2007, DOU de 6/6/2007)

 

Portanto, ausente qualquer legitimação legal para as rés explorarem aparelhos de jogos de azar ou bingos, percebe-se o acerto da determinação proferida pelo juízo a quo na sentença, no sentido de que as rés se abstenham de desenvolver atividade de jogos de azar. Por outro lado, devem ser deferidos os pleitos de: a) condenação da CEF à obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer autorização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares; e b) de condenação da CEF e da União à obrigação de fazer consistente na fiscalização dos estabelecimentos ilegais, em razão do seu poder de polícia.

 

O poder de polícia confere a prerrogativa de interditar os estabelecimentos que se dediquem a explorar o bingo e demais jogos de azar, como expressão da autoexecutoriedade das atribuições da CEF. De outro lado, a União, foi omissa em seu dever de fiscalizar a CEF, o que acarretou danos aos consumidores, mormente porque se trata de serviço público federal. Assim, o ente federal deixou de cumprir seu dever constitucional de zelar pelo bem-estar da população, porquanto não impediu a prática de atividade nociva à coletividade.

 

3.2. Do dano moral coletivo

 

O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu artigo 81 a possibilidade de defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor, assim como dispõe no seu artigo 82 que o Ministério Público e a União estão entre os legitimados concorrentes para a defesa desses interesses.

 

Da leitura da inicial são nítidos a abrangência e o alcance social dos fatos narrados na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal para defender os interesses da coletividade, a teor do artigo 81, inciso III, da Lei nº 8.070/90.

 

Impende destacar que por ser atualmente ilícita a atividade desenvolvida pelas rés, conclui-se que trabalharam com a exploração ilegal de atividade econômica em detrimento do consumidor e da coletividade.

 

O simples fato de a atividade promovida pelas apeladas ser uma atividade ilegal já evidencia o perigo de lesão grave a toda a coletividade, dado que, em decorrência do funcionamento e abertura dos estabelecimentos ao público, este poderia entender estar diante de uma atividade regulamentada, não tendo conhecimento da ilicitude.

 

Convém ressaltar, também, que a participação em jogos de azar acarreta graves prejuízos ao usuário do serviço, que se ilude com a falsa promessa de ganho fácil de dinheiro, cabendo, ainda, salientar o caráter extremamente viciante dos jogos de azar, passíveis de afetar o bem estar do jogador e desestruturar o ambiente familiar.

 

Ressalte-se, ainda, que referida atividade ilícita provoca danos à economia brasileira, uma vez que os frequentadores deixam de investir o dinheiro em atividades produtivas e legais, que geram renda para a sociedade, e dispendem seus recursos em jogos de azar.

 

O dano moral existe não só em relação àquele que participava dos jogos, mas a toda a coletividade de pessoas, considerados consumidores por equiparação na forma do CDC, prevalecendo o interesse social na tutela coletiva.

 

Esta ação civil pública mostra-se um eficiente instrumento para reparação dos danos causados aos interesses difusos e coletivos. Assim, os danos provocados por essa atividade é indenizável e deve ser reparado de forma integral, na forma do disposto nos artigos 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor e do 1º da Lei nº 7.347/85.

 

A necessidade de reparação ultrapassa os interesses individuais dos frequentadores das casas de jogos ilegais, buscando resguardar o interesse público na prevenção da reincidência da suposta conduta lesiva por parte dos exploradores dos jogos de azar, de onde se origina o direito da coletividade a danos morais coletivos, ante a exploração comercial de uma atividade que não encontra respaldo na legislação. Assim, no caso em tela, a condenação tem dimensão coletiva não só para reparar o dano moral coletivo já sofrido, configurando um controle repressivo, como também para obstaculizar danos futuros, determinando a obrigação de não fazer e o dever de indenizar das exploradoras de jogos de bingo, consistente num controle preventivo.

 

O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor estabelece:

 

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

 

Destaque-se, ainda, que, conforme previsão do Código de Defesa do Consumidor, no caso a responsabilidade civil é objetiva, portanto independe da existência de dolo ou culpa para existir o dever de reparação dos danos causados aos consumidores (art. 12, caput)

 

Importante assinalar que o dano moral coletivo não depende da comprovação de dor, de sofrimento ou de abalo psicológico, pois tal comprovação, muito embora possível na esfera individual, torna-se muitas vezes inviável aos interesses difusos e coletivos, razão pela qual é dispensada, principalmente em casos tais em que é patente a exploração ilegal da atividade econômica em prejuízo do consumidor. Nesse sentido é a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM URBANÍSTICA. LOTEAMENTO RURAL CLANDESTINO. ILEGALIDADES E IRREGULARIDADES DEMONSTRADAS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO.

1. Recurso especial em que se discute a ocorrência de dano moral coletivo em razão de dano ambiental decorrente de parcelamento irregular do solo urbanístico, que, além de invadir Área de Preservação Ambiental Permanente, submeteu os moradores da região a condições precárias de sobrevivência.

2. Hipótese em que o Tribunal de origem determinou as medidas específicas para reparar e prevenir os danos ambientais, mediante a regularização do loteamento, mas negou provimento ao pedido de ressarcimento de dano moral coletivo.

3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: REsp 1.180.078/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28/02/2012.

4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010.).

5. No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação). Nesse sentido: REsp 1.245.550/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/04/2015.

Recurso especial provido.

(REsp 1410698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015).

 

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.

6. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010)

 

Destaco, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça tem decisões reconhecendo o dano moral coletivo decorrente da exploração ilegal de jogos de azar:

 

PROCESSO COLETIVO E CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JOGOS DE AZAR. BINGOS, CAÇA-NÍQUEIS E AFINS. SÚMULA VINCULANTE 2/STF. VEDAÇÃO PELA LEI 9.981/2000. INEXISTÊNCIA, POR ORA, DE LEGISLAÇÃO QUE AUTORIZE A ATIVIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. CABIMENTO.

1. Na origem, o Ministério Público Federal e a União promoveram ação civil pública contra casas de bingos, caça-níqueis e demais jogos de azar, pleiteando a condenação em obrigações de fazer e não fazer atinentes à interdição da atividade, além de indenização por dano moral coletivo a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

2. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido relativo às interdições, bem como apontou os efeitos dos jogos ilegais não só para o consumidor como também para a família, a coletividade, a economia e a saúde pública, também condenou as rés à indenização por dano moral coletivo, a ser apurada na fase de liquidação, sob o parâmetro de 20% da média arrecadada a partir da expiração das autorizações a elas concedidas até a efetiva interdição das atividades. O Tribunal de origem, em agravo regimental, reformou a sentença de primeiro grau para afastar a condenação das rés ao pagamento de dano moral coletivo.

3. É competência privativa da União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios. Nesse sentido, a Súmula Vinculante 2 considera "inconstitucional a lei ou ato normativo Estadual ou Distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias" (STF, DJe 31, de 6/6/2007).

4. A exploração de casas de bingo chegou a ser permitida pela Lei 9.615/1998 (arts. 59 a 81), mas tais dispositivos legais foram revogados pela Lei 9.981/2000, a partir de 31/12/2001, "respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração" (art. 2º). A União detém a exploração direta de loterias federais ("jogos autorizados") e o Decreto 50.954/1961 incumbe a administração das loterias federais à Caixa Econômica Federal. Portanto, enquanto não sobrevier legislação que a autorize, a exploração comercial de jogos de bingo e de demais jogos de azar não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio vigente.

5. Quando os interesses e direitos individuais coletivamente considerados trazem repercussão social apta a transpor as pretensões particulares, autoriza-se sua tutela pela via coletiva (arts. 81 e 82 do CDC).

6. O art. 6º do CDC traz como direitos básicos do consumidor: "(...) I - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (...) VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados".

7. A responsabilidade civil é objetiva, respondendo os réus, "independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores" (art. 12, caput, do CDC).

8. O dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, pois tal comprovação, embora possível na esfera individual, torna-se inaplicável quando se cuida de interesses difusos e coletivos. Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2010.

Recurso especial interposto pelo Parquet foi conhecido e provido para restabelecer a condenação das rés ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, na forma fixada pela sentença de primeiro grau.

(REsp 1509923/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 22/10/2015)

 

Este tribunal também já se manifestou sobre o tema:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE DE BINGO. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR - PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO - PRELIMINARES AFASTADAS - DANO MATERIAL NÃO CONHECIDO. MATÉRIA NÃO FORMULADA NA PETIÇÃO INICIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO - FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA - CABIMENTO. OBRIGAÇÃO PUBLICAR SENTENÇA. DESNECESSIDADE DA MEDIDA. MULTA POR EXERCÍCIO IRREGULAR AFASTADA.

1- Trata-se de apelações interpostas pelo coautor Ministério Público Federal e pela ré Liberdade Tae Kwon Do Center Clube contra a sentença que julgou procedente o pedido, determinando a interdição dos 16 (dezesseis) estabelecimentos que exploravam jogos de bingos arrolados na inicial, sem, contudo, conceder outros pedidos de natureza condenatória.

2- Havendo indícios de que a apelante explorou clandestinamente o jogo de bingo de 15 de novembro a 28 de fevereiro de 2002 (fls. 1474), período em que vigia o contrato firmado com a empresa LR Eventos e Promoções, persiste sua legitimidade passiva, devendo permanecer no polo passivo. Em relação aos demais pedidos, tendo a apelante contestado o feito, a alteração do polo passivo encontra óbice nos artigos 41 e 264 do Código de Processo Civil/1973, dispositivos que têm por escopo proporcionar a estabilização subjetiva da lide.

3- A rigor do artigo 42 e § 1º do CPC/1973, não tendo o Ministério Público consentido com a substituição, em relação aos demais pedidos deverá a apelante permanecer no polo passivo na condição do substituto processual. Afastada a alegação de falta de interesse de agir superveniente, ao argumento de que todas as casas de bingo da cidade de São Paulo encontram-se fechadas, pois, conforme se verifica às fls. 1955/57 e nos autos do Inquérito Civil nº 1.3411.000283/2009-73 em apenso, inúmeras interdições da atividade de jogo de bingo foram realizadas após a proibição legal e mesmo após a sentença.

4- Não há pedido referente ao dano material na inicial, consequentemente, o recorrente descumpriu a orientação contida no artigo 264 do CPC/1973 (princípio da estabilidade do processo), que não permite a alteração objetiva do pedido após a contestação, salvo se consentida pela parte contrária, de modo que seu conhecimento resta obstado por se tratar de inovação em sede recursal.

5- O dano impõe-se não só em relação àquele que participava dos jogos, mas a coletividade, visto que ser notório que a pratica de jogos de azar acarreta diversos males psiquiátricos às pessoas que nele se viciam e passam a jogar compulsivamente. Mesmo o cidadão saudável, que se ilude com a promessa de "ganhar dinheiro fácil", sofre prejuízos financeiros. Em ambos os caso, o jogo sempre provoca consequências negativas para o jogador e outros indivíduos de seu círculo social, familiar, bem como para a comunidade.

6- Ponderando as circunstâncias em que os fatos se deram e as peculiaridades do caso, obedecendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como do caráter preventivo e do fator de desestímulo que se reveste a indenização, condeno as apeladas a pagarem solidariamente o valor de 100.000,00 (cem mil reais), o qual será revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

7- A ação civil pública tem como objetivo resguardar interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e, no presente caso, proteger os cidadãos (consumidores) da prática de atividades reconhecidamente ilegais, deve ser dado provimento ao recurso do autor nesse parte, para que seja fixado a multa diária em R$ 100.000,00 (cem mil reais), por estabelecimento por estabelecimento que promover as atividades ilegalmente.

8- O pedido para condenação das rés em custear a divulgação da sentença em jorna local e regional não deve ser acolhido, ante a desnecessidade da medida, pois a vedação legal ao funcionamento das casas de bingo é de conhecimento público e notório.

9- Por força do reexame necessário, tido por interposto, que não deve ser acolhido o pedido de fixação de multa aos réus pelo exercício irregular da atividade após expirado o prazo da autorização, ante as condenações já impostas, o que implicaria em dupla punição, dentro do mesmo contexto fático em que as condutas foram praticadas.

10. Remessa oficial, tida por ocorrida, e apelação da ré Liberdade Tae Kwon Do Center Clube improvidas. Apelação do corréu Ministério Público Federal parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1778001 - 0015658-39.2004.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, julgado em 15/02/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/02/2017)


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE DE BINGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. DANO IN RE IPSA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Na lição do eminente Ministro Mauro Campbell Marques, o dano moral coletivo “é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa” (REsp 1397870/MG, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014).
2. Segundo a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o dano moral coletivo somente se configura quando a conduta ilícita acarreta, de forma indevida, grave lesão a valores e interesses coletivos fundamentais. Em razão de sua gravidade, diz-se que tem natureza in re ipsa, ou seja, dispensa-se a comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico.
3. A regra geral para a fixação do valor da indenização está consignada no art. 944 do CC, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Além disso, a fixação do quantum indenizatório, inclusive no caso de dano moral coletivo, deve respeitar os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, balizas inerentes à adequada aferição da “extensão do dano” e à proibição ao enriquecimento indevido.
4. Como o dano moral coletivo se traduz na grave lesão aos valores e interesses coletivos fundamentais, o montante indenizatório deve corresponder à realidade fática das condutas praticadas pelas sociedades que exploram a atividade de bingo. Daí porque a fixação do quantum deve ser diferente para a pessoa jurídica que ainda está exercendo a atividade ilícita daquela que já não se encontra mais violando os preceitos fundamentais.
5. Em juízo de ponderação dos fatos apresentados nestes autos, mostra-se razoável e proporcional fixar os danos morais coletivos em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), corrigidos nos termos da Resolução nº 134/CJF (Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal), os quais serão recolhidos para o Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados (art. 13 da Lei nº 7.347/85).
6. Apelação provida.                                    

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001339-21.2008.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 15/03/2021, Intimação via sistema DATA: 12/04/2021)


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE BINGO. ATIVIDADE EXERCIDA PELA UNIÃO FEDERAL, DIRETA OU INDIRETAMENTE. AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INDISPENSÁVEL. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURADO. PRECEDENTES DO C. STJ E DESTA CORTE REGIONAL.
1. Cinge-se a controvérsia em apurar a responsabilidade dos réus em explorar, ilegalmente, atividade de jogos de bingo, bem como a configuração do dano moral coletivo a ensejar a condenação ao pagamento de verba indenizatória.
2. Tanto na hipótese da Lei nº 9.615, de 1998, quanto na nova sistemática adotada pela Lei nº 9.981, de 2000, o bingo é atividade exercida pela União direta ou indiretamente e o seu exercício pelo particular depende, sempre, de expressa autorização do Poder Público Federal.
3. A exploração de jogos de bingo não pode ser exercida, legalmente, sem o prévio conhecimento do Poder Público autorizador e fiscalizador atribuído pela União à Caixa Econômica Federal.
4. É cabível o pedido de condenação ao pagamento de verba indenizatória por danos morais coletivos em Ação Civil Pública.
5. A configuração do dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor e de abalo psicológico, pois, essas regras não são aplicáveis quando se trata de interesses difusos e coletivos.
6. O do dano moral coletivo se configura no momento em que a atitude do agente ultrapassa os limites do tolerável e atinge valores próprios da coletividade, provocando abalo moral coletivo suficiente a ensejar a condenação ao pagamento de verba indenizatória.
7. Os jogos de azar atingem a estabilidade da sociedade ao tempo em que são viciantes, comprometem a saúde pública e com isso tem o poder de desestruturar as famílias que compõem aquela comunidade, exercendo forte influência negativa na economia e, portanto, a sua prática enseja o pagamento de verba indenizatória a titulo de dano moral coletivo. Precedentes do C. STJ e desta Corte Regional.
13. Dá-se parcial provimento à remessa oficial e nega-se provimento à apelação.               
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1727596 - 0003926-88.2005.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, julgado em 22/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2018)

 

No que toca ao montante da condenação, considerados os primados da proporcionalidade e razoabilidade, bem como o entendimento jurisprudencial sobre o tema, em especial deste tribunal, ilustrado pelas ementas colacionadas, devem os réus arcar com o pagamento da quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão), cada um, a título de danos morais coletivos, valor pelo qual se impõe a responsabilidade solidária (artigo 264 e seguintes do CC). As empresas exploradoras dos jogos de azar se locupletaram por longo tempo, auferindo vantagem indevida com a exploração da atividade ilícita. Tal montante visa a desestimular e reprimir o funcionamento ilegal dos estabelecimentos, compensar os consumidores e punir os infratores. Deverá ser vertido ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985. 

 

O valor da condenação deve ser corrigido a partir desta data conforme os termos da súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça e Manual de Cálculos da Justiça Federal. Em relação aos juros de mora, o termo inicial da sua incidência deveria coincidir com o evento danoso (Súmula 54 do E. STJ). Porém, diante da dificuldade de se apurar a data em que a exploração do jogo de bingo passou a ser proibida no território nacional, entendo que, na singularidade do caso, os juros de mora deverão fluir a partir de 01/01/2003, data em que através da conjugação dos dispositivos legais que regulavam a matéria pode-se concluir que não mais persistia o direito de exploração do jogo de azar.

 

Ante o exposto, voto para dar provimento à apelação e à remessa oficial para reformar em parte a sentença a fim de: a) condenar a CEF à obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer autorização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares; b) condenar a CEF e a União à obrigação de fazer consistente na fiscalização dos estabelecimentos ilegais; e c) condenar as rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA-EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇAO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a indenizar danos morais coletivos fixados em  R$ 1.000.000,00, cada uma, acrescidos de correção monetária e de juros de mora, a serem vertidos ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PROCESSO COLETIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JOGOS DE AZAR. BINGOS E AFINS. VEDAÇÃO PELA LEI Nº 9.981/2000. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO QUE AUTORIZE A ATIVIDADE. ILEGALIDADE CONFIGURADA. CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. 

- A sentença deve ser submetida à remessa obrigatória, pois, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, deve ser efetuada uma interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, de modo a aplicar analogicamente o disposto no artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65).

-A exploração de jogo de bingo permanente constitui atividade proibida em todo o território nacional, conforme disposições legais (Lei nº 8.672/93 - Lei Zico, Lei nº 9.615/98 - Lei Pelé, Lei nº 9.981/2000 e Decreto-Lei nº 3.659). Apesar de ter sido permitida pela Lei nº 9.615/1998 (artigos 59 a 81), tais dispositivos foram revogados pela Lei nº 9.981/2000, a partir de 31/12/2001, respeitadas as autorizações vigentes até a data de sua expiração (artigo 2º).

- Ausente qualquer legitimação legal para as rés explorarem aparelhos de jogos de azar, ou bingos, percebe-se o acerto da determinação proferida pelo juízo a quo na sentença, no sentido de que as rés se abstenham de desenvolver atividade de jogos de azar. Por outro lado, devem ser deferidos os pleitos de: a) condenação da CEF à obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer autorização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares; e b) de condenação da CEF e da União à obrigação de fazer consistente na fiscalização dos estabelecimentos ilegais, em razão do seu poder de polícia.

- Configurado o dano moral coletivo, pois o desenvolvimento da atividade de jogo de jogos de azar, como é o caso dos autos, fere valores da comunidade e causa diversos malefícios, conforme estudo apontado no voto. É damnum in re ipsa, pois decorre da própria violação do comando legal. A efetiva ofensa à coletividade não se extrai da pesquisa ou investigação de que cidadãos específicos foram prejudicados com a realização da atividade ilegal. É caso de direito difuso, logo, indeterminado. Como são várias as consequências do jogo para o cidadão em geral, quando alguém o desenvolve de forma ilegal, não pode ser excluído da responsabilidade de ressarcir os danos morais que causa à sociedade.

- No que toca ao montante da condenação, considerados os primados da proporcionalidade e razoabilidade, bem como o entendimento jurisprudencial sobre o tema, em especial deste tribunal, ilustrado pelas ementas colacionadas, devem os réus arcar com o pagamento da quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão), cada um, a título de danos morais coletivos, valor pelo qual se impõe a responsabilidade solidária (artigo 264 e seguintes do CC). As empresas exploradoras dos jogos de azar se locupletaram por longo tempo, auferindo vantagem indevida com a exploração da atividade ilícita. Tal montante visa a desestimular e reprimir o funcionamento ilegal dos estabelecimentos, compensar os consumidores e punir os infratores. Deverá ser vertido ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985. 

- Remessa oficial e apelação providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação e à remessa oficial para reformar em parte a sentença a fim de: a) condenar a CEF à obrigação de não fazer consistente em abster-se de conceder qualquer autorização para casas de bingo e estabelecimentos congêneres e mesmo para atividades similares; b) condenar a CEF e a União à obrigação de fazer consistente na fiscalização dos estabelecimentos ilegais; e c) condenar as rés LIGA SANCARLENSE DE FUTEBOL, AVENIDA-EVENTOS RIO CLARO LTDA., FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL AMADOR, LIGA ITUANA DE FUTEBOL, J. PATREZE&CIA LTDA. e CAMPBED - ADMINISTRAÇAO E COM. DE DIVERSÕES LTDA. a indenizar danos morais coletivos fixados em R$ 1.000.000,00, cada uma, acrescidos de correção monetária e de juros de mora, a serem vertidos ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e a Des. Fed. LEILA PAIVA. Declarou seu impedimento o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. WILSON ZAUHY. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ANDRÉ NABARRETE
DESEMBARGADOR FEDERAL