APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003275-96.2022.4.03.6104
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: LUIZ CARLOS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: MARIANA DIAS SOLLITTO BELON - SP308409-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003275-96.2022.4.03.6104 RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO APELANTE: LUIZ CARLOS DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: MARIANA DIAS SOLLITTO BELON - SP308409-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição ajuizado por Luiz Carlos dos Santos em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Concedido o direito à gratuidade da justiça. Contestação do INSS. Houve réplica. Documentos anexados aos autos pelo Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Organizado de Santos – OGMO/Santos. O pedido foi julgado improcedente. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual busca a anulação da r. sentença, para que lhe seja possibilitada a produção de prova pericial referente aos períodos de 29.04.1995 a 30.09.1996, 01.10.1996 a 31.12.1998, 01.05.2000 a 31.01.2003, 01.05.2003 a 31.05.2005, 01.08.2005 a 31.10.2005, 01.12.2005 a 31.05.2010 e 01.12.2010 a 10.10.2019, quando laborou como estivador. Sem contrarrazões, subiram os autos a este Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003275-96.2022.4.03.6104 RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO APELANTE: LUIZ CARLOS DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: MARIANA DIAS SOLLITTO BELON - SP308409-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, insta observar que o julgamento antecipado do mérito somente é cabível nas hipóteses previstas nos incisos do artigo 355 do Código de Processo Civil: “Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.” Nesse contexto, verifico que a controvérsia colocada em Juízo envolve o reconhecimento da alegada natureza especial das atividades exercidas pela parte autora, o que impõe a produção de perícia técnica relativamente aos períodos de 29.04.1995 a 30.09.1996, 01.10.1996 a 31.12.1998, 01.05.2000 a 31.01.2003, 01.05.2003 a 31.05.2005, 01.08.2005 a 31.10.2005, 01.12.2005 a 31.05.2010 e 01.12.2010 a 10.10.2019. É que, a partir da edição do Decreto nº 2.172/97, tornou-se demasiadamente penosa para a parte autora a comprovação da natureza especial das atividades exercidas em condições insalubres, perigosas ou penosas. Diante de verdadeiro cipoal de leis e normas incompreensíveis ao segurado comum e da quase inexistente fiscalização por parte do Poder Público, no tocante ao efetivo exercício de funções em condições especiais, a parte autora não consegue que lhe sejam fornecidos os formulários de insalubridade e laudos periciais exigidos pela vigente legislação. Em virtude de a parte autora ter alegado o exercício de trabalho portuário, em diversas funções, na condição de segurado trabalhador avulso, observo que o PPP apresentado não se mostra suficientemente elucidativo no que diz respeito à manutenção do ambiente laboral e, eventualmente, dos agentes nocivos nele apontados. Ademais, não há precisão quanto à exposição a agentes químicos e físicos nocivos à saúde do segurado. Dessa forma, não estando o processo devidamente instruído para o adequado julgamento do mérito, de rigor a anulação da r. sentença, a fim de que se oportunize a demonstração das reais condições de trabalho no período indicado pelo autor. Conforme pontuou o Juízo de primeiro grau: “[...] Relativamente ao período de 29/04/1995 a 30/09/1996, juntou o autor Formulário id 252103338 demonstrando que laborou como Estivador na faixa portuária (a bordo de navios). (...) Referido formulário demonstra que durante o intervalo controvertido o trabalhador esteve sujeito a “interpéries, exposto as mais oscilantes condições de temperatura, chuva frio, calor excessivo, sob a ação direta dos raios solares causticantes, câmaras frigoríficas, umidade intensa, dispêndio de esforço constante e, excessivamente, nas mais incômodas posições, etc., o que torna o ambiente verdadeiramente penoso, insalubre e perigoso.” Portanto, referido documento, de caráter genérico, não está apto a comprovar especialidade da atividade exercida, uma vez que, nos termos da fundamentação supra, após o advento da Lei 9.032/95, não é mais possível o enquadramento da especialidade pela categoria, mas se faz necessária a efetiva comprovação da exposição aos agentes agressivos, em cada período laborado, de maneira individualizada para cada trabalhador, com análise quantitativa ou qualitativa dos agentes agressivos, conforme o caso, por meio de laudo técnico pericial ou Perfil Profissiográfico que contenha todos esses elementos. Sendo assim, deve ser computado como tempo comum. Quanto aos demais intervalos de 01/10/1996 a 31/12/1998, 01/05/2000 a 31/01/2003, 01/05/2003 a 31/05/2005, 01/08/2005 a 31/10/2005, 01/12/2005 a 31/05/2010, 01/12/2010 a 10/10/2019 juntou o autor PPP emitido pelo OGMO Santos (id 252103340), demonstrando que prestou serviços como Trabalhador Portuário Avulso – TPA, exercendo múltiplas funções, como motorista de autos, guincheiro, portalo, conexo, sinaleiro, contra mestre geral, contra mestre porão e estivador. Referido documento demonstra no campo 13 que o autor exerceu várias destas funções alternando-as conforme o dia da apresentação para o serviço. Observa-se, ainda, que o OGMO criou um campo no PPP, 13.1.1, para informar o número de jornadas de 6 horas a que o avulso esteve à disposição do operador portuário em cada atividade, conforme o período, o que indica, da análise da documentação, a grande transição entre as funções exercidas em um mesmo interregno temporal demonstrando a variação diária de atividades. No exercício das suas funções, em sua grande maioria como Estivador, houve exposição a ruído de 93,6dB entre 01/10/1996 a 30/04/2010, < 92dB no período de 01/05/2010 a 31/03/2018 e < 93,38dB a partir de então até 29/04/2019 (data de emissão do PPP). Por todo o período esteve exposto a gases (monóxido de carbono) e poeiras. No que se refere ao agente monóxido de carbono, a substância não está relacionada no Anexo IV do Decreto 3.048/99, ao contrário do Tetracloreto de Carbono (1.0.9 e 1.0.11) e do Dissulfeto de Carbono (1.0.11); tampouco encontra-se relacionada nos anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Quanto à exposição do segurado a “poeiras e gases minerais”, não houve especificação de quais agentes nocivos seriam. Relativamente ao agente agressivo ruído, o fato de indicar nível de intensidade < 92dB, não traz segurança para a análise do Juízo. Isso porque, embora 92dB seja capaz de qualificar a especialidade previdenciária, a simples informação de que esteve exposto a ruídos inferiores a 92dB pode sugerir ruídos médios muito aquém do limite de tolerância. Não se pode assumir, pura e simplesmente, que “abaixo de 92dB” seja efetivamente considerado como superior a 90dB, e não algo como 89 dB. De acordo com as informações contidas no PPRA (id 275314823), “a escalação do trabalhador portuário avulso é feita pelo OGMO em sistema de rodízio, ou seja, podendo o trabalhador portuário avulso optar por trabalhar ou não, em cada ponto onde estiver concorrendo à escala.” Os trabalhadores que atuam na categoria “Estiva”, podem permanecer em locais distintos, dentre os quais destacam-se: a bordo no interior do navio (convés ou porão), nas cabines dos equipamentos operados a bordo, nas cabines das máquinas (pá carregadeira, trator, retroescavadeira, empilhadeiras, bobcat, cavalo mecânico, dentre outros) utilizadas para a movimentação e organização das cargas, nas cabines dos veículos ou máquinas durante o processo de embarque ou desembarque de tais veículos / máquinas. Após descrever cada uma das funções exercidas pelo Trabalhador Avulso, o documento identifica os riscos e agentes agressivos por local e atividade e afirma que o trabalhador portuário avulso não tem exposição habitual e permanente a nenhum agente nocivo, exceto quando na função de guincheiro e operador de empulhdeira/guindaste, quando o ruído medido para estas atividades foi NEN<85dB abaixo do limite de tolerância. Assim, embora o trabalhador possa estar exposto a níveis de pressão sonora acima do limite de tolerância quando do exercício de determinadas funções por exemplo Encarregado de Turma de Capatazia, Portaló, Operador de Pá Carregadeira, a exposição não se deu de modo habitual e permanente, mas de forma intermitente.” (ID 293436828 – págs. 9/11). Com efeito, entendo que os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante todos os períodos em que laborou nas empresas elencadas na peça inaugural, sendo imprescindível, para o fim em apreço, a realização da perícia técnica. Ao Tribunal, por também ser destinatário da prova, é permitido o reexame de questões pertinentes à instrução probatória, não sendo alcançado pela preclusão. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é neste sentido: “PROVA. DISPENSA PELAS PARTES. DILAÇÃO PROBATÓRIA DETERMINADA PELA 2ª INSTÂNCIA. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO. Em matéria de cunho probatório, não há preclusão para o Juiz. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido (...)”. (REsp 262.978 MG, Min. Barros Monteiro, DJU, 30.06.2003, p. 251) “PROCESSO CIVIL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO POR PERPLEXIDADE DIANTE DOS FATOS. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO QUE NÃO RENOVA PRAZO RECURSAL CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PROVA PERICIAL CONTÁBIL. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROSSIGA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC. A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas (...)”. (REsp 345.436 SP, Min. Nancy Andrighi, DJU, 13.05.2002, p. 208) A inexistência de prova pericial, com prévio julgamento da lide por valorização da documentação acostada aos autos caracterizou, por conseguinte, cerceamento de defesa. Desta forma, impõe-se a anulação da r. sentença, a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para anular a sentença proferida nos autos, por cerceamento de defesa, decorrente da não produção de prova pericial. Prejudicada a análise da apelação do INSS. Retornem os autos ao Juízo de origem para regular processamento do feito, oportunizando-se a nomeação de perito judicial para a produção da indispensável prova pericial, com oportuna prolação de nova decisão de mérito. Acaso encerradas as atividades das empresas ou destruídas as instalações nas quais as funções indicadas na exordial foram laboradas, deverá a perícia técnica ser realizada em outras empresas de características semelhantes ou idênticas, por similaridade. Deve ser observado pelo perito judicial a documentação anexada aos autos relacionadas ao trabalho portuário executado pelo demandante, especialmente àquela trazida pelo Órgão Gestor de Mão de Obra de Santos/SP, por trazer detalhes sobre o tempo e as funções por ele realizadas. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR PORTUÁRIO. SEGURADO TRABALHADOR AVULSO. DINÂMICA ESPECÍFICA DA REALIZAÇÃO DO LABOR. DIVERSAS FUNÇÕES EXERCIDAS PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. DISCORDÂNCIA DA PARTE AUTORA ACERCA DO ENTENDIMENTO DO ÓRGÃO GESTOR DE MÃO DE OBRA DE SANTOS. INEFICÁCIA DA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS AO TOMADOR DO TRABALHO PARA NOVA APRESENTAÇÃO DE PPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante os períodos de 29.04.1995 a 30.09.1996, 01.10.1996 a 31.12.1998, 01.05.2000 a 31.01.2003, 01.05.2003 a 31.05.2005, 01.08.2005 a 31.10.2005, 01.12.2005 a 31.05.2010 e 01.12.2010 a 10.10.2019., em que laborou como trabalhador portuário, sendo imprescindível, para o fim em apreço, a realização da perícia técnica.
2. Em virtude de a parte autora ter alegado o exercício de trabalho portuário, em diversas funções, na condição de segurado trabalhador avulso, observa-se que o PPP apresentado não se mostra suficientemente elucidativo no que diz respeito à manutenção do ambiente laboral e, eventualmente, dos agentes nocivos nele apontados. Ademais, não há precisão quanto à exposição a agentes químicos e físicos nocivos à saúde do segurado.
3. Discorda a parte autora acerca da conclusão do tomador de serviços, no sentido de que apenas poucas atividades desempenhadas pelos estivadores poderiam ser considerados como especiais, pela exposição de agentes nocivos à saúde.
4. Conhecidos os documentos que embasaram o PPP apresentado, bem como da posição sustentada pelo Órgão Gestor de Mão de Obra de Santos, mostra-se ineficaz a expedição de ofícios para a juntada de novo PPP aos autos.
5. A inexistência de prova pericial, com prévio julgamento da lide por valorização da documentação acostada aos autos caracterizou, por conseguinte, cerceamento de defesa.
6. Anulada a r. sentença a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos.
7. Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença anulada.