Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002570-07.2022.4.03.6005

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JOSIAS CAIRES GOMES

Advogado do(a) APELANTE: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

APELADO: JOSIAS CAIRES GOMES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002570-07.2022.4.03.6005

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JOSIAS CAIRES GOMES

Advogado do(a) APELANTE: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

APELADO: JOSIAS CAIRES GOMES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

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  R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por JOSIAS CAIRES GOMES contra a r. sentença (ID. 272712137), que o condenou pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, à pena de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime semiaberto, além do pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na época dos fatos.

 Foi absolvido da imputação da prática dos delitos previstos no art. 180, caput, do Código Penal, e no art. 70 da Lei n. 4.117/62, em face da aplicação do princípio da consunção.

Foi declarada, com fundamento no art. 92, III, do Código Penal, a inabilitação de Josias para dirigir veículo, pelo tempo da pena privativa de liberdade.

Não houve substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Foi concedido ao réu o direito de apelar em liberdade, sendo substituída a prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, em razão da incompatibilidade da medida cautelar prisional em apreço com o regime semiaberto.

Em sede de razões recursais, o Ministério Público Federal requereu a reforma da sentença para também condenar JOSIAS CAIRES GOMES pela prática dos crimes previstos no art. 180, caput, do Código Penal, e no art. 70 da Lei nº 4.117/62 (ID. 272712153).

Também apelou a defesa de JOSIAS CAIRES GOMES e, em razões recursais (ID. 272712234), requereu a absolvição do apelante. Subsidiariamente: a) aplicação da pena-base ao mínimo legal; b) reconhecimento da atenuante da confissão; c) afastamento da causa de aumento de pena do art. 40, inciso I, nº 11.343/2006; d) reconhecimento do privilégio previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no máximo legal (dois terços); e) isenção das custas processuais e multas; f) manutenção da absolvição do réu nos crimes de receptação e de utilização de radiocomunicador; g) mantido o início de cumprimento de pena em regime aberto; h) redução da pena de multa no mínimo legal (dez dias-multa) e i) o afastamento da inabilitação de dirigir veículo automotor.

Contrarrazões da defesa e da acusação (IDs. 272712237 e 272712239).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo conhecimento do apelo da acusação e pelo conhecimento parcial do pedido da defesa e, no mérito, pelo desprovimento do recurso da defesa na parte em que merece ser conhecida e pelo provimento do recurso da acusação, mantendo-se, no restante, a sentença condenatória (ID. 273068816).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002570-07.2022.4.03.6005

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JOSIAS CAIRES GOMES

Advogado do(a) APELANTE: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

APELADO: JOSIAS CAIRES GOMES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Advogado do(a) APELADO: JUCIMARA ZAIM DE MELO - MS11332-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 V O T O

1. Do caso dos autos.

Josias Caires Gomes foi denunciado pela prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei n. 11.343/2016 (tráfico transnacional de drogas), do artigo 180, caput, do Código Penal (receptação), e do art. 70 da Lei n° 4.117/62 (desenvolvimento clandestino de telecomunicações), em concurso material.

Narra a denúncia (ID. 272711827):

FATO 1: Em 04/12/2022, por volta das 18h30min., na Rodovia MS- 164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384), JOSIAS CAIRES GOMES foi flagrado transportando 665,4 Kg (seiscentos e sessenta e cinco quilos e quarenta gramas) de maconha.

FATO 02: Nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço mencionadas no FATO 01, JOSIAS CAIRES GOMES, transportou e conduziu, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabia ser produto de crime, o que fez com consciência e vontade, ciente da reprovabilidade de sua conduta.

FATO 03: Nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço mencionadas no FATO 01, JOSIAS CAIRES GOMES, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, utilizou telecomunicações, sem observância das disposições legais e regulamentares sobre tal atividade.

Nas circunstâncias acima referidas, Policiais Militares, durante a Operação Hórus, realizavam barreira, quando se aproximou o veículo Mitsubishi L200 Triton, cor branca, placas ostentadas REZ3F46, de propriedade da IAGRO – Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal, conduzido por JOSIAS CAIRES GOMES.

Acatada a ordem de parada, foi possível constatar de plano que no interior da caminhonete havia uma grande quantidade de uma substância vegetal de cor esverdeada análoga à maconha, distribuída em vários tabletes.

Em breve entrevista, o Autor relatou que havia acabado de pegar o veículo carregado com a droga em uma rotatória na cidade de Ponta Porã/MS, sendo que para realizar o transporte da droga até a cidade de Sidrolândia/MS receberia a quantia de R$ 1.000,00. Acrescentou que, para obter sucesso na prática delitiva de tráfico de drogas, ele contava com a ajuda de um batedor que se deslocava mais à frente, em um veículo FIAT uno cor branca, mas não soube precisar nome deste, nem placa de tal veículo. Relatou ainda que se comunicava 2/9 com o veículo do batedor através de um rádio oculto no painel da L200, sendo que para acionar o rádio são necessários vários comandos, demonstrando à equipe policial a forma de acionar e se comunicar por esse rádio.

Ato contínuo, ao checar os elementos identificadores do veículo L200, foi constatado que a verdadeira placa é RMR8E91, de propriedade da Locadora Unidas S.A., sendo que o veículo possui um Boletim de Ocorrência de número 2022/736460, datado de 18/07/2022, da Delegacia de Roubos e Furtos da cidade de Curitiba-PR, por Apropriação Indébita.

Após pesagem, a droga totalizou 665,4 Kg, distribuídos em 705 tabletes.

Interrogado em sede policial, JOSIAS relatou: QUE recebeu uma ligação via messenger de um indivíduo de alcunha fala-mansa, que está preso em Campo Grande/MS oferecendo o "serviço" de transporte de drogas; QUE receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço; QUE aceitou para quitar suas dívidas; QUE veio para Ponta Porã/MS de Van; QUE ficou acertado que pegaria a cidade em uma rotatória fora da cidade; QUE a caminhonete estava parada com a chave no contato; QUE o batedor se aproximou dele, explicou como deveria proceder para se comunicar via rádio e então seguiram viagem; QUE foi abordado pela Guarnição da Polícia Militar em aproximadamente 15 minutos; QUE assim que foi abordado desembarcou do veículo e informou aos policiais que estava transportando drogas.

A exordial acusatória foi recebida em 05.12.22 (ID. 272711829).

Após a regular instrução processual, sobreveio sentença, que julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006. A sentença foi publicada em 07.03.23 (ID. 272712137).

Do delito do art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006.

2. Da materialidade.

A materialidade restou devidamente comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), Laudo Preliminar de Constatação nº 4545391/2022 (ID. 272711823 - fls. 24/26), Informação de Polícia Judiciária nº 4545406/2022 (ID. 272711823 - fls. 27/33), Laudo de Perícia Criminal Federal nº 1087/2022-NUTEC/DPF/DRS/MS (QUÍMICA FORENSE) (ID. 272712070), bem como pelos depoimentos, tanto em sede policial como em juízo, das testemunhas ouvidas e pelo interrogatório do réu, tudo a corroborar que o acusado transportava 665,4 Kg (seiscentos e sessenta e cinco quilos e quarenta gramas) de maconha.

3. Autoria.

A defesa pede a absolvição do réu.

Todavia, a autoria e dolo são incontestes. 

De acordo com a denúncia, Josias Caires Gomes, no dia 04/12/2022, por volta das 18h30min, na Rodovia MS- 164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384), foi preso em flagrante transportando 665,4 Kg (seiscentos e sessenta e cinco quilos e quarenta gramas) de maconha.

Os depoimentos das testemunhas da acusação, Paulo Henrique Nogueira e Adalberto Moreira de Oliveira, policiais militares, que participaram da abordagem do réu na Rodovia MS-164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384), foram uníssonos e harmônicos no sentido de corroborar a autoria e a materialidade delitivas em face do réu.

Paulo Henrique Nogueira, policial militar, em sede inquisitiva, disse (ID. 272711823 - fls. 6/7):

QUE durante a Operação Hórus, a equipe policial realizava uma barreira na Rodovia MS-164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384), quando se aproximou o veículo Mitsubishi L200 Triton, cor branca, placas ostentadas REZ3F46, de propriedade da IAGRO-Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal, conduzida pelo Sr. Josias Caires Gomes; QUE durante a abordagem, foi possível constatar de plano que no interior da camionete havia uma grande quantidade de uma substância vegetal de cor esverdeada análoga à maconha, distribuída em vários tabletes; QUE em breve entrevista o autor relatou que havia acabado de pegar o veículo carregado com a droga em uma rotatória na cidade de Ponta Porã/MS; QUE para realizar o transporte da droga até a cidade de Sidrolândia/MS ele receberia a quantia de R$ 1.000,00; QUE para obter sucesso na prática delitiva de tráfico de drogas ele contava com a ajuda de um batedor que deslocava mais à frente dele, em um veículo FIAT uno cor branca, que ele não soube precisar nome do batedor, nem placa de tal veículo; QUE também se comunicava com o veículo do batedor através de um rádio oculto no painel da L200; QUE para acionar o rádio são necessários vários comandos; QUE o autor demonstrou à equipe policial a forma de acionar e se comunicar por esse rádio; QUE ao checar os elementos identificadores do veículo L200, foi constatado que a verdadeira placa é RMR8E91, de propriedade da Locadora Unidas S.A.; QUE o veículo possui um Boletim de Ocorrência, de número 2022/736460, datado de 18/07/2022, da Delegacia de Roubos e Furtos da cidade de Curitiba-PR, por Apropriação Indébita; QUE após pesagem, a droga totalizou 665,4KG, distribuídos em 705 tabletes; QUE diante da situação apresentada foi dada voz de prisão ao Sr. Josias Caires Gomes, sendo este cientificado de seus direitos constitucionais e conduzido até esta Delegacia de Polícia Federal, sendo entregue sem lesões corporais.

Em juízo, disse que estavam na Rodovia 164, em sentido Itamarti – Ponta Porã; Quando chegaram na rotatória da MS 384 que dá acesso a Antônio João, fizeram um bloqueio policial; Que em determinado momento, observaram um veículo L200 branco, que vinha na direção do bloqueio, mas o condutor ao visualizar a barreira policial, encostou repentinamente no lado esquerdo da pista e, certo tempo depois, o veículo foi ligado novamente, deu ré e fez manobra de retorno, em sentido Ponta Porã; Que foram atrás do veículo, conduzido pelo Sr. Josias; Que foi abordado o veículo, e de pronto foi possível ver a grande quantidade de droga dentro do veículo, bem como o forte odor de maconha; Que conduziram o réu até o posto policial da rodoviária; Que Josias relatou que tinha pegado o veículo próximo a uma rotatória na entrada de Ponta Porã, e que havia um outro veículo na frente informando sobre veículos policiais na pista, avisando, inclusive, que eles estavam ali no bloqueio e por isso fez a manobra de retorno; Quando indagado como se comunicava com o outro veículo, Josias disse que havia um rádio oculto no painel do veículo, demonstrando para os policiais como acionava o rádio; Que foram totalizados 665 kg da droga; Que Josias disse que levaria a droga até Sidrolândia e receberia mil reais pelo serviço; Informou que o rádio estava em operação (ID. 272711961).

Adalberto Moreira de Oliveira, policial militar, em sede policial, disse (ID. 272711823 - fls. 8/9):

QUE durante a Operação Hórus, a equipe policial realizava uma barreira na Rodovia MS-164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384), quando se aproximou o veículo Mitsubishi L200 Triton, cor branca, placas ostentadas REZ3F46, de propriedade da IAGRO-Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal, conduzida pelo Sr. Josias Caires Gomes; QUE durante a abordagem, foi possível constatar de plano que no interior da camionete havia uma grande quantidade de uma substância vegetal de cor esverdeada análoga à maconha, distribuída em vários tabletes; QUE em breve entrevista o autor relatou que havia acabado de pegar o veículo carregado com a droga em uma rotatória na cidade de Ponta Porã/MS; QUE para realizar o transporte da droga até a cidade de Sidrolândia/MS ele receberia a quantia de R$ 1.000,00; QUE para obter sucesso na prática delitiva de tráfico de drogas ele contava com a ajuda de um batedor que deslocava mais à frente dele, em um veículo FIAT uno cor branca, que ele não soube precisar nome do batedor, nem placa de tal veículo; QUE também se comunicava com o veículo do batedor através de um rádio oculto no painel da L200; QUE para acionar o rádio são necessários vários comandos; QUE o autor demonstrou à equipe policial a forma de acionar e se comunicar por esse rádio; QUE ao checar os elementos identificadores do veículo L200, foi constatado que a verdadeira placa é RMR8E91, de propriedade da Locadora Unidas S.A.; QUE o veículo possui um Boletim de Ocorrência, de número 2022/736460, datado de 18/07/2022, da Delegacia de Roubos e Furtos da cidade de Curitiba-PR, por Apropriação Indébita; QUE após pesagem, a droga totalizou 665,4KG, distribuídos em 705 tabletes; QUE diante da situação apresentada foi dada voz de prisão ao Sr. Josias Caires Gomes, sendo este cientificado de seus direitos constitucionais e conduzido até esta Delegacia de Polícia Federal, sendo entregue sem lesões corporais.

O réu, em sede judicial, confessou a prática delitiva; Disse que veio de van de Sidrolândia para esta região de fronteira; Que tinha um dívida de 6 mil reais e recebeu uma proposta de um rapaz que estava na cadeia; Que o rapaz entrou em contato com o declarante da cadeia e disse que tinha uma correria para fazer; Que aceitou o serviço, porque tinha uma dívida para pagar; Que o contratante falou que seria maconha; Que o rádio só funcionou quando a polícia lhe pegou, que avistou a polícia de longe, cerca de 300m, por isso abortou e voltou; Que só receberia o dinheiro quando entregasse a droga, vindo sozinho para esta região de fronteira; Que um rapaz lhe entregou um celular e explicou como usar o rádio amador; Que a caminhonete iria para São Paulo, mas só levaria até Sidrolândia, onde ensinaria outro rapaz como utilizar o rádio; Que foi contratado por um brasileiro; Que pegou o carro na rotatória, no anel viário, na saída de Ponta Porã, de um lado é Paraguai e de outro lado é o Brasil (ID. 272711969).

Diante de todo o exposto, plenamente comprovados pelas provas produzidas durante a instrução probatória, a autoria, a materialidade e o dolo, sendo imperiosa a condenação do réu pela conduta prevista no artigo 33 c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.

4. Da transnacionalidade do delito.

A defesa afirma que não se pode imputar ao recorrente o agravante da transnacionalidade, sob o fundamento de que o veículo foi entregue ao réu em solo brasileiro, inexistindo quaisquer provas da alegada transnacionalidade do tráfico.

A transnacionalidade do delito restou evidenciada a contento, a despeito da insurgência defensiva. 

Em juízo, o réu admitiu serem verídicos os fatos que lhe foram imputados na peça acusatória em relação ao delito de tráfico de drogas. 

Conforme demonstrado nos autos, em ação fiscalizatória, policiais militares encontraram a substância entorpecente no interior da caminhonete Mitsubishi L200 Triton, cor branca, placas ostentadas REZ3F46, na Rodovia MS-164, KM 99, próximo à rotatória que dá acesso à cidade de Antônio João/MS (Rodovia MS-384). O réu relatou que havia pegado o veículo carregado com a droga em uma rotatória na cidade de Ponta Porã/MS, e que para realizar o transporte da droga até a cidade de Sidrolândia/MS ele receberia a quantia de R$ 1.000,00

Assim, no caso vertente, verifica-se que o modus operandi utilizado é típico do delito de tráfico internacional de drogas praticado na região de fronteira.

Insta salientar que ainda que a droga tenha sido recebida em território nacional, tal fato não descaracteriza a participação ativa do acusado no processo de internação desse entorpecente em solo brasileiro, eis que prestava auxílio para que fosse transportado até o seu destino final, em solo nacional.

É irrelevante, ademais, se o réu foi ou não o responsável por cruzar a fronteira com o entorpecente, pois, nos termos do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, a conduta de contribuir dolosamente com o transpor dos limites territoriais entre países, levando a droga ao seu destino final, já configura a perquirida internacionalidade.

Não se olvida que a região de Ponta-Porã/MS com o Paraguai é notoriamente conhecida como rota de entrada da droga produzida em larga escala em países vizinhos, sendo que, pelas circunstâncias do tráfico nesta região do país, bem como pelas oitivas, é evidente que o entorpecente em quantidade significativa - mais de 650 kg (seiscentos e cinquenta quilos) do presente caso - tem origem estrangeira.

É pacífico na jurisprudência o reconhecimento da transnacionalidade do tráfico de drogas em circunstâncias análogas às do caso concreto, evidenciando a origem estrangeira da droga. Senão vejamos:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO . INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO . INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. CITAÇÃO POR EDITAL. VALIDADE. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO. NOVO TÍTULO. ORDEM NÃO CONHECIDA E PEDIDO PREJUDICADO QUANTO À REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. (...) 3. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este Tribunal Superior de, ex officio, fazer cessar manifesta ilegalidade que importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente. 4. É pacífico nesta Corte Superior de Justiça o entendimento de que a caracterização da transnacionalidade do tráfico de entorpecentes independe da comprovação de transposição de fronteiras, bastando que as circunstâncias do crime indiquem que a droga era proveniente de local fora dos limites territoriais nacionais, o que é a hipótese dos autos, a atrair a competência de Justiça Federal para conhecer e decidir a causa. (...) 
(HC 133.980/SP, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 08/02/2013). 

Portanto, comprovada a transnacionalidade do delito.

Desta feita, amparadas por acervo probatório seguro, resta mantida a condenação do apelante como incurso nas sanções do artigo 33, caput c/c o artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.

5. Da dosimetria da pena (crime do art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006.)

A pena da acusada restou concretizada de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Inconformada, a defesa pede a aplicação da pena-base ao mínimo legal, reconhecimento da atenuante da confissão, afastamento da causa de aumento de pena do art. 40, inciso I, nº 11.343/2006, bem como o reconhecimento do privilégio previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no máximo legal (dois terços).

 Inicialmente, não conheço do pleito da defesa em relação ao pedido da defesa em relação ao pedido de reconhecimento da atenuante da confissão, haja vista que tal atenuante foi aplicada pelo juízo a quo na sentença prolatada.

Feitas essas considerações, passo à análise da dosimetria.

1ª fase.

O juiz de primeiro grau fixou a pena-base de Josias para o crime de tráfico transnacional de drogas da seguinte forma (ID. 272712137 - fls. 3/4):

1ª FASE – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (ART. 59 DO CP E 42 DA LEI 11.343/2006).

Iniciando-se pela culpabilidade, é circunstância judicial que deve ser valorada como culpabilidade normal à espécie.

Quanto aos antecedentes, não há nos autos elementos aptos à sua valoração. No tocante à conduta social e à personalidade do acusado, nada digno de nota foi constatado à época dos fatos, além do desvio que a levou à prática delitiva. Ademais, não se destaca do conjunto probatório motivo relevante para a prática do crime, não havendo falar-se, no caso em apreço, em influência do comportamento da vítima. Em relação às circunstâncias e consequências do crime, inexistem elementos aptos a valoração dessas circunstâncias judiciais, na medida em que não transbordam aos próprios contornos do ilícito verificado.

Quanto à norma especial do art. 42 da Lei de Drogas, reputo que a natureza e a quantidade da substância entorpecente apreendida (665,4 Kg de maconha). Trata-se de vultosa quantidade de entorpecente de uso proscrito em território nacional – apreendida em contexto de tráfico internacional de drogas oriundas do Paraguai, o que representa grande parte da origem dos recursos financeiros angariados por grupos criminosos atuantes nesta região de fronteira. Esse pormenor justifica a elevação da pena-base.

Assentadas essas considerações, fixo a pena-base em pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e pena de multa de 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.

Na primeira fase da dosimetria, as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal são normais à espécie delitiva.

No entanto, deve ser considerado, preponderantemente, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006, o grau de reprovabilidade da conduta, aferido pela nocividade e quantidade de tóxico que se buscou transportar, o que indicará se a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal ou acima desse patamar.

A jurisprudência é uníssona no sentido de que as circunstâncias da quantidade e da natureza do entorpecente devem ser consideradas na fixação da pena-base, amparada no artigo 42 da Lei 11.343/2006, uma vez que, atendendo à finalidade da lei, que visa coibir o tráfico ilícito de entorpecentes, esse fundamento apresenta-se válido para individualizar a pena, dado o maior grau de censurabilidade da conduta.

Nesse sentido:

REGIME INICIAL MAIS GRAVOSO. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. DIVERSIDADE E NATUREZA DOS ESTUPEFACIENTES APREENDIDOS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, circunstância concreta relacionada à natureza e quantidade da droga apreendida, é motivação suficiente a ensejar a fixação de regime mais gravoso, no caso, o fechado, não havendo ilegalidade a sanar, no ponto. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 1034892/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017).

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. NATUREZA E ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE "MULA". PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A natureza e a quantidade da droga justificam a exasperação da pena-base acima no mínimo legal, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06. 2. Reconhecido pelo Tribunal a quo, com base nos elementos fático-probatórios dos autos, que o agravante integra organização criminosa voltada ao comércio de drogas, inviável a aplicação da minorante, diante do não preenchimento dos requisitos previstos no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. O agente transportador de drogas, na qualidade de "mula" do tráfico, integra organização criminosa, não fazendo jus, portanto, à causa especial de diminuição da pena prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 634.411/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).

Na hipótese, considerando a quantidade e a qualidade do entorpecente apreendido, qual seja, "Cannabis sativa Linneu"(maconha) (cerca de 665 kg), deveria a pena-base ser exasperada no dobro, em conformidade com os parâmetros acolhidos por esta E. Corte.

No entanto, por se tratar de apelação exclusiva da defesa, mantenho a pena-base em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.

2ª fase.

Na segunda fase da dosimetria da pena, o juízo a quo incidiu corretamente a circunstância atenuante da confissão espontânea no patamar de 1/6 (um sexto). 

Assim, mantenho a pena intermediária em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias, e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.

3ª fase.

Na terceira fase, mantenho a majoração prevista no artigo 40, inciso I da Lei de Drogas, aplicada na fração mínima prevista (1/6), pois suficientemente comprovado, como já disse, pelas circunstâncias do flagrante, que o entorpecente foi adquirido em região de fronteira com o Paraguai.

Assim, mantenho a pena intermediária de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.

Prosseguindo no recálculo da pena, ainda na terceira fase da dosimetria, a sentença recorrida deixou de aplicar a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que considerou, pela quantidade de droga transportada, ter a acusada ligação com organização criminosa, nos seguintes termos (ID. 272712137 - fl. 3):

Em relação ao “tráfico privilegiado” (art. 33, § 4º, da Lei de Drogas), reputo-o inaplicável em benefício do acusado. Nessa linha, fundamento a conclusão a partir da elevada quantidade de entorpecente apreendido, somada ao fato de que a empreitada do acusado se deu a partir de contato estabelecido com indivíduo preso. Revela-se, portanto, indício de que o acusado possui algum grau de contato com organização criminosa voltada para o tráfico de entorpecentes. No mesmo sentido, o procedente firmado pelo STF no julgamento do HC 130981/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, em 18/10/2016 (Info 844).

A defesa requer a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, no quantum máximo de 2/3 (dois terços) previsto em lei.

Os requisitos desse benefício são os seguintes:

Art. 33: (...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa." 

Percebe-se que se trata de requisitos cumulativos. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Tampouco há aparência de que integre organização criminosa, conquanto estivesse na posse de grande quantidade de droga, tendo servido apenas ao transporte eventual de entorpecente, de sorte que é cabível a aplicação da minorante.

Nesse sentido, oportuno citar os seguintes precedentes da Primeira Seção deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

"PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4º DA LEI 11.343/06 NO PERCENTUAL MÍNIMO LEGAL. NOS TERMOS DO VOTO VENCIDO. EMBARGOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO. I - O artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas , notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal. II - Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta do embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas , pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa. (...) V - Embargos Infringentes providos." (Embargos Infringentes e de Nulidade 0008194-28.2009.4.03.619/SP, Primeira Seção - Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 21//02/2013)

"PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA. MATERIALIDADE. CONFISSÃO. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REGIME PRISIONAL. SANÇÃO PECUNIÁRIA. (...). 5. A conduta dos acusados não vai além da atividade típica de mula, e consta dos autos que os acusados são primários, sem antecedentes (fls. 127/131, 143/145, 152/154, 193/195 e 246/248), revelando as suas declarações que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em suas vidas, o que é corroborado pelo movimento migratório juntados aos autos (fls. 63/67), não sendo produzidas provas de que participem de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. É de se conceder, portanto, a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. (...)." (ACR 0007946-91.2001.4.03.6119/SP, Quinta Turma, Rel. p/Acórdão: Des. Fed. Luís Stefanini, j. 04/02/2013).

O dispositivo em comento prevê a existência de uma margem de diminuição legal de pena variável entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços), que o Juízo pode aplicar com base no princípio do livre convencimento, consoante a valoração das circunstâncias, alegações e provas apresentadas.

Como é cediço, o legislador, ao instituir o referido benefício legal, teve como objetivo conferir tratamento diferenciado aos pequenos e eventuais traficantes, não alcançando, assim, aqueles que fazem do tráfico de entorpecentes um meio de vida.

No presente caso, ainda que a atuação no mero transporte de entorpecente não seja suficiente para caracterizar integração em organização criminosa, tal conduta denota desvalor incompatível com a redutora na fração máxima, visto que a ré assentiu em tomar parte em uma empreitada criminosa estruturada (acondicionamento do entorpecente) por organização criminosa, como ocorre em delitos desse porte.

Desta feita, cabe a aplicação da minorante em tela em 1/2 (um meio), consoante entendimento da Quinta Turma desta Corte Regional, resultando, pois, a pena privativa de liberdade infligida ao réu em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias, e 323 (trezentos e vinte e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

6. Princípio da consunção (art. 70 da Lei n. 4.117/62 e 180 do Código Penal).

O Juízo a quo aplicou o princípio da consunção, isto é, reconheceu o dolo nas condutas do acusado (art. 70 da Lei n. 4.117/62 e art. 180 do Código Penal) como crimes-meio para a consecução do crime-fim (tráfico de drogas), nos seguintes termos (ID. 272712137 - fl. 3):

Em relação aos crimes de receptação e do art. 70 da Lei 4.117/1962, em que pese a prova dos autos permita o reconhecimento do dolo nas condutas do acusado, revelam-se como crimes-meio para a consecução do crime-fim (tráfico de drogas). O contorno do caso dos autos revela que a condução do veículo e a utilização do radiocomunicador se deram para o específico fim de lograr êxito ao transporte do entorpecente. Não sobressaem desígnios autônomos por parte do acusado.

Assim, incide o princípio da consunção.

Pleiteia o Ministério Público Federal o afastamento do princípio da consunção, com a consequente condenação de JOSIAS CAIRES GOMES pela prática dos delitos previstos no art. 70 da Lei n° 4.117/62 e no art. 180 do Código Penal.

Prospera tal irresignação.

O princípio da consunção só tem lugar quando um determinado crime é ato preparatório ou normal fase de execução de outro. Em outras palavras, só se pode falar em absorção do crime meio pelo crime fim quando, para a prática deste último, é imprescindível cometer o primeiro. Não é o que ocorre na relação entre o crime de tráfico internacional de drogas e os crimes do art. 70 da Lei n° 4.117/62 (crime de telecomunicações) e do art. 180 (receptação) do Código Penal.

 Na hipótese, além do fato de serem delitos com objetos jurídicos distintos, tanto o crime do art. 70 da Lei n° 4.117/62 (crime de telecomunicações) quanto do art. 180 (receptação) do Código Penal não é meio necessário ou fase preparatória para a consumação do delito de tráfico internacional de drogas.

Assim, os crimes previstos no art. 70 da Lei n° 4.117/62 (crime de telecomunicações) e do art. 180 (receptação) do Código Penal possuem autonomia jurídica e tutela bem jurídico próprio, inviabilizando a aplicação do princípio da consunção.

Destarte, consistem em crimes autônomos, que devem ser reprimidos de forma distinta.

Portanto, passo ao exame da materialidade e autoria dos crimes do art. 70 da Lei n° 4.117/62 (crime de telecomunicações) e do art. 180 (receptação) do Código Penal.

7. Do crime definido no art. 70 da Lei n. 4.117/62.

Da materialidade.

A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), Informação de Polícia Judiciária nº 4545406/2022 (ID. 272711823 - fls. 27/33), Laudo nº 080/2023 (Eletroeletrônicos) (ID. 272712039), Laudo nº054/2023- (Veículos) (ID. 272711978), bem como a prova oral colhida sob o crivo do contraditório.

Consta que o transceptor YAESU, em consulta realizada ao Sistema de Certificação e Homologação (SCH) da ANATEL, constava o certificado de produto para telecomunicações nº 07785-21-09724, válido até 27/05/2023, referente a equipamento de mesma marca/modelo. Contudo, ressalta-se que o referido certificado foi emitido considerando operação na faixa de frequências compreendida entre 144 e 148 MHz, condição não atendida pelo equipamento no momento dos exames.

Consta, ainda, que o transceptor era usado e em regular estado de conservação, e que durante a transmissão de radiofrequência, o transceptor examinado é capaz de dificultar ou mesmo impedir a recepção por outros usuários de sinais oriundos de outros equipamentos de comunicação via rádio que operem em mesma frequência, em frequências próximas ou em frequências múltiplas (harmônicas).

Autoria.

O Ministério Público Federal pede a condenação do denunciado pela prática do delito descrito no artigo 70 da Lei nº 4.11762.

Dispõe o artigo 70 da Lei nº 4.117/62:

Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.

A autoria é inconteste. O Auto de Prisão em Flagrante, bem como os depoimentos testemunhais a atestam.

Adalberto Moreira de Oliveira, policial militar, em sede policial, disse (ID. 272711823 - fls. 8/9):

(...)

QUE para obter sucesso na prática delitiva de tráfico de drogas ele contava com a ajuda de um batedor que deslocava mais à frente dele, em um veículo FIAT uno cor branca, que ele não soube precisar nome do batedor, nem placa de tal veículo; QUE também se comunicava com o veículo do batedor através de um rádio oculto no painel da L200; QUE para acionar o rádio são necessários vários comandos; QUE o autor demonstrou à equipe policial a forma de acionar e se comunicar por esse rádio.

Paulo Henrique Nogueira, policial militar, em juízo, disse que Josias relatou que tinha pegado o veículo próximo a uma rotatória na entrada de Ponta Porã, e que havia um outro veículo na frente informando sobre veículos policiais na pista, avisando, inclusive, que eles estavam ali no bloqueio e por isso fez a manobra de retorno; Quando indagado como se comunicava com o outro veículo, Josias disse que havia um rádio oculto no painel do veículo, demonstrando para os policiais como acionava o rádio (ID. 272711961).

Durante o interrogatório judicial, o acusado disse que o rádio só funcionou quando a polícia lhe pegou. Relatou que um rapaz lhe entregou um celular e explicou como usar o rádio amador (ID. 272711969).

Com efeito, as circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela sua autoria.

Destaque-se que o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62 configura crime formal, que prescinde de resultado material efetivo para que se caracterize sua potencialidade lesiva.

Não obstante o réu não tenha sido abordado utilizando o aparelho de rádio amador sem autorização do poder competente, nem ter sido responsável pela sua instalação no veículo apreendido, para a caracterização do delito, basta que esteja instalado o aparelho.

Verifica-se dos autos que o veículo foi entregue ao réu já com o radiotransmissor instalado, que tinha condições de uso e emitia sinais modulados capazes de dificultar ou mesmo impedir a recepção de sinais de radiofrequência oriundos de outros equipamentos de comunicação via rádio.

Desse modo, resta caracterizado o delito, bem como há provas suficientes da autoria delitiva, devendo ser o réu condenado pela prática do delito do artigo 70 da Lei 4.117/62.

Dosimetria da pena.

1ª Fase.

Na primeira fase de aplicação da pena, analisadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade, o grau de reprovabilidade da conduta, os motivos, circunstâncias e consequências do crime não extrapolam o comum à espécie. O acusado não tem maus antecedentes. Não há nos autos elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu. Não há que se falar em comportamento da vítima.

Deste modo, não havendo motivo para a exasperação e não verificada a existência de dano a terceiro, a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal, em 1 (um) ano de detenção.

2º Fase.

Na segunda fase, aplico a agravante prevista no art. 61, II, “b”, na fração de 1/6 (um sexto), por considerar que o delito do art. 70 da Lei nº 4.117/62 foi praticado para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem do crime de tráfico de drogas.

E, na hipótese dos autos, em sede judicial, o réu admitiu que recebeu o veículo com o rádio transmissor.

Portanto, com fulcro no art. 65, III, "d", do Código Penal, reconheço a incidência da atenuante da confissão.

Assim, na segunda fase da dosimetria incidem a agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal e a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal) de modo que se compensam.

Portanto, resta fixada a pena intermediária em 1 (um) ano de detenção.

3ª Fase.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição ou aumento de pena, torno a pena em definitiva, fixada em 01 (um) ano de detenção.

8. Do art. 180 do Código Penal.

Materialidade.

A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), bem como pelos depoimentos, tanto em sede policial como em juízo, das testemunhas ouvidas, tudo a corroborar que o veículo conduzido por Josias, era proveniente de apropriação indébita.

Autoria e dolo.

O Ministério Público Federal pede a condenação do denunciado pela prática do delito descrito no artigo 180 do Código Penal.

Entretanto, a r. decisum objurgado não merece reparos, devendo o ora apelante ser absolvido por outro fundamento, tendo em vista a ausência de prova do dolo.

Para a caracterização do crime de receptação previsto no caput do art. 180, CP, é imprescindível a demonstração de que o agente tinha pleno conhecimento de que dirigia bem de origem criminosa, o que não ocorreu na espécie, uma vez que não restou comprovada a ciência inequívoca do acusado de que o veículo era objeto de apropriação indébita.

O réu, em sede inquisitiva, disse (ID. 272711823 - fls. 10/11):

QUE não possui nenhuma reclamação em relação aos policiais responsáveis por sua abordagem ; QUE está desempregado; QUE reside com seus pais no endereço acima indicado; QUE é usuário de crack há mais de 10 anos; QUE possui dívidas no valor aproximado de R$ 6.000,00 em decorrência de sua dependência química; QUE recebeu uma ligação via messenger de um indivíduo de alcunha fala-mansa, que está preso em Campo Grande/MS oferecendo o "serviço" de transporte de drogas; QUE receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço; QUE aceitou para quitar suas dívidas; QUE veio para Ponta Porã/MS de Van; QUE ficou acertado que pegaria a cidade em uma rotatória fora da cidade; QUE a caminhonete estava parada com a chave no contato; QUE o batedor se aproximou dele, explicou como deveria proceder para se comunicar via rádio e então seguiram viagem; QUE foi abordado pela Guarnição da Polícia Militar em aproximadamente 15 minutos; QUE assim que foi abordado desembarcou do veículo e informou aos policiais que estava transportando drogas; QUE lá recebeu voz de prisão, foi detido enquanto se procedia à pesagem e outros procedimentos administrativos e então foi trazido à esta delegacia.

Durante o interrogatório judicial, o réu reconheceu o cometimento do delito de tráfico de drogas. Declarou que um rapaz entrou em contato com o declarante da cadeia, aceitou o serviço da entrega da droga, e que receberia R$ 1.000,00 (um mil reais) pela prática criminosa. Menciona que um rapaz lhe entregou um celular e explicou como usar o rádio amador. Que pegou o carro na rotatória, no anel viário, na saída de Ponta Porã.

As testemunhas, Adalberto Moreira de Oliveira e Paulo Henrique Nogueira, policiais militares que efetuaram a abordagem, não trouxeram nada digno de nota, apenas que ao realizarem a checagem do veículo conduzido por Josias, verificaram que o mesmo possui um Boletim de Ocorrência, de número 2022/736460, datado de 18/07/2022, da Delegacia de Roubos e Furtos da cidade de Curitiba-PR, por Apropriação Indébita.

No que tange ao §3º do art. 180, do Código Penal, este prevê como ilícita as seguintes condutas: "adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso".

No caso em tela, o réu recebeu o veículo. Todavia, não tinha a intenção de ficar com o bem, mas apenas de utilizá-lo para a prática do tráfico internacional de drogas para o qual foi contratado. Logo, não restou comprovado a prática do delito, haja vista que o objeto jurídico do crime é o patrimônio.

Apesar da prisão do réu na direção de um veículo objeto de apropriação indébita, bem como ter sido remunerado por tal conduta, diga-se, repreensível, não se pode afirmar a sua ciência de que foi obtido por meio criminoso.

Considerando que o dolo é elemento subjetivo e, portanto, de difícil comprovação, na sua ausência ou não comprovação deve prevalecer o princípio in dubio pro reo.

O que restou claro é que as circunstâncias do caso não são de molde a afirmar categoricamente a inocência do acusado, embora, certamente, não se possa de igual modo, permitir afirmar a sua culpabilidade.

Com efeito, é todo o conjunto probatório no sentido de que não há efetiva prova da autoria delitiva, de modo que a denúncia se baseia em meras ilações e suposições, que não conferem lastro suficiente à condenação do acusado.

Outrossim, sendo prova entendida como sinônimo de certeza, neste caso em discussão, vejo que as provas coligidas são insuficientes para constituir a certeza, sabendo-se que a condição essencial de toda condenação é a demonstração completa dos fatos arguidos.

Sendo de rigor a manutenção da r. sentença que absolveu o apelante da prática do delito do art. 180, do Código Penal, por outro fundamento, com base no art. 386, VII do Código de Processo Penal.

9. Do Concurso Material.

Reconheço a regra do concurso material de delitos (artigo 69 do Código Penal), uma vez que, mediante mais de uma conduta, o réu praticou mais de dois crimes, a saber: tráfico internacional de drogas, bem como a conduta de crime de radiodifusão, crimes esses que atingem bens jurídicos diferentes.

Destarte, tratando-se de concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, resultando as penas definitivas em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção.

No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

10. Do regime inicial de cumprimento de pena.

Ao aplicar as regras do art. 69 do Código Penal, deve-se somar as penas e fixar o regime para o início do cumprimento da reprimenda.

No que se refere ao regime de cumprimento de pena, para a fixação, devem ser observados os seguintes fatores: a) espécie de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, § 2º, alíneas a, b e c, CP); c) caracterização ou não da reincidência (art. 33, § 2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código penal (art. 33, § 3º, do CP).

Além disso, o art. 111 “caput”, da Lei nº 7.210/84 prevê o seguinte:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Assim, correta a soma das reprimendas, pois apesar de serem distintas, as penas de detenção e de reclusão são da mesma espécie, ou seja, privativas de liberdade, e devem ser reunidas para fins de fixação do regime inicial de cumprimento de pena e do total de tempo em que o réu permanecerá encarcerado.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. RECLUSÃO COM DETENÇÃO SUPERVENIENTE. WRIT NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento da Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa. II - In casu, o paciente cumpria pena de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão (regime fechado), sobrevindo as condenações de 6 (seis) anos e 1 (um) mês de reclusão (regime fechado) e de 1 (um) ano de detenção (regime semiaberto).

III - "A teor do art. 111 da Lei n. 7.210/1984, na unificação das penas, devem ser consideradas cumulativamente tanto as reprimendas de reclusão quanto as de detenção para efeito de fixação do regime prisional, porquanto constituem penas de mesma espécie, ou seja, ambas são penas privativas de liberdade" (AgRg no HC 473.459/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 01/03/2019). Habeas corpus não conhecido. (HC n. 486.763/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 28/3/2019.)

Dessa forma, considerando que o réu foi condenado à pena de reclusão de 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção, somadas as penas (4 anos, 2 meses e 26 dias).

In casu, temos que o apelante foi preso em flagrante delito em 04.12.2022 (ID. 272711823 - fls. 1/5).

Em 05.12.22, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva (ID.  272711829). 

Em 07.03.23, o réu foi condenado à pena de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, sendo substituída a prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, em razão da incompatibilidade da medida cautelar prisional em apreço com o regime semiaberto, conforme sentença (ID. 272712137).

Esse quadro indica que, até a data da prolação da sentença, o réu esteve preso provisoriamente por 3 (três) meses e 3 (três) dias. 

Este relator, reformou a sentença, fixando a pena privativa de liberdade em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção.

Na esteira da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, aplico a detração penal nos seguintes termos:

a) pena aplicada ao acusado: 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção.

b) tempo decorrido desde a prisão do acusado até a data da prolação da sentença: aproximadamente 3 (três) meses e 3 (três) dias;

c) descontando o tempo cumprido de acordo com o item "b" da condenação total informada no item "a", restam menos de 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade a ser cumprida, mostrando cabível a fixação do regime aberto ao acusado, nos termos do art. 387, §2º do CPP.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista ser o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchidos os requisitos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.

11. Isenção e valor da multa.

A defesa requer a isenção da multa.

Resta rechaçado o pedido de isenção da pena de multa, uma vez que é cominada no preceito secundário do tipo penal e inexiste previsão legal no sentido de não aplicá-la.

O valor do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) salário mínimo vigente na data dos fatos, considerando a situação econômica do réu.

A defesa requer, ainda, a diminuição do valor da pena de multa.

Observo que a pena de multa é fixada de acordo com o sistema bifásico, no qual, em um primeiro momento, leva em consideração o montante aplicado à pena privativa de liberdade, após procedido o critério trifásico, para fixar a quantidade de dias-multa, e, em um segundo momento, considera a situação econômica do réu para a fixação do valor unitário do dia-multa.

No presente caso, o julgador fixou a pena de multa em montante totalmente proporcional à pena privativa de liberdade, conforme parâmetros contidos na dosimetria da pena.

Portanto, mantenho o valor da pena de multa.

12. Da pena de inabilitação para dirigir veículo automotor. 

A defesa requer o afastamento da restrição imposta para conduzir veículos automotores, sob o argumento de que a habilitação não influenciou e tampouco foi motivo determinante para a prática do crime.

Afirma que o fato do apelante possuir CHN não foi fato primordial para o cometimento do delito, uma vez que este era apenas passageiro do veículo no momento do crime.

O artigo 92, inciso III do Código Penal prevê a inabilitação para dirigir veículo automotor, como um dos efeitos da condenação, quando o veículo for utilizado para a prática de crime doloso. 

Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, inc. III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo.

No entanto, em se tratando de motorista profissional, o entendimento jurisprudencial é no sentido de não ser aplicável a inabilitação, uma vez que inviabilizaria a reinserção social do réu:

"PENAL. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. ART. 334 -A, I, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CONTRABANDO PARA O DELITO DE RECETAÇÃO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PEN. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS.

(...)

6. Os efeitos específicos da condenação, insculpidos no artigo 92 do Código Penal, visam evitar a reiteração na conduta ilícita. A pena de inabilitação para dirigir veículo não pode ser aplicada nas hipóteses em que o agente é motorista profissional, sob pena de vedar-lhe o exercício de atividade lícita, impossibilitar sua reinserção no mercado de trabalho e afetar seu meio de subsistência, tornando-se improfícua à repressão da prática criminosa e inadequada à ressocialização do apenado. 7. Não incide o art. 728-A do Código de Trânsito Brasileiro, que determina a cassação de documento de habilitação ou proibição de obtê-lo pelo prazo de 5 (cinco) anos, uma vez que se trata de medida administrativa, sem reflexos no âmbito penal. Apelação Criminal improvida."

(TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR - Autos nº 5002199-31.2019.4.04.7004/PR - 8ª Turma - Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto, j. 05.08.2020).

 

"PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. MEDICAMENTOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA CONFIRMADA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E SUBSTITUIÇÃO MANTIDAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. MEDIDA INDEFERIDA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. EXECUÇÃO.

(...)

7. A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação aplicável aos casos em que o automóvel é utilizado como meio para a prática de crime doloso, devendo perdurar pelo período equivalente ao cumprimento da pena aplicada. 8. Em regra, não deve ser aplicada a inabilitação para dirigir veículo ao réu que exerce a profissão de motorista profissional, como no caso em comento. 9. Demonstrado nos autos que a inabilitação para dirigir já foi afastada em fase recursal em processo anterior sofrido pelo réu e continuada a prática delitiva com a utilização da carteira de habilitação, deve ser aplicada a medida, nos termos do art. 92, III, do Código Penal. (...)"

(TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR - Autos nº 5011914-40.2018.4.04.7002/PR - 7ª Turma - Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 30/06/2020).

O Superior Tribunal de Justiça tem orientado que os efeitos descritos no art. 92 do Código Penal não são de aplicação automática, razão pela qual cabe ao magistrado, além de avaliar o preenchimento dos requisitos objetivos, analisar a conveniência da aplicação da medida no caso concreto.

Tendo em vista que o sistema de execução penal visa a reinserção do condenado na sociedade, se torna desproporcional a aplicação de medida que impossibilite o exercício de sua principal atividade laborativa, desde que tal medida não se mostre imprescindível.

Neste sentido, confiram-se os seguintes julgados:

"RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA MEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito, exigindo-se que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 2. As instâncias ordinárias, além de apontarem os requisitos objetivos, fundamentaram a necessidade de aplicação da medida no fato de o recorrente ter feito uso de veículo automotor para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente (o montante dos impostos suprimidos pelo acusado foi de R$ 26.086,96), argumento concreto e idôneo para demonstrar a necessidade de aplicação, no caso concreto, dessa medida. 3. Recurso especial não provido." (REsp n. 1.511.455/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 5/10/2015)

"RECURSO ESPECIAL. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MEDIDA. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito. 2. Além dos requisitos objetivos e por não guardar necessariamente um efeito retributivo (por isso não tem aplicação automática), é exigido, também, que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 3. Na espécie, o Tribunal, além de apontar os requisitos objetivos, fundamentou a necessidade de aplicação da medida no caso concreto no fato de o réu fazer uso do veículo para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente, acrescentando que, devido à elevada quantidade, o transporte deveria ser feito por automóvel, bem como também indicaria uma destinação comercial para o produto ilegal. 4. Recurso especial não provido." (REsp n. 1.505.722/RS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 6/4/2015)

E, na hipótese dos autos, o réu não é motorista profissional. 

Assim, a medida revela-se conveniente, pois o recorrente, valendo-se da habilitação, transportou grande quantidade de drogas, de forma que a restrição ao uso desse instrumento para o transporte mostra-se adequada.  

Tal imposição possui a finalidade de dificultar a reincidência na prática delituosa, enquanto durarem os efeitos da condenação, possuindo natureza preventiva e punitiva. 

Ainda que não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento.

No que diz respeito ao tempo de duração da interdição, deve ser limitado ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada, haja vista que o Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração de tal efeito da condenação.

A esse respeito colaciono os seguintes julgados:

"PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. CONTRABANDO DE CIGARRO S DE FABRICAÇÃO ESTRANGEIRA. ART. 304, § 1º, ALÍNEAS B E D, CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP. NÃO INCIDÊNCIA. PENA PECUNIÁRIA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ADEQUAÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. SANÇÃO ADEQUADA À REPRESSÃO E PUNIÇÃO DA PRÁTICA DELITIVA NO CASO CONCRETO. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 5. A sanção do art. 92, III, do CP é plenamente adequada à repressão, punição e prevenção do transporte de carga ilícita vinda do Paraguai, como no caso dos autos, mormente diante da confissão do acusado, de que já fizera esse transporte ilegal anteriormente, inclusive sendo preso por tal conduta. Perda da licença de dirigir por igual prazo da pena corporal. 6. Recurso ministerial parcialmente provido. (TRF-3 - ACR: 00043424620114036112 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, Data de Julgamento: 06/12/2016, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2016)

"PENAL. CONTRABANDO. TRANSPORTE DE CIGARRO S. CORRUPÇÃO ATIVA. QUADRILHA. DOSIMETRIA: CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME, PENA DE MULTA, SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. EFEITO EXTRA PENA L ESPECÍFICO DA CONDENAÇÃO: INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO (CABIMENTO E DURAÇÃO DA MEDIDA). (...) 8. Em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, inciso III do Código pena l, consistente na inabilitação para dirigir veículo , a fim de desestimular a reiteração no descaminho , ao privar o agente de instrumento apto a transportar grande quantidade de mercadorias. Ainda que a inabilitação para dirigir não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. O efeito da condenação em questão deve ser aplicado em casos de descaminho, contrabando , bem como de tráfico de drogas, armas, animais ou pessoas, restando o agente inabilitado para conduzir veículo , em especial quando evidenciado que: a) o agente se dedica ao crime de forma reiterada ou profissional; b) a quantidade de mercadoria é expressiva; c) há evidências de que as mercadorias tinham finalidade comercial; d) se tratar de mercadoria proibida; e) houver concurso com outros delitos, como associação, desobediência, corrupção ativa ou delito de telecomunicações. 9. No silêncio da lei sobre o tempo de duração da medida, deverá durar pelo tempo da condenação, iniciando-se o prazo a partir do recolhimento da CNH por parte do Juízo da Execução ou da autoridade administrativa, até o integral cumprimento das penas aplicadas. (TRF-4 - ACR: 50092599620124047005 PR 5009259-96.2012.404.7005, Relator: Revisora, Data de Julgamento: 15/07/2014, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 17/07/2014) 

Desta feita, resta mantida a inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do art. 92, inc. III, do Código Penal, pelo prazo da pena imposta.

13. Isenção das custas processuais.

A defesa dos réus pleiteou a isenção das custas processuais, ou seja, os benefícios da justiça gratuita.

No caso, nota-se que a assistência judiciária gratuita já foi concedida pelo Magistrado a quo na sentença ora recorrida (ID. 272712137 - fl. 6):

CUSTAS PROCESSUAIS.

Isento o réu do pagamento das custas processuais.

À míngua de interesse recursal, não conheço dessa parte da apelação.

14. Dispositivo.

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso de apelação da defesa, e na parte conhecida, dou parcial provimento ao recurso para aplicar a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/2 (um meio), e dou parcial provimento ao recurso de apelação da acusação para condenar o réu pela prática do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, fixando a pena em definitiva em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei n. 11.343/2016, e 1 (um) ano de detenção pela prática do crime previsto no art. 70 da Lei 4.117/1962, em concurso material, em regime aberto, e o pagamento de 323 (trezentos e vinte e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DAS PENAS. PENA-BASE MANTIDA.  TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11343/06.  PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO AFASTADA. ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENA NO MÍNIMO LEGAL. CRIME DO ART. 180 DO CÓDIGO PENAL. DOLO AUSENTE. MANTIDA A ABSOLVIÇÃO por outro fundamento. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NÃO SUBSTITUÍDA. REGIME ABERTO. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. A materialidade do crime previsto no art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, restou devidamente comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), Laudo Preliminar de Constatação nº 4545391/2022 (ID. 272711823 - fls. 24/26), Informação de Polícia Judiciária nº 4545406/2022 (ID. 272711823 - fls. 27/33), Laudo de Perícia Criminal Federal nº 1087/2022-NUTEC/DPF/DRS/MS (QUÍMICA FORENSE) (ID. 272712070), bem como pelos depoimentos, tanto em sede policial como em juízo, das testemunhas ouvidas e pelo interrogatório do réu, tudo a corroborar que o acusado transportava 665,4 Kg (seiscentos e sessenta e cinco quilos e quarenta gramas) de maconha. A autoria e dolo são incontestes.

2. Comprovada a transnacionalidade do delito.

3. O princípio da consunção só tem lugar quando um determinado crime é ato preparatório ou normal fase de execução de outro. Em outras palavras, só se pode falar em absorção do crime meio pelo crime fim quando, para a prática deste último, é imprescindível cometer o primeiro.  Na hipótese, além do fato de serem delitos com objetos jurídicos distintos, tanto o crime do art. 70 da Lei n° 4.117/62 (crime de telecomunicações) quanto do art. 180 (receptação) do Código Penal não é meio necessário ou fase preparatória para a consumação do delito de tráfico internacional de drogas.

4. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes documentos (art. 70 da Lei nº 4.117/62) : Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), Informação de Polícia Judiciária nº 4545406/2022 (ID. 272711823 - fls. 27/33), Laudo nº 080/2023 (Eletroeletrônicos) (ID. 272712039), Laudo nº054/2023- (Veículos) (ID. 272711978), bem como a prova oral colhida sob o crivo do contraditório. Há provas suficientes da autoria delitiva, devendo ser o réu condenado pela prática do delito do artigo 70 da Lei 4.117/62.

5. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante nº 2022.0088277-DPF/PPA/MS (ID. 272711823 - fls. 1/5), Termo de Apreensão nº 4545383/2022 (ID. 272711823 - fls. 12/13), bem como pelos depoimentos, tanto em sede policial como em juízo, das testemunhas ouvidas, tudo a corroborar que o veículo conduzido por Josias, era proveniente de apropriação indébita (art. 180 do Código Penal).

6. Para a caracterização do crime de receptação previsto no caput do art. 180, CP, é imprescindível a demonstração de que o agente tinha pleno conhecimento de que dirigia bem de origem criminosa, o que não ocorreu na espécie, uma vez que não restou comprovada a ciência inequívoca do acusado de que o veículo era objeto de apropriação indébita. No caso em tela, o réu recebeu o veículo. Todavia, não tinha a intenção de ficar com o bem, mas apenas de utilizá-lo para a prática do tráfico internacional de drogas para o qual foi contratado. Logo, não restou comprovado a prática do delito, haja vista que o objeto jurídico do crime é o patrimônio. Apesar da prisão do réu na direção de um veículo objeto de apropriação indébita, bem como ter sido remunerado por tal conduta, diga-se, repreensível, não se pode afirmar a sua ciência de que foi obtido por meio criminoso. Considerando que o dolo é elemento subjetivo e, portanto, de difícil comprovação, na sua ausência ou não comprovação deve prevalecer o princípio in dubio pro reo.

7. Dosimetria do art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006. 1ª fase- mantida a pena-base em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria da pena, o juízo a quo incidiu corretamente a circunstância atenuante da confissão espontânea no patamar de 1/6 (um sexto). Assim, mantenho a pena intermediária em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias, e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa. Na terceira fase, mantenho a majoração prevista no artigo 40, inciso I da Lei de Drogas, aplicada na fração mínima prevista (1/6), pois suficientemente comprovado, como já disse, pelas circunstâncias do flagrante, que o entorpecente foi adquirido em região de fronteira com o Paraguai. Assim, mantenho a pena intermediária de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Tampouco há aparência de que integre organização criminosa, conquanto estivesse na posse de grande quantidade de droga, tendo servido apenas ao transporte eventual de entorpecente, de sorte que é cabível a aplicação da minorante em tela em 1/2 (um meio), consoante entendimento da Quinta Turma desta Corte Regional, resultando, pois, a pena privativa de liberdade infligida ao réu em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias, e 323 (trezentos e vinte e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

8. Dosimetria do art. 70 da Lei nº 4.117/62. 1ª fase.  A pena-base deverá ser fixada no mínimo legal, em 1 (um) ano de detenção. 2º Fase. Na segunda fase, aplico a agravante prevista no art. 61, II, “b”, na fração de 1/6 (um sexto), por considerar que o delito do art. 70 da Lei nº 4.117/62 foi praticado para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem do crime de tráfico de drogas. E, na hipótese dos autos, em sede judicial, o réu admitiu que recebeu o veículo com o rádio transmissor. Com fulcro no art. 65, III, "d", do Código Penal, reconheço a incidência da atenuante da confissão. Assim, na segunda fase da dosimetria incidem a agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal e a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal) de modo que se compensam. Portanto, resta fixada a pena intermediária em 1 (um) ano de detenção. 3ª Fase. Na terceira fase, ausentes causas de diminuição ou aumento de pena, torno a pena em definitiva, fixada em 01 (um) ano de detenção.

9. Reconheço a regra do concurso material de delitos (artigo 69 do Código Penal), uma vez que, mediante mais de uma conduta, o réu praticou mais de dois crimes, a saber: tráfico internacional de drogas, bem como a conduta de crime de radiodifusão, crimes esses que atingem bens jurídicos diferentes. Destarte, tratando-se de concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, resultando as penas definitivas em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção.

10. Até a data da prolação da sentença, o réu esteve preso provisoriamente por 3 (três) meses e 3 (três) dias.  Este relator, reformou a sentença, fixando a pena privativa de liberdade em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 1 (um) ano de detenção. Descontando o tempo cumprido de acordo com a condenação total informada, restam menos de 4 anos de pena privativa de liberdade  a ser cumprida. Destarte, após procedida a detração, em consideração à quantidade de pena a ser cumprida, deve ser fixado o regime aberto ao acusado, nos termos do art. 387, §2º do CPP.

11. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista ser o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchidos os requisitos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.

12. Resta rechaçado o pedido de isenção da pena de multa, uma vez que é cominada no preceito secundário do tipo penal e inexiste previsão legal no sentido de não aplicá-la.

13. O valor do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) salário mínimo vigente na data dos fatos, considerando a situação econômica do réu.

14. Mantido o valor da pena de multa.

15. Mantida a inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do art. 92, inc. III, do Código Penal, pelo prazo da pena imposta.

16. Isenção das custas processuais. Pedido prejudicado.

17. Apelação da defesa parcialmente conhecida e parcialmente provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu conhecer parcialmente do recurso de apelação da defesa, e na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso para aplicar a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/2 (um meio), e dar parcial provimento ao recurso de apelação da acusação para condenar o réu pela prática do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, fixando a pena em definitiva em 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei n. 11.343/2016, e 1 (um) ano de detenção pela prática do crime previsto no art. 70 da Lei 4.117/1962, em concurso material, em regime aberto, e o pagamento de 323 (trezentos e vinte e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
PAULO FONTES
DESEMBARGADOR FEDERAL