APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002658-15.2017.4.03.6104
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PARTE RE: UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE SANTOS, ESTADO DE SAO PAULO, ANTONIO DE ALMEIDA, JAYME MANOEL AYRES
SUCEDIDO: DIRCEIA LAURINDO DE OLIVEIRA
APELADO: JOAO LUIZ DE OLIVEIRA, JULIANA SANTANA DE OLIVEIRA, ROSIMEIRE DE OLIVEIRA
Advogado do(a) PARTE RE: MARCELLA VIEIRA RAMOS BARACAL - SP269408-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO THIAGO GONCALVES - SP226724-A
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ANDREA FRANCISCO DA COSTA - SP178945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002658-15.2017.4.03.6104 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PARTE RE: UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE SANTOS, ESTADO DE SAO PAULO, ANTONIO DE ALMEIDA, JAYME MANOEL AYRES Advogado do(a) PARTE RE: MARCELLA VIEIRA RAMOS BARACAL - SP269408-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) contra sentença proferida pela 4ª Vara Federal de Santos/SP que, em ação de usucapião, assim decidiu: "Diante de tais fundamentos, com fulcro no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, julgo procedente a demanda para declarar, por sentença, a usucapião do imóvel localizado na Rua Irmão Gondulpho, 23, Bairro Macuco, Município de Santos, Estado de São Paulo, inserido em área maior transcrita sob nº 29.145 do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos, com área de 95,32m2, em favor de ROSIMEIRE DE OLIVEIRA, JOÃO LUIZ DE OLIVEIRA E JULIANA SANTANA DE OLIVEIRA, garantindo-lhes, observadas as formalidades legais, o registro e a matrícula perante o 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos. Deixo de condenar a CEF ao pagamento de honorários advocatícios, porquanto não ofertada resistência quanto ao pedido de usucapião e da posse mansa, pacífica e ininterrupta. Expeça-se mandado ao 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos, instruindo-o com planta e memorial descritivo (id 62541516 – pag. 26/29), para que, observadas a formalidades legais, sejam adotadas todas as medidas necessárias à efetivação do registro da presente sentença". Em suas razões, a parte apelante alega que "(...) embora a r. sentença tenha reconhecido usucapião do referido imóvel, este anteriormente pertencente ao SERFHAU, está em curso a imprescritibilidade dos bens públicos ora que se emerge como o fundamento jurídico central. A natureza pública do imóvel, reforçada pela legislação e jurisprudência aplicáveis, especialmente o art. 183, § 3º, da Constituição Federal e a Súmula 340 do STF, estabelece que bens públicos não são susceptíveis à aquisição por usucapião, independentemente da duração ou da natureza da posse exercida pelos particulares". Pugna pela reforma da sentença. Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. É o breve relatório. Passo a decidir.
SUCEDIDO: DIRCEIA LAURINDO DE OLIVEIRA
APELADO: JOAO LUIZ DE OLIVEIRA, JULIANA SANTANA DE OLIVEIRA, ROSIMEIRE DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: PAULO THIAGO GONCALVES - SP226724-A
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ANDREA FRANCISCO DA COSTA - SP178945-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002658-15.2017.4.03.6104 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PARTE RE: UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE SANTOS, ESTADO DE SAO PAULO, ANTONIO DE ALMEIDA, JAYME MANOEL AYRES Advogado do(a) PARTE RE: MARCELLA VIEIRA RAMOS BARACAL - SP269408-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Sobre o instituto da usucapião, importa destacar que se trata de um modo originário de aquisição da propriedade, que se perfaz pelo exercício da posse mansa e pacífica por um determinado intervalo de tempo definido em lei. Diferentemente do que ocorre com a aquisição derivada, em que são mantidos os atributos e gravames que recaem sobre o bem, na aquisição originária a propriedade é transmitida sem quaisquer limitações ou ônus existentes antes de sua declaração. A usucapião encontra fundamento na função social da propriedade, conferindo segurança jurídica para situações de fato, consolidadas na sociedade. Para que seja declarada a aquisição da propriedade pela usucapião, é necessário o atendimento a requisitos de três ordens: 1) pessoal (quem estará sujeito aos prazos da prescrição aquisitiva), ao que se aplicam os arts. 197 e 198, do CC, segundo os quais não corre a prescrição entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal, entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela, contra os incapazes, contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios, e contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.; 2) real (quais bens poderão ser usucapidos), merecendo destaque a previsão contida nos arts. 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição, e art. 192, do CC, que vedam a usucapião de bens públicos, além da Súmula 340, do STF, segundo a qual “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”; 3) formais (requisitos essencialmente vinculados à posse do bem). No que diz respeito à vedação de usucapião de bens públicos, importa assinalar, em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, que quando explorarem atividade econômica, estarão submetidas ao regime próprio das empresas privadas, hipótese em que seus bens estarão sujeitos à usucapião. O mesmo não ocorrerá, contudo, quando esses bens estiverem afetados a uma destinação pública, caso em que passarão a ostentar natureza de bem público, tornando-se, portanto, imprescritíveis. Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados: RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A - RFFSA. ESTRADA DE FERRO DESATIVADA - IMPOSSIBILIDADE DE SER USUCAPIDO. LEI N° 6.428/77 E DECRETO-LEI N° 9.760/46. 1. Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. 2. Tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente político e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. 3. Recurso especial conhecido e provido. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 242073 1999.01.14379-9, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, REPDJE DATA:29/06/2009 DJE DATA:11/05/2009) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015) E CIVIL (CC/2002). USUCAPIÃO. IMÓVEL VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. 1. Controvérsia acerca da possibilidade de se adquirir por usucapião imóvel vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH. 2 .Afetação dos imóveis do SFH à implementação política nacional de habitação e planejamento territorial do governo federal. 3. Descabimento da aquisição, por usucapião, de imóveis vinculados ao SFH, tendo em vista o caráter público dos serviços prestado pela Caixa Econômica Federal na implementação da política nacional de habitação. Precedentes. 4. Agravo desprovido. (AgInt no REsp 1712101/AL, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 21/05/2018) No que concerne especificamente aos requisitos formais, existem três deles que são comuns a todas as modalidades de usucapião: 1) tempo, que pode variar conforme a modalidade de usucapião de que se trate; 2) posse mansa e pacífica, ou seja, sem os vícios da violência, clandestinidade, ou precariedade; 3)“animus domini”, correspondente à atuação do possuidor em relação ao bem, como se dono fosse. Outros requisitos são ainda exigidos para modalidades específicas, como o justo título e a boa-fé, para a usucapião ordinária; a posse para fins de moradia, na usucapião urbana (comum ou familiar), ou a posse para fins de trabalho, na usucapião rural. Tratando-se, o caso dos atos, de pretensão voltada ao reconhecimento de usucapião extraordinária, estabelece o art. 1.238 do CC que "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". Já o parágrafo único do mesmo dispositivo legal prevê a possibilidade de redução do prazo da prescrição aquisitiva: "O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". No presente feito, pretende a parte autora o reconhecimento da aquisição originária da propriedade do imóvel localizado na Rua Irmão Gandulpho, 23, Estuário, Santos/SP. Narra a inicial que conforme consta da Certidão de Transcrição nº 29.145, foi averbada à margem da referida transcrição o termo de transferência de bens imóveis entre o SERFHAU e a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, para que esta outorgasse as escrituras dos imóveis remanescentes integrantes do patrimônio da primeira a terceiros, transmitindo a posse, domínio, ação e demais direitos e obrigações da transmissão, razão pela qual ajuizou a presente ação. Dito isso, observo, entretanto, que falta à parte autora a posse "ad usucapionem" necessária para que a aquisição originária se consume. Isso porque o imóvel em questão deve ser considerado bem público, uma vez que destinado à consecução de política pública de estímulo à moradia, em especial à população de baixa renda, ainda que operacionalizado por empresa pública, sendo, portanto, imprescritível, ou seja, insuscetível de ser adquirido por usucapião, conforme texto expresso do art. 183, §3º, da Constituição Federal. Nesses casos, não há sequer se falar em posse, mas apenas detenção do bem. De fato, o pedido inicial diz respeito à usucapião do imóvel acima indicado, inserido em área maior transcrita sob nº 29.145, no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos (ID 301263305), adquirida pela Fundação da Casa Popular, que passou a constituir o patrimônio do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU. À margem da referida transcrição, consta a averbação do termo de transferência de bens imóveis entre a SERFHAU e a Caixa Econômica Federal para que esta outorgasse as escrituras dos imóveis remanescentes integrantes do patrimônio da primeira a terceiros, transmitindo a posse, domínio, ação e demais direitos e obrigações da transmissão, o que fundamentou o ajuizamento da presente ação para obtenção da declaração de domínio do imóvel usucapiendo. Ocorre, porém, que a Lei nº 6.164/1974, que dispõe sobre a transferência da propriedade de bens imóveis do Serviço Social de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), assim dispõe em seu artigo 1º: " Art. 1º Os imóveis construídos pela extinta Fundação da Casa Popular nas diferentes Unidades da Federação, com exceção dos situados em Brasília, são transferidos à Caixa Econômica Federal pelo valor constante do inventário a ser realizado pelas partes interessadas no prazo de 90 (noventa) dias. Parágrafo único. A transferência de que trata este artigo inclui os imóveis prometidos à venda, assumindo a Caixa Econômica Federal, por força da presente Lei, os direitos e obrigações decorrentes dos respectivos contratos de promessa de compra e venda." Dessa forma, tem-se que a Lei nº 6.164/1974 determinou à Caixa Econômica Federal a assunção dos direitos e obrigações decorrentes dos contratos de transferência dos imóveis do extinto SERFHAU. Juridicamente, trata-se de hipótese de sub-rogação legal, que ocorre quando, por força de lei, um terceiro assume a posição de outro em relação a um direito ou obrigação. No caso sob exame, a CEF sub-rogou-se nos direitos e obrigações do SERFHAU relativamente à propriedade fiduciária dos imóveis ainda não transferidos a terceiros. Vale lembrar que o SERFHAU era entidade autárquica criada pela Lei nº 4.380/1964, com atuação integrada ao Banco Nacional da Habitação (BNH), conforme regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 59.917/1966. O Decreto-Lei nº 2.291/1986, por sua vez, determinou a extinção do BNH e sua incorporação à CEF, sendo que a CEF sucedeu o BNH em ações referentes ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), consoante orientação da Súmula nº 327 do C. STJ. Depreende-se da sucessão legislativa e jurisprudencial acima que os imóveis pertencentes ao extinto SERFHAU possuíam natureza pública, vinculada ao BNH/SFH, de sorte que sua transferência, por força de lei, à CEF, não alterou sua natureza pública e, portanto, a sua sujeição aos princípios que regem a administração pública, incluindo a imprescritibilidade, visto que destinado à prestação de um serviço público. Nesse sentido, os precedentes abaixo: ADMINISTRATIVO. IMÓVEL PERTENCENTE AO SFH. USUCAPIÃO. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. A sentença apelada julgou improcedente o pedido exordial que objetivava a declaração de prescrição aquisitiva do imóvel situado na Rua Francisco Bezerra Monteiro, n.º 266, Engenho do Meio, Recife/PE. 2. Conforme noticiado na sentença, trata-se de imóvel pertencente ao Sistema Financeiro de Habitação - área de 200.325,00 m², de propriedade da CAIXA, em que construídas 588 (quinhentos e oitenta e oito) casas, posteriormente transferida pela SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e Urbanismo) ao BNH (Banco Nacional de Habitação), fazendo parte do complexo de bens atrelados ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), consoante documentação de fl. 66. 3. A jurisprudência pátria já se posicionou no sentido de que, tratando-se de imóvel pertencente ao SFH, não há possibilidade de aquisição de propriedade por usucapião em quaisquer de suas modalidades. Precedente: (TRF - 2ª Região, Rel. Des. Federal JOSÉ ANTÔNIO LISBOA NEIVA, E-DJF2R, 24.02.2011, p. 282/283). 4. Como bem consignou o Juízo de Primeiro Grau, não resta "configurada a hipótese do art. 1o. da MP 2.220/01 no sentido de que adquire o direito de concessão de uso especial para fim de moradia o sujeito de direito que houver exercido posse contínua e inconteste, até 30 de junho de 2001, por cinco anos, em área urbana pública de até 250m², com finalidade de uso para moraria própria ou da família, porquanto a área objeto do feito ostenta 200.325,00 m² onde, inclusive, construídas 588 (quinhentos e oitenta e oito) casas." 5. Apelação improvida. CONSTITUCIONAL E CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL COMO SUCESSORA DO SERVIÇO FEDERAL DE HABITAÇÃO E URBANISMO. 1. Os imóveis integrantes do patrimônio da Caixa Econômica Federal com destinação específica para utilização em projetos habitacionais submetem-se ao regime de direito público. Sendo insuscetíveis de usucapião. 2. A Constituição Federal traz em seu Art. 183, parágrafo 3º disposição no sentido de que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 3. A Súmula 340 do STF reforça tal entendimento: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião". 4. Apelação não provida. (AC - Apelação Civel - 410379 2007.05.00.020464-7, Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, TRF5 - Terceira Turma, DJ - Data::31/03/2009 - Página::261 - Nº::61.) O TRF da 3ª Região, por intermédio desta C. 2ª Turma, também teve oportunidade de se manifestar sobre o tema ora discutido, nos autos da Apelação Cível n° 0001632-26.2015.4.03.6108, assim ementada: E M E N T A Do inteiro teor do voto condutor, proferido pela e. Desembargadora Federal Renata Lotufo, extrai-se a seguinte passagem, apropriada à solução do caso concreto: Do exame dos autos, extrai-se que o bem em questão se origina do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERPHAU, instituído pela Lei n. 4.380/64, o qual, sucedeu a Fundação da Casa Popular, por sua vez, decorrente do Decreto-Lei n. 9.218/46. E sobre a impossibilidade de aquisição, pela via da usucapião, de imóveis vinculados ao SFH, os seguintes julgados: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. IMÓVEL FINANCIADO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. RECURSOS DO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - SFH. BEM AFETADO À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS RÉUS. INCABÍVEL A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A usucapião especial urbana, também conhecida como usucapião pró-moradia, tem como escopo a efetividade do direito fundamental à moradia e do princípio da dignidade da pessoa humana, nas condições dispostas no artigo 183 da Constituição Federal. 2. Tal norma, igualmente reproduzida no artigo 1.240 do Código Civil, apresenta como requisitos a essa modalidade de usucapião: a) área urbana de até 250 m²; b) exercício da posse por 5 (cinco) anos, de forma ininterrupta e sem oposição; c) utilização do imóvel para moradia do possuidor ou de sua família; d) não seja o usucapiente proprietário de outro imóvel, rural ou urbano; e) não tenha o usucapiente adquirido qualquer outra área por meio da usucapião. 3. A restrição prevista no §3º do referido artigo, qual seja, a impossibilidade de aquisição de imóveis públicos por usucapião, não é aplicável aos bens pertencentes a empresas públicas e de sociedade de economia mista, uma vez que estas são regidas pelas normas de direito privado. Todavia, se o bem em questão estiver afetado à prestação de serviço público, este deverá ser tratado como bem público. 4. Nesse sentir, a Caixa Econômica Federal, ao atuar como agente financeiro dos programas oficiais de habitação do Governo Federal, tal como o Sistema Financeiro de Habitação - SFH, explora serviço público "destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população" (artigo 8º da Lei nº 4.380/64). 5. Dessa forma, o imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal com recursos do Sistema Financeiro de Habitação se equipara aos bens públicos, sendo, portanto, imprescritível. Precedentes. 6. No caso dos autos, consta que o imóvel dos apelantes foi financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH, de modo que, nos termos do §3º do artigo 183 da Constituição Federal, não é passível de usucapião. Precedentes. 7. Desta feita, irretocável a r. sentença ao julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, pela impossibilidade jurídica do pedido. 8. Entretanto, o decisum merece reparos no tocante à condenação dos apelantes ao pagamento de honorários advocatícios. Isso porque os réus sequer foram citados nos autos, inexistindo o litígio propriamente dito a autorizar o pagamento da verba honorária à outra parte. Precedente. 9. Apelação a que se dá parcial provimento. (ApCiv 0005504-06.2011.4.03.6103. RELATOR: Des. Federal Valdeci dos Santos, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/06/2018) APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL FINANCIADO COM RECURSOS DO SFH. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. ARTIGO 9º, "CAPUT", DA LEI 5.741/71. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Da Inexistência dos requisitos da usucapião. Para que haja a declaração de usucapião, não basta a posse do imóvel pelo prazo estabelecido em lei. É necessário que tal posse seja "ad usucapionem", isto é, que preencha determinados requisitos: que seja "animus domini", contínua, ininterrupta, pacífica e pública, cujos requisitos não ocorreram. 2. A pretensão do Apelante de usucapir o imóvel em questão não prospera. O artigo 1.240 do Código Civil, por sua vez, estabelece a usucapião como modo de aquisição da propriedade imóvel nos seguintes termos: "Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez". 3. Como é cediço, para a configuração da usucapião especial urbana é necessária a comprovação simultânea de todos os elementos caracterizadores do instituto constantes no artigo 1.240 do Código Civil, especialmente o animus domini, condição subjetiva e abstrata que se refere à intenção de ter a coisa como sua e que se exterioriza por atos de verdadeiro dono. 4. No caso dos autos, o Apelante pretende a declaração de propriedade na forma originária - usucapião especial -, a qual vem prevista no artigo 183 da Constituição da República Federativa do Brasil, nestes termos: "Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião". Conforme dispõe o § 3º do dispositivo acima citado, os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 5. No caso, a Caixa Econômica Federal é uma empresa pública exploradora de atividade econômica, tendo os seus bens, em tese, natureza privada. Contudo, o caso dos autos apresenta peculiaridade que determina o tratamento do bem como se público fosse. É que os imóveis financiados com recursos do SFH têm por escopo promover o direito constitucional à moradia. Nesses casos, a CEF exerce serviço de natureza privada para satisfação do interesse público - a título de intervenção no domínio econômico - com a finalidade de manter o equilíbrio na oferta de bens de caráter social; em outras palavras, imóvel de baixo custo. O artigo 183 da Constituição da República Federativa do Brasil destina-se a permitir a consecução de política urbana voltada para o bem comum, não podendo servir para legitimar ocupações indevidas ou para albergar a pretensão de mutuários, gaveteiros ou ocupantes inadimplentes, no sentido de adquirir a propriedade de um imóvel pelo qual efetivamente não pagaram, em flagrante enriquecimento ilícito e em detrimento do patrimônio público. Em face do preceito insculpido no artigo 9º da Lei nº 5.741/1971, que tipifica a invasão e ocupação de imóvel do sistema Financeiro da Habitação como crime, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou pela impossibilidade de usucapir imóvel do SFH, na linha do seguinte julgado: STF, 2ª Turma, RE 191.603-6/MS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 28/08/1998. 6. Nesse contexto, impende reconhecer que o imóvel objeto desta ação é bem público e, como tal, insuscetível de usucapião, nos termos do artigo 183, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil. 7. (...) Apelação improvida. (ApCiv 5000993-13.2018.4.03.6141, RELATOR: Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/01/2020) Portanto, não estão preenchidos os requisitos autorizadores do reconhecimento da aquisição originária do imóvel pela parte autora. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para julgar improcedente o pedido de usucapião. Invertido o ônus da sucumbência, condeno a parte autora em custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa (art. 85, § 2º, do CPC), ficando suspensa a execução, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, em razão da gratuidade de justiça. É como voto.
SUCEDIDO: DIRCEIA LAURINDO DE OLIVEIRA
APELADO: JOAO LUIZ DE OLIVEIRA, JULIANA SANTANA DE OLIVEIRA, ROSIMEIRE DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: PAULO THIAGO GONCALVES - SP226724-A
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ANDREA FRANCISCO DA COSTA - SP178945-A
(TRF5 - PROCESSO: 08071453920144058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 09/07/2015)
APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. USUCAPIÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. GESTOR. PROGRAMAS OFICIAIS DE HABITAÇÃO. BEM PÚBLICO.
- O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que os imóveis da Caixa Econômica Federal, relacionados à sua atuação enquanto agente financeiro em programas oficiais de habitação e órgão executor da política habitacional possuem natureza pública.
- Em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau recursal, majoro em 1% (um por cento) o montante fixado na instância de origem a título de honorários advocatícios, totalizando 11% (onze por cento) sobre o valor da causa, ressalvada a suspensão da exigibilidade da verba por ser a parte beneficiária da gratuidade de justiça.
- Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001632-26.2015.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 05/09/2024, Intimação via sistema DATA: 06/09/2024)
Conforme histórico apontado na manifestação contida em ID 269312035 – p. 158/164, os bens imóveis do SERPHAU foram transferidos à Caixa Econômica Federal por meio da Lei n. 6.164/74, e aquele serviço foi liquidado e seu patrimônio incorporado ao Banco Nacional da Habitação – BNH, tendo em vista o quanto estabelecido pelo Decreto n. 76.149/1975.
Ainda, da consulta da matrícula do imóvel em questão, observa-se a averbação realizada em 18.04.1978, correspondente à transferência à Caixa Econômica Federal, decorrente do Decreto n. 5.049/1966, o qual introduziu modificações na legislação pertinente ao Plano Nacional de Habitação (ID 269312035 – p. 31).
No contexto apresentado, mantém-se a sentença recorrida.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. IMÓVEL PERTENCENTE AO SERFHAU. AFETAÇÃO À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. IMPRESCRITIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE.
- Sobre a vedação de usucapião de bens públicos, importa assinalar, em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, que quando explorarem atividade econômica, estarão submetidas ao regime próprio das empresas privadas, hipótese em que seus bens estarão sujeitos à usucapião. O mesmo não ocorrerá, contudo, quando esses bens estiverem afetados a uma destinação pública, caso em que passarão a ostentar natureza de bem público, tornando-se, portanto, imprescritíveis.
- Falta à parte autora a posse "ad usucapionem" necessária para que a aquisição originária se consume. Isso porque o imóvel em questão deve ser considerado bem público, uma vez que destinado à consecução de política pública de estímulo à moradia, em especial à população de baixa renda, ainda que operacionalizado por empresa pública, sendo, portanto, imprescritível, ou seja, insuscetível de ser adquirido por usucapião, conforme texto expresso do art. 183, §3º, da Constituição Federal. Nesses casos, não há sequer se falar em posse, mas apenas detenção do bem.
- De fato, o pedido inicial diz respeito à usucapião do imóvel acima indicado, inserido em área maior transcrita sob nº 29.145, no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos (ID 301263305), adquirida pela Fundação da Casa Popular, que passou a constituir o patrimônio do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU. À margem da referida transcrição, consta a averbação do termo de transferência de bens imóveis entre a SERFHAU e a Caixa Econômica Federal para que esta outorgasse as escrituras dos imóveis remanescentes integrantes do patrimônio da primeira a terceiros, transmitindo a posse, domínio, ação e demais direitos e obrigações da transmissão, o que fundamentou o ajuizamento da presente ação para obtenção da declaração de domínio do imóvel usucapiendo.
- Ocorre, porém, que a Lei nº 6.164/1974, que dispõe sobre a transferência da propriedade de bens imóveis do Serviço Social de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), assim dispõe em seu artigo 1º: " Art. 1º Os imóveis construídos pela extinta Fundação da Casa Popular nas diferentes Unidades da Federação, com exceção dos situados em Brasília, são transferidos à Caixa Econômica Federal pelo valor constante do inventário a ser realizado pelas partes interessadas no prazo de 90 (noventa) dias. Parágrafo único. A transferência de que trata este artigo inclui os imóveis prometidos à venda, assumindo a Caixa Econômica Federal, por força da presente Lei, os direitos e obrigações decorrentes dos respectivos contratos de promessa de compra e venda."
- Dessa forma, tem-se que a Lei nº 6.164/1974 determinou à Caixa Econômica Federal a assunção dos direitos e obrigações decorrentes dos contratos de transferência dos imóveis do extinto SERFHAU. Juridicamente, trata-se de hipótese de sub-rogação legal, que ocorre quando, por força de lei, um terceiro assume a posição de outro em relação a um direito ou obrigação. No caso sob exame, a CEF sub-rogou-se nos direitos e obrigações do SERFHAU relativamente à propriedade fiduciária dos imóveis ainda não transferidos a terceiros. Vale lembrar que o SERFHAU era entidade autárquica criada pela Lei nº 4.380/1964, com atuação integrada ao Banco Nacional da Habitação (BNH), conforme regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 59.917/1966. O Decreto-Lei nº 2.291/1986, por sua vez, determinou a extinção do BNH e sua incorporação à CEF, sendo que a CEF sucedeu o BNH em ações referentes ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), consoante orientação da Súmula nº 327 do C. STJ.
- Depreende-se da sucessão legislativa e jurisprudencial acima que os imóveis pertencentes ao extinto SERFHAU possuíam natureza pública, vinculada ao BNH/SFH, de sorte que sua transferência, por força de lei, à CEF, não alterou sua natureza pública e, portanto, a sua sujeição aos princípios que regem a administração pública, incluindo a imprescritibilidade. Precedente.
- Apelação provida.