Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0013003-59.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ANA REGINA RUSSO DOMENICH, JOAO CARLOS DOMENICH, RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A
Advogados do(a) APELANTE: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A

APELADO: RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, REINALDO FARINA, JOAO CARLOS DOMENICH, ANA REGINA RUSSO DOMENICH, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A
Advogado do(a) APELADO: SAMUEL ROBERTO DE ALMEIDA PACHECO - SP161341-A
Advogado do(a) APELADO: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0013003-59.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ANA REGINA RUSSO DOMENICH, JOAO CARLOS DOMENICH, RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A
Advogados do(a) APELANTE: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A

APELADO: RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, REINALDO FARINA, JOAO CARLOS DOMENICH, ANA REGINA RUSSO DOMENICH, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A
Advogado do(a) APELADO: SAMUEL ROBERTO DE ALMEIDA PACHECO - SP161341-A
Advogado do(a) APELADO: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de Apelações Criminais, originadas de ação penal intentada em face de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (nascido em 20.06.1974), pela prática do crime disposto no art. 317, §1º, por 05 (cinco) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal; REINALDO FARINA (nascido em 21.10.1942), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal; LAIRSON AMARAL MENDONÇA (nascido em 24.03.1955), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, c/c o art. 29, ambos do Código Penal; JOÃO CARLOS DOMENICH (nascido em 23.12.1947), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal; ANA REGINA RUSSO DOMENICH (nascida em 27.10.1952), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, c/c o art. 29, na forma do art. 69, todos do Código Penal; MIGUEL HUEB NETTO (nascido em 21.12.1952), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal.

Recebida em 29.10.2018 (ID 275335048 - Pág. 58/66), a denúncia narra que (ID 275335048 - Pág. 03/57):

1- CONTEXTO DOS FATOS E DIMENSÃO DAS ATIVIDADES CRIMINOSAS

Diligências investigatórias iniciadas no procedimento investigatório criminal (PIC) nº 1.34.025.000158/2013-91 demonstraram a existência de fortes indícios de que a venda de laudos periciais acerca de moléstias ocupacionais e/ou de acidentes de trabalho em reclamações trabalhistas poderia ser uma prática disseminada entre alguns médicos peritos, dentre os quais WILSON CARLOS SILVA VIEIRA.

Neste cenário, mediante prévia autorização desse d. Juízo (fls. 269-270v), obteve-se o conteúdo da caixa de e-mails wilsonperito@gmail.com de WILSON CARLOS, cuja análise reforçou a suspeita inicial da existência de um esquema de pagamento de vantagens indevidas em perícias na Justiça do Trabalho, com a participação de assistentes técnicos, peritos judiciais e advogados. Mais do que isto, as evidências coletadas e analisadas demonstraram que esta prática não se limitava ao perito judicial WILSON CARLOS, se estendendo a diversos outros profissionais.

Por tais razões, foi requerida pelo Parquet federal e deferida por esse d. Juízo a extensão da quebra do sigilo de dados telemáticas às contas de e-mails de outros investigados, notadamente do assistente técnico REINALDO FARINA (rs_farina@hotmail.com), o que propiciou que as investigações avançassem significativamente e trouxesse à tona provas consistentes de diversos atos ilícitos.

Confirmou-se o funcionamento de uma ampla rede criminosa, com abrangência em municípios de diversos estados da federação, em que assistentes técnicos, "autorizados" e financiados pela parte (geralmente empresas reclamadas) que assistem nos processos trabalhistas e por vezes contando com a intermediação de advogados, ajustam o pagamento de vantagens indevidas a peritos judiciais para emissão de laudo pericial favorável à parte interessada. Em grande parte dos casos há evidências de que os peritos judiciais solicitaram, aceitaram e/ou receberam os valores oferecidos e, por conta disto, beneficiaram a parte que lhes pagou.

(...)

Nesse contexto, o médico perito que pratica este tipo de delito invoca a sua independência técnica para justificar eventuais contradições entre o seu laudo e pareceres médicos produzidos por outros profissionais em sentido contrário, a fim de evitar a sua responsabilização penal.

Não obstante, quando existem provas de que houve o oferecimento, a solicitação, o pagamento e/ou o recebimento de vantagem indevida ao perito judicial não há necessidade de comprovação de que o laudo pericial é falso para a caracterização de infração penal. Às vezes pode até não ser falso, como ocorreu em muitos casos desta investigação". No entanto, tais condutas podem constituir, por si sós e dependendo das circunstâncias do caso concreto, os delitos de corrupção passiva e ativa, tipificados respectivamente nos artigos 317 e 333 do Código Penal.

Apurou-se, ademais, que era frequente o compartilhamento "extra-autos" de cópias de laudos periciais e de pareceres técnicos, integralmente ou pelo menos das conclusões destes documentos antes do protocolo na Justiça, entre perito judicial e assistente técnico, prática esta que, quando realizada de forma oficiosa e não autorizada expressamente pelo Juízo competente, é repudiada pelo Conselho Federal de Medicina (Despacho SEJUR nº 243/2015) e pelo Judiciário trabalhista por violar a imparcialidade e o devido processo legal. Ainda que se admita a validade e a regularidade deste compartilhamento prévio e informal de laudos e pareceres, há diversos casos em que se demonstrou que esta prática propiciava:

a-) para o assistente técnico - e, por conseguinte, para a parte que ele assiste -, o prévio conhecimento do conteúdo do laudo, o que pode consistir: em instrumento utilizado pelo perito para que a parte pretenda a modificação do laudo que lhe foi desfavorável, ainda que por meio de retribuição pecuniária (propina); a "prestação de contas" por um laudo cuja conclusão havia sido previamente acordada; fornecimento das diretrizes a serem seguidas pelo assistente técnico para que o seu parecer esteja em consonância com o laudo pericial;

b·) para o perito judicial, o prévio conhecimento do conteúdo do parecer técnico da parte, o que pode consistir na apresentação das diretrizes a serem seguidas por aquele para que o seu laudo pericial esteja em consonância com o parecer técnico.

2- DO "MODUS OPERANDI”

Apurou-se um amplo esquema de corrupção de peritos judiciais da Justiça do Trabalho, notadamente em perícias de processos em trâmite nas Varas dos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª Região (sediada em Campinas/SP, com jurisdição sobre todo interior do estado) e da 2ª Região (com sede em São Paulo/SP, com competência na região metropolitana da capital e no litoral).

Esta rede de corrupção envolve, além dos próprios peritos judiciais, assistentes técnicos das partes, advogados e representantes de empresas (reclamadas).

Em síntese, o papel-chave no esquema é exercido pelo assistente técnico da parte. Este profissional é o elo de ligação entre a parte interessada em ser favorecida no laudo pericial (geralmente uma empresa reclamada) e o perito judicial que aceita receber vantagem indevida com esta finalidade.

O assistente técnico geralmente conta com a confiança da parte que o contratou e, valendo-se desta relação, oferece o suborno ao perito e intermedeia o respectivo pagamento, quando aceito.

Por vezes as tratativas do assistente técnico com a empresa acerca da propina ao perito eram realizadas por intermédio do advogado da parte interessada (no caso desta denúncia, o acusado MATHEUS DE TOLEDO), sendo que este levava aos representantes da reclamada" a possibilidade de pagamento ao perito. Em alguns casos analisados nesta investigação apurou-se que alguns advogados eram conhecedores do esquema de corrupção e dos assistentes técnicos e peritos que eram a ele adeptos, valendo-se do pagamento de valores aos peritos com naturalidade.

O assistente técnico também é o responsável por fazer a aproximação na outra ponta do esquema, junto ao perito judicial. Beneficiando-se do corporativismo e da proximidade decorrente do trabalho, o assistente técnico geralmente é o responsável por fazer a combinação, o oferecimento e/ou a entrega de vantagem indevida ao perito judicial ou receber e repassar solicitação desta natureza que parte do perito, bem como por ajustar com este o resultado do laudo. A investigação revelou que REINALDO FARINA conhecia diversos peritos adeptos ao esquema de corrupção (dentre eles, WILSON CARLOS SILVA VIEIRA) e muitas vezes fez, em nome destes, a solicitação de propina à empresa que aquele assistia no processo. Nos casos em que a empresa aceitou o pagamento o laudo pericial lhe foi favorável. Em outros, a empresa que recusou a proposta teve laudo pericial prejudicial.

(...)

3- DOS FATOS ESPECÍFICOS DESTA AÇÃO PENAL

3.1- DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA Nº 0030500-28.2009.5.15.0087 E Nº 0077600-76.2009.5.16.0087 DA 1ª VARA DO TRABALHO DE PAULÍNIA

Entre os meses de abril e maio de 2011 o assistente técnico JOÃO CARLOS DOMENICH, com o auxílio material de ANA REGINA RUSSO DOMENICH, sua esposa e secretária, ambos de forma consciente e voluntária, ofereceram, prometeram e pagaram, por 02 (duas) vezes, vantagens indevidas a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES em razão de sua condição de perito judicial nos autos das reclamações trabalhistas em epígrafe, vantagens estas que foram solicitadas, aceitas e recebidas, por 02 (duas) vezes, de forma consciente e voluntária, por RENATO ARIMATEIA.

Segundo apurado, aos 03 de março de 2009, Silvando Alves de Araújo ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa COMPANHIA ULTRAGAZ S.A., distribuída e autuada sob nº 0030500-28.2009.5.15.0087 à 1ª Vara do Trabalho de Paulínia. Postulou, dentre outros pedidos, a sua reintegração no emprego, pagamento dos salários devidos até a efetiva reintegração e indenização por danos materiais (pensão mensal pela redução da capacidade laborativa) e por danos morais (estimados em 100 vezes a sua remuneração) em decorrência de doença ocupacional/acidente de trabalho (fls. 105v-113). O valor da causa é de R$ 642.096,88 (fl. 113).

No dia 17 de julho de 2009, Silvando Alves de Araújo também propôs reclamação trabalhista em face da mesma empresa, COMPANHIA ULTRAGAZ S.A., distribuída e autuada sob nº 0077600-76.2009.5.15.0087 à 1ª Vara do Trabalho de Paulínia. Postulou, dentre outros pedidos, a sua reintegração no emprego e indenização por danos materiais (redução da capacidade laborativa, gastos com tratamento médico e medicação) e por danos morais (estimados em R$ 135.000,00). O valor da causa é de R$ 165.777,00 (fl. 147).

Diante da necessidade de realização de perícia médica, o Juízo trabalhista nomeou como perito, nos dois processos, o médico RENATO ARIMATEIA (fls. 119v e 148).

Entre os meses de abril e maio de 2011, JOÃO DOMENICH, com o auxílio material de ANA DOMENICH, ajustou com CLAUDIO SANGALLI o pagamento, a este, de valores "extra-oficiais" (propinas) para assegurar a emissão de laudos periciais favoráveis à ULTRAGAZ nestes dois processos.

(...)

Aos 30/07/2010 ANA DOMENICH, a pedido de JOÃO DOMENICH, encaminhou a RENATO ARIMATEIA alguns dados e documentos técnicos relativos ao reclamante Jaime e disse, dissimuladamente, que aguardava o envio dos laudos periciais deste processo e de dois outros (um deles do reclamante Silvando) para providenciarem a disponibilização da propina para dar andamento aos processos) (fls. 03-06 e 41).

(...)

Na semana seguinte, RENATO ARIMATEIA enviou (fl. 08) cópia de seu laudo pericial de Silvando (fls. 09-30) para JOÃO DOMENICH, identificado no e-mail como "perícia 1", antes de protocolá-lo na Justiça, cuja conclusão era favorável à empresa ULTRAGAZ sobretudo por afastar o nexo de causalidade e atestar a inexistência de incapacidade laborativa do reclamante:

(...)

Na mesma data JOÃO OOMENICH concordou com o teor do laudo pericial ("quanto a perícia 1 tudo bem") e disse a RENATO ARIMATEIA, dissimuladamente, que faria o pagamento da vantagem indevida, no valor de R$2.500,00 (“2.5 documentos”) em cerca de 30 (trinta) dias (fls. 31 e 42).

Alguns dias depois RENATO ARIMATEIA solicitou a JOÃO DOMENICH, de forma codificada, o pagamento de propina de R$ 3000,00, argumentando que este era o valor praticado no meio pericial (preço de mercado), bem como pediu-lhe favor de outra natureza, que, se atendido, poderia dispensar JOÃO DOMENICH de pagar suborno (“futuras documentações") em outros processos (fls. 32 e 43).

JOÀO DOMENICH respondeu que tentaria atender o 'favor" pedido por RENATO ARIMATEIA (fls. 33-34 e 44).

O laudo pericial do reclamante Silvando (fls. 120-130v) foi protocolado na Justiça do Trabalho no dia 28/04/2011 (fl. 120), com a mesma conclusão que havia sido antecipada a JOÃO DOMENICH por RENATO ARIMATEIA, totalmente favorável à empresa ULTRAGAZ por afastar o nexo de causalidade e atestar a inexistência de incapacidade laborativa do reclamante.

Naquela mesma data, 28/04/2011, foi protocolado (fl. 150) o laudo pericial de RENATO ARIMATEIA sobre o reclamante Jaime (fls. 150- 168v), cuja conclusão também era benéfica à empresa ULTRAGAZ por afastar o nexo de causalidade e atestar a plena capacidade laborativa do reclamante (...)

Dois dias após o protocolo dos seus dois laudos periciais, RENATO ARIMATEIA informou, de modo cifrado, os dados bancários de sua conta para JOÃO DOMENICH a fim de que fossem creditadas as quantias das propinas das duas pericias (reclamantes Silvando e Jaime) (fls. 35 e 45-47).

Na mesma data ANA DOMENICH pediu mais dados de RENATO ARIMATEIA, "inclusive CPF, e informou, de maneira cifrada, que deles dependia para o pagamento da propina referida na mensagem como “documentos" (fl. 35A). Na sequência, RENATO ARIMATEIA e JOÃO DOMENICH acertaram os dados necessários para a efetivação do depósito do suborno (fls. 36-37 e 48-50).

No dia seguinte JOÃO DOMENICH e ANA DOMENICH fizeram 02 (dois) depósitos no valor de R$ 3.000,00 cada para crédito de RENATO ARIMATEIA, referentes ao suborno combinado para as duas perícias em questão (reclamantes Silvando e Jaime), sendo que a instituição financeira encaminhou dois e-mails a RENATO ARIMATEIA com a confirmação das transações (fls. 38-38A e 51- 52):

Ato contínuo, ANA DOMENICH comunicou a RENATO ARIMATEIA a efetivação dos créditos das propinas ("documentos") relativas aos dois casos (fl. 39).

(...)

Acordão prolatado aos 13/08/2013 (fls. 136-140) pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, também com base no laudo pericial de RENATO ARIMATEIA, desproveu o recurso ordinário de Silvando e manteve integralmente a Sentença. A decisão transitou em julgado aos 04/09/2013 (fl. 55).

(...)

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região também considerou os laudos periciais de RENATO ARIMATEIA e de Albino Vicente Rodrigues Cantanhede para desprover, em acórdão proferido aos 27/01/2015, o recurso ordinário de Jaime e manter integralmente a sentença (fls. 94-99). A decisão transitou em julgado ainda no ano de 2015 (fl. 76).

Ouvido em sede policial (fls. 68-69-PIC), RENATO ARIMATEIA negou a prática de irregularidades em perícias trabalhistas e alegou que "não recebeu valores pagos diretamente por alguma das partes do processo ou

intermediada pelo Assistente Técnico, Médico do Trabalho ou Advogado no exercício da função de Perito Judicial.

Em depoimento prestado na Procuradoria da República em Campinas (fls. 152-153-PIC), JOÃO DOMENICH também negou a prática de qualquer ilicitude e alegou que "na qualidade de assistente técnico da parte nunca ofereceu, prometeu, intermediou ou pagou valores ao perito judicial do processo". (...)

Também ouvida nesta Procuradoria da República em Campinas (fis. 154-155-PIC), ANA DOMENICH disse que, "(...) Não se lembra de Renato Arimateia ter lhe pedido qualquer ajuda em projeto social ou doação para entidade social ou de caridade. Não sabe o que significa e nunca se interessou por termos como '3. 0 documentos' e os ‘2.5 documentos'. Indagada se estes '3.0 documentos' significa RS 3.000,00 e ‘2.5 documentos' significa R$ 2.500,00, respondeu que não sabe. Não era comum este tipo de expressão nos e-mails que ela via."(sic, fls. 154-155-PIC)

A materialidade e a autoria estão comprovados sobretudo: a-) pelo Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC); b-) pelos documentos e e-mails extraídos do HD de RENATO ARIMATEIA (fls. 41-52 e DVD de fl. 199-PIC); c-) pelos e-mails da conta de RENATO ARIMATEIA obtidos na segunda etapa da operação Hipócritas (fls. 03-39 e DVD de fl. 199-PIC); d-) pelos extratos processuais e cópia das principais peças das reclamações trabalhistas em análise (fls. 53-99 e 104-173, íntegras no DVD de fl. 290-PIC); e-) pelos extratos bancários de REMATO ARIMATEIA (trechos impressos às fls. 203-PIC, íntegra no DVD de fl. 199-PIC); f-) pelos demais elementos desta investigação, sobretudo pelos Relatórios de Análise MPF nºs 03/2015-RF, 04/2015-RF e 03/2017-WCSV (DVD de fl. 199-PIC) e pelos e-mails da conta "renato.costa74(@gmail.com” (DVD de fl. 199-PIC) que demonstram que a oferta/solicitação, o ajuste e o pagamento/recebimentos de valores "extra-oficiais" era uma prática recorrente de REMATO ARIMATEIA, JOÃO DOMENICH e ANA DOMENICH.

3.2- CASO ENVOLVENDO O ASSISTENTE TÉCNICO REINALDO FARINA

Consoante apresentou-se na introdução desta denúncia, REINALDO FARINA é o principal assistente técnico investigado na primeira etapa da Face 1 da operação Hipócritas, suspeito de ter oferecido, prometido, acordado, intermediado e/ou pago vantagem indevida a diversos peritos judiciais em dezenas de processos trabalhistas em que atuou como assistente técnico, conforme dados e evidências compiladas sobretudo nos Relatórios de Análise MPF (RAMPF) nos 01/2015-RF a 60/2016-RF (íntegras gravadas na mídia DVD de fl. 199).

Logo após a deflagração da primeira etapa da operação Hipócritas, REINALDO FARINA firmou acordou de colaboração com o MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL e, em decorrência, prestou depoimentos e apresentou provas de corroboração sobre diversos fatos, dentre os quais aqueles que são objeto desta denúncia (acostadas às fls. 157-181).

3.2.1- DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA Nº 0000362-06.2012.6.15.0077 DA VARA DO TRABALHO DE INDAIATUBA

Entre os meses de março e abril de 2015 o assistente técnico REINALDO FARINA e LAIRSON AMARAL MENDONÇA, representante da empresa reclamada INNARA ARAMADOS, de forma consciente e voluntária, previamente acertados e com unidade de desígnio, ofereceram, prometeram e pagaram vantagem indevida a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES em razão de sua condição de perito judicial nos autos da reclamação trabalhista em epigrafe, vantagem esta que foi solicitada, aceita e recebida, de forma consciente e voluntária, por RENATO ARIMATEIA.

Segundo apurado, aos 16 de fevereiro de 2012, Maurília Silva de Oliveira ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa INNARA INDÚSTRIA NACIONAL DE ARAMADO LTDA., distribuída e autuada sob nº 0000362-06.2012.5.15.0077 à Vara do Trabalho de Indaiatuba.

(...)

Em fevereiro de 2015 o magistrado trabalhista, atendendo ao requerimento/impugnação ao laudo do advogado da INNARA (fls. 157v- 158 e 158v160), converteu o julgamento em diligência para determinar o refazimento da perícia médica, nomeando, para tanto, o perito RENATO ARIMATEIA (fls. 160v -161v).

Entre os meses de março e abril de 2015 REINALDO FARINA, recém- contratado para atuar como assistente técnico da reclamada (fls. 42- 44), com a concordância, a autorização e a participação de LAÍRSON MENDONÇA, representante da INNARA, ajustou com RENATO ARIMATEIA o pagamento, a este, de valores "extra-oficiais" (propina) para assegurar a emissão de laudo pericial favorável àquela empresa.

No dia 24/03/2015 RENATO ARIMATEIA realizou o exame médico pericial na reclamante Maurília e a vistoria no seu local de trabalho, atos que contaram com a participação de REINALDO FARINA (fls. 164 e 166).

Alguns dias depois REINALDO FARINA pediu a RENATO ARIMATEIA que entrasse em contato por telefone "para falamos de assunto de nosso interesse." (fls. 28 e 46)

(...)

Naquele mesmo dia REINALDO FARINA encaminhou cópia de seu parecer técnico (fls. 33-37) para Mauro Rodriques (fis. 31-32), advogado da INNARA, solicitando-lhe o envio da cópia daquele documento para LAIRSON MENDONÇA (fl. 30).

(...)

Ainda no dia 06.04.2015, REINALDO FARINA informou a LAIRSON que enviara a nota fiscal nº 725 de sua empresa R S FARINA LAUDOS E PERICIAS, emitida no valor de R$ 2.000,00 para remunerar seus serviços de assistência técnica na perícia em apreço (fls. 25-26 e DVD de fl. 199-PIC).

(...)

A conclusão do laudo pericial de RENATO ARIMATEIA, diferentemente do anterior laudo do perito judicial Claudio Sangalii, foi favorável à empresa INNARA por afastar o nexo de causalidade e atestar a inexistência de incapacidade laborativa da reclamante (...)

Ato continuo, REINALDO FARINA repassou a cópia do laudo pericial de RENATO ARIMATEIA para LAIRSON MENDONÇA, ressaltou-lhe a complexidade do caso, pediu-lhe para que o advogado da INNARA não protocolasse no processo o parecer técnico dele (REINALDO FARINA) e informou-lhe que acertara com o perito RENATO ARIMATEIA o pagamento da propina, em espécie, "na quarta feira próxima" (fl. 05).

(...)

Confirmando o efetivo recebimento da propina por RENATO ARIMATEIA, em extrato bancário da conta de sua titularidade no Banco Santander consta um depósito de R$ 3.000,00 em dinheiro, realizado em terminal de autoatendimento bancário e creditado no dia seguinte ao encontro, conforme dados descritos abaixo (fl. 270-PIC e DVD de fl. 199-PIC).

Sobredito depósito foi feito na agência 2017 do banco Santander, situada na Avenida Francisco Glicário, nº 1.350, Campinas/SP (fl. 285-PIC), a poucos metros da Confeitaria Zuleika e da Agência da Previdência Social onde RENATO ARIMATEIA trabalhava como medico perito do INSS.

Recebida a propina combinada, aos 22/08/2015, RENATO ARIMATEIA protocolou (fl. 81) o seu laudo pericial (fls. 163-172) na Justiça do Trabalho, com a mesma conclusão anteriormente enviada a REINALDO FARINA (...)

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em acórdão prolatado aos 29/03/2017 (fls. 176-178v), negou provimento ao recurso ordinário da reclamante, também com fundamento no laudo pericial de RENATO ARIMATEIA. A decisão transitou em julgado aos 05/06/2017 (fl. 179).

(...)

Em depoimento prestado em sede de colaboração premiada (DVD de fl. 178-PIC), REINALDO FARINA confirmou os fatos narrados neste tópico da denúncia.

LAIRSON MENDONÇA, por sua vez, afirmou (fls. 41-43-PIC) que: (...) “QUE reitera que não ofereceu, pagou, autorizou ou intermediou valores para os peritos judiciais neste e/ou em outros casos de modo ilegal;” (...)

Em que pese tais alegações, LAIRSON MENDONÇA era o interlocutor, na empresa INNARA, de REINALDO FARINA, no tocante ao pagamento de valores extraoficiais, a peritos judiciais. Conforme depoimento prestado por este último corroborado pelas provas materiais analisadas nesta denuncia, sobretudo e-mails trocados entre ambos onde este assunto foi discutido aberta e explicitamente. Por óbvio, REINALDO FARINA, que recebia entre R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00 pelos serviços prestados como assistente técnico, não se valeu de recursos próprios para pagar propina de R$ 3.000,00 para o perito RENATO ARIMATEIA.

(...)

Os fatos relativos ao crime de corrupção e sua dinâmica descritos neste tópico da denúncia estão demonstrados pelos e-mails e documentos constantes do Relatório de Análise MPF nº 03/2015-RF (fls. 02-44), complementados posteriormente pelo Relatório de Análise de Telefone MPF nº 0112017-RACM (fis. 118-151-PIC), pelos e-mails, da conta de RENATO ARIMATEIA obtidos na segunda etapa da operação Hipócritas (fls. 46-52 e DVD de fl. 199-PIC) e pelos extratos telefônicos de REINALDO FARINA (fls. 216-234-PIC e DVD de fl. 199-PIC).

A materialidade, e a autoria estão comprovados sobretudo: a-) pelos depoimentos prestados (DVD de fl. 178-PIC) e documentos apresentados (fls. 159-170-PIC) por REINALDO FARINA em colaboração premiada firmada com o MPF; b-) pelo Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC); c-) pelos e-mails da conta de RENATO ARIMATEIA obtidos na segunda etapa da operação Hipócritas (fls. 46-52 e DVD de fl. 199-PIC); d-) pelo extrato processual e cópia das principais peças da reclamação trabalhista em análise (fls. 78-119 e 123-179v, íntegra no DVD de fl. 289-PIC); e-) pelo extrato bancário de RENATO ARIMATEIA (trechos às fls. 269-270-PIC, íntegra no DVD de fl. 199-PIC) e dados fornecidos pelo banco Santander (fl. 285-PIC); f-) pelos extratos telefônicos de REINALDO FARINA, que demonstram diversos contatos telefônicos dele com LAIRSON MENDONÇA e RENATO ARIMATEIA na época dos fatos, inclusive na data da entrega da propina (fls. 216-234-PIC e DVD de fl. 199-PIC); g-) pelos demais elementos desta investigação, sobretudo pelos Relatórios de Análise MPF nos 04/2015-RF e 05/2015-RF (DVD de fl. 199-PIC) e pelos e-mails da conta renato.costa74@gmail.com (DVD de fl. 199-PIC) que demonstram que a oferta/solicitação, o ajuste e o pagamento/recebimento de valores "extra-oficiais" era uma prática recorrente de REINALDO FARINA, RENATO ARIMATEIA e LAIRSON MENDONÇA.

3.3- DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO NAS RECLAMAÇOES TRABALHISTAS Nº 0001963-09.2012.5.15.0122 E Nº 0002102-24.2013.5.15.0122 DA VARA DO TRABALHO DE SUMARÉ

Entre os meses de abril e novembro de 2014 o assistente técnico MIGUEL HUEB NETTO, de forma consciente e voluntária, ofereceu, prometeu e pagou, por 02 duas) vazes, vantagens indevidas a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES em razão de sua condição de perito judicial nos autos das reclamações trabalhistas em epígrafe, vantagens estas que foram solicitadas, aceitas e recebidas, por 02 (duas) vezes, de forma consciente e voluntária, por RENATO ARIMATEIA.

Segundo apurado, aos 17 de setembro de 2012 Robson Fernando Magrim ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa RODOFORT S.A., distribuída sob nº 0001963-09.2012.515.0122 à Vara do Trabalho de Sumaré.

Postulou, dentre outros pedidos, a sua reintegração no emprego e indenização por danos materiais (pensão vitalícia e assistência medica) e por danos morais (estimados, no mínimo, em R$ 212.850,00) em decorrência de doença ocupacional/acidente de trabalho (fls. 135-142v). O valor da causa e de R$ 322.608,54 (fl. 142v).

(...)

Posteriormente, aos 09 de setembro de 2013, Cleberson Jose de Souza também ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa RODOFORT S.A., distribuída sob nº 0002102-24.2013.5.15.0122 à Vara do Trabalho de Sumaré.

Entre os meses de abril e novembro de 2014, MIGUEL HUEB ajustou com RENATO ARIMATEIA o pagamento, a este, de valores "extra- oficiais" (propina) para assegurar a emissão de laudos periciais favoráveis à reclamada nesses dois processos.

(...)

No dia 13/11/2014, RENATO ARIMATEIA esteve novamente na Confeitaria Zuleika ("Senzala Doces") (fl. 207-PIC), onde recebeu a quantia de R$ 5.000,00 em espécie providenciada por MIGUEL HUEB referente à propina destas duas perícias (reclamantes Robson e Cleberson) e, ato contínuo, foi feito o depósito do dinheiro em uma conta de sua titularidade no Banco do Brasil, conforme dados abaixo (fl. 205-PIC e DVD de fl. 199).

(...)

Pouco depois da operação Hipócritas ter sido deflagrada (31/05/2016), em audiência realizada aos 29/07/2016 no processo do reclamante Robson a magistrada trabalhista, "tendo em vista que o perito médico não tem prestado os esclarecimentos necessários o também se mudou, sem informar atual endereço para este Juízo" (fl. 167v), determinou a destituição de RENATO ARIMATEIA e o refazimento da perícia médica (tis. 167v -168v).

(...)

No processo do reclamante Cleberson a magistrada trabalhista também deliberou, em audiência realizada aos 05/12/2016 (fls. 214v-215), pelo refazimento da perícia por outro médico, "por entender que não está satisfatoriamente esclarecida a questão do acidente (incontroverso)/quadro apresentado após o acidente/eventual incapacidade" (fl. 214v).

(...)

Ouvido em sede policial (fls. 68-69-PIC), RENATO ARIMATEIA negou a prática de irregularidades em perícias trabalhistas e alegou que "não recebeu valores pagos diretamente por alguma das partes do processo ou intermediada pelo Assistente Técnico, Médico do Trabalho ou Advogado no exercício da função de Perito Judicial".

Em depoimento prestado na procuradoria da República em Campinas (PIC), MIGUEL HUEB negou a prática de quaisquer irregularidades em Perícias trabalhistas. (...)

A materialidade e a autoria estão comprovados sobretudo: a-) pelo Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC); b-) pelos documentos e e-mails extraídos do HD de RENATO ARIMATEIA (fls. 27-32 e DVD de fl. 199-PIC); c-) pelos e-mails da conta de RENATO ARIMATEIA obtidos na segunda etapa da operação Hipócritas (fls. 03-25 e DVD de fls. 199-PIC); d-) pelos extratos processuais e cópia das principais peças das reclamações trabalhistas em análise (fls. 31-129 e 134-232, íntegras no DVD de fls. 291-PIC e 293-PIC); e-) pelos extratos bancários de REMATO ARIMATEIA (trechos impressos às fls. 205-PIC, íntegra no DVD de fl. 199-PIC); f-) pelos demais elementos desta investigação, sobretudo pelos Relatórios de Análise MPF nº 03/2015-RF e

04/2015-RF (DVD de fl. 199-PIC), pelos e-mails da conta "renato.costa74@gmail.com" (DVD de fl. 199-PIC) e pela denúncia oferecida nos autos nº 0013000-07.2016.403-6105 em face de MIGUEL HUEB, REINALDO FARINA, Claudio Sarigalil e outros, que demonstram que a oferta/solicitação, o ajuste e o pagamento/recebimento de valores "extra-oficiais" era uma prática recorrente de REMATO ARIMATEIA e MIGUEL HUEB.

3.4- DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO

Verifica-se, nos casos descritos acima, que, em razão da vantagem indevida prometida, oferecida e/ou paga pelos acusados JOÃO CARLOS DOMENICH e ANA REGINA RUSSO DOMENICH (quanto ao tópico 3.1), REINALDO FARINA e LAIRSON AMARAL MENDONÇA (quanto ao tópico 3.2.1) e MIGUEL HUEB NETTO (quanto ao tópico 3.3) para o denunciado RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (quanto aos tópicos 3.1, 3.2.1 e 3.3), este último, na condição de perito judicial, praticou atos de oficio (realização da perícia e elaboração de laudo pericial e/ou outras manifestações periciais) infringindo o dever funcional de imparcialidade.

4- CONCLUSÃO E REQUERIMENTOS

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia:

4.1-) RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES como incurso nas penas do artigo 317, §1º, por 05 (cinco) vezes (tópicos 3.1, 3.2.1 e 3.3) em concurso material (artigo 69), ambos do Código Penal;

4.2-) JOÃO CARLOS DOMENICH como incurso nas penas do artigo 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes (tópico 3.1) em concurso material (artigo 69), ambos do Código Penal;

4.3-) ANA REGINA RUSSO DOMENICH como incursa nas penas do artigo 333, parágrafo único (tópico 3.1) c/c artigo 29, por 02 (duas) vezes (tópico 3.1) em concurso material (artigo 69), todos do Código Penal;

4.4-) REINALDO FARINA como incurso nas penas dos artigos 333, parágrafo único (tópicos 3.2.1), do Código Penal;

4.5-) LAIRSON AMARAL MENDONÇA como incurso nas penas do artigo 333, parágrafo único c/c artigo 29 (tópico 3.2.1), ambos do Código Penal;

4.6-) MIGUEL HUEIS NETTO como incurso nas penas do artigo 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes (tópico 3.3) em concurso material (artigo 69), ambos do Código Penal. (...)

Requer a fixação da reparação dos danos morais e materiais causados pelas infrações penais, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (...)

Os autos foram desmembrados em relação ao corréu LAIRSON AMARAL MENDONÇA, dada a celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ID 245839855).

A r. sentença (ID 275339796), publicada em 13.04.2023, proferida pela Exma. Juíza Federal RAQUEL COELHO DAL RIO SILVEIRA, julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para:

- condenar RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES pela prática do delito previsto no artigo 317, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do artigo 317, parágrafo único (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas totais de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 37 (trinta e sete) dias-multa, em regime inicial SEMIABERTO, além da perda do cargo de perito, e absolvê-lo das demais imputações a ele atribuídas na denúncia (tópico 3.3 da denúncia).

- condenar JOÃO CARLOS DOMENICH pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), às penas de 03 (três) anos, 05 (cinco) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, em regime inicial ABERTO, substituindo-se a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em pagamento de prestação pecuniária de 25 (vinte e cinco) salários mínimos à União e prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas.

- absolver ANA REGINA RUSSO DOMENICH das imputações a ela atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- condenar REINALDO FARINA pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma vez (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas de 2 anos 11 meses e 16 dias de reclusão e 15 dias-multa, em regime inicial ABERTO. A pena corporal resta substituída por duas penas restritivas de direito a serem especificadas pelo juízo competente, nos termos do acordo de colaboração premiada concernente à Operação Hipócritas, para todos os feitos dela decorrentes.

- absolver MIGUEL HUEB NETTO das imputações a ele atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- fixar, como valor mínimo a título de responsabilidade civil, o valor de R$ 1.041.361,30, a ser pago por RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES solidariamente com JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA; R$ 811.130,88 a ser pago por JOÃO CARLOS DOMENICH, solidariamente com RENATO ARIMATÉIA; e R$ 230.230,42 a ser pago por REINALDO FARINA solidariamente com RENATO ARIMATÉIA.

Nas razões de Apelação (ID 275339803), o Ministério Público Federal pugna: a) pela condenação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH como incursa nas penas do artigo 333, parágrafo único c/c artigo 29, §1º, por 02 (duas) vezes em concurso formal (artigo 70), todos do Código Penal (tópico 3.1 da denúncia); b) pela exasperação das penas-base de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA, com reflexo nos consectários da pena. Na hipótese de afastamento da causa de aumento pelos crimes de corrupção, requer, subsidiariamente, o reconhecimento da agravante do art. 61, inc. II, “g”, do Código Penal (violação de dever inerente ao ofício de perito judicial).

Apelam também as Defesas:

- RENATO ARIMATÉIA (ID 276963264) pleiteia a absolvição. Pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento das preliminares que reportam nulidades acerca das seguintes questões: (i) ausência de intimação para a apresentação da Defesa Prévia; (ii) juntada aos autos do acordo de delação premiada posteriormente à fase instrutória; (iii) indeferimento de reinterrogatório; (iv) ausência de oportunidade para exercer o contraditório acerca das provas emprestadas das ações trabalhistas. No mérito, aduz que não foi produzida prova que sustentasse a tese acusatória, enfatizando o descrédito que mereceria as alegações do réu colaborador REINALDO FARINA, insistindo que jamais aceitou propina. Reputa, ainda, indevida a responsabilização civil lastreada nos valores das causas trabalhistas, ante a ausência de dano. Subsidiariamente, requer o abrandamento das penas para o mínimo legal, com afastamento da causa de aumento do art. 317, § 1º, do Código Penal, por ausência de provas de que tenha praticado ato de ofício em violação ao dever funcional, além da fixação do regime prisional inicial ABERTO.

- ANA DOMENICH (ID 276965647) pugna pela alteração do fundamento de sua absolvição, com a declaração da atipicidade de sua conduta, ao invés de meramente se reconhecer a insuficiência de provas para a condenação.

- JOÃO CARLOS DOMENICH (ID 276980172) pleiteia a absolvição. Pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento das preliminares que reportam nulidades acerca das seguintes questões: (i) quebra do sigilo das comunicações (fundada na ausência de demonstração da impossibilidade de colheita probatória por meios não invasivos e na gravidade abstrata do crime); (ii) ausência de intimação para a apresentação da Defesa Prévia. No mérito, aduz a ausência de ilegalidade em sua comunicação com o perito judicial, reconhecendo que, a pedido, de RENATO, pagou-lhe R$ 2.500,00 a título de honorários relativamente a cada um dos dois processos em que a empresa na qual trabalhava (atipicidade da conduta). Alega, ainda, a ocorrência da prescrição retroativa, considerando que o ajuste da propina teria ocorrido nas datas de 25.09.2009 e 02.10.2009, pouco após a nomeação de RENATO para atuar nas causas trabalhistas em que patrocinara os interesses da Reclamada, bem como o fato de o réu ser maior de 70 na data da sentença condenatória. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o de corrupção ativa de perito (art. 343 do CP) e, com relação à dosimetria penal, pugna pela redução das penas ao mínimo legal, enfatizando que não houve comprovação da prática do ato de ofício em violação ao dever funcional (o próprio órgão acusatório reconhecera em sede de memoriais que não se pode reputar falsos os laudos periciais) para além da quebra da imparcialidade já implícita no tipo. Pede ainda, o reconhecimento da continuidade delitiva.

As contrarrazões foram apresentadas por REINALDO FARINA (ID 275339810), ANA DOMENICH (ID 275339811), JOÃO CARLOS DOMENICH (ID 275339812), RENATO ARIMATEIA (ID 275339813), bem como pelo Ministério Público Federal (ID 277611473).

A Procuradoria Regional da República opinou desprovimento das Apelações defensivas e provimento do apelo ministerial (ID 281975494).

É o relatório.

À revisão.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0013003-59.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ANA REGINA RUSSO DOMENICH, JOAO CARLOS DOMENICH, RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A
Advogados do(a) APELANTE: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A

APELADO: RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, REINALDO FARINA, JOAO CARLOS DOMENICH, ANA REGINA RUSSO DOMENICH, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A
Advogado do(a) APELADO: SAMUEL ROBERTO DE ALMEIDA PACHECO - SP161341-A
Advogado do(a) APELADO: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:

Confirmo o relatório, com as ressalvas assinaladas em despacho do Em. Desembargador Revisor (ID 298515292).

Trata-se de Apelações Criminais interpostas em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para:

- condenar RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES pela prática do delito previsto no artigo 317, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do artigo 317, parágrafo único (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas totais de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 37 (trinta e sete) dias-multa, em regime inicial SEMIABERTO, fixado o valor do dia-multa no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento, além da perda do cargo de perito judicial, e absolvê-lo das demais imputações a ele atribuídas na denúncia (tópico 3.3 da denúncia).

- condenar JOÃO CARLOS DOMENICH pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), às penas de 03 (três) anos, 05 (cinco) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, em regime inicial ABERTO, fixado o valor do dia-multa no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento, substituindo-se a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em pagamento de prestação pecuniária de 25 (vinte e cinco) salários mínimos à União, que pode ser paga em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas a ser especificada pelo r. Juízo das Execuções Penais.

- absolver ANA REGINA RUSSO DOMENICH das imputações a ela atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- condenar REINALDO FARINA pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma vez (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas de 2 anos, 11 meses e 16 dias de reclusão e 15 dias-multa, em regime inicial ABERTO, fixado o valor do dia-multa no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento. A pena corporal resta substituída por duas penas restritivas de direito a serem especificadas pelo juízo competente, nos termos do acordo de colaboração premiada concernente à Operação Hipócritas, para todos os feitos dela decorrentes.

- absolver MIGUEL HUEB NETTO das imputações a ele atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- fixar, como valor mínimo a título de responsabilidade civil, o valor de R$ 1.041.361,30, a ser pago por RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES solidariamente com JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA; R$ 811.130,88 a ser pago por JOÃO CARLOS DOMENICH, solidariamente com RENATO ARIMATÉIA; e R$ 230.230,42 a ser pago por REINALDO FARINA solidariamente com RENATO ARIMATÉIA.

Nas razões de Apelação (ID 275339803), o Ministério Público Federal pugna: a) pela condenação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH como incursa nas penas do artigo 333, parágrafo único c/c artigo 29, §1º, por 02 (duas) vezes em concurso formal (artigo 70), todos do Código Penal (tópico 3.1 da denúncia); b) pela exasperação das penas-base de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA, com reflexo nos consectários da pena. Na hipótese de afastamento da causa de aumento pelos crimes de corrupção, requer, subsidiariamente, o reconhecimento da agravante do art. 61, inc. II, “g”, do Código Penal (violação de dever inerente ao ofício de perito judicial).

Apelam também as Defesas:

- RENATO ARIMATÉIA (ID 276963264) pleiteia a absolvição. Pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento das preliminares que reportam nulidades acerca das seguintes questões: (i) ausência de intimação para a apresentação da Defesa Prévia; (ii) juntada aos autos do acordo de delação premiada posteriormente à fase instrutória; (iii) indeferimento de reinterrogatório após a juntada de novas provas; (iv) ausência de oportunidade para exercer o contraditório acerca das provas emprestadas das ações trabalhistas. No mérito, aduz que não foi produzida prova que sustentasse a tese acusatória, enfatizando o descrédito que mereceria as alegações do réu colaborador REINALDO FARINA, insistindo que jamais aceitou propina. Reputa, ainda, indevida a responsabilização civil lastreada nos valores das causas trabalhistas, ante a ausência de dano. Subsidiariamente, requer o abrandamento das penas para o mínimo legal, com afastamento da causa de aumento do art. 317, § 1º, do Código Penal, por ausência de provas de que tenha praticado ato de ofício em violação ao dever funcional, além da fixação do regime prisional inicial ABERTO.

- ANA DOMENICH (ID 276965647) pugna pela alteração do fundamento de sua absolvição, com a declaração da atipicidade de sua conduta, ao invés de meramente se reconhecer a insuficiência de provas para a condenação.

- JOÃO CARLOS DOMENICH (ID 276980172) pleiteia a absolvição. Pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento das preliminares que reportam nulidades acerca das seguintes questões: (i) quebra do sigilo das comunicações (fundada na ausência de demonstração da impossibilidade de colheita probatória por meios não invasivos e na gravidade abstrata do crime); (ii) ausência de intimação para a apresentação da Defesa Prévia. No mérito, aduz a ausência de ilegalidade em sua comunicação com o perito judicial, reconhecendo que, a pedido, de RENATO, pagou-lhe R$ 2.500,00 a título de honorários relativamente a cada um dos dois processos concernentes à empresa na qual trabalhava (atipicidade da conduta). Alega, ainda, a ocorrência da prescrição retroativa, considerando que o ajuste da propina teria ocorrido nas datas de 25.09.2009 e 02.10.2009, pouco após a nomeação de RENATO para atuar nas causas trabalhistas em que patrocinara os interesses da Reclamada, bem como o fato de o réu ser maior de 70 na data da sentença condenatória. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o de corrupção ativa de perito (art. 343 do CP) e, com relação à dosimetria penal, pugna pela redução das penas ao mínimo legal, enfatizando que não houve comprovação da prática do ato de ofício em violação ao dever funcional (o próprio órgão acusatório reconhecera em sede de memoriais que não se pode reputar falsos os laudos periciais) para além da quebra da imparcialidade já implícita no tipo. Pede ainda, o reconhecimento da continuidade delitiva.

 

I – INTRODUÇÃO

O caso dos autos remonta à apuração empreendida no bojo da denominada Operação Hipócritas, que descortinou o funcionamento de um amplo esquema de negociação de laudos periciais referentes à comprovação de doença ocupacional ou acidente de trabalho em sede de reclamatórias trabalhistas na região de Campinas/SP.

A partir de diligências iniciais promovidas no Procedimento Investigatório Criminal (PIC) nº 1.34.025.000158/2013-91, com base no qual o Parquet federal obteve o afastamento do sigilo de dados telemáticos (autos nº 0013680-94.2013.403.6105), visualizou-se prática adotada pelo perito judicial WILSON CARLOS SILVA VIEIRA que se estendia a vários outros profissionais, como assistentes técnicos, advogados e outros peritos médicos atuantes na Justiça do Trabalho, sempre destinada a fornecer laudo médico favorável às empresas reclamadas.

Partindo do exame das comunicações travadas entre WILSON CARLOS e seus interlocutores, notadamente o corréu REINALDO FARINA, assistente técnico de empresas reclamadas, visualizou-se a disseminação de ajustes pelos quais o assistente técnico, em nome da parte a quem representava, pagava propina ao perito judicial, com vistas ao favorecimento da reclamada.

Delineou-se que os profissionais envolvidos no esquema dispunham de um ambiente favorável à promoção de ajustes, em detrimento da Justiça e dos reclamantes, uma vez que era comum os médicos envolvidos ocuparem ora a função de perito judicial, ora a qualidade de assistente técnico da reclamada.

Segundo enuncia o Ministério Público Federal, as evidências coletadas indicam que o esquema delituoso perdurou pelo menos entre os anos de 2008 a 2016, abrangendo centenas de laudos periciais viciados. Foi divulgado, outrossim, que o Ministério Público do Trabalho em Campinas ajuizou a partir de 2018 mais de cem ações rescisórias baseadas na ilicitude da prova pericial.

O caso dos autos enfoca unicamente, no entanto, as negociações de laudos periciais emitidos nas Reclamações Trabalhistas nº 0030500-282009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.16.0087 da 1ª Vara do Trabalho de Paulínia; nº 0000362-06.2012.6.15.0077 da Vara do Trabalho de Indaiatuba; e nº 0001963-09.2012.5.15.0122 e nº 0002102-24.2013.5.15.0122 da Vara do Trabalho de Sumaré, todos referentes à atuação do perito judicial RENATO ARIMATÉIA.

Colaboração premiada do corréu REINALDO FARINA

Como nota introdutória, também merece registro o fato de que REINALDO FARINA celebrou com o Ministério Público Federal acordo de colaboração premiada (Termo de Acordo de Colaboração Premiada nº 003/2016-PRM-CPQ-SP, de 02 de junho de 2016 - Autos nº 0010715-41.2016.4.03.6105), devidamente homologado pelo r. juízo a quo, sendo observados também os termos do artigo 7°, § 3°, da Lei nº 12.850/2013.

Conforme o acordado, foi estabelecido o limite máximo de 04 (quatro) anos para a pena privativa de liberdade imposta a REINALDO, sem prejuízo da pena de multa, para o caso de seu integral cumprimento (ID 270246241 - Pag. 70/81 dos autos de colaboração premiada):

4.1- Ao COLABORADOR REINALDO FARINA, sucessiva e alternativamente, conforme o resultado do presente acordo:

a-) em caso de condenação na(s) ação(ões) penal(is) contra ele ajuizadas, que o total da(s) pena(s) privativa(s) de liberdade a ser cumprido da soma de todas elas não ultrapasse 04 (quatro) anos, com regime inicial aberto, a(s) qual(s) será(ão) substituída(s) imediatamente por 02 (duas) penas restritivas de direitos a serem estabelecidas ou pelo Juízo competente, sem o prejuízo da multa penal, se da colaboração forem alcançados, cumulativamente, os seguintes resultados:

a1-) a identificação e o início da responsabilização penal em juízo (mediante oferecimento de denúncia pelo MPF) de partícipe(s) ou coautor(es) das práticas criminosas ainda desconhecido(s) nas investigações e as infrações penais por eles praticadas;

a2-) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas dos participantes das atividades criminosas;

a3-) a recuperação significativa, ainda que parcial, dos produtos e/ou proveitos das Infrações penais praticadas pelos investigados;

b-) em caso de condenação na(s) ação(ões) penal(is) contra ele ajuizadas, que o total da(s) pena(s) privativa(s) de liberdade a ser cumprido da soma de todas elas não ultrapasse 06 (seis) anos, com regime inicial aberto, a ser cumprida integralmente em regime de prisão domiciliar, sem prejuízo da multa penal, se ao menos dois dos resultados descritos nos tópicos a1, a2 e a3 supra forem efetivamente alcançados cumulativamente, sem prejuízo da multa penal;

c-) a redução da(s) pena(s) privativa(s) de liberdade efetivamente ap!icada(s) ao final do(s) processo(s), na fração de 1/3 (um terço), se ao menos um dos resultados descritos nos tópicos a1, a2 e a3 supra for efetivamente alcançado, sem prejuízo da multa penal.

Relevante registrar que o r. juízo sentenciante assinalou que entende que houve colaboração do réu de forma efetiva, não havendo razão para desconsiderá-la (ID 275339799 - Pág. 8), tampouco o Ministério Público Federal manifestou pretensão de rediscutir a execução da colaboração premiada, de sorte que o interesse recursal do Parquet federal em exasperar as reprimendas impostas a REINALDO FARINA cinge-se à hipótese de eventual descumprimento noutros expedientes judiciais que não o presente.

 

II – QUESTÕES PRELIMINARES AO MÉRITO

II.I – ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRELIMINAR (ART. 514 DO CPP)

Os corréus RENATO ARIMATÉIA e JOÃO CARLOS DOMENICH ventilam, preliminarmente ao mérito, a ocorrência de nulidade do feito pela inobservância do rito processual estabelecido pelo art. 514 do Código de Processo Penal, alegando a obrigatoriedade do oferecimento da Defesa Prévia aos acusados de crimes funcionais.

Não lhes assiste razão, todavia.

Isso porque solidificou-se no Enunciado nº 330 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça o entendimento precisamente oposto: “É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial.”

No caso em tela, a ação penal lastreou-se em Procedimento Investigatório Criminal, afastando a necessidade da notificação preliminar, conforme a jurisprudência pacífica.

Demais disto, os acusados não demonstraram qualquer prejuízo à Defesa, deixando de se desincumbir do referido ônus, não havendo que se falar, portanto, em nulidade do rito processual adotado.

 

II.II – ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA INSTRUÇÃO EM RAZÃO DA JUNTADA DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA SOMENTE APÓS A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA

O Ministério Público Federal requereu, na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, a juntada de cópia do termo de acordo de colaboração premiada celebrado com o acusado REINALDO FARINA, bem como de seu aditamento e decisões homologatórias (todos oriundos dos autos nº 0010715-41.2016.403.6105).

O pleito foi deferido (ID 275339720).

Subsequentemente, por ocasião da apresentação de memoriais, o Parquet federal anexou os documentos pertinentes (ID 275339761).

De seu turno, a Defesa de RENATO ARIMATEIA, também por ocasião dos seus memoriais, arguiu nulidade pela sonegação, até aquela etapa processual, do referido instrumento firmado entre o Ministério Público Federal e o réu colaborador, o que teria o impedido de fazer perguntas específicas ao réu colaborador, requerendo o refazimento da audiência de instrução.

O pleito defensivo foi indeferido (ID 275339720) e, na r. sentença, tal questão preliminar foi assim rebatida (ID 275339799 - Pág. 10):

Não obstante a juntada de cópia dos autos de colaboração premiada ter sido realizada apenas por ocasião dos memoriais da acusação, é certo que tanto a existência do mencionado acordo, firmado por REINALDO FARINA, quanto os elementos de prova obtidos a partir dele, estavam devidamente carreados aos autos e totalmente acessível à defesa desde a inauguração da ação penal (quando os autos ainda tramitavam de forma física), conforme se denota a partir do ID Num. 38670440, página 43 (referente à página 157 da numeração de autos físicos), sendo a ampla defesa garantida sem nenhuma rusga, tanto é que a própria defesa afirma que “questionou os termos desse acordo durante o interrogatório de REINALDO”.

Afirma a defesa de RENATO, ainda, que o colaborador mentiu “descaradamente”, mas não trouxe qualquer comprovação do alegado. Descabida, ainda, a alegação de nulidade do acordo de delação, em razão da inexistência de contraditório, dada a própria natureza do instituto previsto em lei. Assim, oportuno colacionar o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do instituto:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PENAL. PROCESSO PENAL. COLABORAÇÃO PREMIADA. ACESSO AO TERMO DE COLABORAÇÃO PELO TERCEIRO DELATADO. DIREITO GARANTIDO PELA SÚMULA VINCULANTE 14. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA JULGAR A RECLAMAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – É assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento (art. 7°, § 2°, da Lei 12.850/2013). II - O acesso ao termo de colaboração premiada pelo terceiro delatado deve ser franqueado à luz da Súmula Vinculante 14, “[..] caso estejam presentes dois requisitos. Um, positivo: o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente (INQ 3.983, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 3.3.2016). Outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento” (Rcl 24.116/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes). III - O agravante, com fundamento na Súmula Vinculante 14, “poderá ter acesso a todos os elementos de prova documentados nos autos dos acordos de colaboração – incluindo-se as gravações audiovisuais dos atos de colaboração de corréus – para confrontá-los, mas não para impugnar os termos dos acordos propriamente ditos” (Rcl 21.258-AgR/PR, Rel. Min. Dias Toffoli; grifei). Precedentes. IV – Agravo regimental provido para julgar a reclamação parcialmente procedente. (Rcl 30742 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 30-04-2020 PUBLIC 04-05-2020)”

Assim, a defesa possuía acesso a todos os elementos de prova trazidos pela celebração do acordo de colaboração premiada, não havendo qualquer ofensa à ampla defesa a fim de justificar a nulidade da instrução processual ou do próprio acordo celebrado.

Agora, em grau recursal, RENATO ARIMATEIA reitera a alegação de nulidade referente à juntada do termo de acordo de colaboração premiada somente após a fase instrutória.

Não lhe assiste razão, todavia.

A questão foi bem endereçada pelo r. juízo sentenciante. Não há qualquer necessidade de que o acordo de réu colaborador seja colacionado ab initio às ações penais que porventura recebam provas obtidas graças à colaboração premiada.

Isso porque, primeiramente, o acordo de colaboração premiada consiste em negócio jurídico processual entre o órgão público de persecução penal e o agente colaborador, orientado ao fornecimento de provas de interesse público (art. 3º-A da Lei nº 12.850/2013), e que, inclusive, reveste-se de sigilo até que surta os seus efeitos (arts. 3º-B e 7º, caput e § 2º, ambos do citado diploma legal), municiando a acusação de elementos probatórios contrários aos delatados e que corroboram a sua delação.

Consequentemente, as provas fornecidas pelo réu colaborador não se confundem com o meio de sua obtenção, no caso, o ajuste havido entre REINALDO FARINA e o Ministério Público Federal.

Disso deriva-se que, ao contrário do que ocorre quanto às evidências oriundas da colaboração exitosa – amplamente sujeitas ao escrutínio judicial e a todos os mecanismos de exercício do contraditório e da ampla defesa garantidos ao réu delatado – o pacto da colaboração premiada configura instrumento contratual estranho ao interesse processual do acusado implicado pelas provas fornecidas pelo delator, de sorte que o delatado não possui sequer legitimidade para impugná-lo, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL. COLABORAÇÃO PREMIADA REALIZADA ANTES DA LEI 12.850/2013. IMPUGNAÇÃO POR CORRÉU. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTRAS NORMAS LEGAIS REGULAMENTANDO O INSTITUTO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DAS CLÁUSULAS DO ACORDO E DAS LEIS 9.613/1998 E 9.807/1999. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – ‘Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas […]. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados - no exercício do contraditório - poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor’ (HC 127.483, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno). II – Para dissentir do acórdão impugnado e verificar a procedência dos argumentos consignados no apelo extremo, seria necessário o reexame das cláusulas constantes do termo de colaboração premiada – o que é vedado pela Súmula 454/STF – e das normas infraconstitucionais pertinentes ao caso, sendo certo que eventual ofensa à Constituição seria apenas indireta. III – Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - AgR RE: 1103435 SP - SÃO PAULO 0234294-17.2011.8.26.0000, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/05/2019, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-123 10-06-2019)

 

(...) 6. Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13).

7. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados - no exercício do contraditório - poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor. (...)

(STF, HC nº 127.483/SP, Plenário, Relator DIAS TOFOLI, DJ Nr. 21 do dia 04/02/2016)

Na esteira deste entendimento, o Superior Tribunal de Justiça rechaçou arguição de nulidade similar à ora verificada:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. EVASÃO DE DIVISAS. OPERAÇÃO OURO VERDE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 619 DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL. RESERVA DE ESPECIALIDADE. INEXISTÊNCIA. ESPELHAMENTO DE MÍDIA DE INFORMÁTICA. INEXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ACESSO AO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. CONDENAÇÃO FUNDADA EM FARTOS ELEMENTOS DE PROVA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TESE SUPERADA PELA SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. MATERIALIDADE. REEXAME DE PROVA. CIRCULAR DO BACEN. NÃO INCIDÊNCIA. DOSIMETRIA. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA. CRITÉRIO MATEMÁTICO. INAPLICABILIDADE. AGRAVANTE NÃO DESCRITA NA DENÚNCIA. CABIMENTO. CULPABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. (...) Não há falar em nulidade qualquer decorrente do indeferimento do acesso à integralidade dos termos de colaboração premiada de terceiros, mormente se franqueado o acesso àquilo que seria pertinente ao exercício do direito de defesa. (...). Agravo regimental improvido. (Destaquei)

(STJ, Sexta Turma, Agravo Regimental No Recurso Especial – 1587239, Autos N.° 2016.00.70823-4, Rel. Maria Thereza de Assis Moura, Julg. em 14.08.2018, DJE de 29.08.2018)

Cenário outro, registre-se, seria a hipótese excepcional de anulação do acordo baseada em atuação abusiva da acusação, contemplada particularmente no Habeas Corpus nº 142.205/PR (julgado pela 2ª Turma do STF em 25.08.2020, Relator GILMAR MENDES, DJe de 01.10.2020).

De todo modo, não constituindo pressuposto imprescindível ao desenvolvimento válido da ação penal, a juntada do acordo de colaboração aos autos, ainda que posterior à fase instrutória, não deixa de possibilitar à Defesa insurgir-se contra eventual ilegalidade que resvale em provas contribuintes para a formação da culpa, prevenindo assim, qualquer cogitação de cerceamento de defesa. A propósito, não existe momento processual específico para ser celebrado o acordo de colaboração premiada, podendo ser firmado inclusive após o sentenciamento do réu colaborador (art. 4º, § 5º, da Lei nº 12.850/2013), sem contar que a legislação penal esparsa noutros diplomas não prevê sequer a instrumentalização do acordo.

As condições de acesso aos benefícios penais pelo réu colaborador, assim como a sua própria motivação, por serem fatores externos às provas em si mesmas, são irrelevantes para a defesa dos réus delatados, até porque nenhum gravame pode lhes ser imposto com fundamento apenas nas declarações do colaborador (art. 4º, §16º, da Lei 12.850/2013).

Demais disto, no caso em tela foram observadas, em respeito aos corréus delatados, as idiossincrasias procedimentais inerentes à presença do réu colaborador no polo passivo, notadamente o direito de estes serem interrogados após o delator e de apresentarem memoriais em ordem sucessiva (art. 4º, § 10-A, da Lei nº 12.850/2013), de modo que foi assegurado pelo r. juízo que a Defesa de RENATO ARIMATEIA formulasse suas perguntas a REINALDO FARINA para somente depois submeter RENATO ao interrogatório, além de tecer seus memoriais já ciente dos memoriais apresentados pelo réu delator.

Conclui-se, portanto, que não há qualquer nulidade concernente à juntada do termo de colaboração premiada posteriormente à fase instrutória, tampouco em cerceamento de defesa relativo ao trâmite processual contemplando réu delator e delatado simultaneamente no polo passivo.

 

II.III – ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELO INDEFERIMENTO DE REINTERROGATÓRIO

Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, a Defesa de RENATO ARIMATEIA requereu o reinterrogatório tendo em vista fatos novos que teriam surgido durante a oitiva das testemunhas e interrogatórios dos réus (ID 275339607).

O pleito foi indeferido pelo r. juízo a quo (ID 275339720):

Primeiramente é de se destacar que foi devidamente observada a ordem de colheita de depoimentos, disposta no artigo 400 do Código de Processo Penal, que é explícita ao determinar que será tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado, sem qualquer menção acerca da ordem de tomada dos interrogatórios dos acusados, na hipótese da existência de mais de uma, como no caso dos autos.

A disposição legal para a hipótese de mais de um acusado na ação penal está prevista no artigo 191 do CPP, que prevê que os acusados serão interrogados separadamente, o que foi devidamente observado por ocasião da audiência deste feito.

Além disso, o réu colaborador foi o primeiro a ser interrogado, não havendo qualquer prejuízo à defesa do ora postulante, até porque o defensor constituído acompanhou toda a audiência.

Em sede recursal, a Defesa reitera a alegação de nulidade. Sem razão, todavia.

De fato, cumprido o rito procedimental, bem como ausente descrição acerca do suposto fato que a parte gostaria de abordar no pretendido reinterrogatório, não há razão para retardar a marcha processual, mostrando-se incensurável o indeferimento da impertinente diligência ora reclamada, que não se trata de direito potestativo da parte.

Importante lembrar, nesse sentido, que sendo o juiz o condutor do processo, cabe a ele avaliar a razoabilidade da produção das provas requeridas, podendo indeferir as desnecessárias, inúteis ou protelatórias, como bem determina a legislação processual.

Portanto, não há que se falar em nulidade decorrente do simples indeferimento do reinterrogatório.

 

II.IV – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE OPORTUNIDADE PARA EXERCER O CONTRADITÓRIO ACERCA DAS PROVAS EMPRESTADAS DAS AÇÕES TRABALHISTAS

Ainda preliminarmente, a Defesa de RENATO ARIMATEIA suscita nulidade do que denominou provas emprestadas, produzidas nas reclamações trabalhistas em que atuou como perito judicial, por supostamente não poder contradita-las.

Mais uma vez, trata-se de questão já rebatida pela r. sentença. Corretamente.

O traslado de peças processuais confeccionadas nas ações trabalhistas que foram palco dos ilícitos imputados não se confunde com o conceito de prova emprestada.

Isso porque, naqueles feitos da seara laboral, não houve produção de prova que foi transportada para a ação penal. Os atos processuais lá praticados é que, em si, constituem evidências criminais primariamente analisadas no presente feito.

Consoante bem afirmado pelo órgão ministerial em suas contrarrazões recursais: Nesta ação penal, as cópias dos autos daquelas reclamações trabalhistas têm natureza de prova documental, a qual demonstra a existência e o trâmite dos processos em que teria ocorrido a corrupção do perito lá nomeado, inclusive para fins do cotejo, lógico e cronológico, com a narrativa dos fatos constante da denúncia. Não se submetem, desse modo, aos requisitos exigidos para a admissão de prova emprestada (ID 277611473 - Pág. 16).

Demais disto, os elementos questionados foram submetidos ao contraditório no presente feito, e sobre eles a Defesa pôde se debruçar, sem qualquer vulneração das garantias processuais do acusado.

Nestes termos, resta afastada a preliminar em comento.

 

II.V – ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES

A Defesa de JOÃO DOMENICH alega nulidade da quebra de sigilo de comunicações arguindo que as decisões proferidas nos autos nº 0013680-94.2013.4.03.6105 abrangem mensagens constantes do e-mail de Wilson Carlos (wilsonperito@gmail.com) no período de 01.04.2013 a 31.05.2014, e nos dias 01.01.2008 a 31.03.2013 e 01.06.2014 a 12.06.2015. Aduz que foram descumpridos os requisitos legais da interceptação telefônica atinentes à demonstração da impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos e à fundamentação baseada apenas na gravidade abstrata dos delitos.

No r. juízo a quo, a matéria foi rechaçada pela r. sentença nos seguintes termos:

2.6. Nulidade da decisão de quebra de sigilo de comunicações

A defesa de JOÃO CARLOS DOMENICH alega como preliminar de mérito a nulidade das decisões de quebra de sigilo proferidas nos autos nº 0013680-94.2013.4.03.6105 sob os seguintes argumentos: ausência de demonstração da impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos (medidas de busca e apreensão dos computadores dos investigados, por exemplo) e fundamentação baseada na gravidade abstrata dos delitos e natureza dos crimes.

Não obstante a argumentação de que, em momentos distintos, decisões prolatadas possuíam idêntico teor de fundamentação, acolhendo-se a quebra de forma ilegal, no caso concreto não houve carência de fundamentação. Isto porque a identidade de fundamentação se justifica pela identidade de fatos analisados, trazidos ao longo da investigação. Ou seja, afasta-se o sigilo a fim de obter informações das comunicações telemáticas e, após o recebimento dos relatórios e informações do quanto colhido, é necessário analisar a continuidade ou não da medida, e, mantendo-se a necessidade conforme o que foi apresentado, não há razão para a fundamentação não ser idêntica.

A gravidade dos fatos narrados foi devidamente trazida aos autos pelo órgão ministerial em suas representações, momento em que foi julgada necessária a quebra na forma como deferida.

O pleito defensivo, de fato, mostra-se improcedente.

Por primeiro, cumpre distinguir a simples autorização de acesso ao conteúdo de dados telemáticos armazenados em equipamentos informáticos e contas eletrônicas, do incidente de interceptação telefônica e telemática.

A interceptação consiste na captação do diálogo alheio mediante o monitoramento em tempo real do fluxo de comunicações privadas, ao passo em que a quebra de sigilo de dados refere-se à coleta de registros e informações preexistentes e eventualmente arquivados eletronicamente.

Os regimes jurídicos de tais expedientes são inconfundíveis. a interceptação telefônica consubstancia procedimento complexo, formal e restritamente regulamentado pela Lei nº 9.296, de 24.07.1996, tanto relativamente às hipóteses do cabimento, como também quanto aos seus requisitos e trâmites específicos a serem observados, regulamentando a garantia constitucional do art. 5º, inc. XII, da Carta Magna.

Por seu turno, o acesso aos dados telemáticos armazenados pelo próprio investigado/acusado depende simplesmente de ponderação judicial restringindo a privacidade em face dos ilícitos sob apuração. Quando custodiados em servidores de internet, o acesso aos dados telemáticos privados rege-se pela Lei n° 12.965, de 23.04.2014 (Marco Civil da Internet), cujos requisitos, mais brandos que os específicos da interceptação de comunicações, decorrem dos seguintes dispositivos legais:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

(...)

II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

 

(...)

Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

(...)

§ 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º .

(...)

Seção IV - Da Requisição Judicial de Registros

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

I - fundados indícios da ocorrência do ilícito;

II - justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução  probatória; e

III - período ao qual se referem os registros.

Confirmando a possibilidade jurídica da quebra de sigilo de dados telemáticos como meio de obtenção de provas distinto da interceptação de comunicações, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. NULIDADE. AUSÊNCIA. LEI N. 12.965/2014. NORMA MAIS ESPECÍFICA. DADOS ESTÁTICOS. DECISÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. OBTENÇÃO DE RIF. COMPARTILHAMENTO DIRETO ENTRE O COAF E MINISTÉRIO PUBLICO. TEMA 990. BUSCA ESPECULATIVA. NÃO EVIDENCIADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Inaplicabilidade das disposições da Lei n. 9.296/1996, pois a Lei n. 12.965/2014, por ser mais específica, incide em detrimento daquela à presente hipótese, que diz respeito a dados estáticos, ou seja, a conversas já armazenadas nas contas de e-mail, e não acesso em tempo real. Não havendo interceptação, mas acesso a informações armazenadas, a quebra de sigilo aqui determinada não está abrangida pela lei que disciplina a inviolabilidade das comunicações telefônicas (Lei n. 9.296/1996), incidindo à hipótese a Lei do Marco Civil (Lei n. 12.965/2014), que assegura a inviolabilidade de conversas particulares e o sigilo de comunicações privadas armazenadas, exceto por ordem judicial.

2. Decisões que deferiram a quebra do sigilo de conteúdos de comunicação armazenados em contas de e-mails que contêm suficiente fundamentação, diante dos fundados indícios de ocorrência de ilícitos - fraudes em licitação, peculato, corrupção, formação de cartel e organização criminosa supostamente praticados por Servidores Públicos da Prefeitura Municipal de Orlândia - SP em conluio com alguns empresariados locais -, com descrição individualizada da suposta conduta criminosa de cada um dos envolvidos.

3. Aplicabilidade ao caso das diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Terma 990 de sua repercussão geral no que toca à obtenção de RIF sem prévia autorização judicial, mediante compartilhamento direto entre COAF e autoridades atuantes em persecução penal.

4. Ausência de demonstração, no caso, da nefasta prática denominada de pesca predatória (fishing expedition), na medida em que não evidenciada a busca especulativa por provas a serem produzidas em face dos investigados.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC n. 189.011/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 21/3/2024.) (Destaquei)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO, FORMAÇÃO DE CARTEL, CORRUPÇÃO ATIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. QUEBRA DO SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DO MARCO CIVIL DA INTERNET. INAPLICÁVEL NO CASO. PRAZO MÁXIMO LIMITE PARA O ACESSO A MENSAGENS ELETRÔNICAS CONSTANTES DA CAIXA DE E-MAIL DO INVESTIGADO. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. PERÍODO DE QUEBRA DO SIGILO SEMELHANTE AO DA PRÁTICA DOS CRIMES, QUE SE PROLONGOU POR VÁRIOS ANOS. LEGALIDADE DA MEDIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Segundo entendimento desta Corte Superior de Justiça, inexiste nulidade na decisão que acolhe pedido indicando, como razões de decidir, os argumentos que constam do requerimento apresentado pela Acusação, desde que o órgão julgador apresente também fundamentação própria, expondo, ainda que sucintamente, as razões de sua decisão, o que, como se observa da decisão atacada, foi realizado pelo Juízo singular.

2. O art. 22 do Marco Civil da Internet indica o que deve conter no requerimento para o fornecimento de "registros de conexão" ou de "registros de acesso a aplicações de internet", que são, em suma, informações de início e de término de uma conexão à internet ou de uso de determinada aplicação, incluindo o número do endereço IP utilizado. Não se aplica, assim, ao pedido de quebra de sigilo telemático, que busca, basicamente, a obtenção do conteúdo de comunicações privadas.

3. Considerando que a Lei n.º 9.296/96 - moldada para a interceptação de comunicações contemporâneas (em que a captação se dá no momento em que são transmitidas) - não estabelece um prazo máximo limite para o acesso a mensagens eletrônicas constantes da caixa de e-mail da pessoa investigada, a análise da legalidade da medida deve ser feita à luz do postulado da proporcionalidade, que possui uma dupla faceta: contenção dos excessos do Poder Público e vedação da proteção deficiente.

4. O Tribunal local ressaltou que a Acusação teve acesso às comunicações realizadas entre 2008 e 2015. Como se vê, o período de quebra do sigilo é muito semelhante àquele em que teriam ocorrido os fatos criminosos, já que a denúncia registra que "[a]s fraudes detectadas durante a investigação datam do ano de 2009 e persistem até a presente data".

5. Assim, em razão da prática duradoura de crimes, que se prolongou por vários anos, não se mostra desproporcional a quebra do sigilo telemático pelo período de 2008 a 2015, pois contemporâneo às práticas delitivas.

6. Recurso ordinário desprovido.

(RHC n. 100.709/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 16/4/2019.) (Destaquei)

No caso dos autos, materializou-se simplesmente a quebra do sigilo de dados telemáticos, a saber contas de e-mails dos investigados pela Operação Hipócritas, inexistindo interceptação de comunicações propriamente dita.

Nota-se, outrossim, que foram amplamente atendidos os requisitos legais, uma vez que após a realização de diligências iniciais consubstanciando fortes indícios a respeito de laudos periciais em reclamatórias trabalhistas, foi requerido ao r. juízo a quo o acesso à caixa de e-mails wilsonperito@gmail.com, do então investigado WILSON CARLOS (pedido de quebra de sigilo de dados telemáticos nº 0013680-94 2013.403 6105 – expediente ao qual o presente feito fora distribuído por dependência), inicialmente abrangendo apenas o período de 01.04.2013 a 31.05.2014. Pelo teor das evidências então compiladas, foi deferida a extensão do acesso ao Parquet federal do conteúdo da mencionada caixa de e-mail abrangendo o período de 01.01.2008 a 31.12.2015. Com as evidências compiladas a partir de tal material, verificou-se a participação de outros indivíduos na prática criminosa, sendo então requerida e deferida a quebra do sigilo da conta de e-mail de REINALDO FARINA (rs_farina@hotmail.com), densificando, assim, os elementos probatórios acerca dos ilícitos investigados (ID 275335048 – Pág. 5).

Como fruto do acesso aos dados telemáticos, foram produzidos relatórios de análise que permitiram mapear substancial quantidade de laudos periciais que foram transacionados por peritos judiciais, redundando em denúncias como a do presente feito.

Demais disto, os crimes indigitados pela acusação costumam ser praticados às escondidas, cuja investigação requer o emprego de meios de apuração adequados para o enfrentamento da criminalidade de tal natureza, dada a insuficiência dos meios menos invasivos da privacidade para descortinar o esquema delituoso enquadrado nos autos.

Não há, portanto, qualquer nulidade no procedimento adotado, sendo perfeitamente legítima a prova obtida a partir da quebra do sigilo telemático dos investigados na Operação Hipócritas.

 

II.VI – ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO

Ainda preliminarmente ao exame de mérito propriamente dito, JOÃO DOMENICH alega a ocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva, considerando que o ajuste da propina teria ocorrido nas datas de 25.09.2009 e 02.10.2009, pouco após a nomeação de RENATO para atuar nas causas trabalhistas em que patrocinara os interesses da Reclamada, bem como o fato de o réu ser maior de 70 na data da sentença condenatória.

No caso, tem-se que a denúncia foi recebida em 29.10.2018 (ID 275335048 - Pág. 58/66) e a r. sentença publicada em 13.04.2023 (ID 275339796), sendo o réu condenado pelo crime de corrupção ativa à pena de 02 anos, 11 meses e 16 dias de reclusão e 14 dias-multa, desconsiderada a exasperação decorrente do concurso formal.

Em se considerando o prazo de 08 (oito) anos correspondente à pena aplicada (art. 109, inc. IV), reduzido de metade em razão de o réu ostentar idade superior a 70 anos na data da sentença condenatória (art. 115 do CP), teria transcorrido entre os marcos prescricionais sobreditos lapso temporal superior a quatro anos.

Considerando, todavia, que o Ministério Público Federal apela requerendo justamente a majoração das penas, não houve o necessário trânsito em julgado para a acusação que viabilizaria a análise prescricional com base na pena em concreto (art. 109, caput, e 110, § 1º, ambos do CP).

No que tange à delimitação temporal do fato típico ao período de 25.09.2009 a 02.10.2009, necessário ingressar no exame das imputações para precisar o momento consumativo do delito. De toda sorte, fica prejudicado nesta etapa processual o pedido de reconhecimento da prescrição.

 

II.VII – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL DE ANA REGINA RUSSO DOMENICH

ANA DOMENICH restou absolvida das imputações a ela atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. Apela, entretanto, pugnando pela alteração do fundamento de sua absolvição, com a declaração da atipicidade de sua conduta, ao invés de meramente se reconhecer a insuficiência de provas para a condenação.

Em que pese o inconformismo, não subsiste interesse recursal na simples alteração do fundamento da absolvição, uma vez que a consequência do decreto absolutório é sempre a mesma na seara criminal, independentemente do lastro adotado para afastar a responsabilização pelo fato típico.

Tendo em vista que não pesa contra a acusada título condenatório ou quaisquer ônus subjacentes à causa, revela-se juridicamente irrelevante a alteração da sentença penal absolutória ora pretendida.

Nesse sentido, a assentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. FUNDAMENTO DIVERSO PARA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. LESÃO CORPORAL. ABSOLVIÇÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não há interesse recursal da defesa, que pretende alterar o fundamento da absolvição, uma vez que essa, conforme bem destacado pelo Tribunal local, operou-se pela falta de prova certa da "inexistência do fato em si". 2. Relativamente ao crime de lesão corporal, para entender-se pela absolvição do recorrente, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório produzido nos autos, providência que, conforme cediço, é incabível na via do recurso especial, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ. 3. Agravo regimental não provido.

(AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1230756 2018.00.06702-9, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:11/05/2018)

Consequentemente, falecendo requisito indispensável para o conhecimento do apelo aviado por ANA DOMENICH, deve ser negada a admissibilidade deste, conforme preceitua o art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

 

III – DO MÉRITO

Conforme salientado precedentemente, a imputação delitiva compreende os delitos de corrupção passiva e ativa, tendo por objeto laudos periciais concernentes a moléstias profissionais ou acidentes do trabalho, apresentados em reclamatórias trabalhistas que tramitaram em varas do TRT da 15ª Região (Campinas Região/SP).

A tese acusatória foi parcialmente encampada pela sentença, que condenou: (i) RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES como incurso no art. 317, parágrafo primeiro, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do art. 317, parágrafo primeiro (tópico 3.2.1 da denúncia), todos do Código Penal; (ii) JOÃO CARLOS DOMENICH como incurso no art. 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), ambos do Código Penal, e (iii) REINALDO FARINA como incurso no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma única vez.

Nas razões de Apelação, RENATO ARIMATEIA aduz que não foi produzida prova que sustentasse a tese acusatória, enfatizando o descrédito que mereceria as alegações do réu colaborador REINALDO FARINA, insistindo que jamais aceitou propina. JOÃO CARLOS DOMENICH, aduz a ausência de ilegalidade em sua comunicação com o perito judicial, reconhecendo que, a pedido, de RENATO, pagou-lhe R$ 2.500,00 a título de honorários relativamente a cada um dos dois processos concernentes à empresa na qual trabalhava (atipicidade da conduta). Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o de corrupção ativa de perito (art. 343 do CP). Por seu turno, o apelo aviado pelo Parquet federal insiste na condenação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH como incursa nas penas do artigo 333, parágrafo único c/c artigo 29, §1º, por 02 (duas) vezes em concurso formal (artigo 70), todos do Código Penal (tópico 3.1 da denúncia), além de requerer a exasperação das penas já reconhecidas na sentença.

 

III.I – PREMISSAS TEÓRICAS DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (ARTS. 317 E 333, AMBOS DO CÓDIGO PENAL)

A imputação delitiva classificou os crimes subjacentes ao caso nos tipos constantes dos arts. 317 e 333, ambos do Código Penal, in verbis:

Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Corrupção ativa

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Os crimes de corrupção buscam tutelar o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade e a probidade administrativa, punindo-se a mercancia da função pública referente às condutas de aceitar (o funcionário público), oferecer ou prometer vantagem indevida (o particular), com o objetivo de ver omitido, retardado ou praticado em desconformidade com o Direito determinado ato de ofício.

Os tipos penais em questão punem autonomamente o agente corrupto e o corruptor, configurando exceção à Teoria Monista, que dispõe que todo aquele que de algum modo contribui para a prática de um delito responderá por ele. Conquanto haja interligação entre os tipos penais do art. 317 e 333, ambos do Código Penal, podem se perfazer isoladamente, de modo que a configuração de um não implica a existência do outro.

A oferta ou promessa da vantagem indevida pode ocorrer direta ou indiretamente, inclusive por interposta pessoa, bastando que esteja relacionado com seus poderes de fato inerentes ao exercício do cargo do agente (STF, AP n. 470, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 22.04.2013 e TRF4, ACR 5046512-94.2016.4.04.7000, rel. Desemb. Federal João Pedro Gebran Neto, juntado aos autos em 06.02.2018).

 O oferecimento da vantagem indevida deve preceder o ato, justamente para estimular que o agente público pratique, omita ou retarde o ato de ofício. Não há a necessidade, entretanto, da efetiva prática do ato de ofício, sendo suficiente a possibilidade de que a vantagem indevida influa na prática do ato de ofício pelo funcionário público, de modo que se tratam de crimes formais, consumando-se com a mera aceitação, ou o mero oferecimento ou promessa da vantagem indevida, independentemente do resultado naturalístico para a sua consumação.

 O elemento subjetivo do tipo é o dolo, evidenciado por um especial fim de agir, qual seja, determinar a prática, omissão ou retardamento de ato de ofício.

Descabimento da reclassificação jurídica da conduta amoldada ao art. 333 do Código Penal, subsumindo-a à dicção do art. 343 do Código Penal

Em que pese a aparente adequação típica do suborno de perito judicial ao crime de oferecer vantagem objetivada à falsa perícia, suscitada pelo próprio CARLOS DOMENICH, a conduta se amolda ao crime de corrupção ativa, na medida em que o art. 343 do Código Penal, possui elementos especiais que transbordam dos limites da imputação, ao preceituar a seguinte capitulação legal:

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)

Com efeito, nota-se que o preceito incriminador do art. 343 do Código Penal elege como sujeito passivo não qualquer funcionário público, mas, in casu, perito nomeado para exercer papel auxiliar da Justiça, bem como a intencionalidade do suborno reside, especificamente, em fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade no laudo ofertado ao juízo trabalhista.

Este dolo específico, de falsear o conteúdo do laudo pericial, não foi contemplado pela denúncia e tampouco a instrução probatória debruçou especificamente sobre tal questão. A liberdade profissional inerente à contribuição do expert, por sua natureza, torna tormentosa a comprovação objetiva da intencionalidade maliciosa, o que é, entretanto, dispensável para a caracterização do crime de corrupção ativa.

O r. juízo sentenciante bem enfocou que a conduta delituosa sob exame atenta contra a imparcialidade do perito judicial, tornando-se despiciendo perquirir a falsidade em si do laudo pericial (ID 275339796 - Pág. 15):

Não é demais registrar que o perito judicial é o expert de confiança do Juízo e deve ser imparcial nas suas conclusões, já que é ele quem auxilia o magistrado no julgamento em relação às matérias específicas de ordem médica. Ainda que não se verifique falsidade nos laudos apresentados perante o Poder Judiciário Trabalhista, é certo que a realização de pagamento, e sua aceitação, de forma não prevista nos trâmites regulamentares, macula a imparcialidade e o funcionamento do próprio Poder Judiciário.

Em verdade, a própria dinâmica que fomentou a disseminação da rede criminosa levantada pela Operação Hipócritas emerge do fato, reconhecido pelo próprio réu colaborador, de que os peritos ressentiam-se da remuneração obtida na hipótese de o reclamante perder a ação trabalhista, hipótese em que recebiam apenas R$ 300,00 ou R$ 400,00 das perícias realizadas em feitos com demandantes beneficiários da Justiça Gratuita, de forma que as reclamadas se viam instadas a contribuir para que o perito se comprometesse a dar um laudo favorável, mas não necessariamente falso.

O valoroso parecer da Procuradoria Regional da República também se manifestou contrariamente à pretendida mutatio libelli (ID 281975494 - Pág. 40):

Ao contrário do que pretende fazer crer a defesa, os crimes de corrupção não se perfizeram com uma simples solicitação do perito judicial seguida imediatamente da aceitação e do pagamento, na forma tipificada pelo artigo 343 do Código Penal. Pelo contrário, sem dúvida alguma, havia toda uma engenharia em funcionamento até que o dinheiro chegasse às mãos do perito judicial e, nesse ínterim, os réus se sucediam entre cobranças e promessas das propinas para, ao final, combinarem a melhor forma de entrega dos valores ao perito judicial.

É dizer, pelo modus operandi adotado pelos investigados na Operação Hipócritas e, em especial, pela forma de agir específica dos réus nos casos de corrupção versados nesta ação penal, o pagamento da vantagem indevida consistiu na comprovação categórica de toda a cadeia de corrupção, situação fática que melhor se amolda àquela tipificada no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, adotando-se como parâmetro os papéis de atuação de JOÃO CARLOS DOMENICH e ANA REGINA RUSSO DOMENICH.

À luz do exposto, o oferecimento de propina ao perito judicial insere-se no tipo do art. 333 do Código Penal, dado o contexto ora explicitado.

 

III.II – ANÁLISE DAS INFRAÇÕES COMETIDAS NO CASO CONCRETO

No caso dos autos, os crimes de corrupção ativa de perito e corrupção passiva enredam-se em amplo esquema delituoso envolvendo o oferecimento de laudos por peritos judiciais em comum acordo com o interesse de empresas diretamente reclamadas em ações trabalhistas.

O arranjo delituoso consistia em uma prática disseminada notadamente entre vários peritos e assistentes técnicos que ajustavam a confecção de laudos acerca de doenças ocupacionais ou moléstias profissionais mediante contrapartida financeira, conforme se pode apurar a partir da investigação de WILSON CARLOS VIEIRA, perito já falecido, descortinando a rede que se estendia a diversos outros profissionais, cuja atuação ilícita foi bem percebida pela quebra do sigilo de dados telemáticos, notadamente do assistente técnico REINALDO FARINA (rs_farina@hotmail.com), trazendo à tona provas consistentes, conforme reconhecido pelo r. juízo a quo no ato sentencial (ID 275339796 - Pág. 2).

Na maioria dos casos, as tratativas sobre a confecção de laudo favorável à reclamada eram realizadas entre peritos e assistentes técnicos, referindo-se à propina com codinomes que expressavam valores monetários da ordem de R$ 1.000,00 a R$ 3.000,00 conforme cada caso, os quais frequentemente transitavam como pagamento de honorários pela reclamada ao assistente técnico para posterior repasse ao perito enviesado.

Como contrapartida, o conteúdo do laudo pericial era sorrateiramente compartilhado e ajustado com a participação do assistente técnico da reclamada antes de ser protocolizado na Justiça do Trabalho, garantindo que o resultado fosse o mais favorável possível à reclamada.

O então investigado REINALDO FARINA, firmou acordo de colaboração premiada reconhecendo sua adesão ao esquema de corrupção envolvendo diversos peritos atuantes nos casos em que atuava como assistente técnico das empresas reclamadas. Forneceu, inclusive, um glossário dos termos comumente empregados nas comunicações com os peritos judiciais tratando dos laudos que seriam objeto de corrupção (ID  158876045 - Pag. 167/169 – mídias dos depoimentos à fl. 206 dos autos originários):

1- quando, nas comunicacoes entre os envolvidos era usada a expressao "compra de equipamentos" isso significa que ha pagamento de "honorarios extra autos" para o perito;

2- outros termos sao usados com a mesma finalidade - documentos, livros - termos que REINALDO aprendeu "no meio", ou seja, em conversas com outros profissionais.

3- o valor de "1 documento" e de R$ 1000,00 (mil Reais), então, se ha a mencao de 2 ou 3 "documentos", isso significa a negociacao ou pagamento de 2 ou 3 mil Reais.

4- o perito sempre indica quantos "documentos" quer para receber da empresa;

5- concausa - termo usado em laudo pericial para condenar a empresa. A empresa paga e o perito atribui a doenca do reclamante as atividades na empresa. " numa pericia onde se constata uma doenca " a gente pede para dizer outra doenca", ou seja, direciona o perito "para a esquerda ou para a direita";

6- existem profissionais acessiveis que recebem de forma aberta o pagamento oficial e o assistente tecnico sabe quem sao esses peritos;

7- ha emissao de notas fiscais para o assistente tecnico cujo valor e para pagamento de peritos;

8- peritos pedem pagamentos extraoficiais, aqueles que nao estao registrados nos processos. Os peritos pedem esses "honorarios", nao necessariamente para falsear os laudos;

9- perito pede o verbalmente para o assistente tecnico apos a pericia, o assistente tecnico repassava o pedido para o advogado;

1O- quando a empresa se recusa a pagar os honorarios, FARINA diz para ele ficar "à vontade" com o laudo;

11- no caso AGIS (reclamada), WILSON pediu para REINALDO pegar os honorarios, no caso, R$ 5.000,00 (5 documentos). O dinheiro foi entregue em especie, mas foi menos de R$ 5.000,00;

12- no caso do Auto Posto Jardim, (reclamante) Valdinei Alves da Silva, WILSON era o perito e, em determinado momento, a discussao e desviada para os honorarios extra autos.

13 - houve repasse de R$1.500,00 para o perito (WILSON). O dinheiro foi enviado ao escritorio. E dinheiro do perito, nao tem nada a ver com a nota fiscal dos honorarios do assistente tecnico. O pagamento deve ter sido feito em especie ou em transferencia bancaria. Pagamento ao perito de forma extraoficial. Os peritos que usam essa pratica alegam que trabalham muito e se o reclamante perde, ele nao recebe nada. Entao ele pede uma ajuda, por que os honorarios previos sao de 300,00 ou 400,00; e e so o que ele recebe. Esses honorarios nao estao no processo, o Poder Judiciario nao sabe. Neste caso, o advogado do reclamante nao sabe desse pagamento. O perito se compromete a dar um laudo favoravel para a empresa, quando e possivel. Se nao e possível, mesmo assim e feito o pagamento.

Dessa sorte, as perícias falsas e/ou tendenciosas em favor das reclamadas buscavam descaracterizar o nexo etiológico (causal) entre a moléstia e as atividades laborais exercidas, a negação da própria doença ocupacional do trabalhador e/ou a afirmação de ausência de incapacidade laborativa. O perito traía a confiança do juízo para tentar induzi-lo em erro e obter uma sentença favorável à empresa reclamada. O magistrado trabalhista, que em regra não tinha conhecimentos técnicos (médicos) suficientes para desconsiderar o laudo pericial, acabava por acolher as conclusões do expert nomeado pelo juízo. A empresa reclamada, mediante pagamento de determinada quantia ao perito, muitas vezes intermediada pelo assistente técnico, livrava-se de arcar com indenizações vultosas ao trabalhador. Apurou-se, ademais, que era frequente o compartilhamento “extra-autos” de cópias de laudos periciais e de pareceres técnicos, integralmente ou pelo menos das conclusões destes documentos, antes do protocolo na Justiça, entre perito judicial e assistente técnico, prática esta que, quando realizada de forma oficiosa e não autorizada expressamente pelo juízo competente, é repudiada pelo Conselho Federal de Medicina (Despacho SEJUR nº 243/2015) e pelo Judiciário trabalhista por violar a imparcialidade e o devido processo legal.

Dentro do panorama colacionado, o presente feito restringe-se a três condenações por atos de corrupção passiva e ativa de perito judicial, tendo por objeto laudos periciais determinantes de doenças ocupacionais ou moléstias profissionais apuradas nas Reclamações Trabalhistas:

- 0030500-28.2009.5.15.0087 (1ª Vara do Trabalho de Paulínia/SP), em relação à qual foram condenados JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, bem como absolvida ANA REGINA RUSSO DOMENICH;

- 0077600-76.2009.5.16.0087 (1ª Vara do Trabalho de Paulínia/SP), em relação à qual foram condenados JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, bem como absolvida ANA REGINA RUSSO DOMENICH;

- 0000362-06.2012.6.15.0077 (Vara do Trabalho de Indaiatuba/SP), em relação à qual foram condenados REINALDO FARINA e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES;

- 0001963-09.2012.5.15.0122 (Vara do Trabalho de Sumaré/SP), em relação a qual foram absolvidos MIGUEL HUEB NETTO e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES por insuficiência de provas para a condenação;

- 0002102-24.2013.5.15.0122 (Vara do Trabalho de Sumaré/SP), em relação ao qual foram absolvidos MIGUEL HUEB NETTO e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES por insuficiência de provas para a condenação.

Ilícitos referentes aos autos nº 0030500-28.2009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.16.0087 (1ª Vara do Trabalho de Paulínia/SP), imputados a JOÃO CARLOS DOMENICH, assistido por ANA REGINA RUSSO DOMENICH (art. 333 do CP) e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (art. 317 do CP) (tópico 3.1 da denúncia)

A prova dos autos evidenciou que, na qualidade de assistente técnico, JOÃO CARLOS DOMENICH, dolosamente ofereceu e pagou propina a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, a fim de que este, na condição de perito judicial nomeado nas reclamações trabalhistas em epígrafe, elaborasse laudo pericial supostamente favorável às empresas reclamadas, como de fato materializou-se, entre os meses de abril e maio de 2011.

A prática dolosa das infrações penais em questão (tópico 3.1 da denúncia) comprovou-se notadamente pelos seguintes elementos materiais (bem colacionados no ID 275339760 - Pág. 25):

- Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC), bem como Relatórios de Análise MPF nº 03/2015-RF, nº 04/2015-RF e nº 03/2017- WCSV (DVD de fl. 199-PIC);

- E-mails obtidos na conta de RENATO ARIMATEIA mediante acesso aos dados telemáticos no bojo da Operação Hipócritas (fls. 03-39 e DVD de fl. 199-PIC);

- Pelos documentos e e-mails armazenados em mídia de RENATO ARIMATEIA (fls. 41-52 e DVD de fl. 199-PIC);

- Extratos e cópia dos atos processuais praticados nas reclamações trabalhistas em análise (fls. 53-99 e 104-173);

- Pelos extratos bancários de RENATO ARIMATEIA (fls. 203-PIC e DVD de fl. 199-PIC).

Com efeito, as reclamatórias nº 0030500-28.2009.5.15.0087 e 0077600-76.2009.5.15.0087, ajuizadas em face da Companhia Ultragaz S.A. respectivamente pelos reclamantes Silvando Alves de Araújo e Jaime Moreira de Souza (retificando-se erro material constante no relatório ao reproduzir a peça acusatória neste ponto), com valor atribuído à causa respectivamente de R$ 642.096,88 e R$ 165.777,00, tiveram como fato controvertido doença ocupacional/acidente do trabalho que teria implicado em pagamento de indenização aos trabalhadores reclamantes. RENATO ARIMATEIA foi nomeado perito médico para oficiar em ambos os feitos, sendo a reclamada representada pelo assistente técnico JOÃO CARLOS DOMENICH, também nas duas ocasiões.

O Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM, reportando-se aos e-mails armazenados da conta de RENATO ARIMATEIA, assim como os extratos bancários deste corréu, comprovam a materialidade e autoria de ambos os crimes (corrupção ativa e passiva), ostentando nitidamente a negociação de valores e o efetivo envio de comprovantes das transferências acordadas (ID 275339798 - Pág. 16/17).

A propósito, vale citar o compartilhamento do laudo de RENATO com JOÃO DOMENICH antes de protocolizá-lo na Justiça, com conclusão favorável à empresa reclamada, o que foi no mesmo dia (18.04.2011) aprovado por DOMENICH, já sinalizando que faria o envio de “2.5 documentos” em 30 dias, tratando veladamente da propina ajustada de R$ 2.500,00. RENATO ARIMATEIA argumentou despudoradamente que o “preço de mercado” teria subido para “3 documentos”, sinalizando que o atendimento poderia dispensar dispêndios com suborno futuramente (e-mail de 25.04.2011) (ID 275339803 - Pág. 10/12).

Os laudos periciais enviesados correspondentes aos citados processos trabalhistas foram protocolizados em 28.04.2011, e em 30.05.2011, JOÃO DOMENICH realizou dois depósitos de R$ 3.000,00 cada, com comunicação de ANA REGINA DOMENICH de que seguiram “3 documentos e depois mais 3” (e-mail de 31.05.2011) (ID 275339803 - Pág. 12/15).

Importante dizer que o iter criminis observado desenvolveu-se em período posterior à nomeação de RENATO ARIMATEIA para atuar como perito da causa, não sendo devida a consideração da Defesa de que o ilícito teria sido praticado entre os dias 25.09.2009 e 02.10.2009, uma vez que o crime se perfaz no momento da execução de ações concretas voltadas ao resultado delituoso, não se punindo atos preparatórios ou de mera cogitação.

O emprego de expressões dissimuladas para referirem-se à propina bem denotam a intenção de mascarar as ações objetivamente incriminadoras, condutas que, conforme demonstram os e-mails da conta renato.costa74@gmail.com, eram habituais de RENATO ARIMATEIA e JOÃO DOMENICH.

O interrogatório dos acusados não se contrapõe à conclusão ora obtida, consoante bem sintetizado na r. sentença (ID 275339798 - Pág. 17):

JOÃO DOMENICH, em seu interrogatório judicial, confessou a prática delitiva. O réu assumiu que as expressões “2.5 documento” e “3.0 documento” referem-se a pagamentos de valores de 2.500 e 3.000 reais, respectivamente, que foram solicitados pelo perito RENATO ARIMATÉIA em uma ligação. Embora tenha confessado o efetivo pagamento, afirmou o corréu que aceitou realizá-lo por acreditar que o perito necessitava de uma ajuda, bem como confirmou que o pagamento fora realizado “extra-autos”, sem qualquer conhecimento do Juízo Trabalhista. Afirmou, ainda, que realizou o pagamento do próprio bolso e nem chegou a comunicar o Grupo Ultra, do qual era assistente, acerca desta prática.

(...)

O próprio réu JOÃO DOMENICH afirmou, expressamente, em seu interrogatório, que sua esposa não tinha ciência da ilicitude dos pagamentos. Que deixava ‘bilhetes’ para que ela fizesse os pagamentos e enviar a confirmação.

Já o corréu RENATO ARIMATÉIA não conseguiu comprovar que os recebimentos se referiam a eventuais auxílios a projetos sociais como pretendeu. Suas alegações sobre os fatos se basearam na possibilidade de perito e assistente tratarem das perícias, sob o argumento, inclusive, de que a prática seria permitida e estimulada por Juízes Trabalhistas, sem qualquer comprovação do alegado quanto aos recebimentos dos valores.

Finalmente, ANA DOMENICH negou ter concorrido para as práticas delituosas, afirmando que apenas auxiliava seu marido com coisas de computador, mandando e-mails e pagando contas conforme orientação deste (ID 275339760 - Pág. 38).

Desta sorte, resta acertada a condenação de JOÃO DOMENICH como incurso no crime de corrupção ativa (art. 333 do CP) e de RENATO ARIMATEIA como incurso no crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), ambos na forma majorada pelo descumprimento do dever funcional da isenção, sendo insustentável a alegação defensiva de JOÃO DOMENICH no sentido de que havia feito o pagamento a título de honorários periciais e que isto seria penalmente atípico.

Tal conclusão não se estende à corré ANA REGINA DOMENICH, esposa de JOÃO DOMENICH, pois a prova dos autos evidencia que ela meramente atuava como secretária, auxiliando materialmente seu esposo sem necessariamente estar conectada aos ilícitos específicos versados nos autos, devendo ser mantida a sua absolvição por insuficiência de provas para a condenação. Inexiste substrato probatório, lado outro, para alterar o fundamento de sua absolvição, o que importaria no desprovimento do pleito nesse sentido (de ver a absolvição decretada com base nos incisos I, II ou III do art. 386, do CPP), caso fosse admitido o seu interesse recursal.

Ilícitos referentes aos autos nº 0000362-06.2012.5.15.0077 (Vara do Trabalho de Indaiatuba/SP), imputados a REINALDO FARINA (art. 333 do CP) e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (art. 317 do CP) (tópico 3.2.1 da denúncia)

A prova dos autos evidenciou que, na qualidade de assistente técnico, REINALDO FARINA (juntamente com Lairson Amaral Mendonça, representante da reclamada), dolosamente ofereceu e pagou propina a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, a fim de que este, na condição de perito judicial nomeado na reclamação trabalhista em epígrafe, elaborasse laudo pericial favorável às empresas reclamadas, como de fato materializou-se, entre os meses de março e abril de 2015.

A prática dolosa das infrações penais em questão (tópico 3.2.1 da denúncia) comprovou-se notadamente pelos seguintes elementos materiais (bem colacionados no ID 275339760 - Pág. 44):

- Já  citados depoimentos prestados e documentos apresentados (fls. 159-170-PIC) por REINALDO FARINA em colaboração premiada firmada com o MPF, bem como o seu interrogatório judicial (ID 252258190);

- Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC), bem como Relatórios de Análise MPF nº 04/2015-R e 05/2015-RF - DVD de fl. 60)

- E-mails obtidos na conta de RENATO ARIMATEIA mediante acesso aos dados telemáticos no bojo da Operação Hipócritas (fls. 03-39 e DVD de fl. 199-PIC);

- Pelos documentos e e-mails armazenados em mídia de RENATO ARIMATEIA (fls. 41-52 e DVD de fl. 199-PIC);

- Extratos e cópia dos atos processuais praticados nas reclamações trabalhistas em análise (fls. 78-119 e 123-179v);

- extrato bancário de RENATO ARIMATEIA (trechos às fls. 269-270-PIC, íntegra no DVD de fl. 199-PIC) e dados fornecidos pelo banco Santander (fl. 285-PIC);

- extratos telefônicos de REINALDO FARINA relativos aos contatos telefônicos mantidos com LAIRSON MENDONÇA e RENATO ARIMATEIA na época dos fatos (fls. 216-234-PIC e DVD de fl. 199-PIC);

Destacam-se, a propósito, o depoimento do réu colaborador REINALDO FARINA, aliado à prova material apresentada na colaboração premiada que são corroborados pelo Relatório de Análise 03/2015 do MPF e Relatório MPF nº 01/2017, notadamente considerando o extrato bancário retratando o depósito de R$ 3.000,00 na data avençada, bem como extratos telefônicos denotando relacionamento voltado à confecção tendenciosa do laudo (ID 275339798 - Pág. 18). Mais uma vez, o interrogatório de RENATO ARIMATEIA resta isolado do conjunto probatório.

A comunicação mantida por meio eletrônico entre REINALDO FARINA e RENATO ARIMATEIA demonstra que entre março e abril de 2015, estes acusados trataram da realização do laudo pericial, cabendo notar o envio de cópia do laudo pericial em 10.04.2015 de RENATO parra REINALDO, com conclusão favorável à reclamada. O laudo foi compartilhado com LAIRSON (representante da reclamada) com pedido de sigilo, pois não poderia ser divulgado ou comentado até o despacho do juiz para que a empresa se manifestasse sobre o mesmo, oportunidade na qual REINALDO FARINA ainda salientou que acertaria o valor combinado em espécie com RENATO na quarta-feira seguinte. Dados de georreferenciamento denotam que os acusados estiveram no mesmo local por volta das 17h do dia 26.04.2015, bem como extrato bancário de RENATO ARIMATEIA acusou depósito de R$ 3.000,00 em sua conta bancária no dia subsequente. O laudo pericial foi protocolizado na Justiça em 22.08.2015, contrariando laudo anterior e afastando o nexo causal discutido, favoravelmente à empresa reclamada (ID 275339760 - Pág. 49/57).

Conforme já mencionado, o interrogatório judicial de REINALDO FARINA corrobora as evidências amealhadas contra si e RENATO ARIMATEIA (ID 275339760 - Pág. 58):

Ao ser interrogado em juízo, REINALDO FARINA, após prestar o compromisso de dizer a verdade nos termos do artigo 4º, §14 da Lei 12.850/13, novamente confirmou a ocorrência dos crimes de corrupção. Às perguntas da exma. Juíza federal declarou, em suma, que em outubro de 2012 o advogado da empresa pediu ao interrogado para impugnar o laudo elaborado por outro perito, Claudio Sangalli. O interrogado não participou desta primeira perícia. Com base nos subsídios para impugnação fornecidos pelo interrogado, a Juíza do Trabalho destituiu o perito Claudio Sangalli e nomeou, em seu lugar, RENATO ARIMATEIA. Por se tratar de uma doença complexa cujo laudo seria trabalhoso, RENATO ARIMATEIA solicitou para o interrogado para ajudá-lo pagando-lhe “honorários”. O interrogado levou a solicitação para o LAIRSON, da empresa, que aceitou. Posteriormente, o interrogado foi até LAIRSON pegar o dinheiro e depois entregou-o a RENATO ARIMATEIA, salvo engano R$ 3.000,00. Em nenhum momento foi pedido para RENATO ARIMATEIA “deturpar” o laudo. Às perguntas do MPF, REINALDO FARINA disse que ratificava integralmente os seus depoimentos e documentos apresentados no acordo de colaboração premiada referente a este caso. Esse pagamento de R$ 3.000,00 foi “extra-autos”, isto é, não foi informado nos autos e o juiz trabalhista não teve dele conhecimento. O pagamento era para dar uma “ajuda” para RENATO ARIMATEIA, uma vez que se tratava de uma perícia complexa e trabalhosa. O dinheiro foi entregue para RENATO ARIMATEIA no centro de Campinas, perto da clínica dele, na Confeitaria Zuleika. Em alguns casos, o interrogado emitiu notas fiscais da RS FARINA destinados a receber o valor da empresa-cliente que depois seria repassado a peritos judiciais. Nestas notas, o interrogado colocava na discriminação “honorários suplementares”.

RENATO ARIMATEIA, como afirmado precedentemente, negou a prática delituosa, enfatizando que REINALDO FARINA ofereceu propina, mas não a aceitou.

Por fim, cumpre salientar que as testemunhas arroladas pela Defesa de RENATO ARIMATEIA, João Batista Soares, Rosana Grácio Sbrana, Vanderlei Carlos de Oliveira, Ivete Aparecida Ferreira Valadão Nasario, Fabio de Paula Valadão, Romildo Luiz de Lima, Lia Renata Silva e Marli Edna Roman Binati (ID 249193665 e 250175755), foram meramente abonatórias do caráter e do zelo profissional, nada acrescentando especificamente sobre os fatos em apuração.

Semelhantemente, as testemunhas da Defesa de JOÃO CARLOS DOMENICH e ANA REGINA DOMENICH, Mirella Russo Domenich, Thalita Russo Domenich e Anderson Jorge Domenich (estes na qualidade de informantes), bem como Douglas Giovannini, Magda Aparecida Piedade, Luiz Antonio Daniele, lvone Cristina Oliveira da Silva, Wellington Frederico dos Santos e Alexander Augusto Aquino Ribeiro,  Julia Mondini da Silva e Genoveva Fenili de Brito Offa, Marcelo Nunes dos Santos e Carolina de Souza Alves dos Santos (ID 251074654 e 250780861), também se revelaram abonatórias dos acusados, sem especificar dados sobre os fatos judicializados.

Desta sorte, bem caracterizados os delitos e especialmente as respectivas causas de aumento de pena pela patente caracterização da infração ao dever funcional de um atuar consentâneo com a moralidade e a lealdade processual.

 

III.III - CONCLUSÃO

Em vista do quanto exposto, deve ser mantida a responsabilização penal de:

- RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES pela prática do delito previsto no artigo 317, parágrafo primeiro, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do artigo 317, parágrafo primeiro (tópico 3.2.1 da denúncia), todos do Código Penal;

-   JOÃO CARLOS DOMENICH pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), ambos do Código Penal;

- REINALDO FARINA pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma vez (tópico 3.2.1 da denúncia).

 

IV – DOSIMETRIA PENAL

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.

No caso dos autos, as reprimendas serão dispostas na forma abaixo sistematizada.

 

DOSIMETRIA PENAL DE RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES

As penas de RENATO ARIMATEIA foram assim estabelecidas pela r. sentença (ID 275339796 - Pág. 19):

No tocante às circunstâncias judiciais, à míngua de elementos quanto à conduta social do acusado, deixo de valorá-las. Nada a falar sobre sua personalidade. Os motivos que levaram o réu a praticar o crime estão situados dentro do tipo, não ensejando valoração negativa. Não ostenta antecedentes criminais de registro. Nada a comentar sobre comportamento da vítima, que não influiu para a prática dos delitos.

Quanto à culpabilidade do agente, considerando esta como juízo de censura do ato praticado, assim como no tocante às consequências do delito, estas são valoradas negativamente, haja vista a mácula causada aos julgamentos pela Justiça do Trabalho, por meio de ato praticado por um médico, cadastrado como perito, bem como os prejuízos causados aos reclamantes que buscaram o Poder Judiciário como última forma de ver um direito concretizado de forma justa. Pelo exposto, fixo a pena-base acima do mínimo legal, nos termos do artigo 317 do Código Penal, ou seja, em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa.

Não há agravantes, nem atenuantes.

Como exposto alhures, presente a causa de aumento de pena prevista no §1º, do artigo 317, de um terço, o que torna definitiva a pena em 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão e 17 dias-multa, para cada um dos delitos de corrupção passiva praticados pelo réu.

Conforme verificado no item “a”, que tratou dos crimes praticados nas Reclamações Trabalhistas 0030500-28.2009.5.15.0087 e 0077600-76.2009.5.16.0087 da 11ª (sic) Vara do Trabalho de Paulínia, diante da forma como se consumou a corrupção passiva, aplica-se o concurso formal de crimes. Assim, aumento de 1/6 a pena aplicada ao delito, considerando que foram praticados dois delitos com uma só ação, conforme dispõe o art. 70 do Código Penal, resultando 4 anos, 1 mês e 23 dias de reclusão e 20 dias-multa.

Verifica-se presente o concurso material entre os delitos acima mencionados com o delito analisado no item “b” na reclamação Trabalhista nº 0000362-06.2012.5.15.0077 da Vara do Trabalho de Indaiatuba, totalizando 7 anos, 8 meses e 13 dias de reclusão e 37 dias-multaQuanto ao valor do dia multa, embora não haja nos autos informações quanto à situação financeira, trata-se de médico com muitos anos de profissão, motivo pelo qual fixo-o no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento.

 Ante o que dispõe o artigo 33, §2º, “b” do Código Penal, o regime de início de cumprimento da pena deve ser o semiaberto.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por falta de condição objetiva, nos termos do artigo 44 do CP.

Quanto ao efeito da condenação prevista no artigo 92, inciso I, do Código Penal, ensina Rogério Greco:

As hipóteses tratadas pelo inc. I do art. 92 do Código Penal, conforme assevera Cezar Roberto Bitencourt, ‘não se destinam exclusivamente aos chamados crimes funcionais (arts. 312 a 347 do CP), mas a qualquer crime que um funcionário público cometer com violação de deveres que a sua condição de funcionário impõe, cuja pena de prisão aplicada seja igual ou superior a um ano, ou, então, a qualquer crime praticado por funcionário público, cuja pena aplicada seja superior a quatro anos’ (Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Disponível em: Minha Biblioteca, (15th edição). Grupo GEN, 2021).

 Assim, no caso concreto, aplica-se tal efeito ao réu, sendo o resultado a perda do cargo de perito judicial. Comunique-se o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região após o trânsito em julgado.

Primeira fase da dosimetria penal

A pena-base foi estabelecida pela r. sentença em patamar ligeiramente superior ao mínimo legal (acréscimo de 08 meses), em função dos vetores assinalados como desfavoráveis ao réu – culpabilidade e consequências do delito.

A Defesa de RENATO ARIMATEIA pugna pela redução ao mínimo cominado, ao passo que o Parquet federal requer a majoração, considerando também as circunstâncias do crime como especialmente negativas.

Em que pesem as irresignações, deve ser mantida a valoração procedida pelo r. juízo a quo, porquanto o juízo de censura pelo desvalor do modus operandi, como pretende o órgão ministerial, já se encontra abarcado pelo vetor culpabilidade, bem como as consequências do delito são de fato notadamente nefastas, por prejudicar o pleito trabalhista dos reclamantes.

Desta forma, representando um acréscimo de 1/3 (um terço), a fixação da reprimenda em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, encontra-se bem dimensionada, não merecendo reparo.

Segunda fase da dosimetria penal

Não foram aplicadas agravantes tampouco atenuantes, na segunda etapa dosimétrica.

A aplicação da agravante do art. 61, II, ‘g’, do Código Penal, requerida pelo Ministério Público Federal, atinente à violação de dever inerente à função de perito, fica prejudicada diante da causa de aumento de pena mantida neste ato e reconhecida anteriormente na r. sentença.

Destarte, a pena intermediária mantém-se em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias-multa.

Terceira fase da dosimetria penal

Na terceira fase da dosimetria penal, incide unicamente a causa de aumento constante do parágrafo primeiro do art. 317 do Código Penal, consoante bem estabelecido pela r. sentença, uma vez que a corrupção passiva violou preceitos básicos da conduta profissional esperada, notadamente a imparcialidade, a lealdade e a moralidade ínsitas ao atuar dos atores processuais.

Salienta-se, nesse sentido, que a sistemática de tramitar o laudo pericial internamente entre corrupto e corruptor para somente oferecê-lo à Justiça posteriormente à ciência e concordância do assistente técnico da reclamada, viola frontalmente não apenas o padrão de lisura que é elementar ao tipo penal, mas descredibiliza por completo a regularidade e a formalidade próprias do devido processo legal, tornando o ato pericial totalmente imprestável e viciado.

Correta, portanto, a exasperação de 1/3 (um terço), a pena em concreto de RENATO ARIMATEIA fica estabelecida em 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.

Concurso de crimes

Praticados dois crimes de corrupção passiva através de uma conduta comum (fato 3.1 da denúncia), é devido o apenamento de RENATO ARIMATEIA na forma do art. 70 do Código Penal, de sorte a exasperar a pena em concreto em 1/6 (um sexto), correspondendo a 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 19 (dezenove) dias-multa (reduzida proporcionalmente a pena de multa).

E, praticadas tais infrações em concurso material com um terceiro fato típico (fato 3.2.1 da denúncia), as respectivas penas devem ser somadas em concurso material, resultando na pena unificada de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa (reduzida proporcionalmente a pena de multa).

Regime prisional inicial

Deve ser mantido o regime prisional inicial SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal.

Valor unitário do dia-multa

Deve ser mantido o valor atribuído a cada dia-multa de 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, à míngua de impugnação e diante da situação financeira do acusado - “própria de médico com muitos anos de profissão”, bem destacada na r. sentença.

Vedação da substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos

Incabível a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos ante a incompatibilidade do quantum da reprimenda imposta com os ditames da benesse legal (art. 44, inc. I, do CP).

Perda do cargo

Deve ser mantida a decretação de perda da função de perito judicial, nos termos do art. 92, inc. I, ‘a’ e ‘b’, do Código Penal.

 

DOSIMETRIA PENAL DE JOÃO CARLOS DOMENICH

As penas de JOÃO DOMENICH foram assim estabelecidas pela r. sentença (ID 275339796 - Pág. 20):

No tocante às circunstâncias judiciais, à míngua de elementos quanto à conduta social do acusado, deixo de valorá-las. Nada a falar sobre sua personalidade. Os motivos que levaram o réu a praticar o crime estão situados dentro do tipo, não ensejando valoração negativa. Não ostenta antecedentes criminais de registro. Nada a comentar sobre comportamento da vítima, que não influiu para a prática dos delitos.

Quanto à culpabilidade do agente, considerando esta como juízo de censura do ato praticado, assim como no tocante às consequências do delito, estas são valoradas negativamente, haja vista a mácula causada aos julgamentos pela Justiça do Trabalho, por meio de ato praticado por um médico, atuante como assistente técnico, bem como aos prejuízos causados aos reclamantes que buscaram o Poder Judiciário como última forma de ver um direito concretizado de forma justa. Pelo exposto fixo a pena-base acima do mínimo legal, nos termos do artigo 333 do Código Penal, ou seja, em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa.

Presente a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal uma vez que, por seus comandos ANA DOMENICH, praticou o pagamento ao perito. Presentes, ainda, as atenuantes do artigo 65, inciso I (réu nascido em 23/12/1947) e 65, inciso III, alínea “d”, já que confessou o pagamento em Juízo. Compensando-se, assim, a agravante e atenuantes, é de rigor a redução de 1/6, que resulta a pena de 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e 11 dias-multa.

Como exposto alhures, presente a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único, do artigo 333, de um terço, o que torna definitiva a pena em 2 anos, 11 meses e 16 dias de reclusão e 15 dias-multa, para cada um dos delitos de corrupção ativa praticados pelo réu.

Conforme verificado no item “a”, que tratou dos crimes praticados nas Reclamações Trabalhistas 0030500-282009.5.15.0087 e 0077600-76.2009.5.16.0087 da 11ª  (sic) Vara do Trabalho de Paulínia, considerando a forma como se consumou a corrupção ativa, aplica-se o concurso formal de crimes. Assim, aumento de 1/6 a pena aplicada ao delito, uma vez que foram praticados dois delitos com uma só ação, conforme dispõe o art. 70 do Código Penal, resultando a pena em 3 anos, 5 meses e 13 dias de reclusão e 18 dias-multa.

Quanto ao valor do dia multa, embora não haja nos autos informações quanto à situação financeira, trata-se de médico com muitos anos de profissão, motivo pelo qual fixo-o no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento.

 Ante o que dispõe o artigo 33, §2º, “c” do Código Penal, o regime de início de cumprimento da pena deve ser o aberto.

Presentes as hipóteses do artigo 44, incisos I, II e III do Código Penal, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes no seguinte: 1) prestação pecuniária de 25 salários mínimos, que pode ser paga em dez prestações mensais, iguais e sucessivas e deve ser prestada em guia própria em favor da União; 2) prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, igualmente a ser especificada pelo Juízo da Execução. O acusado deverá ser advertido de que o descumprimento do pagamento da prestação pecuniária e da prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas implicará conversão da pena restritiva de direito na pena de reclusão fixada (art. 44, § 4º, do Código Penal).

Primeira fase da dosimetria penal

A pena-base foi estabelecida pela r. sentença em patamar ligeiramente superior ao mínimo legal (acréscimo de 08 meses), em função dos vetores assinalados como desfavoráveis ao réu – culpabilidade e consequências do delito.

A Defesa de JOÃO DOMENICH pugna pela redução ao mínimo cominado, ao passo que o Parquet federal requer a majoração, considerando também as circunstâncias do crime como especialmente negativas.

Em que pesem as irresignações, deve ser mantida a valoração procedida pelo r. juízo a quo, porquanto o juízo de censura pelo desvalor do modus operandi, como requer o órgão ministerial, já se encontra abarcado pelo vetor culpabilidade, bem como as consequências do delito são de fato notadamente nefastas, por prejudicar o pleito trabalhista dos reclamantes.

Desta forma, representando um acréscimo de 1/3 (um terço), a fixação da reprimenda em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, encontra-se bem dimensionada, não merecendo reparo.

Segunda fase da dosimetria penal

O r. juízo a quo, considerou presente a agravante disposta no art. 62, inc. I, por JOÃO DOMENICH ter desempenhado a conduta típica valendo-se de atos materiais praticados por sua esposa ANA DOMENICH, notadamente o pagamento da propina.

A aplicação da figura agravante em questão, no entanto, presume a existência de concurso de pessoas, destacando o relacionamento espúrio entre comparsas unidos no desígnio delitivo e o papel proeminente exercido por aquele agente que se destaca na liderança das ações delituosas.

O caso em questão, como visto, passa ao largo de evidenciar com clareza que ANA DOMENICH teria aderido ao propósito corruptor de JOÃO DOMENICH, responsável única e inteiramente pela corrupção ativa sob exame.

Consequentemente, deve ser afastada a exasperação da pena motivada pela agravante em questão.

Já a aplicação da agravante do art. 61, II, ‘g’, do Código Penal, atinente à violação de dever inerente à função de médico assistente técnico, pleiteada pelo órgão acusatório, fica prejudicada diante da causa de aumento de pena mantida neste ato e reconhecida anteriormente na r. sentença.

De outro lado, presente as atenuantes do artigo 65, inciso I (réu nascido em 23/12/1947) e da confissão ante o reconhecimento em juízo do pagamento em favor do perito judicial (art. 65, inc. III, ‘d’, do CP), deve haver a diminuição em 1/3 (um terço) sobre a pena intermediária, ficando, no entanto, reduzida para o mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, dada a incidência da Súmula nº 231 do STJ.

Destarte, a pena intermediária deve ser reduzida para 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Terceira fase da dosimetria penal

Na terceira fase da dosimetria penal, incide unicamente a causa de aumento constante do parágrafo único do art. 333 do Código Penal, consoante bem estabelecido pela r. sentença, uma vez que a corrupção ativa violou preceitos básicos da conduta profissional esperada, notadamente a lealdade e a moralidade ínsitas ao atuar dos atores processuais.

Salienta-se, nesse sentido, que a sistemática de tramitar o laudo pericial internamente entre corrupto e corruptor para somente oferecê-lo à Justiça posteriormente à ciência e concordância do assistente técnico da reclamada, viola frontalmente não apenas o padrão de lisura que é elementar ao tipo penal, mas descredibiliza por completo a regularidade e a formalidade próprias do devido processo legal, tornando o ato pericial totalmente imprestável e viciado.

Correta, portanto, a exasperação de 1/3 (um terço), a pena em concreto de JOÃO DOMENICH acaba correspondendo a 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

Concurso formal

Praticados os crimes de corrupção ativa através de uma conduta comum (fato 3.1. da denúncia), é devido o apenamento de JOÃO DOMENICH na forma do art. 70 do Código Penal, de sorte a exasperar a pena em concreto em 1/6 (um sexto) e a resultar na pena unificada de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Conquanto JOÃO DOMINICH alegue que as condutas praticadas consubstanciariam continuidade delitiva, nota-se que há dois delitos paralelamente executados mediante uma ação comum, desde a comunicação com o agente corrompido até o pagamento da propina, o que condiz com a aplicação do concurso formal de crimes, devendo ser desacolhido o referido pleito.

Regime prisional inicial

Deve ser mantido o regime prisional inicial ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal.

Valor unitário do dia-multa

Deve ser mantido o valor atribuído a cada dia-multa de 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, à míngua de impugnação e diante da situação financeira do acusado - “própria de médico com muitos anos de profissão”, bem destacada na r. sentença.

Substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos

Presentes os requisitos legais, deve ser concedida a JOÃO DOMENICH a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos (reduzida proporcionalmente à reprimenda ora revista), em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução Penal.

 

DOSIMETRIA PENAL DE REINALDO FARINA

As penas de REINALDO FARINA foram assim estabelecidas pela r. sentença (ID 275339796 - Pág. 21):

No tocante às circunstâncias judiciais, à míngua de elementos quanto à conduta social do acusado, deixo de valorá-las. Nada a falar sobre sua personalidade. Os motivos que levaram o réu a praticar o crime estão situados dentro do tipo, não ensejando valoração negativa. Não ostenta antecedentes criminais de registro. Nada a comentar sobre comportamento da vítima, que não influiu para a prática dos delitos.

Quanto à culpabilidade do agente, considerando esta como juízo de censura do ato praticado, assim como no tocante às consequências do delito, estas são valoradas negativamente, haja vista a mácula causada aos julgamentos pela Justiça do Trabalho, por meio de ato praticado por um médico, bem como os prejuízos causados aos reclamantes que buscaram o Poder Judiciário como última forma de ver um direito concretizado de forma justa. Pelo exposto fixo a pena-base acima do mínimo legal, nos termos do artigo 333 do Código Penal, ou seja, em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias multa.

Não há agravantes.

Presente a atenuante do artigo 65, incisos I, do Código Penal, que, aplicada, reduz a pena para 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e 11 dias multa.

Como exposto alhures, presente causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do artigo 333, o que torna definitiva a pena em 2 anos 11 meses e 16 dias de reclusão e 15 dias-multa.

Ante o que dispõe o artigo 33, §2º, “c” do Código Penal, o regime de início de cumprimento da pena deve ser o aberto.

Quanto ao valor do dia multa, embora não haja nos autos informações quanto à situação financeira, trata-se de médico com muitos anos de profissão, motivo pelo qual fixo-o no valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, corrigidos monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento.

Como bem salientou o órgão ministerial, o patamar máximo de “4 (quatro) anos, com regime inicial aberto, a(s) qual(is) será(ão) substituída(s) imediatamente por 02 (duas) penas restritivas de direitos”, estabelecido no acordo de colaboração relativamente a todas as condenações relativas à operação Hipócritas proferidas em desfavor de REINALDO FARINA, deverá ser observado em sede de execução penal.

Primeira fase da dosimetria penal

A pena-base foi estabelecida pela r. sentença em patamar ligeiramente superior ao mínimo legal (acréscimo de 08 meses), em função dos vetores assinalados como desfavoráveis ao réu – culpabilidade e consequências do delito.

O Parquet federal requer a majoração, considerando também as circunstâncias do crime como especialmente negativas.

Em que pese a irresignação ministerial, deve ser mantida a valoração procedida pelo r. juízo a quo, porquanto o juízo de censura pelo desvalor do modus operandi, como requer o Parquet Federal, se encontra abarcado pelo vetor culpabilidade, bem como as consequências do delito são de fato notadamente nefastas, por prejudicar o pleito trabalhista dos reclamantes.

Desta forma, representando um acréscimo de 1/3 (um terço), a fixação da reprimenda em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, encontra-se bem dimensionada, não merecendo reparo.

Segunda fase da dosimetria penal

Na segunda fase da dosimetria penal, não há agravantes a se considerar, na medida em que a previsão constante do art. 61, II, ‘g’, do Código Penal, atinente à violação de dever inerente à função de médico assistente técnico, pleiteada pelo órgão acusatório, fica prejudicada diante da causa de aumento de pena mantida neste ato e reconhecida anteriormente na r. sentença.

De outro lado, presente as atenuantes do artigo 65, inciso I (réu nascido em 21.10.1942) e da confissão ante o reconhecimento em juízo do pagamento em favor do perito judicial (art. 65, inc. III, ‘d’, do CP), deve ser reconhecida, de ofício, a diminuição em 1/3 (um terço) sobre a pena intermediária, ficando, no entanto, reduzida para o mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, dada a incidência da Súmula nº 231 do STJ.

Destarte, a pena intermediária deve ser reduzida para 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Terceira fase da dosimetria penal

Na terceira fase da dosimetria penal, incide unicamente a causa de aumento constante do parágrafo único do art. 333 do Código Penal, consoante bem estabelecido pela r. sentença, uma vez que a corrupção ativa violou preceitos básicos da conduta profissional esperada, notadamente a lealdade e a moralidade ínsitas ao atuar dos atores processuais.

Salienta-se, nesse sentido, que a sistemática de tramitar o laudo pericial internamente entre corrupto e corruptor para somente oferecê-lo à Justiça posteriormente à ciência e concordância do assistente técnico da reclamada, viola frontalmente não apenas o padrão de lisura que é elementar ao tipo penal, mas descredibiliza por completo a regularidade e a formalidade próprias do devido processo legal, tornando o ato pericial totalmente imprestável e viciado.

Correta a exasperação, portanto, de 1/3 (um terço), a pena em concreto de REINALDO FARINA acaba correspondendo a 02 (dois) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

Regime prisional inicial

Deve ser mantido o regime prisional inicial ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal.

Valor unitário do dia-multa

Deve ser mantido o valor atribuído a cada dia-multa de 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, à míngua de impugnação e diante da situação financeira do acusado - “própria de médico com muitos anos de profissão”, bem destacada na r. sentença.

Substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos

Presentes os requisitos legais, deve ser concedida a REINALDO FARINA a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos (reduzida proporcionalmente à reprimenda ora revista), em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução.

Do limite apenatório estabelecido em acordo de colaboração premiada

Conforme aduzido pelo próprio Ministério Público Federal, a pena imposta ao acusado REINALDO FARINA, ora acentuada, condiciona-se ao eventual descumprimento do Termo de Acordo de Colaboração Premiada 003/2016-PRM-CPQ-SP, de 02 de junho de 2016, cuja validade não constitui objeto de apreciação atinente aos limites do presente feito, pelo qual foi estabelecido que (ID 270246241 – Pág. 72):

4.1- Ao COLABORADOR REINALDO FARINA, sucessiva e alternativamente, conforme o resultado do presente acordo:

a-) em caso de condenação na(s) ação(ões) penal(is) contra ele ajuizadas, que o total da(s) pena(s) privativa(s) de liberdade a ser cumprido da soma de todas elas não ultrapasse 04 (quatro) anos, com regime inicial aberto, a(s) qual(s) será(ão) substituída(s) imediatamente por 02 (duas) penas restritivas de direitos a serem estabelecidas ou pelo Juízo competente, sem o prejuízo da multa penal, se da colaboração forem alcançados, cumulativamente, os seguintes resultados:

(...)

Ora, diante do quanto expedido no presente, tem-se que REINALDO FARINA confessou as práticas delitivas e que o acordo de colaboração premiada produziu frutos probatórios.

Os termos do acordo, já transcritos acima, não deixam margem a interpretação diversa, estando implementadas as condições dos itens a1), a2) e a3) da cláusula 4.1, letra “a”, do acordo homologado.

Não há prova – sequer alegação - de ocorrência de qualquer das situações previstas na cláusula 13 do acordo, que gerariam a perda de eficácia do quanto acordado.

Deste modo, a execução penal deve pautar-se pelo limite estabelecido em 04 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, substituída por duas penas restritivas de direitos.

 

DA FIXAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR

Apreciando positivamente o pleito ministerial, a r. sentença fixou indenização pelos danos decorrentes das infrações penais em favor da União, nos seguintes termos (ID 275339796 - Pág. 22):

A denúncia ainda pleiteou a fixação de indenização nos valores referentes à reparação de danos morais e materiais causados pelos réus com a prática das infrações penais, argumentando-se que o valor apresentado consiste nos valores das causas nas reclamações trabalhistas e que soma-se, a este montante, os valores dos honorários periciais impostos ao reclamante e/ou pagos pelo Tribunal Regional do Trabalho ao perito judicial denunciado, relativamente as reclamações trabalhistas em relação às quais houve pedido de condenação.

A legitimidade para tal requerimento é prevista no Código de Processo Penal, conforme artigo 387, inciso IV. O valor da causa trabalhista somado ao valor pago em honorários, nos termos requeridos pelo órgão acusatório, mostra-se um critério objetivo para a fixação da indenização, considerando o teor do laudo tendencioso apresentado e a dimensão do fato criminoso.   

Neste ponto, a defesa do corréu RENATO argumenta a inexistência de dano para que seja fixada a reparação do dano, sob o argumento, ainda, de que que há esferas próprias para o pleito de reparação e que não caberia tal fixação em caso de dano coletivo. Pleiteia, subsidiariamente, que o valor seja aquele eventualmente obtido em proveito do réu.

Note-se, primeiramente, que, embora de fato haja esferas próprias para a reparação do dano, a legislação processual penal passou a prever a possibilidade de fixação de valor mínimo, desde o advento da Lei 11.719/2008, não havendo, portanto, a exclusão de uma pela outra, cabendo ao ofendido dar cumprimento ou não da sentença penal condenatória, nos termos da legislação processual civil.  

Ademais, o argumento da acerca da inexistência de vítima que suportou danos também não procede. Tem-se, como ofendido imediato dos delitos de corrupção tanto ativa quanto passiva a União, pessoa jurídica de Direito Público que representa judicialmente o Poder Judiciário Trabalhista, órgão que teve a imparcialidade ferida com a prática julgada nestes autos, e que ainda pode sofrer ações indenizatórias em razão de prejuízos causados, conforme fundamentado na decisão que determinou sequestro de bens (ID Num. 38671346 - Pág. 63).

Dessa forma, cabível a indenização, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal (ID 257282726), no valor de R$ 1.041.361,30, a ser pago por RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES solidariamente com JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA; R$ 811.130,88 a ser pago por JOÃO CARLOS DOMENICH, solidariamente com RENATO ARIMATÉIA; e R$ 230.230,42 a ser pago por REINALDO FARINA solidariamente com RENATO ARIMATÉIA.

Deve-se acrescentar que, no ato de recebimento da denúncia, o r. juízo decretou sequestro de bens para resguardo dos prejuízos sofridos pela Fazenda Pública, a recair sobre os honorários periciais que RENATO ARIMATEIA ainda haveria de receber do TRT 15 (ID 275335048 - Pág. 62).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pleiteia, como visto, que o quantum debeatur seja majorado a ponto de alcançar as cifras correspondentes ao valor das causas trabalhistas afetadas pelos laudos periciais inidôneos.

 

No caso dos autos, todavia, impõe-se caminhar no sentido oposto, tornando-se devido o afastamento da condenação no dever de indenizar os danos causados pela infração, mantidas, entretanto, as constrições de bens efetivadas.

 

Vale notar, nesse sentido, que o pleito de reparação de danos lastreia-se nos danos materiais e morais que o Estado-Juiz teria sofrido com a potencial responsabilização civil perante os demandantes trabalhistas e com a própria imagem do Poder Judiciário.

 

Em que pese a conduta dos acusados tenha provocado manifesto prejuízo aos trabalhadores reclamantes vinculados aos feitos trabalhistas em questão, bem como à própria administração da Justiça trabalhista, torna-se obscura a mensuração do referido quantum, já que as decisões embasadas nos laudos enviesados ficam absolutamente suscetíveis ao juízo rescisório pelo próprio TRT, não sendo possível afirmar que o prejuízo experimentado por cada reclamante corresponderia ao respectivo valor da causa. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal.

 

Para além da nublada visualização dos efetivos prejuízos sofridos pelos reclamantes, não se tem notícia de eventual reconhecimento de débito pela União face aos trabalhadores prejudicados, e tampouco foi debatido o direito à indenização por danos morais relacionados à imagem do Poder Judiciário.

 

No mencionado quadro, seguramente deve ser garantido à União ao menos o direito de reaver o dispêndio com os honorários periciais dos laudos corrompidos, o que, entretanto, permanece ilíquido.

 

Por tais razões, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos no presente caso constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, restando prejudicado o pleito ministerial de indenizar pelo equivalente ao valor das causas trabalhistas.

 

Devem permanecer constritos, entretanto, os honorários periciais objeto de sequestro, eis que, subsistente a condenação por crimes contra a União, destinam-se rigorosamente à reparação de prejuízo causado por crime contra a Fazenda Pública, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240, de 08.05.1941.

 

V – DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, inadmitir a Apelação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH (art. 577, parágrafo único, do CPP), bem como dar parcial provimento às Apelações defensivas de JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, de sorte a:

i) manter a absolvição de ANA REGINA RUSSO DOMENICH por insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP);

ii) condenar RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES à pena em concreto de 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 19 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, unificada em 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime prisional SEMIABERTO, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 317, parágrafo primeiro, por três vezes, na forma dos arts. 69 e 70, todos do Código Penal (sendo duas infrações em concurso formal acrescida de uma infração em concurso formal), mantida a perda da função pública nos termos do art. 92, inc. I, ‘a’ e ‘b’, do Código Penal, vedada a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos;

iii) condenar JOÃO CARLOS DOMENICH MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, unificada em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, por duas vezes (concurso formal), na forma do art. 70, ambos do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução;

iv) condenar REINALDO FARINA MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, conforme o limite apenatório estabelecido no acordo de colaboração premiada; e

v) afastar a fixação do dever de indenizar a União Federal, julgando prejudicado o pleito ministerial nesse sentido, na forma acima estabelecida, mantido o sequestro sobre honorários periciais, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, todos do Decreto-lei nº 3.240/1941.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0013003-59.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: ANA REGINA RUSSO DOMENICH, JOAO CARLOS DOMENICH, RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A
Advogados do(a) APELANTE: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A

APELADO: RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHAES, REINALDO FARINA, JOAO CARLOS DOMENICH, ANA REGINA RUSSO DOMENICH, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: BRUNO BARRIONUEVO FABRETTI - SP316079-A, FRANCISCO TOLENTINO NETO - SP55914-A, HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI - SP253891-A
Advogado do(a) APELADO: SAMUEL ROBERTO DE ALMEIDA PACHECO - SP161341-A
Advogado do(a) APELADO: MARCELO VALDIR MONTEIRO - SP159083-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

VOTO -  VISTA

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Conforme minucioso relatório (ID 295517781), elaborado pelo e. Des. Fed. Fausto de Sanctis, e ratificado pela e. Juíza Federal convocada Monica Bonavina, trata-se de Apelações Criminais, originadas de ação penal intentada em face de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (nascido em 20.06.1974), pela prática do crime disposto no art. 317, §1º, por 05 (cinco) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal; REINALDO FARINA (nascido em 21.10.1942), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal; LAIRSON AMARAL MENDONÇA (nascido em 24.03.1955), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, c/c o art. 29, ambos do Código Penal; JOÃO CARLOS DOMENICH (nascido em 23.12.1947), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal; ANA REGINA RUSSO DOMENICH (nascida em 27.10.1952), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, c/c o art. 29, na forma do art. 69, todos do Código Penal; MIGUEL HUEB NETTO (nascido em 21.12.1952), pela prática do crime disposto no art. 333, parágrafo único, por 02 (duas) vezes, na forma do art. 69, ambos do Código Penal.

A denúncia (ID275335048 - pág. 03/57), recebida em 29/10/2018 (idem, pág. 58/66), narra:

1- CONTEXTO DOS FATOS E DIMENSÃO DAS ATIVIDADES CRIMINOSAS

Diligências investigatórias iniciadas no procedimento investigatório criminal (PIC) nº 1.34.025.000158/2013-91 demonstraram a existência de fortes indícios de que a venda de laudos periciais acerca de moléstias ocupacionais e/ou de acidentes de trabalho em reclamações trabalhistas poderia ser uma prática disseminada entre alguns médicos peritos, dentre os quais WILSON CARLOS SILVA VIEIRA.

Neste cenário, mediante prévia autorização desse d. Juízo (fls. 269-270v), obteve-se o conteúdo da caixa de e-mails wilsonperito@gmail.com de WILSON CARLOS, cuja análise reforçou a suspeita inicial da existência de um esquema de pagamento de vantagens indevidas em perícias na Justiça do Trabalho, com a participação de assistentes técnicos, peritos judiciais e advogados. Mais do que isto, as evidências coletadas e analisadas demonstraram que esta prática não se limitava ao perito judicial WILSON CARLOS, se estendendo a diversos outros profissionais.

Por tais razões, foi requerida pelo Parquet federal e deferida por esse d. Juízo a extensão da quebra do sigilo de dados telemáticas às contas de e-mails de outros investigados, notadamente do assistente técnico REINALDO FARINA (rs_farina@hotmail.com), o que propiciou que as investigações avançassem significativamente e trouxesse à tona provas consistentes de diversos atos ilícitos.

Confirmou-se o funcionamento de uma ampla rede criminosa, com abrangência em municípios de diversos estados da federação, em que assistentes técnicos, "autorizados" e financiados pela parte (geralmente empresas reclamadas) que assistem nos processos trabalhistas e por vezes contando com a intermediação de advogados, ajustam o pagamento de vantagens indevidas a peritos judiciais para emissão de laudo pericial favorável à parte interessada. Em grande parte dos casos há evidências de que os peritos judiciais solicitaram, aceitaram e/ou receberam os valores oferecidos e, por conta disto, beneficiaram a parte que lhes pagou.

(...)

Nesse contexto, o médico perito que pratica este tipo de delito invoca a sua independência técnica para justificar eventuais contradições entre o seu laudo e pareceres médicos produzidos por outros profissionais em sentido contrário, a fim de evitar a sua responsabilização penal.

Não obstante, quando existem provas de que houve o oferecimento, a solicitação, o pagamento e/ou o recebimento de vantagem indevida ao perito judicial não há necessidade de comprovação de que o laudo pericial é falso para a caracterização de infração penal. Às vezes pode até não ser falso, como ocorreu em muitos casos desta investigação". No entanto, tais condutas podem constituir, por si sós e dependendo das circunstâncias do caso concreto, os delitos de corrupção passiva e ativa, tipificados respectivamente nos artigos 317 e 333 do Código Penal.

Apurou-se, ademais, que era frequente o compartilhamento "extra-autos" de cópias de laudos periciais e de pareceres técnicos, integralmente ou pelo menos das conclusões destes documentos antes do protocolo na Justiça, entre perito judicial e assistente técnico, prática esta que, quando realizada de forma oficiosa e não autorizada expressamente pelo Juízo competente, é repudiada pelo Conselho Federal de Medicina (Despacho SEJUR nº 243/2015) e pelo Judiciário trabalhista por violar a imparcialidade e o devido processo legal. Ainda que se admita a validade e a regularidade deste compartilhamento prévio e informal de laudos e pareceres, há diversos casos em que se demonstrou que esta prática propiciava:

a-) para o assistente técnico - e, por conseguinte, para a parte que ele assiste -, o prévio conhecimento do conteúdo do laudo, o que pode consistir: em instrumento utilizado pelo perito para que a parte pretenda a modificação do laudo que lhe foi desfavorável, ainda que por meio de retribuição pecuniária (propina); a "prestação de contas" por um laudo cuja conclusão havia sido previamente acordada; fornecimento das diretrizes a serem seguidas pelo assistente técnico para que o seu parecer esteja em consonância com o laudo pericial;

b·) para o perito judicial, o prévio conhecimento do conteúdo do parecer técnico da parte, o que pode consistir na apresentação das diretrizes a serem seguidas por aquele para que o seu laudo pericial esteja em consonância com o parecer técnico.

2- DO "MODUS OPERANDI”

Apurou-se um amplo esquema de corrupção de peritos judiciais da Justiça do Trabalho, notadamente em perícias de processos em trâmite nas Varas dos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª Região (sediada em Campinas/SP, com jurisdição sobre todo interior do estado) e da 2ª Região (com sede em São Paulo/SP, com competência na região metropolitana da capital e no litoral).

Esta rede de corrupção envolve, além dos próprios peritos judiciais, assistentes técnicos das partes, advogados e representantes de empresas (reclamadas).

Em síntese, o papel-chave no esquema é exercido pelo assistente técnico da parte. Este profissional é o elo de ligação entre a parte interessada em ser favorecida no laudo pericial (geralmente uma empresa reclamada) e o perito judicial que aceita receber vantagem indevida com esta finalidade.

O assistente técnico geralmente conta com a confiança da parte que o contratou e, valendo-se desta relação, oferece o suborno ao perito e intermedeia o respectivo pagamento, quando aceito.

Por vezes as tratativas do assistente técnico com a empresa acerca da propina ao perito eram realizadas por intermédio do advogado da parte interessada (no caso desta denúncia, o acusado MATHEUS DE TOLEDO), sendo que este levava aos representantes da reclamada" a possibilidade de pagamento ao perito. Em alguns casos analisados nesta investigação apurou-se que alguns advogados eram conhecedores do esquema de corrupção e dos assistentes técnicos e peritos que eram a ele adeptos, valendo-se do pagamento de valores aos peritos com naturalidade.

O assistente técnico também é o responsável por fazer a aproximação na outra ponta do esquema, junto ao perito judicial. Beneficiando-se do corporativismo e da proximidade decorrente do trabalho, o assistente técnico geralmente é o responsável por fazer a combinação, o oferecimento e/ou a entrega de vantagem indevida ao perito judicial ou receber e repassar solicitação desta natureza que parte do perito, bem como por ajustar com este o resultado do laudo. A investigação revelou que REINALDO FARINA conhecia diversos peritos adeptos ao esquema de corrupção (dentre eles, WILSON CARLOS SILVA VIEIRA) e muitas vezes fez, em nome destes, a solicitação de propina à empresa que aquele assistia no processo. Nos casos em que a empresa aceitou o pagamento o laudo pericial lhe foi favorável. Em outros, a empresa que recusou a proposta teve laudo pericial prejudicial.

(...)

 

A sentença (ID 275339796) foi publicada 03/04/2023, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva para:

- condenar RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES pela prática do delito previsto no artigo 317, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do artigo 317, parágrafo único (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas totais de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 37 (trinta e sete) dias-multa, em regime inicial SEMIABERTO, além da perda do cargo de perito, e absolvê-lo das demais imputações a ele atribuídas na denúncia (tópico 3.3 da denúncia).

- condenar JOÃO CARLOS DOMENICH pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), às penas de 03 (três) anos, 05 (cinco) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, em regime inicial ABERTO, substituindo-se a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em pagamento de prestação pecuniária de 25 (vinte e cinco) salários mínimos à União e prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas.

- absolver ANA REGINA RUSSO DOMENICH das imputações a ela atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- condenar REINALDO FARINA pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma vez (tópico 3.2.1 da denúncia), às penas de 2 anos 11 meses e 16 dias de reclusão e 15 dias-multa, em regime inicial ABERTO. A pena corporal resta substituída por duas penas restritivas de direito a serem especificadas pelo juízo competente, nos termos do acordo de colaboração premiada concernente à Operação Hipócritas, para todos os feitos dela decorrentes.

- absolver MIGUEL HUEB NETTO das imputações a ele atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

- fixar, como valor mínimo a título de responsabilidade civil, o valor de R$ 1.041.361,30, a ser pago por RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES solidariamente com JOÃO CARLOS DOMENICH e REINALDO FARINA; R$ 811.130,88 a ser pago por JOÃO CARLOS DOMENICH, solidariamente com RENATO ARIMATÉIA; e R$ 230.230,42 a ser pago por REINALDO FARINA solidariamente com RENATO ARIMATÉIA.

Foi interposta apelação pelo Ministério Público Federal requerendo, em síntese, a condenação de ANA REGINA e a majoração das penas-base impostas a RENATO, JOÃO CARLOS e REINALDO, bem como apelação pelas defesas de RENATO, suscitando diversas preliminares e, no mérito, pugnando pela absolvição ou subsidiariamente a redução da pena ao mínimo legal e afastamento da causa de aumento; apelação de ANA REGINA pugnando pela alteração do fundamento de sua absolvição e, ainda, apelação de JOÃO, suscitando preliminares e, no mérito, pugnando pela absolvição ou desclassificação do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o de corrupção ativa de perito (art. 343 do CP) e reconhecimento da continuidade delitiva.

Em sessão realizada no dia 26/09/2024, a e. Juíza Federal convocada votou por:

negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, inadmitir a Apelação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH (art. 577, parágrafo único, do CPP), bem como dar parcial provimento às Apelações defensivas de JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, de sorte a:

i) manter a absolvição de ANA REGINA RUSSO DOMENICH por insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP);

ii) condenar RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES à pena em concreto de 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 19 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, unificada em 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime prisional SEMIABERTO, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 317, parágrafo primeiro, por três vezes, na forma dos arts. 69 e 70, todos do Código Penal (sendo duas infrações em concurso formal acrescida de uma infração em concurso formal), mantida a perda da função pública nos termos do art. 92, inc. I, ‘a’ e ‘b’, do Código Penal, vedada a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos;

iii) condenar JOÃO CARLOS DOMENICH MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, unificada em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, por duas vezes (concurso formal), na forma do art. 70, ambos do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução;

iv) condenar REINALDO FARINA MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, conforme o limite apenatório estabelecido no acordo de colaboração premiada; e

v) afastar a fixação do dever de indenizar a União Federal, julgando prejudicado o pleito ministerial nesse sentido, na forma acima estabelecida, mantido o sequestro sobre honorários periciais, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, todos do Decreto-lei nº 3.240/1941.”

Pedi vista dos autos para melhor apreciar a classificação jurídica dada aos fatos.

Inicialmente, consigno acompanhar as conclusões da e. Relatora ao analisar e rejeitar as preliminares suscitadas pelos apelantes e ao afastar o dever de fixar valor mínimo a título de indenização no âmbito desta ação.

O Ministério Público Federal optou por denunciar os réus pela prática dos delitos de corrupção ativa e passiva, afirmando na peça acusatória que “quando existem provas de que houve o oferecimento, a solicitação, o pagamento e/ou o recebimento de vantagem indevida ao perito judicial não há necessidade de comprovação de que o laudo pericial é falso para a caracterização de infração penal. Às vezes pode até não ser falso, como ocorreu em muitos casos desta investigação. No entanto, tais condutas podem constituir, por si sós e dependendo das circunstâncias do caso concreto, os delitos de corrupção passiva e ativa, tipificados respectivamente nos artigos 317 e 333 do Código Penal”.

Em outros trechos da denúncia consignou que:

Confirmou-se o funcionamento de uma ampla rede criminosa, com abrangência em municípios de diversos estados da federação, em que assistentes técnicos, "autorizados" e financiados pela parte (geralmente empresas reclamadas) que assistem nos processos trabalhistas e por vezes contando com a intermediação de advogados, ajustam o pagamento de vantagens indevidas a peritos judiciais para emissão de laudo pericial favorável à parte interessada. Em grande parte dos casos há evidências de que os peritos judiciais solicitaram, aceitaram e/ou receberam os valores oferecidos e, por conta disto, beneficiaram a parte que lhes pagou.

(...)

As perícias falsas e/ou tendenciosas em favor das reclamadas buscavam descaractenzar o nexo etiológico (causal) entre a moléstia e as atividades laborais exercidas, a negação da própria doença ocupacional do trabalhador e/ou a afirmação de ausência de incapacidade laborativa. O perito traia a confiança do juízo para tentar induzi-lo em erro e obter uma sentença favorável à empresa reclamada. O magistrado trabalhista, que em regra não tinha conhecimentos técnicos (médicos) suficientes para desconsiderar o laudo pericial, acabava por acolher as conclusões do expert nomeado pelo juízo. A empresa reclamada, mediante pagamento de determinada quantia ao perito, muitas vezes intermediada pelo assistente técnico, livrava-se de arcar com indenizações vultosas ao trabalhador. Este último é, sem dúvida, o mais fraco da relação e o principal prejudicado.” (grifei)

 

Ainda que a princípio, uma leitura superficial da denúncia nos leve a concluir pela inocuidade das figuras descritas nos artigos 342 e 343 do Código Penal, entendo que os fatos imputados se adequam as referidas figuras típicas. Vejamos:

Analisando os crimes de corrupção passiva e ativa, cujo bem jurídico tutelado é a administração pública, temos que se um funcionário público solicitar, para si, vantagem indevida, em razão de seu cargo, configura-se, com perfeição, o tipo penal do artigo 317, caput, do CP, mesmo que o corruptor busque apenas tornar o funcionário flexível e receptivo a futuros pedidos e, ainda, sendo de fato desnecessário que o corruptor entregue a vantagem ao funcionário para a prática ou omissão de ato de ofício, haja vista que para o legislador qualquer percepção de vantagem inadequada pelo funcionário configura lesão à moralidade administrativa. Quando se analisa a figura típica do artigo 333, do CP – corrupção ativa, se exige que o agente corruptor busque algo certo, ou seja a oferta ou promessa de vantagem deve visar ato de ofício.

Já, os delitos previstos nos artigos 342 e 343 do CP, crime de falso testemunho ou falsa perícia – mesmo após mais de 80 anos de vigência - apresentam inúmeras controvérsias, a princípio pelas dificuldades em se fixar o que seria a “verdade”, um dos elementos que compõem os tipos, quer sobre a perspectiva subjetiva ou objetiva, ambas questionáveis.

Duvidas não restam de que os referidos delitos – 342 e 343 do CP -  possuem como bem jurídico a administração da Justiça, já que comprometem a exatidão material das decisões judiciais, ou seja, no dizer de Cuello Calón, atenta-se “contra o normal funcionamento da prestação judicial e contra o respeito devido às decisões dos tribunais de justiça” (frase citada em: PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 7. p. 413), haja vista que constituindo a perícia meio de prova, se falseado põe em perigo a função estatal, já que o laudo oferecido pelo expert, na prática, termina por, na maioria dos casos, escorar quase que exclusivamente as decisões judiciais, apesar do sistema da livre apreciação racional das provas.

Feitas as distinções, o que de comum os quatro delitos (317, 333, 342 e 343) apresentam é a exigência de elemento subjetivo específico, qual seja o dolo.

No caso do artigo 342, CP, tal elemento “consistente na vontade de prejudicar a correta distribuição da justiça” e no artigo 343, do mesmo código, “na vontade de conspurcar a administração da justiça”. (extraído de Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, 17ª ed.)

Dito isso, tenho para mim que a análise dos fatos apurados no curso da denominada operação Hipócritas demonstram que os envolvidos não simplesmente apresentaram em seus laudos pericias argumentos jurídicos passíveis de entendimento distintos, o que se observou, em diversos casos, é que houve de fato vontade livre e consciente de falsear a verdade com o fim de fornecer prova destinada a produzir efeito em ações trabalhistas favoráveis as partes reclamadas, sendo oportuno ressaltar que se tratando de crimes formais prescindem de efetivo dano a administração da Justiça, bastando a prova de sua potencialidade lesiva.

Atento a todas essas considerações, tenho me pronunciado nos feitos distribuídos a minha relatoria oriundos da mesma Operação Hipócritas afirmando que  laudos periciais, geralmente circundados e apoiados em normas técnicas especialíssimas, dificilmente deixam transparecer qualquer indício perceptível de falsidade, não obstante,  a  análise de diversas mensagens trocadas no curso da elaboração de diversos laudos  demonstra que para além de um mero debate técnico prévio a elaboração do laudo pericial (que a toda evidência já seria inapropriado) de fato os réus realizaram um negócio espúrio visando acomodar as conclusões dos laudos aos interesses das empresas reclamadas, ou seja falseando a verdade, com o fim específico de prejudicar a correta distribuição da justiça e maculando a imagem da administração da justiça,  mediante a oferta de propina.

Saliento, ainda, que entendimento diverso levaria a conclusão de que, não obstante se tenham presentes os sujeitos específicos - peritos – e o elemento do dolo de falsear a verdade em processo judicial, mediante suborno, se possa optar por imputar prática delitiva genérica e mais gravosa, ou ainda, a prática de corrupção ativa com o propósito de remunerar o perito pelo encargo para o qual fora designado, sem qualquer intensão espúria.

Feitas essas considerações, reconhecendo a presença de aparente conflito de normas, passo a análise das imputações objeto dos presentes autos.

Conforme constou do voto apresentado pela e. Juíza Federal convocada remanesce apreciar:

- Ilícitos referentes aos autos nº 0030500-28.2009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.16.0087 (1ª Vara do Trabalho de Paulínia/SP), imputados a JOÃO CARLOS DOMENICH, assistido por ANA REGINA RUSSO DOMENICH (art. 333 do CP) e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (art. 317 do CP) (tópico 3.1 da denúncia)

- Ilícitos referentes aos autos nº 0000362-06.2012.5.15.0077 (Vara do Trabalho de Indaiatuba/SP), imputados a REINALDO FARINA (art. 333 do CP) e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES (art. 317 do CP) (tópico 3.2.1 da denúncia)

Nas reclamações trabalhistas nº 0030500-28.2009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.15.0087 ajuizadas, respectivamente, pelos reclamantes Silvando Alves de Araújo e Jaime Moreira de Souza, a reclamada Companhia Ultragaz S.A., indicou JOÃO CARLOS DOMENICH como assistente técnico, e RENATO ARIMATEIA foi nomeado perito do juízo.

Segundo a denúncia JOÃO CARLOS, com o auxílio material de ANA DOMENICH (esposa de JOÃO) ajustou com RENATO o pagamento, de valores “extraoficiais” para assegurar a emissão de laudo pericial favorável à empresa reclamada.

Restou apurado que ANA a pedido de JOÃO CARLOS, em 30/07/2010, enviou ao perito RENATO mensagens encaminhando documentos relativos ao reclamante Jaime e informando que JOÃO estava no aguardo de outros laudos para dar andamento aos processos.

Em 10/04/2011 RENATO solicita que JOÃO entre em contato via telefone, na semana seguinte RENATO antecipou para JOÃO a conclusão do laudo pericial de Silvando a ser protocolizado nos autos, conclusão que se apresentava favorável à empresa já que deixava de reconhecer a presença de nexo causal entre a moléstia apresentada pelo reclamante, findando por concluir que a reclamante não apresentava incapacidade laborativa.

Na mesma data JOÃO responde concordando com a conclusão do laudo e, se utilizando de linguagem cifrada, combina o pagamento da vantagem indevida informando que enviaria “os 2.5 documentos aprox. daqui 30 dias” . Em resposta, RENATO informa que “o preço de mercado” teria subido para “3 documentos”.

Os laudos periciais, com conclusões favoráveis a empresa reclamada, foram protocolados na justiça trabalhista em 28/04/2011 e 30/05/2011, sendo igualmente apurado e documentado que JOÃO, em 31/05/2011, realizou dois depósitos de R$3.000,00 cada. Na mesma data ANA comunicou RENATO a efetivação dos depósitos, na oportunidade valendo-se novamente de linguagem cifrada: “Bom dia, Dr. Renato, seguiram 3 documentos e depois mais 3. Att.” (id 275339803 – PÁG. 12/15)

Nesse ponto, cumpre esclarecer que das inúmeras mensagens travadas entre estes e outros réus e investigados na Operação Hipócritas, os mesmos de maneira cifrada tratavam o pagamento da propina ora como documentos (doc’s), ou fazendo referência a siglas de formulários específicos, como por exemplo:    PPRA; PPP; LTCAT.

Enfim, a análise das mensagens trocadas entre o réu JOÃO e RENATO, aliada aos documentos colhidos no curso da instrução probatória, dentre eles os depósitos bancários, externam o modus operandi, no qual os réus se utilizando de linguagem cifrada combinavam o pagamento da vantagem indevida em função do resultado a ser apresentado pelo perito judicial RENATO, em atenção ao resultado esperado pelo assistente técnico da reclamada.

Corroborando as conclusões apresentadas destaco trechos do interrogatório dos réus, extraídos da r.  sentença:

“JOÃO DOMENICH, em seu interrogatório judicial, confessou a prática delitiva. O réu assumiu que as expressões “2.5 documento” e “3.0 documento” referem-se a pagamentos de valores de 2.500 e 3.000 reais, respectivamente, que foram solicitados pelo perito RENATO ARIMATÉIA em uma ligação. Embora tenha confessado o efetivo pagamento, afirmou o corréu que aceitou realizá-lo por acreditar que o perito necessitava de uma ajuda, bem como confirmou que o pagamento fora realizado “extra-autos”, sem qualquer conhecimento do Juízo Trabalhista. Afirmou, ainda, que realizou o pagamento do próprio bolso e nem chegou a comunicar o Grupo Ultra, do qual era assistente, acerca desta prática.   

Já o corréu RENATO ARIMATÉIA não conseguiu comprovar que os recebimentos se referiam a eventuais auxílios a projetos sociais como pretendeu. Suas alegações sobre os fatos se basearam na possibilidade de perito e assistente tratarem das perícias, sob o argumento, inclusive, de que a prática seria permitida e estimulada por Juízes Trabalhistas, sem qualquer comprovação do alegado quanto aos recebimentos dos valores.”

Por fim, quanto as imputações feitas a ré ANA o que se apurou foi que a mesma atuava mandando mensagens em nome do marido e efetuando serviços bancários sem qualquer comprovação de que detinha autonomia no esquema de corrupção.

Nesse sentido, transcrevo trecho da sentença que bem apreciou a questão:

“No que se refere a ANA REGINA DOMENICH, não obstante a materialidade estar comprovada, por meio das assinaturas de e-mails, não é possível afirmar que o dolo para prática do delito esteja presente. As filhas da depoente, ouvidas na qualidade de informantes, bem como o próprio interrogatório da acusada deixam claro que a acusada atuava apenas como auxiliar do esposo, sem qualquer poder de decisão sobre e-mails enviados ou pagamentos realizados. Nem ao menos a título de dolo eventual poderia se falar em comprovação de autoria, uma vez que a relação de extrema confiança e simplicidade dos atos praticados não permitem que a visualização da prática delitiva seja cristalina pela agente que a permita assumir o resultado, afastando-se, assim, o dolo eventual também. Em outras palavras, as condutas materialmente praticadas pela corré, vale dizer, os valores por ela depositados, em duas ocasiões, não são suficientes para afirmar que ela tinha total consciência de que as ordens emanadas pelo seu esposo, o corréu JOÃO DOMENICH, caracterizavam crime, ou mesmo que ela possuía condições e saber.”

Nesse tópico acompanho o valor da e. Juíza Federal convocada, mantendo a absolvição da ré ANA.

Na reclamação trabalhista nº 0000362-06.2012.5.15.0077 ajuizada pela reclamante Maurilia Silva de Oliveira contra a reclamada INNARA INDÚSTRIA NACIONAL DE ARANIADO LTDA.

Consta que inicialmente o juízo trabalhista nomeou Claudio Sangalli como perito judicial, que em 22/11/2012 apresentou laudo pericial médico com conclusão desfavorável à reclamada por reconhecer o nexo de causalidade entre as moléstias alegadas e o trabalho exercido pela reclamante na empresa.

Diante das impugnações da empresa o magistrado trabalhista determinou o refazimento da perícia e nomeou o perito RENATO ARIMATEIA.

A empresa reclamada indicou REINALDO FARINA como assistente técnico.

A materialidade, autoria e o dolo das imputações em questão foram devidamente comprovados e minuciosamente apreciados no voto da e. Juíza Federal convocada nos termos da fundamentação que acompanho e transcrevo:

 

“A prova dos autos evidenciou que, na qualidade de assistente técnico, REINALDO FARINA (juntamente com Lairson Amaral Mendonça, representante da reclamada), dolosamente ofereceu e pagou propina a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, a fim de que este, na condição de perito judicial nomeado na reclamação trabalhista em epígrafe, elaborasse laudo pericial favorável às empresas reclamadas, como de fato materializou-se, entre os meses de março e abril de 2015.

A prática dolosa das infrações penais em questão (tópico 3.2.1 da denúncia) comprovou-se notadamente pelos seguintes elementos materiais (bem colacionados no ID 275339760 - Pág. 44):

- Já  citados depoimentos prestados e documentos apresentados (fls. 159-170-PIC) por REINALDO FARINA em colaboração premiada firmada com o MPF, bem como o seu interrogatório judicial (ID 252258190);

- Relatório de Análise de Telefone MPF nº 01/2017-RACM (fls. 118-151-PIC), bem como Relatórios de Análise MPF nº 04/2015-R e 05/2015-RF - DVD de fl. 60)

E-mails obtidos na conta de RENATO ARIMATEIA mediante acesso aos dados telemáticos no bojo da Operação Hipócritas (fls. 03-39 e DVD de fl. 199-PIC);

- Pelos documentos e e-mails armazenados em mídia de RENATO ARIMATEIA (fls. 41-52 e DVD de fl. 199-PIC);

- Extratos e cópia dos atos processuais praticados nas reclamações trabalhistas em análise (fls. 78-119 e 123-179v);

- extrato bancário de RENATO ARIMATEIA (trechos às fls. 269-270-PIC, íntegra no DVD de fl. 199-PIC) e dados fornecidos pelo banco Santander (fl. 285-PIC);

- extratos telefônicos de REINALDO FARINA relativos aos contatos telefônicos mantidos com LAIRSON MENDONÇA e RENATO ARIMATEIA na época dos fatos (fls. 216-234-PIC e DVD de fl. 199-PIC);

Destacam-se, a propósito, o depoimento do réu colaborador REINALDO FARINA, aliado à prova material apresentada na colaboração premiada que são corroborados pelo Relatório de Análise 03/2015 do MPF e Relatório MPF nº 01/2017, notadamente considerando o extrato bancário retratando o depósito de R$ 3.000,00 na data avençada, bem como extratos telefônicos denotando relacionamento voltado à confecção tendenciosa do laudo (ID 275339798 - Pág. 18). Mais uma vez, o interrogatório de RENATO ARIMATEIA resta isolado do conjunto probatório.

A comunicação mantida por meio eletrônico entre REINALDO FARINA e RENATO ARIMATEIA demonstra que entre março e abril de 2015, estes acusados trataram da realização do laudo pericial, cabendo notar o envio de cópia do laudo pericial em 10.04.2015 de RENATO parra REINALDO, com conclusão favorável à reclamada. O laudo foi compartilhado com LAIRSON (representante da reclamada) com pedido de sigilo, pois não poderia ser divulgado ou comentado até o despacho do juiz para que a empresa se manifestasse sobre o mesmo, oportunidade na qual REINALDO FARINA ainda salientou que acertaria o valor combinado em espécie com RENATO na quarta-feira seguinte. Dados de georreferenciamento denotam que os acusados estiveram no mesmo local por volta das 17h do dia 26.04.2015, bem como extrato bancário de RENATO ARIMATEIA acusou depósito de R$ 3.000,00 em sua conta bancária no dia subsequente. O laudo pericial foi protocolizado na Justiça em 22.08.2015, contrariando laudo anterior e afastando o nexo causal discutido, favoravelmente à empresa reclamada (ID 275339760 - Pág. 49/57).

Conforme já mencionado, o interrogatório judicial de REINALDO FARINA corrobora as evidências amealhadas contra si e RENATO ARIMATEIA (ID 275339760 - Pág. 58):

Ao ser interrogado em juízo, REINALDO FARINA, após prestar o compromisso de dizer a verdade nos termos do artigo 4º, §14 da Lei 12.850/13, novamente confirmou a ocorrência dos crimes de corrupção. Às perguntas da exma. Juíza federal declarou, em suma, que em outubro de 2012 o advogado da empresa pediu ao interrogado para impugnar o laudo elaborado por outro perito, Claudio Sangalli. O interrogado não participou desta primeira perícia. Com base nos subsídios para impugnação fornecidos pelo interrogado, a Juíza do Trabalho destituiu o perito Claudio Sangalli e nomeou, em seu lugar, RENATO ARIMATEIA. Por se tratar de uma doença complexa cujo laudo seria trabalhoso, RENATO ARIMATEIA solicitou para o interrogado para ajudá-lo pagando-lhe “honorários”. O interrogado levou a solicitação para o LAIRSON, da empresa, que aceitou. Posteriormente, o interrogado foi até LAIRSON pegar o dinheiro e depois entregou-o a RENATO ARIMATEIA, salvo engano R$ 3.000,00. Em nenhum momento foi pedido para RENATO ARIMATEIA “deturpar” o laudo. Às perguntas do MPF, REINALDO FARINA disse que ratificava integralmente os seus depoimentos e documentos apresentados no acordo de colaboração premiada referente a este caso. Esse pagamento de R$ 3.000,00 foi “extra-autos”, isto é, não foi informado nos autos e o juiz trabalhista não teve dele conhecimento. O pagamento era para dar uma “ajuda” para RENATO ARIMATEIA, uma vez que se tratava de uma perícia complexa e trabalhosa. O dinheiro foi entregue para RENATO ARIMATEIA no centro de Campinas, perto da clínica dele, na Confeitaria Zuleika. Em alguns casos, o interrogado emitiu notas fiscais da RS FARINA destinados a receber o valor da empresa-cliente que depois seria repassado a peritos judiciais. Nestas notas, o interrogado colocava na discriminação “honorários suplementares”.

RENATO ARIMATEIA, como afirmado precedentemente, negou a prática delituosa, enfatizando que REINALDO FARINA ofereceu propina, mas não a aceitou.

Por fim, cumpre salientar que as testemunhas arroladas pela Defesa de RENATO ARIMATEIA, João Batista Soares, Rosana Grácio Sbrana, Vanderlei Carlos de Oliveira, Ivete Aparecida Ferreira Valadão Nasario, Fabio de Paula Valadão, Romildo Luiz de Lima, Lia Renata Silva e Marli Edna Roman Binati (ID 249193665 e 250175755), foram meramente abonatórias do caráter e do zelo profissional, nada acrescentando especificamente sobre os fatos em apuração.”

 

Na execução dos crimes imputados aos réus é comum que a mesma se faça de forma velada e cifrada, buscando os agentes se eximirem de suas responsabilidades, fato que na hipótese da Operação Hipócritas restou fartamente evidenciada, onde o dolo dos réus restou devidamente demonstrado.

 Cabe destacar ser indevida a alegação das defesas de que a troca de informações entre o assistente e o perito encontra respaldo em Resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina, haja vista que inexiste qualquer normativo autorizando o perito judicial a antecipar a discussão ou conclusão do laudo pericial extra autos, sem a expressa autorização do juízo, menos ainda combinar pagamentos extraoficiais sob a falsa justificativa de custear “documentos”, como mencionado pela comunicação eletrônica referenciada acima.

Enfim, a acurada análise lógica e cronológica das mensagens, movimentações bancárias, protocolo dos laudos pericias e respectivas conclusões, aliada aos documentos e depoimentos colhidos no curso da instrução probatória demonstram a vontade livre e consciente dos réus em falsear a verdade, repito, com vistas a atender os interesses da empresa reclamada, inclusive evitando que os ônus de pagamento dos honorários periciais recaíssem sobre a reclamada.

Amoldando-se a conduta do réu JOÃO CARLOS as disposições do artigo 343, do Código Penal, acolho, nesse tópico, a apelação e reclassifico as condutas a ele imputadas, por constituir norma especial em relação ao crime de corrupção ativa e, de ofício, reclassifico as condutas imputadas a RENATO e REINALDO  para os tipos, respectivamente,  do artigo 342 e artigo 343, do Código Penal, normas especiais em relação à corrupção passiva e ativa.

 

DOSIMETRIA

RENATO ARIMATEIA

Ressaltando que as condutas do réu se subsomem ao artigo 342, do Código Penal, passo à dosimetria.

Ao estabelecer a pena a ser imposta ao réu pela prática dos delitos no curso das reclamações trabalhistas, o magistrado a quo na primeira fase da dosimetria da pena valorou negativamente culpabilidade e consequências do delito, fixando a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa.

Ab initio, cabe consignar que a culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta; as circunstâncias do crime dizem respeito ao modus operandi empregado na prática do delito, são elementos que, embora não componham o crime, influenciam em sua gravidade e as consequências da prática delitiva não estão abarcadas na tipicidade penal e não ficam adstritas a eventuais efeitos patrimoniais, devem ser analisadas com vistas a maior ou menor danosidade decorrente da prática delitiva .

Postas essas premissas, entendo que o fato de RENATO médico nomeado perito judicial se aliar ao assistente técnico para praticar o delito de falsa perícia, abusando da vulnerabilidade e hipossuficiência técnica de trabalhadores que buscavam o reconhecimento de direitos junto a Justiça do Trabalho, engendrando um esquema de elaboração de laudos periciais favoráveis a determinadas empresas reclamadas, por eles assessorada, abalando a credibilidade do poder judiciário e, privando diversos jurisdicionados do direito a um julgamento justo e imparcial, são elementos que denotam um incremento no modo de execução do crime e nesse contexto compõem as circunstâncias em que praticado o delito, fatores que justificam a valoração negativa pertinente às circunstancias do crime.

Feitas essas considerações, afasto a valoração negativa da culpabilidade e das consequências do crime, mas entendo ser devida a valoração negativa atinente à circunstancia do crime.

Dito isso, fixo a pena base em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Ausentes agravantes, atenuantes e causas de diminuição da pena.

Considerando que os delitos foram praticados mediante paga com o fim de produzir prova destinada a obtenção de resultado favorável a parte reclamada no bojo de ação trabalhista, incide a causa de aumento prevista no §1º do artigo 342, do Código Penal.

Assim, aumento a pena em 1/3 (um terço), fixando a pena definitiva em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, e 14 (catorze) dias multa, mantido o valor do dia multa estabelecido na sentença.

Por fim, entendo que os crimes de falsa pericia praticados nas reclamações trabalhistas nº 0030500-28.2009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.16.0087, cuja consumação deu-se respectivamente em 28/04/2011 e 30/05/2011, se sujeitam as regras da continuidade delitiva, cuja pena será apurada observando o enunciado da Súmula 659 do STJ.

Assim, reconhecida a consumação de duas condutas em continuidade delitiva, incide o aumento de 1/6 (um sexto) sobre a pena isoladamente estabelecida, o que resulta em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, e 16 (dezesseis) dias multa. A esta pena, nos termos do artigo 69 do Código Penal, cumpre acrescer a pena imposta ao terceiro delito consumado, praticado nos autos da relação trabalhista nº 0000362-06.2012.5.15.0077, ficando estabelecida a pena total definitiva em 6 (seis) anos, 8 (oito) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e 30 (trinta) dias multa, mantido o valor unitário estabelecido em sentença.

Em observância ao artigo 33, §2ª, "b” do Código Penal, determino o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena.

 Nos termos do artigo 44, I, do Código Penal, inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

 

JOÃO CARLOS DOMENICH

Ressaltando que as condutas do réu se subsomem ao artigo 343, do Código Penal, passo à dosimetria.

Ao estabelecer a pena a ser imposta ao réu pela prática dos delitos no curso das reclamações trabalhistas, o magistrado a quo na primeira fase da dosimetria da pena valorou negativamente culpabilidade e consequências do delito, fixando a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa.

Ab initio, cabe consignar que a culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta; as circunstâncias do crime dizem respeito ao modus operandi empregado na prática do delito, são elementos que, embora não componham o crime, influenciam em sua gravidade e as consequências da prática delitiva não estão abarcadas na tipicidade penal e não ficam adstritas a eventuais efeitos patrimoniais, devem ser analisadas com vistas a maior ou menor danosidade decorrente da prática delitiva .

Postas essas premissas, entendo que o fato de JOÃO CARLOS médico nomeado para a função de perito assistente, função apta a possibilitar que se instaure o contraditório na matéria técnica, ao corromper o perito judicial, abusando da vulnerabilidade e hipossuficiência técnica de trabalhadores que buscavam o reconhecimento de direitos junto a Justiça do Trabalho, engendrando um esquema de elaboração de laudos periciais favoráveis a determinadas empresas reclamadas, por ele assessorada, abalando a credibilidade do poder judiciário e, privando diversos jurisdicionados do direito a um julgamento justo e imparcial, são elementos que denotam um incremento no modo de execução do crime e nesse contexto compõem as circunstâncias em que praticado o delito, fatores que justificam a valoração negativa pertinente às circunstancias do crime.

Feitas essas considerações, afasto a valoração negativa da culpabilidade e das consequências do crime, mas entendo ser devida a valoração negativa atinente à circunstancia do crime.

Dito isso, fixo a pena base em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Ausentes agravantes, entendo por manter a incidência das atenuantes do artigo 65, inciso I (réu nascido em 23/12/1947) e da confissão, ante o reconhecimento em juízo do pagamento em favor do perito judicial, (art. 65, inc. III, ‘d’, do CP), reduzindo a pena ao mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em observância ao enunciado da Súmula nº 231 do STJ.

Considerando que os delitos foram praticados mediante paga com o fim de produzir prova destinada a obtenção de resultado favorável a parte reclamada no bojo de ação trabalhista, incide a causa de aumento prevista no parágrafo único, do artigo 343, do Código Penal.

Assim, aumento a pena em 1/3 (um terço), fixando a pena definitiva em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias multa, mantido o valor do dia multa estabelecido na sentença.

Por fim, entendo que os crimes de falsa pericia praticados nas reclamações trabalhistas 0030500-28.2009.5.15.0087 e nº 0077600-76.2009.5.16.0087, cuja consumação deu-se respectivamente em 28/04/2011 e 30/05/2011, se sujeitam as regras da continuidade delitiva, cuja pena será apurada observando o enunciado da Súmula 659 do STJ.

Assim, reconhecida a consumação de duas condutas em continuidade delitiva, incide o aumento de 1/6 (um sexto) sobre isoladamente estabelecida, ficando estabelecida a pena total definitiva em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, e 15 (quinze) dias multa, mantido o valor unitário estabelecido em sentença.

Em observância ao artigo 33, § 2ª, "c” do Código Penal, fixo o regime aberto para o início do cumprimento da pena, no mais acompanho os demais critérios estabelecidos pela relatora quanto aos critérios estabelecidos para a substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

 

REINALDO FARINA

 

Ressaltando que as condutas do réu se subsomem ao artigo 343, do Código Penal, passo à dosimetria.

Ao estabelecer a pena a ser imposta ao réu pela prática do delito no curso da reclamações trabalhista nº 0000362-06.2012.5.15.0077, o magistrado a quo na primeira fase da dosimetria da pena valorou negativamente culpabilidade e consequências do delito, fixando a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa.

Ab initio, cabe consignar que a culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta; as circunstâncias do crime dizem respeito ao modus operandi empregado na prática do delito, são elementos que, embora não componham o crime, influenciam em sua gravidade e as consequências da prática delitiva não estão abarcadas na tipicidade penal e não ficam adstritas a eventuais efeitos patrimoniais, devem ser analisadas com vistas a maior ou menor danosidade decorrente da prática delitiva .

Postas essas premissas, entendo que o fato de REINALDO médico nomeado para a função de perito assistente, função apta a possibilitar que se instaure o contraditório na matéria técnica, ao corromper o perito judicial, abusando da vulnerabilidade e hipossuficiência técnica de trabalhadores que buscavam o reconhecimento de direitos junto a Justiça do Trabalho, engendrando um esquema de elaboração de laudos periciais favoráveis a determinadas empresas reclamadas, por ele assessorada, abalando a credibilidade do poder judiciário e, privando diversos jurisdicionados do direito a um julgamento justo e imparcial, são elementos que denotam um incremento no modo de execução do crime e nesse contexto compõem as circunstâncias em que praticado o delito, fatores que justificam a valoração negativa pertinente às circunstancias do crime.

Feitas essas considerações, afasto a valoração negativa da culpabilidade e das consequências do crime, mas entendo ser devida a valoração negativa atinente à circunstancia do crime.

Dito isso, fixo a pena base em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Ausentes agravantes, entendo por manter a incidência da atenuante da confissão (art. 65, inc. III, ‘d’, do CP), reduzindo a pena ao mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em observância ao enunciado da Súmula nº 231 do STJ.

Considerando que o delito foi praticado mediante paga com o fim de produzir prova destinada a obtenção de resultado favorável a parte reclamada no bojo de ação trabalhista, incide a causa de aumento prevista no parágrafo único do artigo 343, do Código Penal.

Assim, aumento a pena em 1/3 (um terço), fixando a pena definitiva em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias multa, mantido o valor do dia multa estabelecido na sentença.

Em observância ao artigo 33, § 2ª, "c” do Código Penal, fixo o regime aberto para o início do cumprimento da pena, no mais acompanho os critérios estabelecidos pela relatora na dosimetria.

 

Com tais considerações, e pedindo vênia para divergir em parte da e. Juíza Federal Convocada:

- DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÂO de JOÃO CARLOS DOMENICH para reclassificar as condutas a ele imputadas para o tipo do art. 343, parágrafo único, do Código Penal, fixando a pena em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, e 15 (quinze) dias multa;

- DE OFICIO, reclassificar a conduta imputada a REINADO FARINA MAGALHÃES para o tipo do art. 343, parágrafo único, do Código Penal, redimensionando a pena para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias multa;

- DE OFÍCIO, reclassificar a conduta imputada a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES  para o tipo do art. 342, § 1º do Código Penal, redimensionando a pena para 6 (seis) anos, 8 (oito) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e 30 (trinta) dias multa;

- DAR PARCIAL PROVIMENTO A APELAÇÃO de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES para afastar a fixação de valor mínimo de indenização no âmbito da ação penal;

- NÃO CONHECER DA APELAÇÃO de ANA REGINA RUSSO DOMENICH;

 e

- DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para valorar negativamente, na primeira fase da dosimetria, as circunstancias em que praticados os crimes.

 É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO HIPÓCRITAS IMPUTAÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (ARTS. 317, § 1º, e 333, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CP). NEGOCIAÇÃO ESPÚRIA ENTRE PERITOS E ASSISTENTES TÉCNICOS ACERCA DE LAUDOS PERICIAIS INSTRUTÓRIOS DE RECLAMATÓRIAS TRABALHISTAS. QUESTÕES PRELIMINARES REFUTADAS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL DE A.R.R.D. DO MÉRITO. DETIDAMENTE EXAMINADO O ACERVO PROBATÓRIO, DEVE SER MANTIDA A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS CORRÉUS CONDENADOS. DOSIMETRIA PENAL MANTIDA EM SUA PARTE MAJORITÁRIA. AFASTADA A INDENIZAÇÃO PELOS DANOS DECORRENTES DA INFRAÇÃO, MANTIDAS AS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. APELOS DEFENSIVOS DE PARCIALMENTE PROVIDOS E APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.

01. O caso dos autos remonta à apuração empreendida no bojo da denominada Operação Hipócritas, que descortinou o funcionamento de um amplo esquema de negociação de laudos periciais referentes à comprovação de doença ocupacional ou acidente de trabalho em sede de reclamatórias trabalhistas na região de Campinas/SP. As evidências coletadas indicam que o esquema delituoso perdurou pelo menos entre os anos de 2008 a 2016, abrangendo centenas de laudos periciais viciados. Foi divulgado, outrossim, que o Ministério Público do Trabalho em Campinas ajuizou a partir de 2018 mais de cem ações rescisórias baseadas na ilicitude da prova pericial.

02. Como nota introdutória, também merece registro o fato de que REINALDO FARINA celebrou com o Ministério Público Federal acordo de colaboração premiada (Termo de Acordo de Colaboração Premiada nº 003/2016-PRM-CPQ-SP, de 02 de junho de 2016 - Autos nº 0010715-41.2016.4.03.6105), devidamente homologado pelo r. juízo a quo, sendo observados também os termos do artigo 7°, § 3°, da Lei nº 12.850/2013. Conforme o acordado, foi estabelecido o limite máximo de 04 (quatro) anos para a pena privativa de liberdade imposta a REINALDO, sem prejuízo da pena de multa, para o caso de seu integral cumprimento.

03. Relevante registrar que o r. juízo sentenciante assinalou que entende que houve colaboração do réu de forma efetiva, não havendo razão para desconsiderá-la, tampouco o Ministério Público Federal manifestou pretensão de rediscutir a execução da colaboração premiada, de sorte que o interesse recursal do Parquet federal em exasperar as reprimendas impostas a REINALDO FARINA cinge-se à hipótese de eventual descumprimento noutros expedientes judiciais que não o presente.

04. Questões preliminares. Alegação de nulidade pela ausência de notificação para apresentação de defesa preliminar (art. 514 do CPP). Descabimento, pela desnecessidade do procedimento nos termos do Enunciado nº 330 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça e pela ausência de demonstração de prejuízo à Defesa.

05. Alegação de nulidade da instrução em razão da juntada do acordo de colaboração premiada somente após a instrução probatória. Não há qualquer necessidade de que o acordo de réu colaborador seja colacionado ab initio às ações penais que porventura recebam provas obtidas graças à colaboração premiada. Isso porque, primeiramente, o acordo de colaboração premiada consiste em negócio jurídico processual entre o órgão público de persecução penal e o agente colaborador. Consequentemente, as provas fornecidas pelo réu colaborador não se confundem com o meio de sua obtenção, no caso, o ajuste havido entre REINALDO FARINA e o Ministério Público Federal.

06. O pacto da colaboração premiada configura instrumento contratual estranho ao interesse processual do acusado implicado pelas provas fornecidas pelo delator, de sorte que o delatado não possui sequer legitimidade para impugná-lo, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

07. A juntada do acordo de colaboração aos autos, ainda que posterior à fase instrutória, não deixa de possibilitar à Defesa insurgir-se contra eventual ilegalidade que resvale em provas contribuintes para a formação da culpa, prevenindo assim, qualquer cogitação de cerceamento de defesa. A propósito, não existe momento processual específico para ser celebrado o acordo de colaboração premiada, podendo ser firmado inclusive após o sentenciamento do réu colaborador (art. 4º, § 5º, da Lei nº 12.850/2013), sem contar que a legislação penal esparsa noutros diplomas não prevê sequer a instrumentalização do acordo.

08. Conclui-se, portanto, que não há qualquer nulidade concernente à juntada do termo de colaboração premiada posteriormente à fase instrutória, tampouco em cerceamento de defesa relativo ao trâmite processual contemplando réu delator e delatado simultaneamente no polo passivo.

09. Alegação de nulidade pelo indeferimento de reinterrogatório. sem razão à Defesa. Cumprido o rito procedimental, bem como ausente descrição acerca do suposto fato que a parte gostaria de abordar no pretendido reinterrogatório, não há razão para retardar a marcha processual, mostrando-se incensurável o indeferimento da impertinente diligência ora reclamada, que não se trata de direito potestativo da parte. Sendo o juiz o condutor do processo, cabe a ele avaliar a razoabilidade da produção das provas requeridas, podendo indeferir as desnecessárias, inúteis ou protelatórias, como bem determina a legislação processual. Portanto, não há que se falar em nulidade decorrente do simples indeferimento do reinterrogatório.

10. Alegação de ausência de oportunidade para exercer o contraditório acerca das provas emprestadas das ações trabalhistas.  O traslado de peças processuais confeccionadas nas ações trabalhistas que foram palco dos ilícitos imputados não se confunde com o conceito de prova emprestada. Isso porque, naqueles feitos da seara laboral, não houve produção de prova que foi transportada para a ação penal. Os atos processuais lá praticados é que, em si, constituem evidências criminais primariamente analisadas no presente feito. Demais disto, os elementos questionados foram submetidos ao contraditório no presente feito, e sobre eles a Defesa pôde se debruçar, sem qualquer vulneração das garantias processuais do acusado. Nestes termos, resta afastada a preliminar em comento.

11. Alegação de nulidade da quebra do sigilo das comunicações. Sem razão à Defesa. Por primeiro, cumpre distinguir a simples autorização de acesso ao conteúdo de dados telemáticos armazenados em equipamentos informáticos e contas eletrônicas, do incidente de interceptação telefônica e telemática. No caso dos autos, materializou-se simplesmente a quebra do sigilo de dados telemáticos, a saber contas de e-mails dos investigados pela Operação Hipócritas, inexistindo interceptação de comunicações propriamente dita. Nota-se, outrossim, que foram amplamente atendidos os requisitos legais, uma vez que após a realização de diligências iniciais consubstanciando fortes indícios a respeito de laudos periciais em reclamatórias trabalhistas, é que houve autorização judicial para a quebra

12. Demais disto, os crimes indigitados pela acusação costumam ser praticados às escondidas, cuja investigação requer o emprego de meios de apuração adequados para o enfrentamento da criminalidade de tal natureza, dada a insuficiência dos meios menos invasivos da privacidade para descortinar o esquema delituoso enquadrado nos autos.

13. Não há, portanto, qualquer nulidade no procedimento adotado, sendo perfeitamente legítima a prova obtida a partir da quebra do sigilo telemático dos investigados na Operação Hipócritas.

14. Alegação de prescrição. Inocorrência do fenecimento da pretensão punitiva, considerando que o Ministério Público Federal apela requerendo justamente a majoração das penas, não houve o necessário trânsito em julgado para a acusação que viabilizaria a análise prescricional com base na pena em concreto (art. 109, caput, e 110, § 1º, ambos do CP).

15. Ausência de interesse recursal de A.R.R.D. A corré restou absolvida das imputações a ela atribuídas na denúncia, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. Apela, entretanto, pugnando pela alteração do fundamento de sua absolvição, com a declaração da atipicidade de sua conduta, ao invés de meramente se reconhecer a insuficiência de provas para a condenação.

16. Em que pese o inconformismo, não subsiste interesse recursal na simples alteração do fundamento da absolvição, uma vez que a consequência do decreto absolutório é sempre a mesma na seara criminal, independentemente do lastro adotado para afastar a responsabilização pelo fato típico. Tendo em vista que não pesa contra a acusada título condenatório ou quaisquer ônus subjacentes à causa, revela-se juridicamente irrelevante a alteração da sentença penal absolutória ora pretendida.

17. Consequentemente, falecendo requisito indispensável para o conhecimento do apelo aviado por A.R.R.D., deve ser negada a admissibilidade deste, conforme preceitua o art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

18. Do mérito. A tese acusatória foi parcialmente encampada pela sentença, que condenou: (i) RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES como incurso no art. 317, parágrafo primeiro, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do art. 317, parágrafo primeiro (tópico 3.2.1 da denúncia), todos do Código Penal; (ii) JOÃO CARLOS DOMENICH como incurso no art. 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), ambos do Código Penal, e (iii) REINALDO FARINA como incurso no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma única vez.

19. O arranjo delituoso consistia em uma prática disseminada notadamente entre vários peritos e assistentes técnicos que ajustavam a confecção de laudos acerca de doenças ocupacionais ou moléstias profissionais mediante contrapartida financeira, descortinando a rede que se estendia a diversos outros profissionais, cuja atuação ilícita foi bem percebida pela quebra do sigilo de dados telemáticos, notadamente do assistente técnico REINALDO FARINA (rs_farina@hotmail.com), trazendo à tona provas consistentes, conforme reconhecido pelo r. juízo a quo no ato sentencial.

20. Na maioria dos casos, as tratativas sobre a confecção de laudo favorável à reclamada eram realizadas entre peritos e assistentes técnicos, referindo-se à propina com codinomes que expressavam valores monetários da ordem de R$ 1.000,00 a R$ 3.000,00 conforme cada caso, os quais frequentemente transitavam como pagamento de honorários pela reclamada ao assistente técnico para posterior repasse ao perito enviesado.

21. Como contrapartida, o conteúdo do laudo pericial era sorrateiramente compartilhado e ajustado com a participação do assistente técnico da reclamada antes de ser protocolizado na Justiça do Trabalho, garantindo que o resultado fosse o mais favorável possível à reclamada.

22. Detidamente examinado o acervo probatório, deve ser mantida a responsabilização penal de: RENATO ARIMATÉIA COSTA MAGALHÃES pela prática do delito previsto no artigo 317, parágrafo primeiro, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), e ambos em concurso material com outro delito do artigo 317, parágrafo primeiro (tópico 3.2.1 da denúncia), todos do Código Penal;  JOÃO CARLOS DOMENICH pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, por duas vezes, em concurso formal (tópico 3.1 da denúncia), ambos do Código Penal; REINALDO FARINA pela prática do delito previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por uma vez (tópico 3.2.1 da denúncia).

23. Dosimetria penal. mantida em sua parte majoritária. Quantidade de dias-multa reduzida proporcionalmente. Reconhecimento das atenuantes referentes à idade superior a 70 anos na data do sentenciamento e da confissão em favor de JOÃO DOMENICH e REINALDO FARINA.

24. Afastada a indenização pelos danos decorrentes das infrações penais, por constituir questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, restando prejudicado o pleito ministerial de indenizar pelo equivalente ao valor das causas trabalhistas. Devem permanecer constritos, entretanto, os honorários periciais objeto de sequestro, eis que, subsistente a condenação por crimes contra a União, destinam-se rigorosamente à reparação de prejuízo causado por crime contra a Fazenda Pública, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240, de 08.05.1941.

25. Negado provimento à Apelação do Ministério Público Federal, inadmitida a Apelação de A.R.R.D. (art. 577, parágrafo único, do CPP), bem como dado parcial provimento às Apelações defensivas de JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, de sorte a: i) manter a absolvição de ANA REGINA RUSSO DOMENICH por insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP); ii) condenar RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES à pena em concreto de 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 19 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, unificada em 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime prisional SEMIABERTO, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 317, parágrafo primeiro, por três vezes, na forma dos arts. 69 e 70, todos do Código Penal (sendo duas infrações em concurso formal acrescida de uma infração em concurso material), mantida a perda da função pública nos termos do art. 92, inc. I, ‘a’ e ‘b’, do Código Penal, vedada a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos; iii) condenar JOÃO CARLOS DOMENICH MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, unificada em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, por duas vezes (concurso formal), na forma do art. 70, ambos do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução; iv) condenar REINALDO FARINA MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, conforme o limite apenatório estabelecido no acordo de colaboração premiada; e v) afastar a fixação do dever de indenizar a União Federal, julgando prejudicado o pleito ministerial nesse sentido, na forma acima estabelecida, mantido o sequestro sobre honorários periciais, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, todos do Decreto-lei nº 3.240/1941.

 

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Após o voto-vista do Des. Fed. José Lunardelli, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, inadmitir a Apelação de ANA REGINA RUSSO DOMENICH (art. 577, parágrafo único, do CPP), bem como dar parcial provimento às Apelações defensivas de JOÃO CARLOS DOMENICH e RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES, de sorte a: manter a absolvição de ANA REGINA RUSSO DOMENICH por insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP); condenar RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES à pena em concreto de 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 19 (vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, unificada em 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime prisional SEMIABERTO, e 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 317, parágrafo primeiro, por três vezes, na forma dos arts. 69 e 70, todos do Código Penal (sendo duas infrações em concurso formal acrescida de uma infração em concurso formal), mantida a perda da função pública nos termos do art. 92, inc. I, a e b, do Código Penal, vedada a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos; condenar JOÃO CARLOS DOMENICH MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, unificada em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, por duas vezes (concurso formal), na forma do art. 70, ambos do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 15 (quinze) salários-mínimos, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, e prestação de serviços à comunidade, na forma especificada pelo Juízo da Execução; condenar REINALDO FARINA MAGALHÃES à pena em concreto de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, substituída a pena corporal por penas restritivas de direitos, conforme o limite apenatório estabelecido no acordo de colaboração premiada; e afastar a fixação do dever de indenizar a União Federal, julgando prejudicado o pleito ministerial nesse sentido, na forma acima estabelecida, mantido o sequestro sobre honorários periciais, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, todos do Decreto-lei nº 3.240/1941, nos termos do voto da Relatora Juíza Federal Convocada Mônica Bonavina, acompanhada pelo Juiz Federal Convocado Nilson Lopes, vencido o Des. Fed. José Lunardelli que DAVA PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO de JOÃO CARLOS DOMENICH para reclassificar as condutas a ele imputadas para o tipo do art. 343, parágrafo único, do Código Penal, fixando a pena em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, e 15 (quinze) dias multa; DE OFICIO, reclassificava a conduta imputada a REINALDO FARINA MAGALHÃES para o tipo do art. 343, parágrafo único, do Código Penal, redimensionando a pena para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 13 (treze) dias multa; DE OFÍCIO, reclassificava a conduta imputada a RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES para o tipo do art. 342, § 1º do Código Penal, redimensionando a pena para 6 (seis) anos, 8 (oito) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e 30 (trinta) dias multa; DAVA PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO de RENATO ARIMATEIA COSTA MAGALHÃES para afastar a fixação de valor mínimo de indenização no âmbito da ação penal; NÃO CONHECIA DA APELAÇÃO de ANA REGINA RUSSO DOMENICH e DAVA PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para valorar negativamente, na primeira fase da dosimetria, as circunstancias em que praticados os crimes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.