Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000317-76.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: FME MOLDES PARA PNEUS LTDA

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000317-76.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: FME MOLDES PARA PNEUS LTDA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra FME MOLDES PARA PNEUS LTDA., objetivando a imposição de obrigação de fazer consistente em elaborar Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos específico para carga abandonada, colocando-o em prática no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.

De acordo com a petição inicial, a Unidade Avançada do IBAMA no Aeroporto de Viracopos lavrou Termo de Inspeção Ambiental em Comércio Exterior (TIA) nº 164/2013 após ser acionada pelo Grupo de Mercadorias Abandonadas da Receita Federal. Apurou-se, na ocasião, que em 05.09.2012, ingressou em território nacional a carga com aviso de embarque aéreo AWB nº 045 6757 7941, consignada à empresa FME MOLDES PARA PNEUS LTDA; contudo, passado o prazo de permanência no recinto alfandegário sem o devido registro de Declaração de Importação, foi considerada abandonada. Ante a inércia da empresa e considerando a política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305/2010), o IBAMA lavrou o auto de infração em razão do abandono de produto perigoso de forma irregular. Diz que a empresa foi intimada a dar destinação final ambientalmente adequada ao passivo ambiental “da sua responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, advinda diretamente da posição da empresa na cadeia de abastecimento, nos termos da Lei Federal 12.305/2010”, permanecendo, no entanto, inerte. Assevera que o IBAMA vem passando por sobrecarga “ante a situação originada da inércia de consignatários e importadores em iniciar ou retomar o procedimento de desembaraço aduaneiro dentro do prazo legalmente estabelecido” e que o Aeroporto de Viracopos é apenas uma das áreas abarrotadas de cargas abandonadas. Defende que, pelo princípio do poluidor pagador, “o poluidor é obrigado a pagar o dano ambiental que pode ser causado ou que já foi causado, porém o pagamento efetuado pelo poluidor não lhe confere direito de poluir”. Pleiteia que a empresa ré seja obrigada a dar destinação ambientalmente adequada ao resíduo sólido gerado por sua atividade.

Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em 17.01.2018 – id 69681781.

O juízo determinou que fosse oficiado ao Delegado da Alfândega da Receita Federal do Brasil no Aeroporto Internacional de Viracopos para a prestação de informações (id 69751643).

As informações foram prestadas no id 69751651.

Por meio da sentença de id 69751656 o juízo, fundamentado nos arts. 330, II e 485, VI, ambos do CPC, indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito sem resolução do mérito.

Apela o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (id 69751660) argumentando, em síntese, que cabia à ré internalizar a mercadoria ou providenciar a sua devolução ao exportador, sendo esta última providência a ser adotada nos casos de mercadorias estrangeiras cuja importação não seja autorizada, consoante previsto no art. 46 da Lei 12.715/2012. Sustenta que a Alfândega do Aeroporto de Viracopos não obstou a internalização, de modo que naquele momento a carga não era considerada resíduo e/ou rejeito perigoso, mas, ainda que assim o fosse, “a obrigação é do importador de providenciar a devolução da carga para sua origem ou de providenciar sua destruição ambientalmente adequada”. Afirma não ser possível repassar ao Estado brasileiro os custos de dar destinação devida a mercadorias ambientalmente perigosas e que a carga consignada à ré “foi rotulada como substância química perigosa por se tratar de composto de molde de polissulfeto, que tem como matéria-prima o enxofre”, produto que depende de autorização ambiental específica do CONAMA para ser importado. Pondera que a ação civil visa a tutela preventiva do meio ambiente e que tem por “finalidade de fazer cessar a omissão da empresa ante sua responsabilidade de poluidora-pagadora” e que a manutenção da sentença permite que o empreendedor não arque com os custos de sua própria atividade, repassando-os à União. Sustenta que o produto importado tornou-se imprestável em decorrência de conduta omissiva imputada unicamente à apelada, que deixou de realizar o desembaraço aduaneiro. Afirma que apesar de o Poder Público deter os meios de promover a destinação da mercadoria, essa é uma obrigação da empresa e que cabe ao Ministério Público Federal, na sua função institucional de proteger o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, propor a ação civil pública para que a empresa seja condenada judicialmente a cumprir sua obrigação de dar destinação ambientalmente adequada à carga, conforme Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos a ser apresentado ao IBAMA. Defende que seja observado o princípio da primazia do conhecimento do mérito das ações coletivas, razão pela qual a ação deveria ter sido julgada improcedente e jamais extinta antes mesmo de abrir o contraditório.

Citada via Correios (id 69751671), a FME MOLDES PARA PNEUS LTDA. deixou de apresentar contrarrazões.

Processado o recurso, e por força da remessa necessária, subiram os autos a esta E. Corte.

Como custos legis, o Ministério Público Federal opinou no id 94379377.

Os autos vieram a mim redistribuídos por sorteio, em razão de criação da unidade judiciária, em 11.09.2023.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: FME MOLDES PARA PNEUS LTDA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR):

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinta, sem resolução do mérito, a ação civil pública pela qual objetivava o autor compelir a empresa FME MOLDES PARA PNEUS LTDA. a apresentar Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos no prazo de 90 (noventa) dias e colocá-lo em prática em 120 (cento e vinte) dias.

A ação teve por origem fatos apurados pela Receita Federal do Brasil e pelo IBAMA no município de Campinas/SP, ocasião em que constataram a importação e posterior abandono do produto perigoso FMC-205 Polysulfide Mold Compoud – Classe 9 – UM 3081 – Environmentally Hazardous Substance liquid (Dibutyl phthalate). Sustenta competir ao importador dar destinação adequada ao material, não podendo tal ônus ser suportado pela União.

Assim, conforme consignou o autor em sua petição inicial, o objetivo da ação civil pública é “que seja obtida ordem judicial para que a empresa FME MOLDES PARA PNEUS LTDA. dê destinação ambientalmente adequada ao resíduo sólido gerado por sua atividade empresarial, nos termos do Art. 3°, VII, da Lei 12.305/2010 c/c Resolução CONAMA nº 313/2002”.

O juízo, após ouvir a autoridade alfandegária e sem ouvir a ré, houve por bem extinguir o feito por ausência de interesse processual do autor. Em sua sentença, assim consignou o magistrado:

Isso porque, na hipótese dos autos, resta claro que a substância em questão (Polysulfide Mold Compoud – Classe 9 – UN 3082 – Environmentally Hazardous Substance, liquid (Dibutyl phthalate) não se enquadra na definição de resíduo sólido, pois se trata de insumo a ser empregado na produção industrial, o que inclusive foi corroborado pelo Delegado da Receita Federal da Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos/Campinas-SP (ID 4858815).

O fato de a carga ter sido considerada abandonada, sujeita à pena de perdimento, não transforma a sua natureza de substância/produto em resíduo sólido, não podendo o autor, por meio da presente ação civil pública, se valer neste caso da legislação ambiental que disciplina os procedimentos de resíduos sólidos, com o fim de impor obrigação à ré a dar destinação adequada à carga, por meio da apresentação de plano de gerenciamento a ser submetido e aprovado pelo IBAMA, quando o Poder Público detém meios próprios de promover a destinação, nos termos da legislação de regência.

Nesse passo, entendo que o autor carece de interesse processual ao manejar ação civil pública em que se pretende aplicação de legislação específica que visa preservar o meio ambiente em relação à carga abandonada para a qual não se dá o mesmo tratamento.

Com efeito, o interesse processual diz respeito à necessidade e à utilidade da providência jurisdicional vindicada, bem assim à adequação do procedimento adotado para obtenção da tutela.

No caso, pertine frisar que o autor não possui interesse de agir para a presente ação, pois, o argumento de que o Poder Público não pode suportar o ônus de destinação de tal carga abandonada não o exime de tomar as providências administrativas quanto à carga abandonada, aplicando-se a pena de perdimento e demais atos administrativos previstos nas normas aplicáveis à espécie, assim como faz a administração pública quando se vale das formas de destinação das mercadorias abandonadas, conforme disposto no Decreto-lei nº 1.455/1976, no Decreto 6.759/2009 e na mencionada Portaria MF nº 282, de 09/06/2011, quais sejam, alienação por meio de leilão ou doação, incorporação, destruição ou inutilização.

Verifico dos fatos narrados na inicial que em determinado momento, ao se deparar com volume de cargas abandonadas que vem se acumulando no recinto alfandegário do referido aeroporto internacional, cuja administração inclusive foi concedida à empresa privada/concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ID 4138408), socorreu-se ao Poder Judiciário para o fim de que, por meio de decisão judicial entregue à ré a carga abandonada para destinação adequada, com fundamento em lei ambiental, desconsiderando para tanto o autor quaisquer implicações de caráter fiscal que recaem sobre mercadorias que necessariamente deveriam seguir o procedimento aduaneiro para liberação.

O risco e perigo alegados na manutenção da carga, que se encontra no recinto alfandegário do aeroporto desde 2012, sem destinação adequada, decorre da própria omissão dos entes públicos competentes, o que, a despeito de ser considerada perigosa, resta mantida na forma descrita pelo IBAMA em suas informações técnicas anexadas aos autos.

Ademais, ainda que se alegue que o ônus de dar a destinação adequada da carga não possa ser suportado pelo Poder Público, a transferência das providências ao particular mediante entrega do produto abandonado para a destinação conforme plano de gerenciamento se aprovado pelo IBAMA, que não necessariamente a destruição/inutilização, porque, como visto, não se trata de resíduo sólido, não exonera a administração dos ônus daí decorrentes, quais sejam, dentre outros, de fiscalizar e controlar todo e qualquer produto liberado nessa condição, não se podendo ainda ignorar que sobre tais circunstâncias recaem interesse de ordem fiscal, conquanto são mercadorias submetidas ao regramento de importação, para cuja liberação subsiste tais ônus.

Por fim, registro também a ausência de interesse de agir do autor por pretender impor a obrigação de fazer à ré sob o fundamento de que a carga é propter rem, invocando a Lei nº 9.638/1981, conquanto embora conste a ré como destinatária da carga, não houve sequer tradição de tal bem, que seria o pressuposto da responsabilidade civil ambiental da proprietária em recompor a violação perpetrada ao meio ambiente, que no caso concreto sequer existiu, o que reforça que tal obrigação, in casu, não deve ser imposta com base na legislação ambiental invocada.

A doutrina de Humberto Theodoro Júnior conceitua o interesse processual, outrora chamado de interesse de agir, como a “necessidade de obter por meio do processo a proteção ao interesse substancial”, traduzindo-se “numa relação de necessidade e também numa relação de adequação do provimento postulado, diante do conflito de direito material trazido à solução judicial” (Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 59ª edição, GenForense, págs. 166/167).

Fredie Didier Jr. salienta que “A constatação do interesse de agir faz-se, sempre, ‘in concreto’, à luz da situação narrada no instrumento da demanda. Não há como indagar, em abstrato, se há ou não interesse de agir, pois ele sempre estará relacionado a uma determinada demanda judicial” (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 18ª edição, Juspodivm, pág. 361).

À vista da compreensão do que é o interesse processual, tenho que no caso dos autos sobressai o interesse do apelante no prosseguimento de sua ação e, possivelmente, na análise do mérito da questão apresentada.

Com efeito, nas informações de id 69751651, a Receita Federal do Brasil pontuou que a carga importada, de “polysulfide mold compund (dibutyl phtalate) e chlorinated paraffins”, não pode ser definida como resíduo nos termos em que previsto no art. 636-A, § 1º, do Decreto nº 6.759/2009.

Colhe-se do dispositivo em comento:

Art. 636-A.  É proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal ou à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação (Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, art. 49).    

§ 1º Para os efeitos deste artigo, entende-se por:

I - resíduos sólidos - material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (Lei nº 12.305, de 2010, art. 3º, caput, inciso XVI); e 

II - rejeitos - resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada

O material importado não se enquadra como resíduo por se tratar de insumo a ser utilizado na produção industrial. Não se trata de sobra ou resto da atividade industrial que comporta descarte.

No entanto, é certo que se trata de material com potencial poluidor, dada as suas próprias características. E, a partir do momento em que a importadora, no caso a empresa FME MOLDES PARA PNEUS LTDA., houve por bem abandonar o produto – por fatos que não foram identificados, uma vez que não foi chamada para se defender na ação –, não se pode dar a ele uma destinação qualquer.

A propósito, a autoridade alfandegária, no documento antes mencionado, afirma que “Por ser potencialmente lesiva ao meio ambiente (art. 1º da Resolução Conama nº 02/1992), a destinação adequada da substância importada, nos termos do art. 2º, inc. III, alínea “c” da Portaria MF nº 282/2011 é a destruição”.

Nesses termos, exsurge a necessidade e a utilidade da presente ação civil pública, cujo desiderato é compelir a importadora a efetuar o descarte de forma saudável ao meio ambiente ou devolvê-lo ao país de origem.

Apesar de o abandono não alterar as características do produto importado, não transmutando sua natureza de insumo para rejeitos ou para resíduos sólidos, não há que se falar em ausência de interesse processual, notadamente diante da atribuição constitucional do Ministério Público de preservar os interesses coletivos e de promover as medidas necessárias à sua garantia (arts. 127 e 129 da CF).

Ademais, decorre da Carta Magna a obrigatoriedade de sujeitar o infrator de práticas nocivas ou potencialmente nocivas ao meio ambiente a sanções legais. Neste sentido, colhe-se do § 3º do art. 225:

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Conforme anotou o Parquet em seu arrazoado, conquanto inicialmente o material importado não seja poluidor, a partir do momento em que a empresa apelada, por sua omissão, deixou de recebê-lo e o abandonou, ele se tornou potencialmente lesivo ao meio ambiente, motivo pelo qual, ao menos em tese, mostra-se aplicável a legislação ambiental.

Neste sentido, cumpre observar que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de pneus são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos (art. 33, inciso III, da Lei 12.305/2010).

Em que pese o citado dispositivo estabeleça regras para após o uso dos produtos, entendo que a regra, por sua finalidade, deve se estender também aos produtos que ainda não chegaram a ser utilizados, haja vista a potencialidade danosa, o que não prejudicará a aplicação de outras sanções, inclusive multas, quando aplicáveis, em face de eventual renitência do importador. 

Sendo assim, tenho como existente o interesse processual, a tornar necessária a anulação da sentença de extinção do feito e o regular prosseguimento da ação civil pública.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação e à remessa oficial para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – ABANDONO DE PRODUTO IMPORTADO – POTENCIALIDADE DE PREJUDICAR O MEIO AMBIENTE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – REFORMA DA SENTENÇA PARA QUE FEITO TENHA REGULAR ANDAMENTO.

– Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal para compelir a ré a elaborar Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos específico para carga abandonada, implementando-o no prazo de 120 (cento e vinte) dias.

– A sentença indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito sem resolução do mérito por ausência de interesse processual.

– Discute-se, no caso, se o material importado para ser utilizado como insumo na indústria, uma vez abandonado e em razão de seu potencial poluidor, pode ser considerado resíduo sólido para fins de aplicação da Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

– A ação teve por origem fatos apurados pela Receita Federal do Brasil e pelo IBAMA no município de Campinas/SP, ocasião em que constataram a importação e posterior abandono do produto perigoso FMC-205 Polysulfide Mold Compoud – Classe 9 – UM 3081 – Environmentally Hazardous Substance liquid (Dibutyl phthalate). Busca-se, com a presente ação civil pública, compelir o importador dar destinação adequada ao material.

– O interesse processual, na clássica doutrina do processo, constitui-se na necessidade de ajuizamento da ação para a proteção de um direito. Trata-se de constatação que se faz diante do caso concreto, consoante pondera Fredie Didier Jr. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 18ª edição, Juspodivm, pág. 361).

– Nesse sentido, em que pese o material importado não poder ser considerado resíduo sólido, nos termos do Decreto nº 6.759/09 e da Lei nº 12.305/2010, trata-se de produto potencialmente poluidor que, uma vez abandonado pelo importador, como na espécie, exige descarte adequado.

– Exsurge, assim, o interesse processual do Parquet em obrigar a empresa ré a efetuar o descarte adequado da mercadoria abandonada, pois é atribuição constitucional o Ministério Público preservar os interesses coletivos e promover as medidas necessárias à sua garantia (arts. 127 e 129 da CF).

– Neste sentido, cumpre observar que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de pneus são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos (art. 33, inciso III, da Lei 12.305/2010).

– Em que pese o citado dispositivo estabeleça regras para após o uso dos produtos, a regra, por sua finalidade, deve se estender também aos produtos que ainda não chegaram a ser utilizados, haja vista a potencialidade danosa, o que não prejudicará a aplicação de outras sanções, inclusive multas, quando aplicáveis, em face de eventual renitência do importador. 

– Apelação e remessa necessária providas para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RUBENS CALIXTO
DESEMBARGADOR FEDERAL