Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-40.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: ARCHIMEDES BUZAITE MALLIO

Advogado do(a) APELANTE: MARTIN VIVAS - PR40785-A

APELADO: VALDIRENE MARSON & CIA. LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: FLAVIO SCOVOLI SANTOS - SP297202-A
Advogado do(a) APELADO: GUILHERME PALERMO DOS SANTOS - SP449893-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-40.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: ARCHIMEDES BUZAITE MALLIO

Advogado do(a) APELANTE: MARTIN VIVAS - PR40785-A

APELADO: VALDIRENE MARSON & CIA. LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: FLAVIO SCOVOLI SANTOS - SP297202-A
Advogado do(a) APELADO: GUILHERME PALERMO DOS SANTOS - SP449893-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Archimedes Buzaite Mallio em face de Valdirene Marson & Cia. e Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando a impossibilidade de descarte do bilhete premiado do concurso n. 2030 da Lotofácil, bem como a condenação em danos materiais e morais decorrente de ato ilícito da funcionária da lotérica.

Alude o autor que fez 4 apostas na Lotofácil da Independência (concurso n. 2030), sendo um jogo escolhido por ele e outros 3 mediante o sistema 'surpresinha'. Na semana seguinte, ao pedir a conferência do bilhete junto à lotérica, diz que a atendente, ao verificar que o bilhete havia sido premiado, reteve-o (de má-fé), ludibriando o autor, que foi embora da lotérica. Dias após, viu a faixa na lotérica que um apostador havia sido premiado, tendo a certeza que era seu o bilhete e que foi enganado pela funcionária da lotérica. Requer a condenação das rés em danos materiais de R$ 2.500.000,00 e danos morais não inferiores a R$ 30.000,00.

A r. sentença rejeitou o pedido em razão da decadência, nos seguintes termos (ID 265145258):

Consigne-se que, muito embora o dispositivo legal fale em prescrição, mais apropriado falar-se em decadência, vez que há a perda do próprio direito ao prêmio. De qualquer modo, será observada a literalidade do dispositivo legal, haja vista a inexistência de diferença prática no caso em apreciação.

Ante o exposto, REJEITO O PEDIDO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, II, do novo Código de Processo Civil, reconhecendo a decadência do direito alegado.

Defiro a gratuidade da justiça.

Deixo de fixar honorários advocatícios tendo em vista que a relação processual não se concretizou.

Apela o autor requerendo a anulação da r. sentença para seu cabal prosseguimento, asseverando que o prazo prescricional é de 3 (três) anos, com fulcro no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, pois o que se requer é a indenização por danos morais e materiais decorrentes da conduta ilícita da funcionária da lotérica.

Prequestiona a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requerem, ao final, provimento integral de seus recursos.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.

A CEF apresentou memoriais.

É o relatório.

 

cf

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002217-40.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: ARCHIMEDES BUZAITE MALLIO

Advogado do(a) APELANTE: MARTIN VIVAS - PR40785-A

APELADO: VALDIRENE MARSON & CIA. LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: FLAVIO SCOVOLI SANTOS - SP297202-A
Advogado do(a) APELADO: GUILHERME PALERMO DOS SANTOS - SP449893-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido.

Cinge-se a controvérsia em dirimir qual o prazo prescricional a ser aplicado nos casos de pedido de indenização civil por danos material e moral, decorrentes de ato ilícito praticado por funcionário de lotérica.

Em síntese, alega o autor que fez 4 (quatro) apostas no jogo n. 2030 da Lotofácil, sendo 1 (um) escolhido por ele (ID 265145254) e 3 (três) pelo sistema surpresinha. 

Ao conferir o resultado, assevera que a funcionária da lotérica o ludibriou e ardilosamente não devolveu os bilhetes a ele (por verificar que foi premiado), para ser recebido por pessoa interposta.

Eis a narrativa do autor:

09.      No momento que a atendente da primeira apelada verificou no sistema se o bilhete do apelante estava premiado, o fez de uma forma rápida, obscura, não mostrando a tela do monitor para que o apelante pudesse verificar o resultado. De uma forma rápida, a atendente dobrou o bilhete e utilizou da “conversa e das palavras” para desviar a atenção do apelante, retendo o bilhete de uma forma perspicaz, valendo-se da jovialidade para manter o idoso em erro. Esses fatos foram relembrados pelo apelante, no momento que verificou, posteriormente, que havia uma faixa grande informando que umas das 50 (cinquentas) apostas ganhadoras da Lotofácil da Independência, havia sido feita naquela lotérica.

15. Como o autor tinha consciência de que os números eram muitos pequenos para serem conferidos, pediu para que a atendente fizesse a verificação do bilhete para ver se estava premiado. A Funcionária da lotérica, de má-fé, verificando que o autor era idoso, que sua visão não era boa e que era a primeira vez que jogava na “Loteria da Independência” e sabendo que aquele bilhete iria pagar a quantia de R$ 2.500,000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), aproveitou a oportunidade, passou o bilhete na máquina, viu que ele era premiado, não deixou que o autor visse corretamente onde constava que o bilhete era premiado, segurou o bilhete, distraiu o autor com inúmeras conversar e reteve de forma ardilosa o bilhete premiado, para depois, por interposta pessoa, cobrá-lo na segunda ré (Caixa Econômica Federal).

Sustenta ter percebido que foi o ganhador do prêmio somente quando avistou a faixa na lotérica (ID 265145255).

O autor demonstra que apostou nos números 02, 04,07,08, 09, 10, 11, 13, 15, 16, 18, 20, 21, 24 e 25 (ID 265145254), sendo que os sorteados números diversos, quais sejam 02, 03, 04, 05, 06, 09, 10, 12, 14, 15, 17, 19, 22, 23 e 25, razão pela qual depreende-se que e os números do prêmio ganhador eram da aposta "surpresinha", inexistindo volante de aposta.

Afirma ter tentado solucionar o problema junto ao gerente e à proprietária da lotérica, mas sem obter êxito, não havendo outra alternativa a não ser a propositura da presente ação, almejando a indenização por danos materiais correspondente ao valor do prêmio (R$ 2.500.000,00), mais danos morais não inferiores a R$ 30.000,00.

O MM. Juiz a quo entendeu pela ocorrência da prescrição, com fulcro no artigo 17 do Decreto-lei n. 204/1967, que prevê o prazo de 90 (noventa) dias para a retirada do prêmio, porquanto o sorteio foi realizado em 12/09/2021 e a presente demanda foi ajuizada em 28/03/2022, mais de 6 (seis) meses após o resultado.

Eis o teor do artigo:

Art. 17. Os prêmios prescrevem em 90 (noventa) dias a contar da data da respectiva extração.

Parágrafo único. Interrompem a prescrição:

I) - citação válida, no caso do procedimento judicial em se tratando de furto, roubo ou extravio;

II) - a entrega do bilhete para o recebimento de prêmio dentro do prazo de 90 (noventa) dias da data da extração na sede da Administração do Serviço de Loteria Federal ou nas Agências das Caixas Econômicas Federais.    

No que tange ao prazo para recebimento do prêmio, o entendimento jurisprudencial é que o prazo contido no artigo 17 do Decreto-lei n. 204/1967 é administrativo, não inibindo o ajuizamento da ação indenizatória no prazo de 3 (três) anos, consoante preconiza o artigo 206, § 3º, V, do Código Civil (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0023493-29.2014.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 18/08/2022, DJEN DATA: 23/08/2022).

No caso em testilha, o pleito está amparado na culpa in vigilando da lotérica em relação aos atos praticados por seus empregados, bem como da culpa in eligendo da CEF ao conceder a autorização à lotérica, de modo a atrair a incidência das regras do Código Civil.

Portanto, considerando-se que o sorteio foi realizado em 12/09/2021 e a presente demanda foi ajuizada em 28/03/2022, não está configurada a prescrição da pretensão do autor, razão pela qual a anulação da r. sentença é a medida que se impõe, devendo os autos retornar à Vara de origem para o cabal prosseguimento do feito.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso do autor, para fins de anular a r. sentença e determinar a remessa dos autos à Vara de origem, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. BILHETE PREMIADO. LOTOFÁCIL. INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE ILÍCITO PENAL PRATICADO PELA FUNCIONÁRIA DO ESTABELECIMENTO. CULPA IN VIGILANDO E IN ELIGENDO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL. 

1. Alega o autor que fez 4 (quatro) apostas no jogo n. 2030 da Lotofácil, sendo 1 (um) escolhido por ele  e 3 (três) pelo sistema surpresinha. 

2. Quando da conferência do resultado, assevera que a funcionária da lotérica, ao verificar que o bilhete foi premiado, o ludibriou e ardilosamente não devolveu os bilhetes a ele, para fins de ser recebido por pessoa interposta, sendo que só percebeu que foi o ganhador do prêmio quando avistou a faixa na lotérica.

3. O MM. Juiz a quo entendeu pela ocorrência da prescrição, com fulcro no artigo 17 do Decreto-lei n. 204/1967, que prevê o prazo de 90 (noventa) dias para a retirada do prêmio.

4. O entendimento jurisprudencial é que o prazo contido no artigo 17 do Decreto-lei n. 204/1967 é administrativo, não inibindo o ajuizamento da ação indenizatória no prazo de 3 (três) anos, consoante preconiza o artigo 206, § 3º, V, do Código Civil. Precedente.

5. O pleito está amparado na culpa in vigilando da lotérica em relação aos atos praticados por seus empregados, bem como da culpa in eligendo da CEF ao conceder a autorização à lotérica, de modo a atrair a incidência das regras do Código Civil.

6. Considerando-se que o sorteio foi realizado em 12/09/2021 e a presente demanda foi ajuizada em 28/03/2022, não está configurada a prescrição da pretensão do autor, razão pela qual a anulação da r. sentença é medida que se impõe.

7. Recurso provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso do autor, para fins de anular a r. sentença e determinar a remessa dos autos à Vara de origem, nos termos do voto da Des. Fed. LEILA PAIVA (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Declarou seu impedimento o Des. Fed. MARCELO SARAIVA , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEILA PAIVA
DESEMBARGADORA FEDERAL