AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007013-84.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
AGRAVANTE: ALAN DE SOUZA CASTIMARIO
Advogados do(a) AGRAVANTE: ALINE GABRIELA BRANDAO - MS18570-A, JOSLAINE VINHASQUI - PR110821, LEIDIANE GOMES CALDEIRA - MG206102
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007013-84.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO AGRAVANTE: ALAN DE SOUZA CASTIMARIO Advogado do(a) AGRAVANTE: ALINE GABRIELA BRANDAO - MS18570-A AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo em execução penal interposto pela defesa de Alan de Souza Castimário, nos autos da execução penal nº 0006956-59.2017.4.03.6000, em face da decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande/MS (id. 146365255), que homologou falta de natureza grave e alterou a data-base para obtenção da progressão de regime. Em razões recursais (id. 146365259), a defesa sustenta, em síntese, que: a) o agravante foi condenado no Procedimento Administrativo Disciplinar nº 123/2017 porque, supostamente, em 26/05/2017, infringiu o inciso V do artigo 45 do Decreto nº 6.049/07, que considera falta disciplinar grave a conduta de deixar de prestar obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deve relacionar-se; b) preliminarmente, deve ser declarada a prescrição da falta grave, mediante aplicação analógica do artigo 4º do Decreto de indulto natalino, afastado entendimento segundo o qual seria aplicável o prazo prescricional de 03 (três) anos, o menor período de tempo estabelecido pelo sistema penal brasileiro, diante da omissão legislativa; c) deve ser afastada a condenação por falta grave porque o agravante buscava seu mínimo direito de utilizar o banheiro, foi censurado em seu direito de falar, de explicar a sua versão dos fatos e de questionar a sobre o ocorrido; d) deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, diante da ausência de provas suficientes de violação das normas da unidade prisional, bem como reconhecido o estado de necessidade em que se encontrava o recorrente no momento dos fatos. Por fim, a defesa requer a anulação da decisão que homologou a falta grave, com a consequente absolvição do agravante. O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões ao agravo em execução (id. 146365264). Em sede de juízo de retratação, o Magistrado de primeiro grau manteve a decisão recorrida (id. 146365267) e os autos vieram a esta Corte Regional. A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do agravo em execução (id. 147247435). Em petição apartada, nova defesa constituída por Alan de Souza Castimário requereu a declaração da prescrição superveniente da falta grave, com a extinção a punibilidade do recorrente, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal. Aduziu que a falta disciplinar foi praticada em 26/05/2017, homologada, em 02/04/2020 e que, até a presente data, não ocorreu o julgamento do presente agravo, ausente qualquer causa suspensiva prescricional nesse período e transcorrido o prazo prescricional de 03 (três) anos (id. 302088863). Novamente instado a se manifestar (id. 302360692), o Ministério Público Federal reiterou parecer anteriormente ofertado e pugnou pelo desprovimento do agravo em execução (id. 302832462). É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007013-84.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO AGRAVANTE: ALAN DE SOUZA CASTIMARIO Advogados do(a) AGRAVANTE: ALINE GABRIELA BRANDAO - MS18570-A, JOSLAINE VINHASQUI - PR110821 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso comporta provimento. A questão controvertida refere-se à possibilidade de reconhecimento da prescrição da pretensão estatal para apuração e homologação judicial de falta disciplinar cometida durante a execução penal e, em caso afirmativo, do estabelecimento desse lapso temporal, diante da omissão legislativa. Consta dos autos a instauração do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) nº 123/2017-PFCG em face do agravante Alan de Souza Castimário para a apuração de falta de natureza grave, consubstanciada na conduta de deixar de prestar obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva se relacionar, cometida em 26/05/2017. A portaria inicial do procedimento administrativo descreveu que ao agravante, após receber visitas no setor do parlatório, proferiu dizeres e reclamações em tom alto de voz no sentido de gostaria retornar à cela para utilizar o banheiro, mesmo após ter sido advertido, enfrentou a autoridade dos agentes penitenciários e desobedeceu à ordem de manter-se em silêncio. O interno Alan de Souza Castimário foi ouvido administrativamente, apresentou defesa escrita e negou ter cometido falta grave, bem como alegou ter sido humilhado e oprimido pelos agentes em razão de sua necessidade fisiológica. Por sua vez, os agentes penitenciários federais Wilson Calado Barbosa, Sérgio Benedito de Oliveira e Ana Clara Moraes Albuquerque também foram ouvidos e confirmaram os fatos descritos na portaria inicial do PAD, no sentido de que o agravante, que se encontrava bem próximo dos agentes, pediu em voz alterada para ir até sua cela para utilizar o sanitário, além de ter questionado e desobedecido as ordens para permanecer em silêncio. Em sede administrativa, no âmbito do PAD nº 123/2017-PFCG, o recorrente foi condenado. Na sequência, o Ministério Público Federal manifestou-se pela homologação da falta grave em desfavor do preso, pois o procedimento administrativo observou a ampla defesa e o contraditório, bem como pela alteração da data base para progressão de regime para o dia 26/05/2017. A defesa de Alan de Souza Castimário alegou, preliminarmente, a ocorrência da prescrição da falta grave ou o reconhecimento do estado de necessidade e requereu a não homologação do procedimento administrativo disciplinar. Neste contexto, nos autos da execução penal nº 0006956-59.2017.4.03.6000, o Juízo da 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande/MS, ao apreciar o PAD nº 123/2017-PFCG, homologou a falta de natureza grave em desfavor do interno Alan de Souza Castimário e determinou a alteração da data-base para progressão de regime para o dia 26/05/2017 (id. 146365255), decisão ora agravada (id 146365256). Aqui, está prescrita a pretensão punitiva disciplinar. De acordo com a Lei de Execução Penal, a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho (artigo 44, caput); é dizer: abrange o cumprimento de todos os deveres do condenado (artigo 39, caput). Neste contexto, constitui dever do detento a obediência ao servidor e o respeito a qualquer pessoa com quem deva se relacionar (artigo 39, inciso II, da LEP) e comete falta grave aquele que deixar de observar esse dever (artigo 50, inciso VI, da LEP). Ainda em relação à disciplina interna no âmbito das penitenciárias federais, o Decreto Presidencial nº 6.049/07, que aprova o Regulamento Penitenciário Federal, considera falta disciplinar de natureza grave a conduta de deixar de prestar obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se (artigo 45, inciso V). Cometida a falta disciplinar no curso da execução penal, deve ser instaurado um procedimento disciplinar para sua apuração, assegurado ao condenado o direito de defesa, bem como garantida a imposição de decisão motivada (artigo 59, caput e parágrafo único, da LEP). Nesse sentido, é teor da Súmula nº 533 do Superior Tribunal de Justiça: para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. No âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do condenado e de realizar a subsunção do fato à norma penal (ou seja, avaliar se a falta é leve, média ou grave) é do diretor do presídio, em razão de ser ele o detentor do poder disciplinar. Ao Poder Judiciário cabe, apenas, aferir a legalidade do procedimento administrativo e aplicar, se for o caso, as sanções que exigem a observância à cláusula de reserva de jurisdição. Portanto, ausentes quaisquer ilegalidades, a falta disciplinar praticada deve ser homologada pelo juiz da execução. Nessa toada, diante dos primados do in dubio pro reo e do favor rei, bem como dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, é possível a declaração da prescrição da pretensão de se apurar e homologar falta disciplinar cometida no curso da execução penal. Ademais, como regra, a imprescritibilidade das sanções penais é proibida pela Constituição Federal, que somente a admite em casos específicos, ou seja, no crime de racismo e nos delitos praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, incisos XLII e XLIV). Ocorre que, no sistema processual penal brasileiro, não há previsão específica a respeito desse prazo prescricional. Diante da omissão legislativa e de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, deve ser aplicado, por analogia, o menor prazo prescricional previsto no artigo 109 do Código Penal, que é de 03 (três) anos (inciso VI). Nesse sentido: STF, Primeira Turma, Ministro Ricardo Lewandowski, HC nº 92.000/SP, j. em 13/11/2007; STJ, Sexta Turma, Ministro Antônio Saldanha Palheiro, AgRg no HC nº 779.723/SP, j. em 27/03/2023 e STJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, HC nº 527.625/SP, j. em 12/11/2019). Aqui, considerando que a falta de natureza grave foi cometida pelo agravante em 26/05/2017 e homologada judicialmente, em 02/04/2020, não transcorreu nesse período lapso superior a 03 (três) anos. No entanto, verifico que decorreu mais de 03 (três) anos entre a data da homologação judicial da falta grave (02/04/2020) e a presente data, devendo ser reconhecida a prescrição intercorrente ou superveniente da pretensão de apurar e homologar falta disciplinar, com a extinção da punibilidade do agravante. Assim, ultrapassado o lapso de 03 (três) anos sem reconhecimento judicial da falta grave, configurou-se a prescrição superveniente da pretensão punitiva disciplinar, o que torna prejudicada a análise do mérito recursal. Por fim, além de acarretar a perda do direito do Estado de impor ao condenado as sanções correspondentes previstas em lei, a prescrição da falta disciplinar de natureza grave atinge também outras consequências de caráter sancionatório, como a regressão de regime, a revogação do direito de saída temporária, a perda da remição, a conversão da pena restritiva de direitos. Ante o exposto, dou provimento ao agravo em execução interposto pela defesa para declarar extinta a punibilidade de Alan de Souza Castimário da imputação de falta grave prevista no artigo 45, inciso V, do Regulamento Penitenciário Federal (Decreto nº b6.049/2007), em razão pretensão punitiva disciplinar, na modalidade superveniente, nos termos do artigo 107, inciso IV e artigo 109, inciso VI, ambos do Código Penal e, por consequência, julgo prejudicado o exame do mérito recursal. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DECRETO 6.049/2007. HOMOLOGAÇÃO DA FALTA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR. ARTIGO 109, VI, CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
1. A prescrição da falta disciplinar acarreta a perda do direito do Estado de impor ao seu autor as sanções correspondentes previstas em lei.
2. Em razão da ausência de legislação específica, a prescrição da pretensão para apuração e homologação de falta disciplinar grave cometida durante a execução penal, regula-se, por analogia, pelo menor prazo prescricional previsto no artigo 109 do Código Penal, que é de 03 (três) anos (inciso VI).
3. Agravo em execução penal provido. Extinção da punibilidade declarada.