Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013964-68.2005.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: COMPANHIA DE HABITACAO POPULAR DE BAURU, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CELIA MIEKO ONO BADARO - SP97807-A
Advogados do(a) APELANTE: ALINE CREPALDI ORZAM - SP205243-A, IZABELA MARIA GONCALVES ZANONI MALMONGE - SP317889-A, MARCELA GARLA CERIGATTO CATALANI - SP281558-A, MILTON CARLOS GIMAEL GARCIA - SP215060-A

APELADO: ORLANDO DE QUEIROZ, SOLANGE DE SOUZA LEITE QUEIROZ, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RICARDO PEREIRA CHIARABA - SP172821-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013964-68.2005.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: COMPANHIA DE HABITACAO POPULAR DE BAURU, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CELIA MIEKO ONO BADARO - SP97807-A
Advogados do(a) APELANTE: ALINE CREPALDI ORZAM - SP205243-A, IZABELA MARIA GONCALVES ZANONI MALMONGE - SP317889-A, MARCELA GARLA CERIGATTO CATALANI - SP281558-A, MILTON CARLOS GIMAEL GARCIA - SP215060-A

APELADO: ORLANDO DE QUEIROZ, SOLANGE DE SOUZA LEITE QUEIROZ, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RICARDO PEREIRA CHIARABA - SP172821-A

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R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Cuida-se de agravo interno interposto pela Companhia de Habitação Popular de Bauru (COHAB) em face da decisão (ID 263100344, p. 299) que reconheceu que a matéria decidida no presente feito refere-se àquela discutida nos Temas nº 50 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nº 1.011 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, a COHAB opôs embargos de declaração alegando, em síntese, que houve omissão quanto à publicação daquela decisão (ID 263714807).

A agravante alega, em síntese, que há equívoco na decisão proferida, uma vez que se fundamentou na tese fixada pelo STJ no REsp nº 1.091.363/SC (Tema nº 50), que cuida de responsabilidade securitária da Caixa Econômica Federal (CEF) no caso de reparação de danos no imóvel adquirido pelo Sistema Financeiro Habitacional (SFH), ao passo que a presente demanda tem como objeto a matéria decidida no REsp nº 1.133.769 (Tema nº 323), que trata da legitimidade da CEF para figurar no polo passivo de ação objetivando a cobertura, pelo Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), na quitação de saldo devedor remanescente de financiamento habitacional após a extinção do contrato. Por isso, pede a reforma da decisão agravada, com o prosseguimento do feito e o exame de admissibilidade do recurso especial porque demonstrada a distinção entre a questão a ser decidida nessa demanda e aquela a ser julgada no recurso especial afetado (ID 271034744).

Houve manifestação da CEF e dos autores (IDs 275423127 e 302041635).

É o relatório.

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013964-68.2005.4.03.6110

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: COMPANHIA DE HABITACAO POPULAR DE BAURU, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: CELIA MIEKO ONO BADARO - SP97807-A
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V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Tendo em vista a data de publicação da decisão recorrida, aplica-se ao presente recurso o Código de Processo Civil de 2015. Incidência da orientação contida nos Enunciados Administrativos nºs 2 e 3 do Superior Tribunal de Justiça.

No caso, reconheço a existência do erro material apontado. Em razão disso, passo ao exame do agravo interno, na forma que segue.

Para que seja possível analisar a questão a respeito da existência, ou não, de eventual distinção entre a questão que é objeto desta demanda e aquela a ser julgada no recurso especial afetado, faço um breve histórico dos fatos, fundamentado no que consta dos autos.

Inicialmente, o juízo de origem proferiu sentença com o seguinte dispositivo (ID 263100493, p. 116):

Em razão do exposto, julgo procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar o direito dos autores à quitação do financiamento habitacional nos termos da Lei n.° 10.150/00, valendo-se da existência de previsão contratual da cobertura do FCVS. Após, deverão as requeridas, Caixa Econômica Federal e Companhia de Habitação Popular/Bauru, proceder a liberação da hipoteca em favor dos autores.

Condeno ainda, as requeridas ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos autores os quais arbitro, no valor de 10% do valor da causa.

Custas ex-lege.

 

Posteriormente, ante a interposição de apelações pelas corrés Caixa Econômica Federal (CEF) e Companhia de Habitação Popular de Bauru (COHAB) em face dessa sentença, o feito foi julgado pela Turma, tendo o acórdão reconhecido, de ofício, a ilegitimidade passiva da CEF, a incompetência absoluta da Justiça Federal e, por isso, foram declaradas prejudicadas as apelações. Esse acórdão tem a seguinte ementa (ID 263100493, pp. 215):

APELAÇÃO. SEU. APÓLICE DE SEGURO HABITACIONAL. FCVS. CEF. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

1. No presente recurso aplicar-se-á o CPC/73.

2. Os contratos de financiamento imobiliário celebrados fora do período de 02.12.1988 a 29.12.2009, mesmo que garantidos por apólices públicas, não eram vinculados ao FCVS, o que só passou a ocorrer a partir da edição da Lei 7.682/88.

3. Mesmo as apólices públicas (ramo 66), constituídas entre 02.12.1988 a 29.12.2009, que estejam vinculadas à garantia do FCVS, somente serão aptas a atrair o interesse da CEF se houver demonstração do comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA. Precedente do STJ, firmado nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973.

4. O contrato de financiamento imobiliário foi celebrado em 25.09.1984, fora do interregno acima, não se tratando de apólice pública garantida pelo FCVS.

5. Ilegitimidade passiva da CEF para figurar na ação. Incompetência absoluta da Justiça Federal (Súmula n° 150, STJ). Remessa dos autos à Justiça Estadual. Apelações prejudicadas.

 

Foram opostos embargos de declaração pela parte autora e pela COHAB, os quais foram rejeitados, em acórdão assim ementado (ID 263100344, pp. 100/101):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DO ART. 1.022 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO.

1.O art. 1.022 do Código de Processo Civil/15 admite embargos de declaração quando, na sentença ou no acórdão, (i) houver obscuridade ou contradição; (ii) for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal; (iii) existir erro material a ser corrigido.

2. No caso em exame, contudo, não se vislumbra a existência de qualquer um dos vícios previstos no art. 1.022 do CPC/15, pois não há contradição alguma entre a fundamentação do acórdão e a sua conclusão, tampouco entre fundamentações. Outrossim, não há omissão a ser suprida, obscuridade a ser aclarada ou erro de escrita ou de cálculo que demande correção.

3. Mesmo para fins de prequestionamento, é imprescindível, para que sejam acolhidos os embargos de declaração, a existência de algum dos vícios do art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015.

4. Ambos os embargos de declaração rejeitados.

 

Os autores e a COHAB interpuseram recurso especial e a Vice-Presidência do Tribunal determinou o sobrestamento do exame de suas admissibilidades até o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 827.996/PR (ID 263100344, pp. 228/239). Dessa decisão foram opostos embargos de declaração pela parte autora, que foram rejeitados (idem, pp. 263/264).

A COHAB requereu o prosseguimento da ação, nos termos do art. 1.037, § 9º, do Código de Processo Civil, razão pela qual os autos foram a mim remetidos (ID 263100344, p. 297), tendo decidido (idem, p. 299):

Na petição de fls. 928/933, a Companhia de Habitação Popular de Bauru - COHAB requer, com fundamento no § 9°, do artigo 1.037, do CPC/2015, o prosseguimento do feito e o exame de admissibilidade do recurso especial sobrestado por decisão da Vice-Presidência desta Corte (fls. 875/880), porquanto demonstrada a distinção entre a questão a ser decidida nessa demanda e aquela a ser julgada no recurso especial afetado.

Contudo, considerando que o feito discute sobre a cobertura do FCVS e a legitimidade da Caixa Econômica Federal - CEF para figurar na ação, tratando-se, portanto, de matéria discutida no Tema 50 do STJ e Tema 1.011 do STF, não há falar-se em distinção entre os temas.

Assim, encaminhem-se os autos à E. Vice-Presidência desta Corte.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

 

Essa é a decisão que a COHAB, ora agravante, alega não ter pertinência entre o objeto da demanda e os precedentes mencionados (Temas nº 50 do STJ e nº 1.011 do STF).

Pois bem. Os autos foram a mim remetidos pela Vice-Presidência (ID 268405208) em virtude dos embargos de declaração opostos pela COHAB (ID 263714807). Na sequência, a embargante interpôs agravo interno (271034744) com fundamento no art. 1.037, § 13, do Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 1.037 - Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:

(...)

§ 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.

§ 10 - O requerimento a que se refere o § 9º será dirigido:

(...)

III - ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem;

(...)

§ 13 - Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá:

(...)

II - agravo interno, se a decisão for do relator.

 

Inicialmente, ante a publicação da decisão (ID 263100344, p. 299), conforme ato ordinatório (ID 270000601), encontram-se prejudicados os embargos de declaração opostos pela COHAB.

O agravo interno deve ser provido porque existe o erro material nele apontado, pois este caso versa sobre ação ordinária de quitação do contrato de financiamento imobiliário com a utilização dos recursos do FCVS, e não sobre cobertura securitária por esse fundo. Por isso, dou-lhe provimento e passo ao exame da apelação, na forma que segue.

Tratam-se de apelações interpostas pela CEF e pela COHAB em face de sentença que julgou procedente o pedido para declarar o direito dos autores à quitação do saldo residual referente ao financiamento habitacional com previsão contratual de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salarias (FVCS), nos termos da Lei nº 10.150, de 21.12.2000.

Em seu recurso, a CEF alega, preliminarmente, a legitimidade passiva da União. No mérito, sustenta, em síntese, a impossibilidade de quitação pelo FCVS de mais de um saldo devedor remanescente e a necessidade de aplicação imediata da Lei nº 8.100, de 5. 12.1990, pugnando pela improcedência do pedido. Prequestiona diversos dispositivos legais (ID 263100493, pp. 124/137).

A COHAB, em seu recurso, alega, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, a legitimidade da CEF e a competência da Justiça Federal. No mérito, pugna pelo reconhecimento da responsabilidade única e exclusiva da CEF pela quitação do saldo residual do financiamento habitacional e pelo pagamento dos honorários sucumbenciais e das custas judiciais, pugnando pelo provimento da apelação para julgar extinto o processo sem julgamento de mérito e, via de consqeuência, a sua exclusão do polo passivo da demanda (ID 263100493, pp. 140/156).

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n° 13.105, de 16.3.2015) - NCPC, em 18 de março de 2016, algumas observações relativas aos recursos interpostos sob a égide do Código de Processo Civil anterior (Lei n° 5.869, de 11.01.1973) - CPC/73 são necessárias.

O art. 1.046 do NCPC dispõe que "[Ao] entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n°5.869, de 11 de janeiro de 1973".

O art. 14 do NCPC, por sua vez, dispõe que "[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Este dispositivo decorre do princípio do isolamento dos atos processuais, voltado à segurança jurídica. Isso significa que os atos praticados sob a vigência de determinada lei não serão afetados por modificações posteriores. É a aplicação do princípio tempus regit actum.

Assim, os atos praticados durante o processo, na vigência do CPC/73 não serão afetados pelo NCPC, tais como as perícias realizadas, os honorários advocatícios estabelecidos em sentença e os recursos interpostos. Portanto, no exame do presente recurso, aplicar-se-á aos honorários advocatícios o CPC/73, pois a sentença, que os estabeleceu foi publicada sob a sua vigência, consolidando-se naquele momento o direito e o seu regime jurídico.

Pela mesma razão, não incide no caso a sucumbência recursal de que trata o art. 85, § 11, do NCPC. Isso, aliás, é objeto do enunciado n° 11 do Superior Tribunal de Justiça, aprovado em sessão plenária de 9 de março de 2016:

Somente nos recursos interpostos com decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC.

 

Feitos esses esclarecimentos, para que seja possível analisar a matéria de fundo, torna-se necessário outro breve histórico dos fatos, fundamentado no que consta dos autos.

O imóvel da presente demanda, objeto do contrato nº 095.0569.54, foi adquirido (por contrato particular de promessa de compra e venda) pelo senhor Oséias Batista Vaz em 25 de setembro de 1984 da Companhia de Habitação Popular de Bauru (COHAB), com financiamento pelo SFH e previsão de cobertura pelo FCVS (ID 263100494, pp. 81/84). Esse imóvel foi vendido para os autores (por instrumento de cessão de direitos com sub-rogação de dívida hipotecária e com interveniência-anuência da credora COHAB), em 16 de outubro de 1998 (idem, pp. 85/88).

Além disso, a parte autora comprou o imóvel objeto do cadastro nº 03.46.02.0127.00.000.2.81 (por instrumento particular com força de escritura pública) junto à COHAB, em 16 de janeiro de 1998 (ID 263100494, pp. 107/108). Todavia, esse imóvel foi transmitido pelo autor a Vicente dos Santos e sua mulher, conforme registro nº 04 da respectiva matrícula perante o Primeiro Registro de Imóveis de Sorocaba, em 29 de maio de 1998 (idem, p. 109).

Em 2 de maio de 2001, a  parte autora notificou a COHAB manifestando concordância com a liquidação antecipada e a novação da dívida hipotecária pelo FCVS e declarando ciência a respeito de que a baixa da hipoteca e a lavratura da escritura definitiva somente ocorreria após a homologação desse fundo de compensação (ID 263100397, p. 68).

Em 17 de janeiro de 2005, a CEF, na qualidade de administradora do FVCS, notificou a COHAB, informando a existência de multiplicidade de financiamento habitacional no Cadastro Nacional de Mutuários (CADMUT) e, por isso, pela impossibilidade de cobertura desse fundo na quitação do saldo devedor remanescente após o término do contrato  (ID 263100397, p. 69).

Como se vê, o cerne da questão controvertida nestes autos fundamenta-se na negativa, pela CEF, de cobertura pelo FCVS, diante da suposta existência de duplicidade na aquisição de imóvel mediante financiamento pelo SFH. Assim, a sentença merece ser mantida.

A CEF é parte legítima para integrar o polo passivo da demanda em que se pretende a quitação do saldo residual pelo FCVS, por ser sucessora do BNH e também gestora desse fundo. Do mesmo modo, a eficácia do provimento proferido nestes autos depende da integração do agente financeiro (COHAB) na qualidade de destinatário do comando judicial, razão pela qual não há que falar em ilegitimidade passiva de ambos. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal:

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. FCVS. EXPEDIÇÃO DO TERMO DE LIBERAÇÃO DO GRAVAME PELA COHAB. RECUSA EM ENTREGÁ-LO AO MUTUÁRIO POR CONTA DE TRATATIVAS INTERNAS. CONDENAÇÃO EXCLUSIVA DA COHAB NOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

1. Preliminar de ilegitimidade passiva da CEF rejeitada. A CEF incorporou as competências do Banco Nacional de Habitação quando foi extinto através da Resolução nº 25, de 16.06.67 e que tinha por objetivo principal assumir a responsabilidade pelo saldo devedor dos mutuários, por ocasião do pagamento da última prestação. Assim, tendo o mutuário quitado as prestações avençadas, resíduo houvesse, este seria quitado por referido fundo.

2. Dessa forma, havendo a cobertura do FCVS, cuja administração incumbe à Caixa Econômica Federal, há clara necessidade da presença desta no polo passivo da demanda. Precedentes.

3. Compulsados os autos, pela simples análise dos documentos carreados tanto pela parte autora quanto pelas rés verifica-se que o contrato de financiamento, foi quitado, incidindo os recursos do FCVS, conforme alega a CEF em sua contestação. Em virtude da negativa de liberação do gravame hipotecário por parte da Cohab, ajuizou a parte autora a referida ação, havendo informações documentadas nos autos de que a CEF fez a análise financeira-documental e homologou o relatório final, confirmando que o contrato conta com cobertura do FCVS com percentual de participação igual a 100%, endereçando-o à Cohab.

4. As rés não questionam o direito da parte autora à quitação do saldo residual do contrato com recursos do FCVS, mas divergem a respeito da responsabilidade na finalização do procedimento de quitação do saldo devedor residual.

5. A CEF não se opôs à expedição do termo de quitação, esclarecendo que esta não estava sendo possível porque a Cohab não procedeu à novação do contrato com a União Federal.

6. Em carta enviada ao mutuário afirma a Cohab que não liberou a hipoteca tendo em vista a demora do FCVS em efetuar o pagamento do saldo devedor residual.

7. Não cabe ao mutuário aguardar a solução das questões referentes às tratativas entre a Cohab, CEF/FCVS e à União Federal para ter seu direito contratual e legal reconhecido.

8. Não se infirmam os fundamentos da sentença ao aduzir que "havendo o promitente comprador honrado integralmente suas obrigações contratuais, fato que não foi questionado pelas rés, não pode ser submetido à espera pela formalização da novação por prazo indeterminado, senão em razão do princípio da razoabilidade, também pelo determinado na cláusula quinta do compromisso por ele firmado com a promitente vendedora".

9. Estabelece o contrato que atingido o término do prazo contratual e uma vez pagas todas as prestações o credor dará quitação ao devedor, de quem nenhuma importância poderá ser exigida com fundamento no respectivo instrumento.

10. A Cohab é a verdadeira responsável pela negativa da liberação da hipoteca do imóvel, não havendo nos autos elementos que demonstrem que ela sequer tenha iniciado tratativas internas para a solução do impasse com o FCVS, sendo evidente sua resistência à pretensão da parte autora.

11. Tendo em vista a incidência do princípio da causalidade em relação às verbas da sucumbência deve a Cohab ser condenada ao pagamento das verbas de sucumbência, porquanto até o momento continua resistindo à pretensão dos autores, requerendo em suas contrarrazões de apelação que seja determinado ao FCVS/CEF que quite o saldo residual para então proceder à outorga da escritura, o que vai de encontro com as disposições legais e contratuais aqui relacionadas.

12. Recurso da CEF parcialmente provido para condenar exclusivamente a Cohab a expedir em favor dos autores o documento de quitação do saldo devedor e liberação da hipoteca, no prazo de 30 dias da intimação do resultado do julgamento, e para arbitrar honorários sucumbenciais e recursais nos termos referidos.

(ApCiv nº 0008491-67.2015.4.03.6105/SP, Primeira Turma, relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, j. 19.12.2019, p. 09.01.2020)

 

Pois bem. A Lei 4.380/1964, em seu art. 9º, previa que cada mutuário só poderia adquirir um imóvel residencial na mesma localidade pelo SFH. O mutuário que já fosse proprietário de imóvel assim financiado comprometia-se, mediante declaração firmada no ato da assinatura do contrato, a alienar o imóvel anterior, no prazo de cento e oitenta dias, contados da data da concessão do mútuo. Nessa linha, não havia na legislação regente, quando da contratação, a penalidade de perda de cobertura do FCVS, no caso de multiplicidade de cobertura, mas apenas o vencimento antecipado da dívida, caso o contratante não vendesse o imóvel pretérito no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.

Quanto ao disposto na Lei nº 8.100/1990, observo que o seu próprio art.3º, com redação dada pela Lei nº 10.150/2001, esclareceu que somente haveria aplicação da norma para contratos firmados após 5 de dezembro de 1990. Assim, ainda que o mutuário tenha contratado duplo financiamento pelo SFH, com cobertura pelo FCVS para imóveis localizados no mesmo município, o contrato em análise foi celebrado antes do advento da Lei nº 8.100/1990, que restringiu a quitação pelo referido fundo de um único saldo devedor. Em atenção ao ato jurídico perfeito e consequente irretroatividade da lei (CF, art. 5º, inc. XXXVI; LICC, art. 6º), a restrição imposta pelo art. 3º da Lei nº 8.100/1990, no sentido da inexistência de outro financiamento com cobertura do Fundo, não alcança contrato assinado em data anterior à vigência do aludido diploma legal.

As negativas de quitação expedidas pelos agentes financeiros, com base nessas restrições legais, têm sido reiteradamente desconsideradas nas decisões judiciais, que passaram a reconhecer o direito do mutuário à liquidação de seus contratos, ressalvando o direito do agente financeiro de se habilitar junto ao FCVS para resgatar as contribuições já recolhidas, conforme previsto contratualmente.

Descabida, ainda, a pretensão do agente financeiro de penalizar o mutuário por eventual omissão sobre a existência de duplicidade de contratos, somente após o recolhimento de todas as parcelas de contribuição ao Fundo e demais prestações programadas no contrato. Ou, ainda, de vedar a liquidação do segundo financiamento quando o primeiro - celebrado antes das restrições legais editadas -, já se encontra extinto.

Portanto, a duplicidade não impõe óbice à habilitação do saldo devedor junto ao FCVS, desde que haja contribuição a tal fundo e que o contrato tenha sido assinado em momento anterior à vigência da legislação restritiva, ou seja, 5 de dezembro de 1990.

No caso, o contrato de mútuo originário foi firmado em 25 de setembro de 1984 e prevê o prazo de 293 (duzentos e noventa e três) meses para a quitação da dívida, conforme cláusula terceira (ID 263100494, p. 82), que dispõe:

TERCEIRA: Por este instrumento e na melhor forma de direito, pelo preço certo e convencionado, constante do item 3, que o(s) CEDENTE(S) declara(m) ter(em) recebido do(s) CESSIONÁRIO(S) e que dá(ão) plena quitação, cede(m) e transfere(m) ao(s) CESSIONÁRIO(S) todos os direitos e obrigações de que era(m) titular(es) por força do(s) instrumento(s) descrito(s) no item 2, transferindo-lhe(s) desde já toda a posse, direitos e ações que tinha(m) e exercia(m) sobre o imóvel descrito no subitem 2.1. declarando o(s) CESSIONÁRIO(S) que conhece(m) todos os itens, cláusulas e condições do instrumento de compromisso de promessa de compra e venda, mencionado no item 2.

 

Com efeito, ante a sub-rogação com a anuência das corrés, conforme disposto na cláusula décima primeira desse contrato (ID 263100494, p. 87), a parte autora substituiu o mutuário originário. Por isso, afasto a alegação das corrés quanto ao fato de o contrato de cessão datar do ano de 1998, após o advento da Lei nº 8.100/1990, uma vez que decorre da extensão do vínculo originário, pactuado em 25 de setembro de 1984.

Assim, na hipótese em tela, como o contrato de mútuo foi celebrado em 1984, antes da data prevista na norma acima referida (05.12.1990), a existência de duplicidade de financiamento não afasta o direito do mutuário de obter a quitação do imóvel. Além disso, não bastasse, verifico que, como dito acima, a parte autora transferiu, em 29 de maio de 1998, a outra propriedade então financiada pelo SFH, de modo que a aquisição do imóvel desta demanda (16.10.1998) não poderia ser considerada para efeitos de multiplicidade de financiamento.

Portanto, uma vez cumpridas todas as obrigações firmadas no contrato, tem a parte autora o direito de exigir a liberação da dívida e da respectiva hipoteca, merecendo ser mantida a sentença.

Sobre o pagamento do saldo devedor residual dos contratos vinculados ao SFH, firmou-se na jurisprudência posição no sentido de atribuir-se ao FCVS a responsabilidade pela quitação, uma vez que a parte mutuária contribuiu para o Fundo com essa finalidade. Tal ônus deve ser suportado pelo FCVS, representado pela Caixa, gestora dos recursos desse fundo.

Por oportuno, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese a esse respeito no julgamento do REsp nº 1.133.769/RN (Tema nº 323), em sede repetitiva (CPC, art. 543-C), com a seguinte redação: "O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS é responsável pela quitação do saldo residual de segundo financiamento nos contratos celebrados até 05.12.1990, ante a ratio essendi do art. 3º da Lei 8.100/90, com a redação conferida pela Lei n 10.150, de 21.12.2001". O acórdão tem a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO. LEGITIMIDADE. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SUCESSORA DO EXTINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO FCVS. CONTRATO DE MÚTUO. DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS 8.004/90 E 8.100/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULAS 282 E 356/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

1. A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o polo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da União como litisconsorte não viola o artigo 7.º, inciso III, do Decreto-lei n.º 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/12/2008; REsp 1044500/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 22/08/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; e REsp 684.970/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 20/02/2006.

2. As regras de direito intertemporal recomendam que as obrigações sejam regidas pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham base contratual ou extracontratual.

3. Destarte, no âmbito contratual, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram, sendo certo que no caso sub judice o contrato foi celebrado em 27/02/1987 (fls. 13/20) e o requerimento de liquidação com 100% de desconto foi endereçado à CEF em 30.10.2000 (fl. 17).

4. A cobertura pelo FCVS - Fundo de Compensação de Variação Salarial é espécie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato, consistente em resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário.

5. Outrossim, mercê de o FCVS onerar o valor da prestação do contrato, o mutuário tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida, desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio.

6. Deveras, se na data do contrato de mútuo ainda não vigorava norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e consequente vedação da liquidação do referido vínculo.

7. In casu, à época da celebração do contrato em 27/02/1987 (fls. 13/20) vigia a Lei n.º 4.380/64, que não excluía a possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado.

8. A alteração promovida pela Lei n.º 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei n.º 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. Precedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 23/09/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; REsp 884.124/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 20/04/2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 24/05/2007.

9. O FCVS indicado como órgão responsável pela quitação pretendida, posto não ostentar legitimatio ad processum, arrasta a competência ad causam da pessoa jurídica gestora, responsável pela liberação que instrumentaliza a quitação.

11. É que o art. º da Lei 8.100/90 é explícito ao enunciar: "Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 21.12.2001)

12. A Súmula 327/STJ, por seu turno, torna inequívoca a legitimatio ad causam da Caixa Econômica Federal (CEF).

14. A União, ao sustentar a sua condição de assistente, posto contribuir para o custeio do FCVS, revela da inadequação da figura de terceira porquanto vela por "interesse econômico" e não jurídico.

15. A simples indicação do dispositivo legal tido por violado (art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF.

17. Ação ordinária ajuizada em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL -CEF, objetivando a liquidação antecipada de contrato de financiamento, firmado sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação, nos termos da Lei 10.150/2000, na qual os autores aduzem a aquisição de imóvel residencial em 27.02.1987 (fls. 13/20) junto à Caixa Econômica Federal, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais, motivo pelo qual, após adimplidas todas a prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, fariam jus à habilitação do saldo devedor residual junto ao mencionado fundo.

18. Recurso Especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp nº 1.133.769/RN, Primeira Seção, rel. Ministro Luiz Fux, j. 25.11.2009, p. 18.12.2009 - grifei)

 

Esse entendimento também está consolidado neste Tribunal Regional Federal, como se verifica, a título exemplificativo, nas seguintes ementas:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. CEF. LEGITIMIDADE. TÉRMINO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL. FCVS. TEMA Nº 323 DO STJ.

1. O art. 1.022 do Código de Processo Civil/15 admite embargos de declaração quando, na sentença ou no acórdão, (i) houver obscuridade ou contradição; (ii) for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal; (iii) existir erro material a ser corrigido.

2. O cerne da questão controvertida nestes autos fundamenta-se na negativa pela CEF de cobertura pelo FCVS, diante da existência de duplicidade na aquisição de imóvel mediante financiamento do SFH. 

3. A CEF é parte legítima para integrar o polo passivo da demanda em que se pretende a quitação do saldo residual pelo FCVS, por ser sucessora do BNH e também gestora desse fundo.

4. A duplicidade não impõe óbice à habilitação do saldo devedor junto ao FCVS, desde que haja contribuição a tal fundo e que o contrato tenha sido assinado em momento anterior à vigência da legislação restritiva, ou seja, 05 de dezembro de 1990. 

5. No caso, como o contrato de mútuo foi celebrado em 1984, antes, portanto, da data prevista na norma acima referida (05.12.1990), a existência de duplicidade de financiamento não afasta o direito do mutuário de obter a quitação do imóvel.

6. Sobre o pagamento do saldo devedor residual dos contratos vinculados ao SFH, firmou-se, na jurisprudência pátria, posição no sentido de atribuir-se ao FCVS a responsabilidade pela quitação, uma vez que a parte mutuária contribuiu para o Fundo com esta finalidade.

7. Embargos declaratórios acolhidos.

(ApCiv nº 0002043-39.2014.4.03.6110/SP, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 09.8.2024, p. 16.8.2024)

 

APELAÇÃO. QUITAÇÃO DE FINANCIAMENTO. SALDO RESIDUAL. COBERTURA DO FCVS. INTERVENÇÃO DA UNIÃO DESCABIDA. RECURSO DA CEF. APELAÇÃO IMPROVIDA.

- A Caixa Econômica Federal é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda. Por força do artigo 1º, §1º, do Decreto-Lei nº 2.291/86, sucedeu legalmente o Banco Nacional da Habitação - BNH, passando a ser responsável pela gestão do Fundo de Compensação de Variações Salariais. Desnecessária a presença da União no polo passivo da ação. Precedente do STJ.

- Funcionária pública e outros, em 27/02/1987, celebraram o Contrato de Compromisso de Venda e Compra para adquirir imóvel nesta Capital com recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), sendo as parcelas reajustadas de acordo com o Plano de Equivalência Salarial, tendo o IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo (antigo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo) como agente financeiro.

- Prestações estipuladas no contrato foram devidamente quitadas e sobre esse ponto não há divergência, restando apenas o saldo residual que, a princípio, deveria ter sido liquidado com recursos do Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS.

- Solicitação de reabertura dos cadastros, dirigida à Caixa Econômica Federal, para a aplicação do FCVS, recusada em razão da constatação de multiplicidade de financiamentos pelo mutuário.

- A entidade bancária aplicou a vedação do artigo 3º da Lei 8.100/1990 de forma equivocada. Isto porque, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei, a própria alteração superveniente da legislação (no caso o artigo 3º da Lei n. 8.100/1990) reconheceu o direito do mutuário à quitação de mais de um eventual saldo remanescente pelo FCVS, relativamente aos contratos firmados até 05/12/1990.

- Encontra-se sedimentado a possibilidade de cobertura de mais de um saldo devedor pelo Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS, quando a celebração do contrato se deu anteriormente à vigência do art. 3º da Lei nº 8.100/90.

- Apelação da União Federal não conhecida. Apelação da CEF, rejeitada a matéria preliminar e improvido o mérito da questão.

(ApCiv nº 5026768-56.2018.4.03.6100, Primeira Turma, Rel. Desembargador Federal Davi Diniz Dantas, j. 26.6.2024, p. 07.7.2024)

 

APELAÇÃO CÍVEL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. QUITAÇÃO DO SALDO RESIDUAL. COBERTURA DO FCVS. MULTIPLICIDADE DE FINANCIAMENTOS. CONTRATOS CELEBRADOS ANTERIORMENTE À LEI Nº 8.100/1990. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.

- A questão em debate diz respeito à possibilidade de se utilizar o FCVS para quitação de mais de um contrato de financiamento imobiliário. Inicialmente, não existia previsão legal que impusesse restrição à utilização do FCVS para quitação de mais de um financiamento por mutuário, mas a limitação surgiu apenas com a promulgação da Lei nº 8.100, de 05/12/1990.

- Tal dispositivo legal, entretanto, ganhou nova redação com a Lei nº 10.150/2000, que dispôs o seguinte: “O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS”.

- A questão, atualmente, encontra-se amplamente pacificada, tanto pela alteração legislativa acima mencionada, como também por haver sido objeto de julgamento pelo C. STJ, em sede de recurso especial repetitivo (Tema 323), no qual foi firmado entendimento no sentido de que a União Federal não possui legitimidade para integrar o polo passivo em tais demandas, assim como reconheceu-se a possibilidade de quitação do saldo residual de mais de um financiamento, pelo FCVS, desde que o contrato seja anterior à vigência da Lei nº 8.100/1990, ao argumento de que referida norma não pode retroagir aos contratos celebrados anteriormente. Precedentes do C. STJ e desta E. Corte.

- É possível a utilização do FCVS para quitação de mais de um saldo residual do mesmo mutuário, desde que o contrato tenha sido celebrado até 05/12/1990, em observância aos primados da irretroatividade das leis e do tempus regit actum.

- Deve ser aplicado, no caso, o prazo decenal previsto no art. 205, do Código Civil, com termo inicial a partir da data da negativa de cobertura. A negativa da CEF à instituição financeira ocorreu em 06/05/2013 e foi comunicada à parte autora em 07/04/2015, enquanto que a presente ação foi ajuizada em 11/06/2021, sendo forçoso reconhecer que não transcorreu o prazo prescricional decenal.

- No caso dos autos, o contrato foi celebrado anteriormente à vigência da Lei nº 8.100/1990 e contava com cobertura do FCVS, de modo que a parte autora faz jus à quitação do saldo residual e, consequentemente, ao cancelamento da hipoteca que grava o imóvel objeto do contrato em debate.

- Apelação não provida.

(ApCiv nº 5015007-23.2021.4.03.6100, Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Carlos Francisco, j. 08.11.2023, p. 13.11.2023)

 

Posto isso, DOU PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO, para reconhecer a existência de distinção entre o objeto da presente demanda e o do Tema nº 50 do STJ, e NEGO PROVIMENTO às apelações, mantendo na íntegra a sentença para que seja quitado antecipadamente o saldo devedor residual do contrato de financiamento habitacional nº 095.0569.54 e, por conseguinte, o cancelamento da hipoteca que recai sobre o imóvel financiado, nos termos da Lei nº 10.150/2000, a ser suportado pelo FCVS.

Decorrido o prazo para eventual recurso, devolvam-se os autos à Vice-Presidência.

É o voto.



E M E N T A

APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO INTERNO. CEF E COHAB BAURU. LEGITIMIDADE PASSIVA. TÉRMINO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL. FCVS. TEMA Nº 323 DO STJ.

1. O agravo interno deve ser provido porque existe o erro material apontado nele apontado, pois este caso versa sobre ação ordinária de quitação do contrato de financiamento imobiliário com a utilização dos recursos do FCVS, e não sobre cobertura securitária por esse fundo.

2. O cerne da questão controvertida nestes autos fundamenta-se na negativa, pela CEF, de cobertura pelo FCVS, diante da suposta existência de duplicidade na aquisição de imóvel mediante financiamento pelo SFH.

3. A CEF é parte legítima para integrar o polo passivo da demanda em que se pretende a quitação do saldo residual pelo FCVS, por ser sucessora do BNH e também gestora desse fundo. Do mesmo modo, a eficácia do provimento proferido nestes autos depende da integração do agente financeiro (COHAB) na qualidade de destinatário do comando judicial, razão pela qual não há que falar em ilegitimidade passiva de ambos.

4. A duplicidade não impõe óbice à habilitação do saldo devedor junto ao FCVS, desde que haja contribuição a tal fundo e que o contrato tenha sido assinado em momento anterior à vigência da legislação restritiva, ou seja, 5 de dezembro de 1990.

5. No caso, como o contrato de mútuo foi celebrado em 1984, antes da data prevista na norma (05.12.1990), a existência de duplicidade de financiamento não afasta o direito do mutuário de obter a quitação do imóvel.

6. Sobre o pagamento do saldo devedor residual dos contratos vinculados ao SFH, firmou-se na jurisprudência posição no sentido de atribuir-se ao FCVS a responsabilidade pela quitação, uma vez que a parte mutuária contribuiu para o Fundo com essa finalidade. Tal ônus deve ser suportado pelo FCVS, representado pela Caixa, gestora dos recursos desse fundo.

7. Agravo interno provido. Apelações não providas.
 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO, para reconhecer a existência de distinção entre o objeto da presente demanda e o do Tema nº 50 do STJ, e NEGAR PROVIMENTO às apelações, mantendo na íntegra a sentença para que seja quitado antecipadamente o saldo devedor residual do contrato de financiamento habitacional nº 095.0569.54 e, por conseguinte, o cancelamento da hipoteca que recai sobre o imóvel financiado, nos termos da Lei nº 10.150/2000, a ser suportado pelo FCVS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
NINO TOLDO
DESEMBARGADOR FEDERAL