APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007621-43.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PROCURADOR: PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO
APELADO: WU DONGLIANG
Advogados do(a) APELADO: ARLEY CESAR FELIPE - MG57792-A, THIAGO BARROSO RODRIGUES CARVALHO - MG141968-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007621-43.2020.4.03.6110 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: WU DONGLIANG Advogados do(a) APELADO: ARLEY CESAR FELIPE - MG57792-A, THIAGO BARROSO RODRIGUES CARVALHO - MG141968-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Sorocaba (SP) que, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, absolveu WU DONGLIANG da imputação de prática dos crimes previstos no art. 304, c.c. o art. 299, do Código Penal e no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/1980, em concurso formal (CP, art. 70). A denúncia (ID 282460597, pp. 23/25), recebida em 09.5.2012 (idem, pp. 31/33) narra: Consta dos autos que, as denunciadas, previamente ajustadas e em unidade de desígnios, inseriram declaração falsa em documento particular, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Segundo consta, WU DONGLIANG, a pedido de RIXIAO XU, elaborou declaração falsa, na qual afirmou que RIXIAU XU trabalhava em sua empresa, "Wu Bijouterias LTDA ME”, desde de 16 de dezembro de 2008, com o intuito de conseguir a anistia prevista na Lei n0 11.961/2009, que dispõe que o estrangeiro em situação irregular no país que ingressou até o dia 11 de fevereiro de 2009, pode requerer residência provisória ao Ministério da Justiça. A falsidade da declaração foi descoberta pelo Departamento de Polícia Federal Coordenação-Geral de Polícia de Imigração Divisão de Cadastro e Registros de Estrangeiros-DICRE/CGPI/DIREX, que enviou o ofício nº 1473/2010 para a Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba/SP, afirmando que consta no movimento imigratório de chegada ao Brasil que RIXIAO XU chegou em maio de 2009, portanto, não poderia estar trabalhando para a sociedade empresária acima especificada em dezembro de 2008. Em sede policial (fls.19/20), WU DONGLIANG afirmou ser sua a assinatura aposta na declaração falsa. Afirmou, ainda, que RIXIAU XU, na realidade, somente começou a trabalhar em sua empresa após fevereiro de 2009, tendo declarado data diversa da verdadeira para ajudar RIXIAU XU a regularizar sua situação no país. A materialidade está demonstrada pela declaração juntada às fls. 08, na qual consta a informação falsa de WU DONGLIANG, pelo ofício de fls. 04, afirmando ser a declaração falsa e, ainda, pelo documento constante às fls. 14, mostrando que RIXIAU XU entrou no Brasil no dia 12 de maio de 2009, não podendo estar trabalhando no período declarado. A autoria restou comprovada tanto pelo laudo do exame grafotécnico de fls. 37/41, afirmando que a assinatura poderia ter sido escrita por WU DONGLIANG, como pelo seu depoimento em sede policial, afirmando ser sua a assinatura. Os documentos mostraram-se potencialmente lesivos, tendo em vista que RIXIAU XU, na posse de tal declaração poderia ter conseguido ilegalmente a residência provisória no país. Felizmente a falsidade foi descoberta devido às pesquisas realizadas em nome da imigrante RIXIAU XU, sendo possível a verificação de sua entrada posterior à data da declaração no Brasil. Conclui-se, pois, que, com vontade livre e consciente, as denunciadas, previamente ajustadas e em unidade de desígnios, inseriram declaração falsa em documento particular, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Houve o aditamento da denúncia (ID 282460597, pp. 28/29), recebido em 09.5.2012 (idem, pp. 31/33), para incluir as seguintes alterações: “onde lê "incursas nas sanções do artigo 299, "caput", combinado com o artigo 29, ambos do Código Penal, para "incursos nas sanções dos artigos 125, XIII, da Lei n0 6.815/1980, e 304 c.c. 299, caput, todos combinados com os artigos 29 e 70, todos do Código Penal". Ademais, onde se lê "Conclui-se, pois, que, com vontade livre e consciente, os denunciados, previamente ajustados e em em unidade de desígnios, inseriram declaração falsa em documento particular com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante" para "Desse modo, Em dezembro de 2009, na Delegacia da Polícia Federal em Sorocaba/SP, RIXIAO XU, chinesa, declarou falsamente que havia ingressado no Brasil em 08 de dezembro de 2008, por Foz do Iguaçu/PR (fls. 06 e verso, e 88/89), bem como apresentou documento ideologicamente falso (fls. 08), ao requerer, para si, registro de estrangeiro no Brasil (fis. 05/14), para se beneficiar de anistia (necessária prova de ingresso no País antes de 1º de fevereiro de 2009, consoante Lei 11.961/2009 - fls. 04). Conclui-se que RIXIAO XU, com vontade livre e consciente, fez declaração ideologicamente falsa para instruir processo de registro para estrangeiro, bem como, para instruí-lo, fez uso de documento particular ideologicamente falso, de autoria, também com vontade livre e consciente, de WU DONGLIANG, que fez inserir naquele declaração falsa, para alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, e que estava previamente ajustado e em comunhão de desígnios com RIXIAO XU, para elaboração e o uso do documento falso, bem como para a obtenção do referido registro". O curso do processo e do prazo prescricional permaneceram suspensos no período de 10.6.2016 (ID 282460597, pp. 11/13) a 09.6.2022 (ID 282460621, pp. 11/12), tendo o feito sido desmembrado em relação a RIXIAO XU (autos nº 0000502-97.2012.4.03.6110 - ID 282460376, p. 2). A sentença (ID 282460877) foi publicada em 11.10.2023. Considerando que a Lei nº 6.815/1980 foi revogada expressamente pela Lei nº 13.445/2017, o juízo procedeu à emendatio libelli para adequação da conduta narrada na denúncia ao tipo penal descrito no art. 299 do Código Penal. Em seu recurso (ID 282460882), o MPF pede a reforma da sentença para que o réu seja condenado pela prática dos crimes previstos no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/1980 e no art. 304, c.c. art. 299, caput, do Código Penal. Foram apresentadas contrarrazões (ID 282460885). A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento da apelação, para que o apelado seja condenado pela prática do crime tipificado no art. 299 do Código Penal (ID 283284740). Tendo em vista o julgamento do Habeas Corpus nº 185.913/DF, na sessão plenária de 18 de setembro de 2024, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional da República (PRR) para manifestação acerca do cabimento ou não de acordo de não persecução penal (ANPP) no caso concreto (ID 306360809). A PRR requereu a intimação da defesa para que se pronunciasse a respeito da confissão formal e circunstanciada da prática de infração penal pelo apelado (ID 306637710). A defesa declinou da eventual oferta de acordo, argumentando que não houve a prática do crime imputado ao apelado (ID 307361631). É o relatório. À revisão.
PROCURADOR: PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007621-43.2020.4.03.6110 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: WU DONGLIANG Advogados do(a) APELADO: ARLEY CESAR FELIPE - MG57792-A, THIAGO BARROSO RODRIGUES CARVALHO - MG141968-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença que absolveu WU DONGLIANG da imputação da prática do crime de falsidade ideológica. O MPF requer a condenação do réu pela prática dos crimes previstos no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) e no art. 304, c.c. o art. 299, caput, do Código Penal. A Lei nº 6.815, de 19.8.1980, foi expressamente revogada pela Lei nº 13.445, de 24.5.2017 (art. 124, II), que não mais tipifica a conduta específica de "fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída". Contudo, essa conduta não deixou de ser crime no Brasil. Fazer declaração falsa para essas finalidades continua sendo crime, mas não pela legislação específica relativa ao estrangeiro, e sim pelo Código Penal, cujo art. 299 prevê o crime de falsidade ideológica, que tem pena prevista de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento for público, e reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento for particular. Portanto, a conduta imputada ao apelado amolda-se ao tipo penal previsto no art. 299 do Código Penal. O MPF pede a reforma da sentença absolutória, argumentando que existem elementos de provas suficientes para a condenação do apelado. Diz que não há razoabilidade para crer que o ele desconhecia a língua portuguesa na data dos fatos, pois teria prestado declarações em sede policial sem ajuda de intérprete e mantinha uma empresa de comércio de bijuterias. Sem razão, porém. A materialidade e a autoria estão comprovadas pela declaração assinada pelo apelado (ID 282460598, p. 80) e pelo laudo de perícia criminal federal (ID 282460599, pp. 20/24), que atestou a semelhança da assinatura, conforme se verifica no seguinte trecho: Os elementos de convergência identificados entre os lançamentos manuscritos do documento questionado e os do material padrão foram insuficientes para determinação inequívoca da autoria dos lançamentos, devido à simplicidade dos traços presentes no documento questionado. Entretanto, ressalta-se que o lançamento manuscrito (assinatura) do material questionado pode ter partido do mesmo punho fornecedor do material padrão. Os elementos informativos colhidos na fase de investigação podem servir de instrumento para a formação da convicção do juiz desde que corroborados por elementos probatórios obtidos durante a instrução processual, sob contraditório. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, o juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. No caso, o apelado declarou à autoridade policial (ID 282460598, p. 92-93): Em sede policial o acusado declarou que QUE o declarante informa ser proprietário do estabelecimento denominado WU BIJOUTERIAS LTDA. ME, localizado no endereço supracitado; QUE referido comercio foi aberto provavelmente em outubro de 2008; QUE confirma que a chinesa RIXIAO XU trabalhou no referido comércio por aproximadamente três meses, não se recordando se tal fato se deu no ano de 2008 ou 2009; QUE com relação ao teor da declaração de fls. 08, onde é informado que RIXIAO XU iniciou seus trabalhos na empresa supracitada em dezembro de 2008 e que em dezembro de 2009 ainda trabalhava no local, o declarante alega que o contador elaborou tal documento deve ter se enganado com tal data; QUE reconhece como sua a assinatura aposta no documento de fl.08; QUE informa que RIXIAO XU não reside mais em ltapetininga/SP, não sabendo informar seu atual endereço; QUE com relação a discrepância existente entre a data de ingresso de RIXIAO XU no Brasil, em maio de 2009, e a data constante da Declaração de fl. 08, dezembro de 2008, o declarante alega que a pessoa mencionada no documento de f1.04 deve tratar-se de homônimo, vez que é comum Chineses possuírem o mesmo nome; QUE o declarante esclarece que na verdade RIXIAO XU não trabalhava na empresa em dezembro de 2008, mas sim após fevereiro de 2009, data posterior a prevista na Lei 11.96112009, razão pela qual RIXIAO XU, pediu ao declarante que elaborasse uma declaração onde constasse que ela trabalhava na empresa desde o ano de 2008; QUE informa que não imaginava que estaria cometendo um crime algo diverso da realidade; QUE o declarante elaborou o documento de fl.08, apenas para ajudar sua funcionária RIXIAO XU; QUE alega nunca foi preso ou processado criminalmente; QUE deseja acrescentar que apenas quis ajudar uma compatriota e jamais imaginou que estivesse cometendo um crime ao assinar a declaração de fl.08; QUE concorda em fornecer material grafico para confrontação com o do documento de fl.08. Extrai-se que, apesar das declarações do apelado de que teria assinado o documento, os elementos probatórios existentes nos autos não permitem a formação de juízo de certeza a respeito da sua consciência de que praticara um crime. A propósito, destaco o seguinte trecho da sentença: Em que pesem as alegações da acusação e de restar comprovado que o denunciado assinou a declaração de endereço para Rixiao Xu, não há prova de que o WU DONGLIANG tinha conhecimento do seu conteúdo, uma vez que desconhecia a língua portuguesa à época e ainda a desconhece, como ficou demonstrado em audiência, quando necessitou de intérprete para auxílio em seu interrogatório. A testemunha de acusação disse não se recordar se o denunciado apresentou dificuldade em entender o idioma quando da sua oitiva em sede policial. Por sua vez, as informantes afirmaram que o denunciado não se comunica na língua portuguesa, pois não fala, não lê, nem escreve o idioma. Ou seja, não há prova inequívoca de que o denunciado teria, livre e conscientemente, assinado declaração falsa de que Rixiao Xu trabalhava na empresa WU BIJOUTERIAS LTDA ME desde 16 de dezembro de 2008. Nesse contexto, o acervo fático-probatório não se mostra seguro e robusto para se afirmar, de forma estreme de dúvida, que o denunciado tinha a intenção de praticar o fato criminoso descrito na denúncia. É ônus da acusação produzir prova suficiente e apta a demonstrar, de forma inequívoca, a autoria e dolo do agente e, uma vez inexistindo prova suficiente que ateste a presença de dolo, deve prevalecer o princípio in dubio pro reo, sendo a absolvição medida que se impõe, porquanto o delito previsto no artigo 299 do CP não prevê a modalidade culposa. Portanto, o conjunto probatório não oferece a robustez necessária para sustentar um decreto condenatório, razão pela qual a absolvição do apelado deve ser mantida, com fundamento no princípio in dubio pro reo. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
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E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. LEI Nº 6.815/1980. ART. 125, XIII. DOCUMENTO IDEOLOGICAMENTE FALSO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. A Lei nº 6.815, de 19.8.1980, foi expressamente revogada pela Lei nº 13.445, de 24.5.2017 (art. 124, II), que não mais tipifica a conduta específica de "fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída". Contudo, essa conduta não deixou de ser crime no Brasil.
2. Fazer declaração falsa para essas finalidades continua sendo crime, mas não pela legislação específica relativa ao estrangeiro, e sim pelo Código Penal, cujo art. 299 prevê o crime de falsidade ideológica, que tem pena prevista de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento for público, e reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento for particular. Portanto, a conduta imputada ao apelado amolda-se ao tipo penal previsto no art. 299 do Código Penal.
3. Materialidade e autoria comprovadas, mas há dúvida em relação ao dolo.
4. Os elementos informativos colhidos na fase de investigação podem servir de instrumento para a formação da convicção do juiz desde que corroborados por elementos probatórios obtidos durante a instrução processual, sob contraditório. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, o juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.
5. Os elementos probatórios existentes nos autos não permitem a formação de juízo de certeza a respeito da consciência do apelado de que praticara um crime ao assinar documento apresentado em procedimento de regularização de estrangeiro.
6. Apelação não provida.