APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006797-67.2023.4.03.6114
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CIRENE ALVES DA COSTA
Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006797-67.2023.4.03.6114 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CIRENE ALVES DA COSTA Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial para declarar inexigíveis os valores pagos à autora a título do benefício assistencial sob nº 88/527.299.591-7, no período de 01/10/2013 a 30/09/2020, e determinar a suspensão dos descontos eventualmente realizados no mencionado benefício. Em suas razões recursais, a Autarquia Previdenciária sustenta, em síntese, que, constatada por prova documental a irregularidade na percepção da prestação assistencial, de rigor a cobrança dos valores dispendidos indevidamente pelos cofres da autarquia previdenciária, sob pena de enriquecimento ilícito as custas do erário público. Requer, assim, o provimento do recurso para que a demanda seja julgada improcedente com inversão dos ônus de sucumbência. Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta E. Corte. Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006797-67.2023.4.03.6114 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CIRENE ALVES DA COSTA Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Superior Tribunal de Justiça submeteu a seguinte questão a julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 979): Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. No julgamento realizado em 10/03/2021, a questão da devolução de valores recebidos de boa-fé, à título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, Tema 979 daquela Corte, foi delineada a seguinte tese: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. Todavia, seus efeitos se restringem aos processos distribuídos após o referido julgamento, segundo definido em modulação de efeitos publicada em 23/4/2021: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. As hipóteses de erro material ou operacional devem ser analisadas caso a caso, quando é necessário identificar a boa-fé objetiva, em que se possa constatar se o beneficiário tinha condições de compreender que o valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária. Resta avaliar, portanto, se o caso dos autos reflete hipótese de erro administrativo. Discute-se se os valores que, segundo apuração feita pelo INSS, teriam sido pagos irregularmente a título de benefício assistencial devem ser devolvidos pela parte autora. Processado o feito, sobreveio sentença, com o seguinte teor: (...) Na espécie, o cerne da questão cinge-se à renda familiar, à verificação do caráter alimentar da quantia recebida no período de dezembro de 2013 a setembro de 2020, e à verificação da boa-fé da Autora. Propriamente a esta questão, verifico que a revisão administrativa não indicou elementos a reconhecer a ma-fé da parte autora ao conceder o benefício de prestação continuada ao idoso, considerando que seu marido recebia a aposentadoria desde 1997, e não houve a omissão da condição de casada quando do requerimento administrativo, ou da atualização do CADUNICO. A ausência de prova da má-fé não afasta a possibilidade de cessação do pagamento do benefício feito indevidamente, pela falta dos requisitos necessários à sua manutenção, e pelo exercício do poder-dever que o administrador público tem em rever seus atos. Contudo, a má-fé é pressuposto inafastável à possibilidade da Administração repetir o que entender pago por indébito. Neste ponto, vale ressaltar que é lícito ao réu rever a concessão e manutenção de seus benefícios, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes, nos termos do art. 11 da Lei nº 10.666/2003, que assim dispõe: “Art. 11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. E, conquanto exista a previsão legal de reembolso dos valores indevidamente pagos pelo INSS, conforme disposto no art. 115, inc. II, da Lei n.º 8.213/91, há que se considerar, no caso dos autos, além do caráter alimentar da prestação, a ausência de demonstração de indícios de fraude ou má-fé do segurado na obtenção do benefício, ônus da prova que incumbe ao INSS, e do qual não se desvencilhou. Incabível, portanto, a cobrança de valores, diante da inexistência de indícios de má-fé por parte da Autora e, para menos, dolo em lesar o erário público. Neste traço, cabe ressaltar, ainda, que a boa-fé se presume. A má-fé, pressuposto para a cobrança que o INSS pretende, tem que ser provada. (...) Para mais, entendo não serem passíveis de devolução os valores recebidos, já que restou evidente que os valores percebidos se destinaram à sua própria sobrevivência, não ficando demonstrado nos autos que a Autora se enriqueceu com eles, melhorando sua condição financeira ou status de vida, residindo ainda no mesmo local, marejando as mesmas dificuldades, circunstâncias que fazem nítido o caráter alimentar. Posto isso, e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para o fim de declarar inexigíveis os valores pagos à Autora a título do benefício assistencial sob nº 88/527.299.591-7, no período de 01/10/2013 a 30/09/2020, e determinar a suspensão dos descontos eventualmente realizados no mencionado benefício. (...) (negritamos) Pois bem. No caso, a presente demanda foi distribuída em primeira instância em outubro de 2023, sendo aplicável o Tema 979. O Superior Tribunal de Justiça decidiu acerca da matéria em julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, em acórdão assim ementado: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021) Essa é a redação da tese fixada: Tema 979 - Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. O Ministro Benedito Gonçalves ponderou que, nos casos de interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária, é manifesta a boa-fé objetiva do beneficiário, seja porque o dever-poder de bem interpretar e aplicar a legislação é da administração, seja porque o cidadão comum não tem conhecimento jurídico para entender o complexo arcabouço normativo previdenciário. Assim, cabe analisar se está demonstrada nos autos a boa-fé objetiva do segurado, no sentido de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. É fato que, no caso concreto, não consta nos autos qualquer sinal de má-fé por parte da autora, nem insurgência quanto a fidedignidade de qualquer dos documentos por ela apresentados no processo administrativo. A autarquia deixou decorrer anos sem realizar qualquer revisão periódica. Ora, não há como presumir que um grupo familiar não sofra alteração nas condições socioeconômicas ao longo de tantos anos. Embora se admita que a autarquia previdenciária não possui estrutura suficiente para realizar as reavaliações periódicas no prazo determinado pela lei, não é possível vislumbrar que ao menos não tenha convocado a parte autora para prestar esclarecimentos e evitar, assim, eventual pagamento indevido do benefício, ainda mais durante tanto tempo. Por outro lado, não há como se afirmar que o titular do benefício assistencial tinha ciência de que deveria comunicar ao INSS todas as alterações nas condições socioeconômicas do seu grupo familiar, sob pena de ter que devolver os valores recebidos indevidamente em caso de superação das condições que deram origem à concessão do benefício. Também deve-se levar em conta o potencial desconhecimento jurídico dos titulares de benefício assistencial, os quais, além da falta de recursos financeiros e, por vezes, de instrução educacional, também sofrem com as limitações inerentes a própria idade. De toda sorte, verifico estar configurada a boa-fé objetiva da parte autora, que não é elidida somente pelo fato de não ter comunicado alteração de renda familiar. Veja-se que se trata de família humilde, cuja renda familiar está pautada em recebimento de benefício previdenciário um pouco acima de 1 (um) salário mínimo. De outra parte, à autarquia impõe-se o poder-dever de fiscalização e controle na concessão e no pagamento dos benefícios, dispondo de recursos para constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público. Assim, eventual demora na revisão periódica, prevista no artigo 21 da Lei 8.742/93, não pode ser imputada ao segurado de boa-fé. Cumpre transcrever parte do trecho do parecer ministerial a corroborar o entendimento: (...) Pergunta-se: A apelada como beneficiária tinha condições de compreender que o valor por ela recebido não era devido? Seria possível exigir dela comportamento diverso diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária? O conjunto probatório nos leva crer que não. Isso porque, na data em que o benefício assistencial fora concedido à apelada em 19/02/2008 (ID. 292512343 – Fls. 14), seu esposo já era aposentado (desde 13/10/1997), conforme informação disponibilizada pelo próprio INSS (NB 107.731.884-4 – ID. 292512343 – Fls. 16), de modo que não há como exigir que uma pessoa idosa, simples e em situação de vulnerabilidade social soubesse que em determinado momento, mesmo não tendo nenhuma alteração fática significativa, deixaria de satisfazer as condições para recebimento do benefício assistencial. Além disso, a apelada manteve ativo e atualizado o seu cadastro no CadÚnico, o que reforça sua boa-fé. De mais a mais, o próprio INSS confessa inexistir prova de má-fé da beneficiária idosa (ID. 292512343 – Fls. 16). Por todo exposto, considerando a situação de vulnerabilidade da idosa apelada, hoje acometida por doença de Parkinson, a ausência de demonstração de má-fé, o fato de o valor da renda mensal familiar per capita, na época da cassação do benefício, ser muito próxima de ½ salário-mínimo por pessoa e esse critério ser passível de relativização, consoante a jurisprudência demonstrada, a presunção de boa-fé deve militar a favor da apelada, de modo que o recurso do INSS deve ser desprovido. (...) Do quanto se extrai do conjunto probatório, tem-se que o benefício da autora não foi concedido mediante fraude. Mesmo no momento anterior à afetação do tema o Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pelo não cabimento da restituição: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE RECEBIDO. CARACTERIZAÇÃO DE BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. PRECEDENTES. Esta Corte firmou entendimento no sentido de não ser devida a devolução de verba paga indevidamente a servidor em decorrência de erro operacional da Administração Pública, quando se constata que o recebimento pelo beneficiado se deu de boa-fé, como no caso em análise. Precedentes. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1.560.973/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/4/2016, DJe 13/4/2016) PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. Documento: 61561890 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4de 6 II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1.550.569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 3/5/2016, DJe 18/5/2016) PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1.553.521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/11/2015, DJe 2/2/2016) PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMPUGNAÇÃO DE CÁLCULOS. AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO NA VIA ADMINISTRATIVA E APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDA NA VIA JUDICIAL. INACUMULABILIDADE DOS BENEFÍCIOS. OBSERVÂNCIA DO ART. 124, I, DA LEI 8.213/1991. DESCONTO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA EM PERÍODO COINCIDENTE COM ACRÉSCIMO DE JUROS DE MORA. DESCABIMENTO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A questão do recurso especial gira em torno do cabimento dos descontos propostos pelo INSS em cálculo de liquidação de sentença, considerando o disposto no art. 124, I, da Lei 8.213/1991, que impede o recebimento conjunto de aposentadoria com auxílio-doença, bem como o disposto no art. 115, II, da Lei 8.213/1991, acerca de desconto em folha de valores pagos ao segurado a maior. 2. A jurisprudência do STJ é no sentido de ser desnecessária a devolução, pelo segurado, de parcelas recebidas a maior, de boa-fé, em atenção à natureza alimentar do benefício previdenciário e à condição de hipossuficiência da parte segurada. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.431.725/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/5/2014, DJe 21/5/2014) Assim, entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos similares, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado ou beneficiário, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé é presumida. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIO ASSISTENCIAL. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979 DOS RECURSOS REPETITIVOS DO STJ. - Consoante tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema nº 979 dos Recursos Repetitivos, os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, cabendo ao segurado, diante do caso concreto, comprovar sua boa-fé objetiva. - De acordo com a respectiva modulação de efeitos, a tese fixada no Tema nº 979 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça aplica-se apenas aos processos distribuídos a partir de 23/04/2021. Para as ações distribuídas antes de 23/04/2021, aplica-se o entendimento jurisprudencial anterior, no sentido de que cabe ao INSS demonstrar eventual má-fé do segurado. - Hipótese na qual, tratando-se de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não se pode falar em restituição dos valores recebidos. Incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente. - Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto equívoco administrativo na concessão do benefício, o que afasta a existência de má-fé. - Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos. - Apelação do INSS a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004495-35.2022.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal CRISTINA NASCIMENTO DE MELO, julgado em 08/08/2024, DJEN DATA: 14/08/2024) PREVIDENCIÁRIO. COMPETÊNCIA DELEGADA. CONFIGURADO O INTERESSE DE AGIR. PRELIMINARES REJEITADAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - No presente caso, a ação foi movida no ano de 2022, após a vigência da Lei 13.876/2019, em 01.01.2020, pelo que aplicável ao caso o quanto disposto na lei em comento, com a regulamentação pela Resolução nº 429/21. - A alegação da ausência de interesse de agir também não prospera, vez que, com a cassação do benefício ante o reconhecimento de irregularidade, a consequência imediata é a cobrança dos valores recebidos indevidamente. Ademais, a autarquia contestou o pedido da parte autora no presente processo, sustentando que é devida a restituição dos valores, argumentando, inclusive, pela desnecessidade de comprovação da má-fé para tanto. - Rejeitadas as preliminares. - O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." - A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007). - Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que afasta a existência de má-fé. - Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé do autor e, em vista do caráter alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos. - Majorados os honorários advocatícios. - Apelação do INSS não provida. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001110-60.2024.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 16/10/2024, DJEN DATA: 23/10/2024) Portanto, não é razoável que se valha de sua mora para cobrar valores atrasados recebidos de boa-fé, nem mesmo exigir que o próprio beneficiário seja o responsável pela análise constante do preenchimento dos requisitos para manutenção do benefício. Com efeito, cabe ao INSS verificar a presença dos requisitos ensejadores da concessão do benefício, de modo que se houve algum erro na análise por parte da Autarquia Previdenciária, não se pode responsabilizar o segurado. Logo, de rigor a manutenção da sentença. Consectários legais e honorários advocatícios A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003. A isenção, porém, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovadas nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/1996. Contudo, a parte vencida deverá arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, §§ 3º a 5º, todos do CPC e Súmula 111/STJ. Deve-se aplicar, também, a majoração dos honorários advocatícios, prevista no art. 85, § 11, do CPC, observados os critérios e percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, e de ofício, explicitados os consectários legais e verba honorária, tudo na forma da fundamentação acima. É o voto.
§ 1º. Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias.
§ 2º. A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário.
§ 3º. Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário”.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. LOAS. ALTERAÇÃO DA RENDA FAMILIAR. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMA 979. BOA-FÉ CONFIGURADA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, sedimentou o seguinte entendimento referente ao Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
2. Além disso, houve modulação dos efeitos da decisão para que a aplicação do referido Tema 979 se dê somente aos processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
3. No caso, a presente demanda foi distribuída em primeira instância em outubro de 2023, sendo aplicável o Tema 979.
4. Demonstrada nos autos a boa-fé objetiva do segurado, no sentido de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. Não há falar em má-fé da parte autora somente pelo fato de não ter comunicado o recebimento de nova renda familiar.
5. À autarquia impõe-se o poder-dever de fiscalização e controle na concessão e no pagamento dos benefícios, dispondo de recursos para constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
6. Assim, eventual demora na revisão periódica, prevista no artigo 21 da Lei 8.742/93, não pode ser imputada ao segurado de boa-fé.
7. Deve aplicar-se, também, a majoração dos honorários advocatícios, prevista no art. 85, § 11, do CPC, observados os critérios e percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo.
8. Apelação do INSS não provida. De ofício, explicitados os consectários e verba honorária.