Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011154-86.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: ORTOPEDIA FUBELLE LTDA - EPP

Advogados do(a) APELANTE: ANGELA CRISTINA GILBERTO PELICER - SP200970-A, CLAUDINEI APARECIDO PELICER - SP110420-A

APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011154-86.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: ORTOPEDIA FUBELLE LTDA - EPP

Advogados do(a) APELANTE: ANGELA CRISTINA GILBERTO PELICER - SP200970-A, CLAUDINEI APARECIDO PELICER - SP110420-A

APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA): 

Trata-se de apelação em ação de rito ordinário, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por Ortopedia Fubelle Ltda. - EPP contra o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), objetivando a declaração de nulidade da decisão proferida pelo réu, nos autos do Processo Administrativo 08012.008507/2004-16, que a condenou pela prática de infração contra a ordem econômica, com aplicação das penas de multa e proibição de participar de licitações ou contratar com Poder Público pelo prazo de cinco anos. 

Relata que no ano de 2003, após o INSS instaurar a Tomada de Preços 03 do Município de Bauru, objetivando a contratação de serviços ortopédicos, ofereceu proposta, sem dolo específico, baseado nos preços sugeridos em tabela pela Associação de Ortopedia Técnica. 

Em razão da semelhança dos valores ofertados entre as licitantes, o INSS comunicou o CADE, que instaurou o processo administrativo que reputa ilegal por inobservância, em suma, dos princípios da ampla defesa, contraditório, devido processo legal e da segurança jurídica, porque executada as sanções sem exaurimentos de todos os recursos possíveis. 

Alega que o mero paralelismo de preços não caracteriza a formação de cartel, para o que se impõe a identificação contundente de acordo entre empresas para a restrição da concorrência. 

Defende que a prova do conluio para a dominação de mercado, consistente em delação, escuta telefônica ou mensagem eletrônica, não foi colhida no feito administrativo, de forma que nele não restou comprovado o dolo para a formação de cartel. 

Acrescenta que que o valor da multa fixado no patamar máximo é excessivo, porque a autora é empresa idônea, não é reincidente, e os processos de licitação que deram origem ao processo administrativo não tiveram êxito e não resultaram em prejuízos para a administração pública. 

Requer, observando-se aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que o valor da multa seja reduzido para o percentual mínimo legal, caso mantida a condenação da autora. 

O pedido de tutela antecipada foi indeferido, tendo a parte autora interposto o AI 0022034.22.2015.403.0000, o qual foi desprovido. 

Requereu a parte autora a produção de prova testemunhal e pericial para a resolução do ponto controvertido, o que foi indeferido, tendo sido interposto o AI 0019755-29.2016.4.03.0000, o qual não foi conhecido. 

O r. Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil. 

Apelou a embargante, pleiteando a reforma do julgado e alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa, uma vez que, (...) ao indeferir a produção de provas requeridas pela Apelante, o MM. Juiz singular ofendeu o Princípio da Cooperação entre as partes, consagrado pelas regras contidas nos artigos 6º ao 10º do Código de Processo Civil. Quanto ao mais, reitera os termos da inicial. 

Com contrarrazões subiram os autos a este e. Tribunal. 

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011154-86.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: ORTOPEDIA FUBELLE LTDA - EPP

Advogados do(a) APELANTE: ANGELA CRISTINA GILBERTO PELICER - SP200970-A, CLAUDINEI APARECIDO PELICER - SP110420-A

APELADO: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA): 

Não assiste razão à apelante. 

Preliminarmente, deve ser rejeitada a alegação de cerceamento de defesa. 

No caso concreto, o r. Juízo de origem indeferiu o pedido de produção de prova técnica, tendo em vista que o meio adequado à comprovação do valor das mercadorias licitadas e da ocorrência ou não de superfaturamento ao tempo do certame, é o documental. 

Por sua vez, entendeu desnecessária a produção da prova testemunhal porquanto a comprovação dos fatos relacionados à elaboração da tabela da ABOTEC e de sua utilização, supostamente, por entes públicos, deve ser feita mediante a apresentação dos registros pertinentes, os quais devem ser buscados diretamente pela autora. 

Como é cediço, o indeferimento de realização de provas testemunhal e pericial, por serem desnecessárias, não configura cerceamento do direito de defesa, nem tampouco violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.  

Na sistemática da persuasão racional, o magistrado tem a suprema condução do processo, bem como a liberdade no exame das provas, eis que elas não possuem valor adrede fixado, nem peso legal, de sorte a deixar à sua avaliação a qualidade ou força probatória. 

O juiz, na avaliação da prova material, submeta-se ao princípio do livre convencimento motivado, podendo, desde que observados os fatos e as circunstâncias dos autos, apreciar livremente as provas, devendo, nos termos do art. 371 do Código de Processo Civil, apontar na decisão, as razões de seu convencimento, o que foi feito no caso concreto. 

Passo, assim, à análise do mérito. 

O Processo Administrativo 08012.008507/2004-16 foi instaurado a partir da Nota Técnica 23/2004, emitida pela Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Bauru/SP, que constatou a existência de propostas idênticas apresentadas por 7 (sete) das 8 (oito) empresas participantes da licitação (Tomada de Preços 003/2003) para 33 itens licitados, incluindo órteses e próteses fornecidos para a Autarquia Previdenciária. 

Por ocasião do julgamento, o Plenário do CADE entendeu pela existência de 2 (duas) condutas, autônomas: 

 

a) a edição de uma tabela de preços mínimos editada pela Associação Brasileira de Ortopedia Técnica – ABOTEC, voltada à uniformização de conduta comercial entre concorrentes; 

b) o cartel em licitações levado a efeito pelas empresas associadas à ABOTEC, consistente na apresentação de considerável diferença de preços na fase de estimativa de preços da licitação, e, em um momento posterior do certame, na apresentação de propostas idênticas. 

 

O paralelismo de preços verificado nos certames do INSS não proveio de mera casualidade, mas de um projeto de cartelização do mercado de órteses e próteses (art. 36, § 3°, I, “d”, da Lei 12.529/2011).  

O parâmetro das propostas apresentadas corresponde a uma tabela de valores mínimos divulgada pela Associação Brasileira de Ortopedia Técnica (ABOTEC).  

O instrumento prevê uma margem de despesas fixas (20%) e de lucro (40%) que pressupõe naturalmente a troca direta de informações entre as empresas que prestam serviços ortopédicos.  

A junção de dados e a posterior atuação convergente nas compras públicas, através de ofertas idênticas e uniformidade de recursos contra as desclassificações, indicam que os fornecedores compartilharam registros produtivos em nível institucional com o objetivo de padronizarem os preços.  

Nos ensinamentos de Cleveland Prates Teixeira: 

 

(...) bid rotation ocorre quando os concorrentes revezam-se como vencedores ao longo do tempo. Em esquemas de bid rotation, todos as empresas submetem ofertas, mas pré-determinam quem vencerá cada licitação. (...) 

Normalmente, há uma divisão temporal equânime entre as empresas pactuantes para estabelecer a empresa vencedora, o que imprime um determinado padrão aos certames feitos. Se, por exemplo, existem 4 empresas participando do acordo em licitações feitas anualmente, a empresa ganhadora hoje, só voltará a ganhar no quinto ano após a primeira. 

(Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-jan-06/jean-alves-corrupcao-petrobras-amolda-modalidade-bid-rigging?pagina=2#_ftn12. Acesso em 19/08/2016)

 

A coordenação vem reforçada pela diversidade dos resultados de cotação prévia do INSS.  

As empresas apresentavam nesse momento estimativas diferentes; no curso da licitação, porém, ofereciam valores iguais, deixando de exibir qualquer justificativa para a cessação das sugestões iniciais.  

As medidas comprometeram o funcionamento das estruturas do livre mercado - liberdade de concorrência - e trariam enormes prejuízos ao orçamento público, segundos os cálculos do CADE

Conforme é detalhado no relatório, o simples ato de elaboração e/ou disseminação de uma tabela de preços extrapola os limites legais de atuação das associações, caracterizando presunção relativa de ilegalidade, em decorrência do disposto no art. 36, I e § 3º, II, da Lei 12.529/2011: 

 

Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:  

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

(...)

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:  

(...)

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; 

 

Nessas circunstâncias, perdem espaço as alegações de ausência de acordo, de dolo ou de potencial de dominação.  

A convergência de vontade na adoção de preços se processou em âmbito associativo nacional, adquirindo eficácia em licitações de entidade com grande demanda de serviços ortopédicos. 

Por fim, a fixação da multa no percentual incidente sobre o faturamento não se mostra excessivo para as circunstâncias do caso concreto, pois, quando da dosimetria, o CADE sopesou todos os elementos previstos no art. 45 da Lei 12.529/2011 

Assim, encontra-se em consonância com os ditames legais e os limites ali previstos, bem como atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e mantém o caráter repressivo e pedagógico da multa que no caso também é inibir a infratora, ora apelante, de cometer novas infrações contra a ordem econômica. 

Em face do exposto, rejeito a preliminarnego provimento à apelação. 

É o voto. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DE PROVAS TESTEMUNHAL E PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA.  PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. DIREITO ECONÔMICO. CARTEL EM LICITAÇÕES DO INSS. ADOÇÃO DE TABELA DE ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL. TROCA DE INFORMAÇÕES SOBRE CUSTO E LUCRO. ATUAÇÃO CONVERGENTE NO CERTAME. MANUTENÇÃO DAS PENALIDADES APLICADAS. RAZOABILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA. 

1. No caso concreto, o r. Juízo de origem indeferiu o pedido de produção de prova técnica, tendo em vista que o meio adequado à comprovação do valor das mercadorias licitadas e da ocorrência, ou não, de superfaturamento ao tempo do certame, é o documental. Por sua vez, entendeu desnecessária a produção da prova testemunhal porquanto a prova dos fatos relacionados à elaboração da tabela da ABOTEC e de sua utilização inclusive, supostamente, por entes públicos, deve ser feita mediante a apresentação dos registros pertinentes, os quais devem ser buscados diretamente pela autora. 

2. Como é cediço, o indeferimento de realização de provas testemunhal e pericial, por serem desnecessárias, não configura cerceamento do direito de defesa, nem tampouco violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 

3. O juiz, na avaliação da prova material, submeta-se ao princípio do livre convencimento motivado, podendo, desde que observados os fatos e as circunstâncias dos autos, apreciar livremente as provas, devendo, nos termos do art. 371 do Código de Processo Civil, apontar na decisão, as razões de seu convencimento, o que foi feito no caso concreto. 

4. O paralelismo de preços verificado nos certames do INSS não proveio de mera casualidade, mas de um projeto de cartelização do mercado de órteses e próteses (art. 36, § 3°, I, “d”, da Lei 12.529/2011). 

5. O parâmetro das propostas apresentadas corresponde a uma tabela de valores mínimos divulgada pela Associação Brasileira de Ortopedia Técnica - ABOTEC. 

6. O instrumento prevê uma margem de despesas fixas (20%) e de lucro (40%) que pressupõe naturalmente a troca direta de informações entre as empresas que prestam serviços ortopédicos. 

7. A junção de dados e a posterior atuação convergente nas compras públicas, através de ofertas idênticas e uniformidade de recursos contra as desclassificações, indicam que os fornecedores compartilharam registros produtivos em nível institucional com o objetivo de padronizarem os preços. 

8. A coordenação vem reforçada pela diversidade dos resultados de cotação prévia do INSS. 

9. As empresas apresentavam nesse momento estimativas diferentes; no curso da licitação, porém, ofereciam valores iguais, deixando de exibir qualquer justificativa para a cessação das sugestões iniciais. 

10. As medidas comprometeram o funcionamento das estruturas do livre mercado - liberdade de concorrência - e trariam enormes prejuízos ao orçamento público, segundos os cálculos do CADE (art. 36, caput, da Lei 12.529/2011). 

11. Nessas circunstâncias, perdem espaço as alegações de ausência de acordo, de dolo ou de potencial de dominação. 

12. A convergência de vontade na adoção de preços se processou em âmbito associativo nacional, adquirindo eficácia em licitações de entidade com grande demanda de serviços ortopédicos. 

13. Por fim, a fixação da multa no percentual incidente sobre o faturamento não se mostra excessivo para as circunstâncias do caso concreto, pois, quando da dosimetria, o CADE sopesou todos os elementos previstos no art. 45 da Lei 12.529/2011. 

14. Preliminar rejeitada. Apelação desprovida. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, rejeitou a preliminar e negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CONSUELO YOSHIDA
DESEMBARGADORA FEDERAL