Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000616-21.2016.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA SOLANGE DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: JOAO AUGUSTO FRANCO - MS2826-A, POLHANE GAIO FERNANDES DA SILVA - MS14881-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000616-21.2016.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA SOLANGE DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: JOAO AUGUSTO FRANCO - MS2826-A, POLHANE GAIO FERNANDES DA SILVA - MS14881-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):

 

Trata-se de Apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA (ID 293000278) contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã/MS que, em ação de reintegração de posse ajuizada em face de MARIA SOLANGE DOS SANTOS, julgou improcedente o pedido, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condenou-se o INCRA ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte ré, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil (ID 293000265).

Opostos embargos de declaração pelo INCRA, foram esses rejeitados (ID 293000269).

Sustenta, em síntese, que as vedações contidas nos arts. 20 e 26-B da Lei n. 8.629/93 são distintas, de modo que, incidindo a apelada em ambas as limitações, não poderia ser mantida na posse do lote 123 do Projeto de Assentamento Itamarati I – Grupo MST, em Ponta Porã/MS.

Requer o provimento do recurso de apelação, julgando-se procedente o pedido de reintegração da posse.

Intimada, a apelada apresentou contraminuta (ID 293000281).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso (ID 301578147).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000616-21.2016.4.03.6005

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA SOLANGE DOS SANTOS

Advogados do(a) APELADO: JOAO AUGUSTO FRANCO - MS2826-A, POLHANE GAIO FERNANDES DA SILVA - MS14881-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): 

Trata-se de ação ajuizada pelo INCRA objetivando a reintegração de posse do lote n. 123 do Projeto de Assentamento Itamarati I – Grupo MST, em Ponta Porã/MS.

O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) assim conceitua o instituto da reforma agrária:

Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.

       § 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

        § 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

A reforma agrária foi mencionada constitucionalmente como política pública no correspondente Capítulo III do Título VII (Da Política Agrícola Fundiária e da Reforma Agrária), prevendo o art. 188, caput, da Constituição Federal que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.

O art. 184, caput, da CF/88, autoriza a desapropriação de imóvel rural por interesse social com tal finalidade, trazendo, entre seus requisitos, o não cumprimento da função social da propriedade.

A destinação das terras deve seguir a regulamentação trazida pela Lei n. 8.629/93, assim como por atos normativos, sendo relevante mencionar o Decreto n. 91.766/1985, por meio do qual se aprovou o Plano Nacional de Reforma Agrária, embasando, ainda, diversos atos expedidos pelo INCRA.

A esse respeito, é relevante mencionar que o art. 18 da Lei n. 8.629/1993, com importantes alterações trazidas pelas Leis n. 13.001/2014 e n. 13.465/2017 prevê regras para o assentamento, estabelecendo que a distribuição dos imóveis rurais poderá ocorrer por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso.

Em complemento, estabelece o dispositivo legal mencionado que o título de domínio e a concessão de direito real de uso serão inegociáveis pelo prazo de dez anos a partir da celebração do contrato de concessão de uso ou do instrumento equivalente (art. 18, § 1º da Lei n. 8.629/93).

Finalmente, o art. 26-B da Lei n. 8.629/1993, na redação trazida pela Lei n. 14.757/2023, traz hipóteses de regularização de ocupações irregulares pelo INCRA.

No caso dos autos, o lote 123 do Projeto de Assentamento Itamarati I – Grupo MST foi objeto de assentamento, tendo por beneficiários Macena Vieira de Araújo e Maria Rodrigues de Araújo em 08.05.2002 (ID 293000005 – pp. 26/27).

Em vistoria realizada pelo INCRA em 10.08.2009, declarou-se que Maria Solange dos Santos, ora apelada, residia no local desde 22.11.2007. Constatou-se a existência de 5 gados destinados à produção de leite, 20 aves destinados ao consumo, 4 hectares de pastagem plantada, 13,300 hectares de soja em fase de crescimento e 1 hectare de pomar para consumo familiar (ID 293000005 – pp. 39/42).

Posteriormente, a autarquia constatou que ela era ocupante de cargo público de professora municipal, em Ponta Porã/MS (ID 293000005 – pp. 39/42).

Por ocasião do cumprimento do mandado de constatação em primeiro grau, em 16.05.2011, certificou-se que residiam no local a apelada, seu cônjuge, Marcos Costa Magalhães e dois filhos menores. Naquele momento, declarou a apelada que sua função de professora era exercida na escola municipal situada no próprio Assentamento Itamarati I, Escola Municipal Rural Nova Conquista, cujo comprovante encontra-se em ID 293000236. Indagada, não apresentou documento comprobatório, mas afirmou receber R$ 3.000,00 mensalmente. Afirmou, ainda, que Marcos Costa Magalhães dedicava-se integralmente à atividade de lavoura no próprio lote, com rendimentos variáveis de acordo com o resultado da atividade agrícola (ID 293000234).

É relevante mencionar que a posse no cargo público em questão deu-se posteriormente à ocupação irregular, que, como visto, teve início em 22.11.2007, verificando-se que a colação de grau da apelada como pedagoga deu-se em 15.08.2008 (ID 29300006 – p. 28).

Na sentença, concluiu-se que o INCRA não teria trazido provas de que a apelada auferiria renda mensal superior a 3 (três) salários mínimos, conforme consulta ao extrato do Portal da Transparência juntado aos autos. Assim, não se demonstrou a ocorrência da hipótese prevista no art. o que ensejaria a impossibilidade de regularização da ocupação, com fundamento nos arts. 26-B e 20, inciso VI, ambos da Lei n. 8.629/93.

Em tal contexto, tem-se que a discussão cinge-se à possibilidade de um ocupante de cargo público ser regularizado na posse de lote de assentamento, tendo em vista a previsão do art. 20, inciso I, da legislação mencionada, bem como ao fato de o inciso VI, do mesmo dispositivo de lei, estabelecer o limite de renda familiar proveniente de atividade não agrária de 3 (três) salários mínimos mensais ou de um salário mínimo per capita.

O dispositivo mencionado assim prevê, na redação trazida pela Lei n. 14.757/2023:

Art. 20.  Não poderá ser selecionado como beneficiário dos projetos de assentamento a que se refere esta Lei quem:                      (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - for ocupante de cargo, emprego ou função pública remunerada;                        (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II - tiver sido excluído ou se afastado do programa de reforma agrária, de regularização fundiária ou de crédito fundiário sem consentimento de seu órgão executor;                    (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

III - for proprietário rural, exceto o desapropriado do imóvel e o agricultor cuja propriedade seja insuficiente para o sustento próprio e o de sua família;                      (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

IV - for proprietário, cotista ou acionista de sociedade empresária em atividade;                     (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

V - for menor de dezoito anos não emancipado na forma da lei civil; ou                     (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

VI - auferir renda familiar proveniente de atividade não agrária superior a três salários mínimos mensais ou superior a um salário mínimo per capita.                        (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1o  As disposições constantes dos incisos I, II, III, IV e VI do caput deste artigo aplicam-se aos cônjuges e conviventes, inclusive em regime de união estável, exceto em relação ao cônjuge que, em caso de separação judicial ou de fato, não tenha sido beneficiado pelos programas de que trata o inciso II do caput deste artigo.

§ 2º A vedação de que trata o inciso I do caput deste artigo, quando o exercício do cargo, emprego ou função pública for compatível com a exploração da parcela, não se aplica ao candidato:    (Redação dada pela Lei nº 14.757, de 2023)

I - agente comunitário de saúde ou agente de combate às endemias;   (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

II - profissional da educação;   (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

III - profissional de ciências agrárias;   (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

IV - que preste outros serviços de interesse comunitário à comunidade rural ou à vizinhança da área objeto do projeto de assentamento.    (Incluído pela Lei nº 14.757, de 2023)

§ 3o  São considerados serviços de interesse comunitário, para os fins desta Lei, as atividades prestadas nas áreas de saúde, educação, transporte, assistência social e agrária.

§ 4o  Não perderá a condição de beneficiário aquele que passe a se enquadrar nos incisos I, III, IV e VI do caput deste artigo, desde que a atividade assumida seja compatível com a exploração da parcela pelo indivíduo ou pelo núcleo familiar beneficiado.

Conforme exposto, a atividade de educação desempenhada pela apelada equivale a uma das exceções trazidas pela lei, à desqualificação do beneficiário de assentamento.

Acrescente-se que, conforme bem exposto na sentença, o apelante não demonstrou que o rendimento familiar ou per capita auferido pela apelada ultrapassasse o limite legal, considerando que se constatou que com ela reside, além do companheiro, seus dois filhos menores.

Anote-se, ainda, que nas vistorias constantes dos autos, restou demonstrada a manutenção da produtividade da terra, devendo ser mantida a sentença.

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC, especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau recursal, majoro o montante em questão para que totalize R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais). 

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO. Honorários advocatícios majorados.

É o voto.



Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL EM PROJETO DE ASSENTAMENTO.PROFESSORA. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. LEI 14.757/2023.. EXCEÇÃO LEGAL.  IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA contra sentença que julgou improcedente o pedido de reintegração de posse do lote 123 do Projeto de Assentamento Itamarati I, ocupado por Maria Solange dos Santos. O pedido foi negado com base no art. 487, I, do CPC, e o INCRA foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 5.500,00.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se o fato de a ocupante ser servidora pública municipal impede sua permanência no lote; e (ii) se a renda familiar, proveniente de atividade não agrária, ultrapassa o limite de três salários mínimos mensais ou de um salário mínimo per capita, conforme previsto na Lei nº 8.629/1993.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A atividade de professora exercida pela ré no assentamento configura uma das exceções legais, conforme o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.629/1993.
4. O INCRA não comprovou que a renda familiar da ocupante excede o limite legal de três salários mínimos ou de um salário mínimo per capita. A vistoria indicou que a ocupante reside no local com sua família, mantendo a produção agrícola.

IV. DISPOSITIVO E TESE

5.  Apelação civil conhecida e desprovida. Honorários advocatícios majorados para R$ 5.500,00.

 

Tese de julgamento: “1. A ocupação de lote de assentamento por servidora pública da área de educação, que cumpre a função no próprio assentamento, não infringe as vedações da Lei nº 8.629/1993. 2. Não comprovada renda familiar superior ao limite legal, é válida a permanência da ocupante no lote.”


Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.629/1993, arts. 18, § 1º, 20, I e VI; Lei nº 13.465/2017; Lei nº 14.757/2023.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, com majoração de verba honorária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATA LOTUFO
DESEMBARGADORA FEDERAL