APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009201-44.2011.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA.
Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME DE CARVALHO - SP229461-A
APELADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE SÃO PAULO
Advogados do(a) APELADO: CHRISTIAN GARCIA VIEIRA - SP168814-A, HELOISA DE ALMEIDA VASCONCELLOS - SP305322-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009201-44.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA. Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME DE CARVALHO - SP229461-A, JOAO CARLOS NAVARRO DE ALMEIDA PRADO - SP203670-A APELADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE SÃO PAULO Advogados do(a) APELADO: CHRISTIAN GARCIA VIEIRA - SP168814-A, HELOISA DE ALMEIDA VASCONCELLOS - SP305322-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA. em face de sentença proferida pela 2ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP que, em sede de ação civil pública proposta pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DE SÃO PAULO, assim decidiu: “Assim, julgo procedente, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e condeno a Ré ao pagamento de danos morais coletivos, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do artigo 13 da Lei 7647/85, no valor de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), tal como requerido à fls. 92, restando fixada a responsabilidade na pessoa de FLAVIA VELORA FELIPE, nos termos do distrato da sociedade ré juntado à fls. 449. Esse valor deverá ser corrigido monetariamente desde a data da propositura da ação e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês até a data do efetivo pagamento. Julgo extinto o feito sem julgamento do mérito, por perda superveniente do interesse de agir, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, o pedido de extinção da empresa e de suas atividades. Custas na forma da lei. Fixo honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, a ser pago pelo Réu aos advogados do Autor. P.R.I.” Alega a apelante, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, tendo em vista a não produção de prova pericial contábil para apurar o prejuízo causado aos clientes, à União Federal e ao INSS. No mérito, aduz que a existência de TAC celebrado com o MPF em ação civil pública conexa a esta impede sua condenação com base nos mesmos fatos. Defende, ainda, a insuficiência de provas do exercício irregular da advocacia, para justificar sua condenação, bem como a ausência de parâmetros para a fixação do valor da indenização pelos danos morais coletivos. Formula os seguintes requerimentos: “(...) preliminarmente, anular a r. sentença, por cerceamento de defesa ante a negativa de produção de prova pericial ou, alternativamente, reformar a sentença de primeiro grau, julgando improcedente a ação, invertendo-se a condenação nas custas e ônus da sucumbência, ou subsidiariamente, a redução da condenação em danos morais coletivos para o valor de R$ 22.500,00, como medida de Direito”. Foram oferecidas contrarrazões pela OAB-SP. O pedido de gratuidade de justiça formulado pela apelante foi indeferido. Interposto agravo interno, ao mesmo foi negado provimento pela C. 2ª Turma desta Corte, seguindo-se o recolhimento das custas devidas pela recorrente. Petição intercorrente da OAB-SP (ID 286930201), pleiteando o reconhecimento da deserção do recurso de apelação, uma vez que o prazo de 5 (cinco) dias para que promovesse o recolhimento do preparo recursal não foi observado, visto que o recurso de agravo interno interposto contra a decisão de indeferimento não é dotado de efeito suspensivo. Petição intercorrente (ID 287557919), por meio da qual o advogado João Carlos Navarro de Almeida Prado renuncia aos poderes que lhe foram conferidos por Guilherme de Carvalho. Parecer do MPF pelo não provimento do recurso. Sustentação oral em áudio apresentada pela parte-apelada. É o relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009201-44.2011.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA. Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME DE CARVALHO - SP229461-A, JOAO CARLOS NAVARRO DE ALMEIDA PRADO - SP203670-A APELADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE SÃO PAULO Advogados do(a) APELADO: CHRISTIAN GARCIA VIEIRA - SP168814-A, HELOISA DE ALMEIDA VASCONCELLOS - SP305322-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, quanto à petição ID 287557919, proceda a Subsecretaria às anotações necessárias. Na sequência, afasto a alegação de deserção, pelo não recolhimento do preparo recursal dentro do prazo assinalado, sob a alegação de que o recurso de agravo interno, previsto no art. 1.021 do CPC, não é dotado de efeito suspensivo. Com efeito, segundo entendimento do C. STJ, o pronunciamento do relator que defere ou indefere a gratuidade de justiça requerida em sede recursal tem natureza de decisão interlocutória, uma vez que soluciona uma questão incidente, não se tratando de mero ato que visa a impulsionar o andamento do processo. Em razão disso, é impugnável via agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015). Interposto agravo interno contra a decisão que indefere o benefício da gratuidade de justiça, o preparo não é exigível enquanto não confirmado o indeferimento pelo órgão colegiado. Não há lógica em se exigir que o recorrente primeiro pague o que afirma não poder pagar para só depois a Corte decidir se ele realmente precisa ou não do benefício. Essa solução é a que melhor se coaduna com o disposto no art. 101, § 2º, do CPC/2015 e com o direito fundamental de acesso à justiça aos economicamente hipossuficientes (art. 5º, XXXV e, da CF/88), o princípio da primazia do mérito (arts. 4º e 6º do CPC/2015) e o direito ao julgamento colegiado (REsp nº 2.087.484/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 9/10/2023.) Passo, assim, ao exame da apelação interposta por CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA. Inicialmente, rejeito a matéria preliminar de cerceamento de defesa formulada pela apelante, tendo em vista a não produção de prova pericial contábil para apurar o prejuízo causado aos clientes, à União Federal e ao INSS. Com efeito, por meio de petição protocolizada em 14/12/2012, a parte ré (CARVALHO & VEROLLA CONSULTORIA LTDA) formulou requerimento de produção de prova pericial de natureza contábil, a fim de demonstrar que os clientes não sofreram prejuízo financeiro algum, ao contrário, obtiveram aumento patrimonial, de modo que não houve lesão a ninguém; e que o INSS e a União não sofreram, com a conduta das requeridas, qualquer dano (ID 157724074, fls. 36 e segs). Tal requerimento, contudo, foi indeferido pelo MM Juízo "a quo", sob os seguintes argumentos (ID 157724074, fls. 49): "(...) Indefiro o pedido de prova pericial contábil por dois motivos. Portanto, indefiro, o pedido de prova pericial de natureza contábil. (...)" Referida decisão foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça em 18/09/2013 (ID 157724074, fls. 57). Ocorre que essa decisão de indeferimento da produção da prova pericial contábil requerida pela ora apelante não foi objeto de impugnação pela via do agravo de instrumento, recurso cabível, à época, no prazo de 10 dias, contra toda e qualquer decisão interlocutória, nos termos do art. 522 do CPC/1973, então vigente. Vale registrar que a parte ré interpôs um agravo de instrumento (ID 157724074, fls. 68 e segs), mas no qual não impugnou especificamente a questão do indeferimento da prova pericial, de sorte que a matéria encontra-se acobertada pela preclusão temporal, atraindo a incidência do disposto no art. 473 do CPC/1973, segundo o qual " É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão". Mas, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que não se pudesse falar de consumação da preclusão temporal, é sabido que a caracterização do dano moral coletivo independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade atingida, de modo que a verificação da ocorrência ou não de prejuízo financeiro a cada um dos clientes do Réu é de todo impertinente. Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa, nem, muito menos, em nulidade da sentença. Vencida a matéria preliminar, passo ao exame do mérito. Aduz a apelante que a existência de TAC celebrado com o MPF em ação civil pública, conexa a esta, impede sua condenação em danos morais coletivos com base nos mesmos fatos. Sem razão, contudo. Com efeito, no presente feito trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, através da qual a OAB-SP pede a cessação das atividades do réu, seu encerramento definitivo ou o a cessação do exercício de qualquer atividade jurídica pelo mesmo, bem como sua condenação ao pagamento de danos morais coletivos, sob a fundamentação de que, mesmo sem ter advogados em seus quadros de sócio ou ser inscrito na OAB, oferece e pratica serviços tipicamente jurídicos, divulgando, em diversos meios de comunicação, os serviços de revisão de aposentadorias e benefícios previdenciários, com a propositura de ação judicial para tanto. A presente ação teve origem através do Inquérito Civil que tramitou no Ministério Público Federal, de número 1.34.001.001757/2010-57, sendo certo que o Ministério Público Federal (MPF) informou a propositura da Ação Civil Pública de número 0015394-75.2011.403.6100, originada do mesmo inquérito civil. Nesta última ação foram formulados os seguintes pedidos: a) quanto aos réus CARVALHO e VEROLLA CONSULTORIA LTDA.- APOSENTADORIA S/A, G. CARVALHO SOCIEDADE DE ADVOGADOS, GUILHERME DE 'CARVALHO, FLÁVIA VEROLLA FELIPE o MARCELA APARECIDÁ LEITE CHAMMA DE CARVALHO a promoverem, solidariamente, a devolução dos valores pagos pelos(as) aposentados(as) lesados(as) com contrato assinado até a data da propositura desta ação, os quais, caso ainda não tenham sido ressarcidos na forma exposta no pedido de tutela antecipada, poderão habilitar-se oportunamente; e b) quanto à ré OAB/SP a reparar os danos morais coletivos causados mediante o pagamento, ao Fundo dos Direitos Difusos Lesados, de R$190.000,00 (cento e novecentos mil reais), ou seja R$10,00 (dez reais) multiplicado pelo número aproximado de ações previdenciárias patrocinadas pelo G. Carvalho mediante a captação imoderada de clientela. Em seguida, foi informada a realização de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) na ACP nº 0015394-75.2011.403.6100, devidamente homologado pelo MM Juízo de 1º Grau (ID 157724074, fls. 101/102). Referido TAC teve por objeto específico o de por fim à ACP nº 0015394-75.2011.4.03.6100, mediante adequação da atuação dos réus, extinguindo o feito em relação aos signatários do acordo homologado judicialmente, prosseguindo somente em face da OAB quanto aos danos morais coletivos. Diante dessas considerações, é importante lembrar que o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta - art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985) consiste no acordo celebrado entre o órgão público legitimado (in casu, o MPF) e o violador do direito transindividual, com o escopo de impedir a continuidade da conduta lesiva, reparar os danos causados e evitar ou extinguir a ação civil pública, conforma se trate de TAC autônomo ou incidental, respectivamente. Na espécie dos autos, percebe-se que a presente ação civil pública, ajuizada pela OAB-SP, é anterior àquela outra ajuizada pelo MPF, além de ser proposta exclusivamente em face da ora Apelante em virtude do exercício irregular da advocacia, requerendo-se o seu encerramento definitivo e a condenação ao pagamento de danos morais coletivos. Já a ação civil pública proposta pelo MPF foi endereçada também contra outros réus e objetivou uma tutela complementar à ação ajuizada pela OAB, com o ressarcimento dos clientes lesados (interesse individual homogêneo) e a condenação da própria OAB-SP ao pagamento de danos morais coletivos. Tem-se, assim, que os pedidos deduzidos na presente demanda não se identificam com os pedidos deduzidos na ação civil pública promovida pelo MPF, sobretudo em relação ao dano moral coletivo, visto que o pedido de condenação a este título naquela outra ação foi veiculado exclusivamente em relação à OAB. Pois bem, diante desse quadro, ressalta-se que a sentença homologatória do TAC celebrado nos autos da ACP nº 0015394-75.2011.403.6100 produziu coisa julgada material, nos termos do art. 269, III, do CPC/1973, vigente à época. E essa coisa julgada, por sua vez, submete-se aos limites objetivos traçados pelo art. 468 do mesmo Código, assim redigido: Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Em consequência disso, conclui-se que a coisa julgada material que se formou como decorrência da sentença homologatória do TAC, tornou imutável e indiscutível apenas a solução dada ao pedido envolvendo a devolução dos valores pagos pelos aposentados e pensionistas lesados com contrato assinado até a data da propositura da respectiva ação. Essa coisa julgada, portanto, não envolveu a participação da OAB-SP e não abrangeu o pleito de condenação do ora Apelante ao pagamento de danos morais coletivos, não havendo, assim, qualquer óbice ao prosseguimento desta demanda, posto que seu objeto é distinto daquele decidido no âmbito da ACP nº 0015394-75.2011.403.6100. E a circunstância de os fatos que embasam as duas ações civis públicas serem os mesmos, apurados no mesmo Inquérito Civil Público, não altera essa conclusão, pois como é sabido, questões fáticas não são acobertadas pelo manto da coisa julgada material (art. 469, II, do CPC/1973). Sob outro ponto de vista, é certo que o TAC pode ser total ou parcial. Será total se se referir à totalidade do litígio. Entretanto, o órgão público legitimado pode, por razões variadas, tomar por termo compromisso que se refira apenas a uma parcela do conflito envolvendo direitos transindividuais, quando, então, se estará diante de um TAC parcial, o qual não impede a propositura da ação civil pública em relação à parcela não abordada pelo acordo, sendo esta, exatamente, a situação verificada no caso concreto, no qual o TAC envolvendo o ressarcimento aos lesados (danos materiais) não impede a propositura ou a continuidade da ACP tendo por objeto a indenização por danos morais coletivos. Na sequência, tem-se que não procede a alegação de insuficiência de provas do exercício irregular da advocacia, para justificar a condenação da apelante ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Ao contrário, o exame dos autos demonstra a existência de elementos de convicção mais do que suficientes para embasar o decreto condenatório. Desde logo, é preciso anotar que o objeto do dano material corresponde à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e dos direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou um fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição Federal), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito. A partir da promulgação da CF/1988, já não se admite mais qualquer discussão acerca da existência do dano moral, figura expressamente prevista em seu art. 5º, V e X e, a partir de 2002, também no art. 186 do atual CC (além da previsão em leis esparsas, como o CDC e a Lei nº 7.347/1985 - LACP). Entretanto, percebe-se que o conceito de dano moral está sempre em constante evolução. Assim, se a princípio seu reconhecimento era limitado à esfera individual da pessoa física, passou, na sequência, a ser admitido também em relação à pessoa jurídica (art. 52 do CC e Súmula nº 227 do C. STJ) e, ainda mais recentemente, consolidou-se seu cabimento quanto à coletividade, tanto em âmbito legislativo (art. 6º, VI, do CDC e art. 1º, IV, da Lei nº 7.347/1985) quanto jurisprudencial (por exemplo, STJ, REsp n. 1.057.274/RS, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 1/12/2009, DJe de 26/2/2010; REsp n. 1.397.870/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 2/12/2014, DJe de 10/12/2014; REsp n. 1.221.756/RJ, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 2/2/2012, DJe de 10/2/2012; entre outros). Isso é assim, na medida em que, paulatinamente, passou-se a reconhecer que a coletividade também é titular de um sentimento de dignidade e de orgulho próprios, que não se confunde com o dos indivíduos que a compõem. Dessa forma, a lesão a direitos ou interesses transindividuais, de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea (art. 81, parágrafo único, I, II e III, do CDC), na medida em que representa a violação antijurídica a valores caros à comunidade, pode sim caracterizar o denominado dano moral coletivo. Trata-se, pois, de lesão decorrente de um ato ilícito praticado ou do descumprimento de normas jurídicas de ordem pública, que atinge toda a coletividade (difuso); um grupo, categoria ou classe de pessoas (coletivo); ou mesmo um direito individual que acidentalmente se torna coletivo e, pois, indisponível, quando transcender a esfera de interesses puramente particulares (individual homogêneo). Ademais, "O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano, independente de atributos da pessoa humana (dor, sofrimento etc.), e que se configura nos casos em que há lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade e fique demonstrado que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva. Preenchidos esses requisitos, o dano configura-se in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral." (STJ, AREsp n. 1.927.324/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 7/4/2022.). Portanto, tem-se que o dano moral coletivo não se confunde com o dano moral individual, visto que não envolve os atributos próprios da pessoa humana, tais como a dor, a angústia e o sofrimento. Na verdade, o dano moral coletivo atinge os direitos da personalidade do grupo social, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta dor, repulsa ou indignação. Desnecessária, outrossim, na esfera do dano extrapatrimonial coletivo, a comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico na esfera dos indivíduos que compõem o grupo social, pois, a simples lesão aos direitos transindividuais gera dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato em si. Nesse mesmo diapasão, precedente do C. STJ: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIGNIDADE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES OFENDIDA POR QUADRO DE PROGRAMA TELEVISIVO. DANO MORAL COLETIVO. EXISTÊNCIA. De outro lado, a violação aos interesses da coletividade deve ser de gravidade razoável, não podendo ser tolerada. Nessa linha, não é qualquer lesão que se revela apta a gerar o reconhecimento do dano moral coletivo, devendo ela ser suficientemente grave de modo a produzir um sentimento de intranquilidade, de revolta no grupo social. Reconhecida a ocorrência do dano moral coletivo, a indenização dele decorrente deve ter tríplice função: a) proporcionar reparação indireta à lesão do direito extrapatrimonial coletivo violado; b) sancionar o ofensor; c) inibir a reiteração de condutas ofensivas a esses direitos transindividuais. Além disso, a jurisprudência do C. STJ, com base no art. 3º da Lei nº 7.347/1985, permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenizações pecuniárias em sede de ação civil pública, a fim de garantir a concretização do princípio da reparação integral do dano causado pelo descumprimento das normas jurídicas. (REsp n. 1.745.033/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 17/12/2021.) No caso, trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, através da qual o Autor pede a cessação das atividades do réu, seu encerramento definitivo ou o a cessação do exercício de qualquer atividade jurídica pelo mesmo, bem como sua condenação ao pagamento de danos morais coletivos, sob a fundamentação de que, mesmo sem ter advogados em seus quadros de sócio ou ser inscrito na OAB, oferece e pratica serviços tipicamente jurídicos, divulgando, em diversos meios de comunicação, os serviços de revisão de aposentadorias e benefícios previdenciários, com a propositura de ação judicial para tanto. Em sua peça inicial, a OAB afirma que o réu, utilizando-se de divulgação em desacordo com o Código de Ética da advocacia, promovia serviços de revisão dos valores de aposentadoria e benefícios previdenciários, oferecendo, inclusive, a propositura de ações judiciais, sem contar com advogados em seus quadros e sem ter registro no órgão de classe. Alega que tais atitudes induziram inúmeros aposentados e pensionistas a buscar seus serviços, que eram cobrados, sem a obtenção do resultado prometido, ferindo, desta forma, coletivamente, o direito dos consumidores. Tal como mencionado acima, o encerramento das atividades da ré mediante assinatura de TAC (obrigação de não fazer) abrange apenas parte do pedido, persistindo a pretensão em relação aos danos morais coletivos (obrigação de pagar quantia). As provas produzidas nos autos, por seu turno, evidenciam a violação às normas que disciplinam o exercício da advocacia, em prejuízo aos direitos e interesses transindividuais de toda uma classe de pessoas (os aposentados e pensionistas), caracterizando o dano moral coletivo. Com efeito, o documento ID 157724075, fls. 152 e segs. consiste em cópia de um Boletim de Ocorrência, datado de julho de 2017, no qual o Sr. Júlio Vitor Diniz Ramos relatou que em 18/10/2016 constituiu o advogado Dr. Guilherme de Carvalho, do escritório de advocacia G Carvalho, situado na Rua Machado Bitencourt, nº 406, tendo em vista que pretendia ingressar com o processo de desaponsentadoria, bem como revisão do FGTS. "Sendo assim, a mesma efetuara o pagamento de sete parcelas referentes aos honorários advocatícios, por sua vez pertinentes às causas citadas, estes totalizando o valor de R$ 1400,00 (um mil e quatrocentos reais). Insta salientar, que em momento posterior, a vítima constatara que tais ações não foram distribuídas por seu patrono. Diante do ocorrido a vítima comparecera ao escritório "G Carvalho", a fim de contatar seu patrono, todavia, não obtivera êxito vez que tal escritório mudara de endereço, o qual a presente vítima desconhece. Destarte, a vítima entrara em contato com tal escritório, momento em que solicitaram o agendamento de nova consulta. Isto posto, tendo em vista que a apresente vítima fora induzida a erro, uma vez que ludibriada pelo autor do fato, o qual se comprometera à ingressar com as ações processuais em tela, inclusive, obtendo vantagem econômica indevida, vez que cobrara os honorários advocatícios, sem contudo, ingressar com as ações supracitadas." Como bem pontuou a sentença apelada, essa narrativa coincide com os depoimentos das testemunhas ouvidas em Juízo, em audiência realizada em 12/12/2017 (ID 157724075, fls. 162), na qual prestaram depoimentos quatro vítimas e dois advogados, bem como no depoimento de fls. 140 do mesmo ID. Acrescente-se, ainda, o Boletim de Ocorrência datado de 10/07/2017, com base nas declarações do Sr. Selesiano Soares da Rocha (ID 157724075, fls. 157 e segs.), do qual consta, basicamente, idêntica narrativa. Tenha-se em conta, também, o depoimento do Sr. Luiz Cezar Martins, outro dos clientes da empresa Aposentadoria S/A, que segue nesse mesmo diapasão (ID 157724072, fls. 60). O que se percebe, da sistemática adotada pela parte Ré, é que as pessoas procuravam o respectivo escritório após contatos telefônicos realizados ou por terem ouvido propaganda em rádio ou televisão. Ocorre que esta conduta caracteriza a violação ao artigo 39 do Código de Ética e Disciplina da Advocacia, que determina que a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão. Confira-se: Art. 39. A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão. Portanto, tem-se que os elementos de convicção existentes nos autos revelam, sem sombra de dívida, a prática ilícita da captação de clientela e mercantilização da atividade de advocacia, com a violação à determinação do Código de Ética e Disciplina e, por consequência, também aos arts. 31 a 33 da Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Prossegue, ainda, a sentença ora apelada, registrando que também é possível verificar, através das diversas provas produzidas e dos depoimentos tomados, que em um primeiro momento, captado através da propaganda acima mencionada, o cliente era atendido em um escritório onde não havia advogados e, aparentemente, eram induzidos a acreditar que tinham direito a receber, a título de aposentadoria ou pensão, valor maior do que o efetivamente pago pelo INSS, ocasião e local no qual eram informados sobre valor a ser pago, normalmente um valor mensal pago pelas vítimas através de boletos, por anos ou através de empréstimo consignado na aposentadoria da vítima. Resta nítido também que, cobrando antecipadamente pela propositura da ação revisional, nem todas as ações eram propostas e, entre as propostas, havia um grande índice de probabilidade de improcedência, sem direito a devolução de qualquer valor pago pelo aposentado ou pensionista. É patente, pois, a prática da atividade advocatícia (a qual, frise-se, é privativa da classe dos advogados), por meio da empresa denominada Aposentadoria S/A, sem advogados em seus quadros e não vinculada formalmente a escritório de advocacia regularmente inscrito na OAB, em evidente afronta aos arts. 1º, caput e 3º, caput, da Lei nº 8.906/1994, in verbis: Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. (...) Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por outro lado, não merece acolhida a alegação do réu no sentido de que existia um escritório de advocacia como "escritório parceiro", para o qual já eram enviados os relatórios, documentos e procuração assinada para a propositura da ação, haja vista que esta prática afronta os arts. 1º e 3º do Estatuto da OAB, acima reproduzidos. Ademais, o réu não obteve êxito em desconstituir as alegações e provas trazidas aos autos, mediante comprovação de algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora, ônus que lhe competia por força do art. 373, II, do CPC. A sentença, portanto, deve ser confirmada, porquanto demonstrada violação aos direitos e interesses transindividuais da classe dos aposentados e pensionistas do INSS, dos jurisdicionados em geral, tendo em vista o grande número de ações distribuídas (mais de 10.000 ações - ID 157724072, fls. 39), contribuindo para congestionar o Poder Judiciário e da própria advocacia, não se podendo falar em simples casos pontuais, mas sim no interesse coletivo referente aos deveres de confiança, ética, boa-fé e informação intrínsecos à reação entre cliente e advogado, dotados de extrema relevância social, até mesmo porque os atos privativos de advogado constituem múnus público (art. 2º da Lei 8.906/1994). Na hipótese dos autos, restaram evidenciadas violações graves à disciplina da atividade advocatícia, de alta significância, que ultrapassa os limites da tolerância, razão pela qual encontram-se preenchidos os requisitos necessários à condenação do recorrente ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos. Realmente, há toda uma coletividade atingida (aposentados e pensionistas do INSS) indevidamente atraídos para a contratação de serviço de revisão de suas aposentadorias e pensões, mediante pagamento, serviço esse que teria ínfima ou mesmo nenhuma probabilidade de êxito. As provas produzidas, outrossim, evidenciaram que o réu, ora apelante, se aproveitou da hipossuficiência dos idosos, seja pela idade, falta de instrução ou de capacidade de entendimento, para a venda indevida de serviços que se sabia não seriam prestados de acordo com o ofertado ou, pelo menos, não teriam o resultado que o contratante esperava. Deve, portanto, ser confirmada a condenação do Réu ao pagamento de danos morais coletivos, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do artigo 13 da Lei nº 7.347/1985. Na sequência, tem-se que também não procede o pleito subsidiário formulado pelo Apelante, de redução da condenação em danos morais coletivos para o valor de R$ 22.500,00. Com efeito, os fatos demonstrados e comprovados nestes autos são de extrema gravidade, na medida em que atingiram uma classe de pessoas, os aposentados e pensionistas do INSS, caracterizada pela sua inerente condição de hipossuficiência, em suas três vertentes: econômica (escassas condições financeiras para arcar com os custos do processo judicial, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família), técnica (ausência de conhecimentos técnicos suficientes sobre os mecanismos envolvidos na concessão/revisão de aposentadorias e pensões, de forma que são vítimas mais fáceis de informações manipuladas pelo prestador dos serviços) e jurídica (falta de conhecimentos não apenas jurídicos, mas também contábeis e econômicos). Cuida-se, portanto, de parcela vulnerável da população. Além disso, houve prejuízo aos jurisdicionados em geral, e à própria respeitabilidade do exercício da advocacia, ou seja, em suma, verifica-se grave ofensa à moralidade pública, que lesiona valores fundamentais da sociedade, transbordando dos limites da tolerabilidade e gerando alto grau de reprovabilidade social. Outrossim, o grande número de ações distribuídas, somado à cobrança de valores mensais dos aposentados e pensionistas cooptados (como revela, por exemplo, o depoimento ID 157724072, fls. 60), evidencia o proveito econômico obtido com a conduta ilícita. Além disso, a culpabilidade do réu é bastante elevada, pois aproveitou-se da situação de vulnerabilidade das vítimas para causar-lhes dano. Ademais, na condição de sociedade de advogados, é certo que seus sócios tinham ciência (ou ao menos deveriam ter), das normas estabelecidas no Estatuto da Advocacia e no respectivo Código de Ética, as quais vedam o tipo de conduta praticada. Some-se a isso a expressiva reiteração de conduta, haja vista o grande número de aposentados e pensionistas vítimas da empresa Aposentadoria S/A (lembrando que foram mais de 10.000 ações distribuídas na Justiça Federal). E a situação econômica do ofensor permite arcar com a condenação a título de danos morais coletivos arbitrada na sentença, pois, como constou da decisão que indeferiu o pleito de gratuidade de justiça, "Em relação à pessoa jurídica, porquanto não há documento algum juntado aos autos que seja capaz de demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Já em relação à pessoa física, pelo contrário, os documentos acostados juntamente com o recurso de apelação dão conta de ser ela proprietária de vasto patrimônio imobiliário (ID 157724077, fls. 34/36), sendo certo, outrossim, que por ocasião do distrato da sociedade apelante, a requerente recebeu, a título de saldo de seus haveres, a importância de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)". Completamente descabida, pois, a redução da indenização por danos morais coletivos para irrisórios R$ 22.500,00, montante que nem de longe atende à finalidade pedagógica da condenação, no sentido de desestimular condutas semelhantes. Diante do exposto, REJEITO a matéria preliminar e NEGO PROVIMENTO à apelação. Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É como voto.
Primeiro, entendo desnecessária a produção desta prova- para o deslinde da demanda já que, no caso, não se discute dano econômico aos clientes da ré ou à União e ao INSS. 0 que o autor pretende com a presente Ação Civil Pública, em apertada síntese, é demonstrar que houve atuação irregular do ré, mediante exercício ilegal da advocacia.
0 dano que aqui se discute, é o dano à sociedade, nas palavras da autora, este "causado independente do resultado da atuação da ré. Pouco importa se as medidas judiciais propostas com base na sugestão da ré foram ou não vencedoras, o que não se pode admitir. De qualquer forma, é a prestação do múnus do qual é investido advogado, por uma empresa de características manifestamente mercantis" (fis. 13 da Inicial).
0 segundo motivo é que, mesmo que se discutisse a ocorrência de danos patrimoniais aos clientes da ré e à União e ao INSS, a perícia seria inviável. Sobre o que recairia a perícia? Sobre os mais de 19 mil contratos celebrados pela ré com os aposentados, que ensejaram as ações propostas no Fórum Previdenciário? Conduta da ré discutida no Ação Civil Pública conexa com a presente demando (autos no 0015394-75.2011.403.6100).
1. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
Precedentes.
2. Na espécie, a emissora de televisão exibia programa vespertino chamado "Bronca Pesada", no qual havia um quadro que expunha a vida e a intimidade de crianças e adolescentes cuja origem biológica era objeto de investigação, tendo sido cunhada, inclusive, expressão extremamente pejorativa para designar tais hipervulneráveis.
3. A análise da configuração do dano moral coletivo, na espécie, não reside na identificação de seus telespectadores, mas sim nos prejuízos causados a toda sociedade, em virtude da vulnerabilização de crianças e adolescentes, notadamente daqueles que tiveram sua origem biológica devassada e tratada de forma jocosa, de modo a, potencialmente, torná-los alvos de humilhações e chacotas pontuais ou, ainda, da execrável violência conhecida por bullying.
4. Como de sabença, o artigo 227 da Constituição da República de 1988 impõe a todos (família, sociedade e Estado) o dever de assegurar às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de lhes colocar a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão.
5. No mesmo sentido, os artigos 17 e 18 do ECA consagram a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral das crianças e dos adolescentes, inibindo qualquer tratamento vexatório ou constrangedor, entre outros.
6. Nessa perspectiva, a conduta da emissora de televisão - ao exibir quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes - traduz flagrante dissonância com a proteção universalmente conferida às pessoas em franco desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, donde se extrai a evidente intolerabilidade da lesão ao direito transindividual da coletividade, configurando-se, portanto, hipótese de dano moral coletivo indenizável, razão pela qual não merece reforma o acórdão recorrido.
7. Quantum indenizatório arbitrado em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Razoabilidade e proporcionalidade reconhecidas.
8. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.517.973/PE, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/11/2017, DJe de 1/2/2018.)qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)
E M E N T A
CIVIL, PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. EXERCÍRIO IRREGULAR DE ADVOCACIA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARCIAL. MATÉRIA PRELIMINAR. CAPTAÇÃO DE CLIENTELA. MERCANTILIZAÇÃO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIA. DANO MORAL COLETIVO. REQUISITOS. CARACTERIZAÇÃO. REDUÇÃO DO MONTANTE FIXADO. MILHARES DE AÇÕES JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE.
- O requerimento de produção de prova pericial foi indeferido pelo MM Juízo "a quo". Essa decisão não foi objeto de impugnação pela via do agravo de instrumento, recurso cabível, à época, no prazo de 10 dias, contra toda e qualquer decisão interlocutória, nos termos do art. 522 do CPC/1973, então vigente. A matéria encontra-se acobertada pela preclusão temporal, atraindo a incidência do disposto no art. 473 do CPC/1973. Não caracterizado cerceamento de defesa.
- O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta - art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985) consiste no acordo celebrado entre o órgão público legitimado e o violador do direito transindividual, com o escopo de impedir a continuidade da conduta lesiva, reparar os danos causados e evitar ou extinguir a ação civil pública, conforma se trate de TAC autônomo ou incidental, respectivamente. A coisa julgada material que se formou como decorrência da sentença homologatória do TAC, tornou imutável e indiscutível apenas a solução dada ao pedido envolvendo a devolução dos valores pagos pelos aposentados e pensionistas lesados com contrato assinado até a data da propositura da respectiva ação. Essa coisa julgada, portanto, não envolveu a participação da OAB-SP e não abrangeu o pleito de condenação do ora Apelante ao pagamento de danos morais coletivos, não havendo, assim, qualquer óbice ao prosseguimento desta demanda, posto que seu objeto é distinto daquele decidido no âmbito da ACP nº 0015394-75.2011.403.6100.
- O TAC pode ser total ou parcial. Será total se se referir à totalidade do litígio. Entretanto, o órgão público legitimado pode, por razões variadas, tomar por termo compromisso que se refira apenas a uma parcela do conflito envolvendo direitos transindividuais, quando, então, se estará diante de um TAC parcial, o qual não impede a propositura da ação civil pública em relação à parcela não abordada pelo acordo, sendo esta, exatamente, a situação verificada no caso concreto, no qual o TAC envolvendo o ressarcimento aos lesados (danos materiais) não impede a propositura ou a continuidade da ACP tendo por objeto a indenização por danos morais coletivos.
- Não procede a alegação de insuficiência de provas do exercício irregular da advocacia, para justificar a condenação da Apelante ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Ao contrário, o exame dos autos demonstra a existência de elementos de convicção mais do que suficientes para embasar o decreto condenatório.
- O dano moral coletivo é categoria autônoma, independente de atributos da pessoa humana (dor, sofrimento etc.), e que se configura com a lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, sendo necessário demonstrar que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva. Com esses requisitos, o dano configura-se in re ipsa, dispensando a prova de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. (STJ, AREsp n. 1.927.324/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 7/4/2022.). O dano moral coletivo não se confunde com o dano moral individual, visto que não envolve os atributos próprios da pessoa humana, tais como a dor, a angústia e o sofrimento. Na verdade, o dano moral coletivo atinge os direitos da personalidade do grupo social, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta dor, repulsa ou indignação.
- Desnecessária, outrossim, na esfera do dano extrapatrimonial coletivo, a comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico na esfera dos indivíduos que compõem o grupo social, pois, a simples lesão aos direitos transindividuais gera dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato em si.
- De outro lado, a violação aos interesses da coletividade deve ser de gravidade razoável, não podendo ser tolerada. Nessa linha, não é qualquer lesão que se revela apta a gerar o reconhecimento do dano moral coletivo, devendo ela ser suficientemente grave de modo a produzir um sentimento de intranquilidade, de revolta no grupo social. Reconhecida a ocorrência do dano moral coletivo, a indenização dele decorrente deve ter tríplice função: a) proporcionar reparação indireta à lesão do direito extrapatrimonial coletivo violado; b) sancionar o ofensor; c) inibir a reiteração de condutas ofensivas a esses direitos transindividuais. Além disso, a jurisprudência do C. STJ, com base no art. 3º da Lei nº 7.347/1985, permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenizações pecuniárias em sede de ação civil pública, a fim de garantir a concretização do princípio da reparação integral do dano causado pelo descumprimento das normas jurídicas. (REsp n. 1.745.033/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 17/12/2021.)
- As provas produzidas nos autos, por seu turno, evidenciam a violação às normas que disciplinam o exercício da advocacia, em prejuízo aos direitos e interesses transindividuais de toda uma classe de pessoas (os aposentados e pensionistas), caracterizando o dano moral coletivo.
- Os elementos de convicção existentes nos autos revelam, sem sombra de dívida, a prática ilícita da captação de clientela e mercantilização da atividade de advocacia, com a violação à determinação do Código de Ética e Disciplina e, por consequência, também aos arts. 31 a 33 da Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ademais, o Réu não obteve êxito em desconstituir as alegações e provas trazidas aos autos, mediante comprovação de algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora, ônus que lhe competia por força do art. 373, II, do CPC.
- Não procede o pleito subsidiário formulado pelo Apelante, de redução da condenação em danos morais coletivos para o valor de R$ 22.500,00. Os fatos demonstrados e comprovados nestes autos são de extrema gravidade, na medida em que atingiram uma classe de pessoas, os aposentados e pensionistas do INSS, caracterizada pela sua inerente condição de hipossuficiência, em suas três vertentes: econômica (escassas condições financeiras para arcar com os custos do processo judicial, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família), técnica (ausência de conhecimentos técnicos suficientes sobre os mecanismos envolvidos na concessão/revisão de aposentadorias e pensões, de forma que são vítimas mais fáceis de informações manipuladas pelo prestador dos serviços) e jurídica (falta de conhecimentos não apenas jurídicos, mas também contábeis e econômicos). Cuida-se, portanto, de parcela vulnerável da população. Além disso, houve prejuízo aos jurisdicionados em geral, e à própria respeitabilidade do exercício da advocacia, ou seja, em suma, verifica-se grave ofensa à moralidade pública, que lesiona valores fundamentais da sociedade, transbordando dos limites da tolerabilidade e gerando alto grau de reprovabilidade social. Outrossim, o grande número de ações distribuídas, somado à cobrança de valores mensais dos aposentados e pensionistas cooptados, evidencia o proveito econômico obtido com a conduta ilícita.
- Além disso, a culpabilidade do Réu é bastante elevada, pois aproveitou-se da situação de vulnerabilidade das vítimas para causar-lhes dano. Ademais, na condição de sociedade de advogados, é certo que seus sócios tinham ciência (ou ao menos deveriam ter), das normas estabelecidas no Estatuto da Advocacia e no respectivo Código de Ética, as quais vedam o tipo de conduta praticada. Some-se a isso a expressiva reiteração de conduta, haja vista o grande número de aposentados e pensionistas vítimas da empresa (lembrando que foram mais de 10.000 ações distribuídas na Justiça Federal).
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação não provida.