APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007919-35.2024.4.03.6000
RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA
APELANTE: IEDA BRANDAO DE BRITO
Advogados do(a) APELANTE: ELIAS CARLOS DA COSTA - RJ120122-A, ROBERTO MARINHO LUIZ DA ROCHA - RJ112248-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007919-35.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: IEDA BRANDAO DE BRITO Advogados do(a) APELANTE: ELIAS CARLOS DA COSTA - RJ120122-A, ROBERTO MARINHO LUIZ DA ROCHA - RJ112248-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (Relator): Cuida-se de recurso de apelação interposto por IEDA BRANDÃO DE BRITO, em face da r. sentença, proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande–MS nos autos do cumprimento de sentença contra a União, que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do CPC/15. Na ocasião, entendeu o juízo sentenciante que, em virtude da não residência da exequente no estado do Mato Grosso do Sul, não seria possível embasar a pretensão formulada nos autos (ID 307118779). A exequente, em razões de apelação, alega que a r. sentença proferida nos autos da ACP 0005019-15.1997.4.03.6000 reconheceu o direito de todos os servidores públicos federais ativos, inativos e pensionistas, não integrantes de outras ações, à incorporação do percentual de 28,86% em sua remuneração. Requer a reforma da r. sentença para afastar a limitação territorial e determinar o retorno dos autos ao juízo a quo para o regular prosseguimento do feito (ID 307118780). A União apresentou contrarrazões (ID 307118883). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007919-35.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: IEDA BRANDAO DE BRITO Advogados do(a) APELANTE: ELIAS CARLOS DA COSTA - RJ120122-A, ROBERTO MARINHO LUIZ DA ROCHA - RJ112248-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (Relator): Trata-se de cumprimento de sentença contra União, em que a exequente requer a incorporação do percentual de 28,86% em sua remuneração, reconhecida por sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública 0005019-15.1997.4.03.6000. As tutelas jurisdicionais coletivas são mecanismos processuais destinados à defesa de direitos e interesses que transcendem a esfera individual, abrangendo grupos, categorias ou mesmo a coletividade como um todo. Essas tutelas são especialmente relevantes em um contexto social onde o respeito aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos se torna crucial, garantindo uma proteção efetiva e igualitária. O ordenamento jurídico brasileiro, dispõe de instrumentos específicos para a tutela coletiva, conforme estabelecido na Constituição Federal e em legislação específica, como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Essa modalidade de tutela jurisdicional tem como principais objetivos a prevenção e reparação de danos que possam atingir a coletividade, além de promover o acesso à Justiça de forma mais ampla. A eficácia das tutelas coletivas se evidencia na possibilidade de decisões judiciais com efeito erga omnes, beneficiando todos os integrantes do grupo ou categoria afetados pela questão levada a juízo. Nesse sentido, os artigos 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor estabelecem normas específicas sobre a coisa julgada nas ações coletivas, apresentando um tratamento distinto em relação à disciplina geral, in verbis: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. No presente caso, trata-se de ação coletiva movida pelos sucessores, em nome próprio, fundamentada em direitos individuais homogêneos. A demanda busca a incorporação do percentual de 28,86% às remunerações de servidores, incluindo ativos, inativos e pensionistas. A coisa julgada resultante dessa ação possui características distintas daquelas aplicáveis às ações que tratam de interesses difusos e coletivos. Em contraste com os interesses difusos e coletivos, que são necessariamente protegidos por meio de ações coletivas propostas por legitimados específicos, os direitos individuais homogêneos podem ser resguardados tanto de forma coletiva quanto individualmente. Essa flexibilidade justifica o tratamento diferenciado da coisa julgada em ações relacionadas a esses direitos. Com base nessas características, estabelece-se que, nas ações coletivas fundamentadas em direitos individuais homogêneos, a sentença gerará coisa julgada erga omnes apenas em caso de procedência do pedido, beneficiando todos os demandantes e seus sucessores, conforme o art. 103, III, do CDC. Nessa ocasião, é permitido a execução direta da sentença sem a necessidade de novo processo de conhecimento. Por outro lado, se a ação coletiva for julgada improcedente, os efeitos da decisão não será “erga omnes” contra os titulares, que poderão ajuizar ações individuais para proteger seus direitos, desde que não tenham participado da ação coletiva como litisconsortes do autor da ação, conforme dispõe o artigo 103, § 2º do CDC. Além disso, no âmbito jurisprudencial, reconhece-se a legitimidade do exequente para buscar o cumprimento individual da sentença, mesmo quando domiciliado em área diversa daquela que corresponde à seção judiciária em que a sentença da ação coletiva foi prolatada. Cabe ressaltar a consolidação deste entendimento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme expressado no Recurso Extraordinário 1.101.937, relacionado ao tema 1.075 de repercussão geral. Determinou-se que os efeitos da sentença não devem ser circunscritos à competência territorial do órgão emissor. Nesse sentido: “CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/1985, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.494/1997. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS. 1. A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua pela efetividade. 2. O sistema processual coletivo brasileiro, direcionado à pacificação social no tocante a litígios meta individuais, atingiu status constitucional em 1988, quando houve importante fortalecimento na defesa dos interesses difusos e coletivos, decorrente de uma natural necessidade de efetiva proteção a uma nova gama de direitos resultante do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração ou dimensão , também conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade. 3. Necessidade de absoluto respeito e observância aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional. 4. Inconstitucionalidade do artigo 16 da LACP, com a redação da Lei 9.494/1997, cuja finalidade foi ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência, acarretando grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, bem como à total incidência do Princípio da Eficiência na prestação da atividade jurisdicional. 5. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral "I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas"(STF, RE 1.101.937/SP, Pleno, DJe 24/08/2021) - Grifos acrescidos Nota-se que o Supremo Tribunal Federal, ao considerar inconstitucional o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, com redação da Lei nº 9.494/97, eliminou qualquer restrição aos efeitos condenatórios em ações coletivas, afastando a limitação territorial anteriormente imposta aos beneficiários dessas sentenças. Quanto aos efeitos decorrentes da aludida decisão, observa-se que a Corte não aplicou a modulação, baseando-se na inaplicabilidade do parágrafo 3º do artigo 927 do Código de Processo Civil, conforme posicionamento consolidado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Constata-se, portanto, que a fundamentação do juízo sentenciante não incorpora os princípios que sustentam os interesses protegidos pela decisão coletiva. Ademais, no caso específico, a r. sentença proferida na ação coletiva, não restringiu a concessão do direito aos servidores localizados ou residindo no Estado do Mato Grosso do Sul, in verbis: “(...) Diante do exposto e por mais que dos autos consta, julgo procedente a presente ação para o fim de condenar os réus a incorporar o percentual de 28,86% às remunerações de seus servidores, ativos, inativos e pensionistas, não litigantes em outras ações ou cujas ações estejam suspensas e não firmatários de acordo, a partir de janeiro de 1993, com reflexos, respeitadas as datas de admissões, descontadas as reposições já feitas por força das Leis nº 8622/93 e 8627/93 (...)” Assim, reformo a r. sentença para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, para prosseguimento da execução da r. sentença coletiva. Quanto ao pedido de condenação em honorários advocatícios pleiteado pela União, acrescento que as contrarrazões são meio processual adequado para se impugnar o recurso da parte adversa, não se prestando a atacar o quanto decidido pela sentença que deixou de fixar a verba honorária, de forma que não conheço do pedido. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, nos termos da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA. TUTELA COLETIVA. INCORPORAÇÃO DE PERCENTUAL EM REMUNERAÇÃO. REAJUSTE 28,86%. EFEITOS DA COISA JULGADA.
1. Cumprimento de sentença no qual a exequente busca a incorporação do percentual de 28,86% em sua remuneração, conforme decidido na Ação Civil Pública nº 0005019-15.1997.4.03.6000
2. As tutelas coletivas, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, abrangem a proteção de direitos coletivos, individuais homogêneos e difusos, e visam ao acesso amplo à Justiça e a reparação de danos coletivos.
3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.101.937, julgou inconstitucional a limitação territorial dos efeitos de decisões proferidas em ações civis públicas, assegurando assim sua eficácia nacional ou regional.
4. Em ações coletivas relacionadas a direitos individuais homogêneos, a sentença possui efeito erga omnes em caso de procedência, garantindo execução direta sem necessidade de novo processo de conhecimento.
5. É assegurado o cumprimento individual de sentenças proferidas em ações coletivas, independentemente da seção judiciária de origem, com efeitos erga omnes, beneficiando todos os titulares individuais homogêneos, frente à inconstitucionalidade de restrições territoriais, conforme entendimento do STF.
6. Recurso de apelação provido.