APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5027508-77.2019.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR
APELADO: FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5027508-77.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR APELADO: FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação da Caixa Econômica Federal - CAIXA e do PROCON contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial de nulidade de Auto de Infração e fixou os honorários advocatícios de sucumbência por equidade. A Caixa Econômica Federal (CAIXA) ajuizou ação declaratória de nulidade de ato administrativo, com pedido de tutela de urgência, em face de Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON, com o escopo de obter provimento jurisdicional que desconstitua a multa aplicada no Auto de Infração nº 23137-D8. Segundo alega, o Auto de Infração nº 23137-D8, lavrado em 20/06/2016 pela Fundação PROCON/SP, lhe impôs sanção administrativa de multa no valor de R$ 2.077.653,33 por infração aos artigos 20, § 2º, 39, I e III, 51, caput, I, IV, X e XII e 55, § 4º, todos da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Segundo alega, apresentou recurso administrativo, que ao final foi julgada parcialmente procedente, fixando assim a multa em R$ 2.423.928,89. Frente a decisão, apresentou novo recurso administrativo que foi julgado improcedente. Assim defende, em síntese, (i) a inexistência de fatos que pudessem a caracterização da infração, II) flagrante desproporção e III) falta de fundamentação e de razoabilidade da multa e IV) impossibilidade do contraditório e ampla defesa. Subsidiariamente, requer caso seja mantida a multa, que seja determina sua correção pela taxa SELIC. Atribuído à causa o valor de R$ 2.556.852,81. (ID 260538774) Citado, o PROCON apresentou contestação (ID 260539357). Houve réplica (ID 126061784). Foi proferida sentença de improcedência do pedido, uma vez que no processo administrativo constou todas as irregularidades apuradas pelo PROCON e que levaram a imposição da multa, não cabendo ao judiciário adentrar no mérito administrativo. Além disso, a gravidade das infrações e a vantagem econômica da Caixa foram sopesadas pela ré de acordo com a legislação, por isso não há necessidade de recálculo do valor da multa imposta. Por outro lado, entendeu incabível a aplicação da SELIC como fator de correção. Consequentemente, determinou as custas na forma da lei, bem como condenou a autora (CAIXA) ao pagamento de honorários advocatícios em favor da ré no montante de R$ 5.000,00. Por fim, determinou que o destino do depósito realizado nos autos será apreciado após o trânsito em julgado. (ID 260539366) Irresignado, apelou o PROCON, pugnando pela reforma da Sentença, para que os honorários advocatícios sejam fixados com base nos percentuais previstos no artigo 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil. Subsidiariamente, pede caso seja entendido cabível o arbitramento da verba honorária por equidade, então que o montante fixado seja majorado. (ID 260539367) A CAIXA também apela, sustentando a flagrante ilegalidade do processo administrativo, frente a ilegitimidade da Portaria 45/2015 e impossibilidade do exercício da ampla defesa e do contraditório. Por outro lado, sustenta que o auto de infração é ato vinculado e por isso deveria ter sido analisado pela Sentença, posto que não existe no ato mérito administrativo a ser analisado exclusivamente pelo administrador. Além disso, argumenta que há flagrante desproporcionalidade e irracionalidade da multa imposta, posto que o artigo 28 do Decreto nº 2181/1997 estabelece outros parâmetros para a fixação da penalidade, que vão além daqueles utilizados na Portaria 45/2015, pois agora se exige que seja considerado a extensão do dano causado aos consumidores e a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção. (ID 260539369) O PROCON e a Caixa Econômica Federal apresentaram contrarrazões. (ID 260539375 e 260539376). Vieram os autos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5027508-77.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR APELADO: FUNDACAO DE PROTECAO E DEFESA DO CONSUMIDOR, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O cerne da questão cinge-se a alegada ilegalidade da multa no Auto de Infração nº 23137-D8 e o cálculo desta. Consta do Auto de Infração nº 23137-D8, datado de 20/06/2016, que a autora infringiu os artigos 20, § 2º, 39, I e III, 51, caput, I, IV, X e XII e 55, § 4º, todos da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Sendo que, segundo a sentença na fase administrativa foram afastadas as condutas enquadradas como violadoras dos artigos 39, I, 51, X e XII, do CDC, mantendo-se o concurso de infrações. Pelas condutas restantes, foi aplicada a multa administrativa no valor de R$2.423.928,89. Assim, a Caixa sujeitou-se à sanção prevista nos artigos 56, inciso I e 57 da Lei nº 8.078/90, cuja pena pode ser atenuada ou agravada, nos termos do artigo 34 da Portaria Normativa PROCON nº 45/2015. Os artigos 56, inciso I e 57 da Lei nº 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor, estabelecem: Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos. (Redação dada pela Lei nº 8.656, de 21.5.1993) Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.703, de 6.9.1993) Note-se que, ao estipular limites mínimo e máximo para a penalidade pecuniária, o legislador pretendeu atribuir certa margem de discricionariedade ao agente público. Neste passo, impende registrar que o princípio da legalidade administrativa somente permite aos membros da Administração atuarem dentro dos parâmetros estritamente autorizados pela lei. O critério para fixação da multa é objetivo, aritmético e previamente definido, com dosimetria estabelecida em fórmula matemática inserta no artigo 33 da Portaria Normativa PROCON nº 45/2015, que leva em conta os parâmetros do artigo 57 da Lei nº 8.078/90. Vejamos: Art. 33. A dosimetria da pena de multa será definida através da fórmula abaixo, a qual determinará a Pena Base: “PE+(REC.0,01).(NAT).(VAN) = PENA BASE” Onde: PE - definido pelo porte econômico da empresa; REC - é o valor da receita bruta; NAT - representa o enquadramento do grupo da gravidade da infração (Natureza); VAN - refere-se à vantagem. § 1° O porte econômico da empresa será determinado em razão de sua receita e obedecerá aos critérios de classificação para arrecadação fiscal, recebendo um fator fixo, a saber: a) Micro Empresa = 220; b) Pequena Empresa = 440; c) Médio Porte = 1000; d) Grande Porte = 5000. § 2º O elemento REC será a receita bruta da empresa, aplicando-se um fator de correção de curva progressivo quando superior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), assim determinado: REC = [(VALOR DA RECEITA – R$ 120.000,00) x 0,10] + R$ 120.000,00 § 3° O fator Natureza será igual ao grupo do enquadramento da prática infrativa classificada no Anexo I. § 4º A Vantagem receberá o fator abaixo relacionado, determinado pela vantagem com a prática infrativa: a) Vantagem não apurada ou não auferida = 1 b) Vantagem apurada = 2 Cumpre observar que o artigo 32 do mesmo ato administrativo normativo determina que a condição econômica do infrator será aferida pela média de sua receita bruta, podendo ser estimada pelo PROCON (caput) e impugnada até o trânsito em julgado no processo administrativo (§1º). No que concerne à utilização da receita bruta para aferir a condição econômica do infrator, confira-se o seguinte precedente do c. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. PREÇO DO PRODUTO OU SERVIÇO. INFRAÇÃO AO ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DOSIMETRIA DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. CONHECIMENTO EX OFFICIO. (...) 5. Sanções administrativas apresentam, a um só tempo, função punitiva (= repressiva) e função inibitória (= dissuasiva ou pedagógica), aquela destinada à reprimenda por ato já praticado, esta com a finalidade de desencorajar comportamento ilícito futuro, do próprio infrator (= dissuasão especial) ou de terceiros (= dissuasão geral). Haverão de ser fixadas em patamar que, no caso concreto, respeite a razoabilidade, de modo a rechaçar ora o caráter exagerado ou confiscatório, ora, no outro extremo, a irrisoriedade, que destrói a credibilidade da medida e permite ao infrator computá-la como "custo normal e vão do negócio". Daí que no cálculo da multa amiúde se deve levar em conta o faturamento bruto do fornecedor, e não o lucro específico com o ato ilícito em questão, pois do contrário, na prática, se equiparam injustamente, pela via transversa, pequeno e grande empresário. 6. Recurso Especial não provido. (REsp 1419557/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 07/11/2016) Não se constata, na espécie, qualquer irregularidade na aplicação da multa, devidamente fundamentada, cujo cálculo se baseou em critérios objetivos, sendo efetuada a dosimetria da pena. Outrossim, o valor da multa aplicada não ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando a receita bruta da empresa, bem como o caráter punitivo e educativo das sanções administrativas. O aspecto atinente ao montante de multa fixado pela autoridade administrativa é matéria que se insere no mérito do ato administrativo, cabendo ao Poder Judiciário apenas o controle de legalidade do ato. Por outro lado, assinalo que não existe no processo administrativo qualquer ilegalidade, posto que conforme constou da sentença, todas as irregularidades apuradas pelo PROCON constaram do processo administrativo, assim todos os fatos que ocasionaram a aplicação da multa foram analisados e fundamentados, contudo conforme anteriormente assinalado não houve análise do mérito administrativo do auto de Infração e imposição de multa, pois tal função é privativa do administrador. Por fim, em relação ao argumento constante da apelação do PROCON, de que os honorários advocatícios de sucumbência não podem ser arbitrados por equidade, observo que tal encontra amparo na Jurisprudência, posto que a Tese fixada no Tema 1.076/STJ dos recursos repetitivos, firmou entendimento que mesmo o valor da causa sendo elevado, os honorários advocatícios de sucumbência devem ser fixados nos termos do §§ 3º e 4º do artigo 85 do Código de Processo Civil, uma vez que a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON é parte da lide. Ante o exposto, nego provimento à apelação da CAIXA e dou provimento à apelação do PROCON, apenas para reformar o julgado contido na sentença quanto a condenação da CAIXA ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixando-os no percentual de 8% do valor da causa atualizado. Mantendo todos os demais termos da sentença. É como voto.
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V O T O
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA:
Solicitei vista dos autos para melhor exame da questão submetida a julgamento.
Trata-se de apelação em ação de rito ordinário ajuizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) contra a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), objetivando (...) declarar a nulidade do auto de infração impugnado com base na (i) ilegalidade do procedimento administrativo que contrariou a Lei Estadual nº 10.177/98, (ii) ilegalidade da Portaria Normativa Procon nº 45/15 nos pontos em que disciplina o procedimento administrativo no âmbito da Ré, (iii) manifesta improcedência das reclamações e inexistência de prova cabal da ocorrência de infrações nas restantes, (iv) falta de proporcionalidade/razoabilidade na imposição da multa, (v) ilegalidade da determinação da base de cálculo da penalidade realizada pelo auto de infração e (vi) inconstitucionalidade da Lei estadual paulista nº 13.226/08 (...); subsidiariamente, (...), requer seja a demanda julgada procedente para determinar que a Ré recalcule a multa em consonância com o art. 56, Lei nº 8.078/90, afastando-se o critério da receita bruta previsto nos arts. 32 e 33, Portaria Normativa Procon nº 45/15, atendendo-se à proporcionalidade/razoabilidade, à inexistência de gravidade da infração e a pouca expressividade das ocorrências (...) ou, ainda, (...) subsidiariamente, em sendo mantida a sanção de multa, que seja determinada sua correção pela taxa SELIC (ID 260538774).
O r. Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, extinguindo o processo, com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte ré, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (ID 260539366).
Apelou a Caixa Econômica Federal, pleiteando a reforma do julgado, reiterando os termos da inicial.
Apelou também o Procon, requerendo que o arbitramento dos honorários advocatícios seja feito com base nos percentuais previstos no art. 85, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil ou, subsidiariamente, que seja majorado o valor fixado a este título na sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos a este e. Tribunal.
Em seu voto, o Excelentíssimo Desembargador Federal Nery Júnior negou (...) provimento à apelação da CAIXA e (...) deu (...) provimento à apelação do PROCON, apenas para reformar o julgado contido na sentença quanto a condenação da CAIXA ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixando-os no percentual de 8% do valor da causa atualizado. Mantendo todos os demais termos da sentença.
Passo a decidir.
No caso vertente, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) lavrou contra a Caixa Econômica Federal (CEF) o Auto de Infração 23137-D8/2016, em razão de violação aos arts. 20, § 2º, 39, I e III, 51, caput, I, IV, X e XII, e 55, § 4º, todos do Código de Defesa do Consumidor.
No curso da fase administrativa, foram afastadas as condutas enquadradas como violadoras dos arts. 39, I, 51, X e XII, do Código de Defesa do Consumidor, fixando-se, a título de multa pelas condutas restantes, o valor de R$ 2.423.928,89, mediante a aplicação de duas agravantes (caráter repetitivo e dano coletivo) e uma atenuante (primariedade), com aumento de 1/2 e redução de 1/3 sobre o valor estimado, ante a ausência de comprovação do real faturamento pela autora.
De acordo com o aludido auto de infração, a autora incorreu em má prestação de serviço, ao permitir saques irregulares em conta bancária de inúmeros correntistas, deixando de garantir a segurança que legitimamente se espera do serviço financeiro e de cumprir o seu dever de adequação, conforme exige o art. 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
Tal fato restou comprovado por meio das denúncias dos consumidores e os documentos que instruem o auto de infração, inexistindo, por outro lado, provas de que foi o próprio cliente ou terceiro, que por seu descuido, efetuou os saques contestados.
Igualmente, demonstrou-se nos autos que a parte autora estabeleceu cláusula de não indenizar (item 3.4 do auto de infração), cujo teor a seguir é transcrito:
CLÁUSULA QUINTA – DA GUARDA DO CARTÃO – O dano ou prejuízo decorrente da perda, extravio, roubo, furto ou mau uso do cartão e de sua respectiva senha, será de inteira e exclusiva responsabilidade do(s) DEVEDOR(es), que se compromete(m) a dar imediato conhecimento à CAIXA de qualquer destas ocorrências (...)
Ora, não restam dúvidas de que a aludida cláusula é abusiva, eis que altera substancialmente o equilíbrio contratual, em clara violação ao que dispõe o art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual (...) são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (...) impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem em renúncia ou disposição de direitos.
Evidenciou-se também que a autora encaminhou a consumidora produtos/serviços (cartão da bandeira Visa Electron e cartas informativas de contratações de seguros) por ela não solicitados, o que infringe o disposto no art. 39, III, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual (...) é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços (...) enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.
Do mesmo modo, contatou-se cláusula de contrato celebrado pela autora com os consumidores, que previa que (...) qualquer prejuízo decorrente de extravio, furto ou roubo do cartão, é de inteira responsabilidade do cliente, até o momento da solicitação do seu bloqueio (...), o que está em evidente desacordo com a legislação consumerista, eis que viola o art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual (...) são nulas de pleno direito (...) as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (…) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
A respeito, vale citar julgado do e. Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
(...)
6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato de as compras terem sido realizadas no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade da instituição financeira. Precedentes.
7. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. Precedentes.
(...)
11. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1.995.458/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 09/08/2022, DJe de 18/08/2022) (destaque nosso)
Consta, ainda, no auto de infração, que a autora deixou de responder à Notificação 02106-D8, enviada pelo Procon/SP, para que fossem prestadas informações sobre questões de interesse dos consumidores, a fim de esclarecer matéria veiculada no portal eletrônico da Folha de São Paulo, em 17/07/2013, intitulada “Caixa lança nova ofensiva em financiamento automotivo”.
Muito embora a notificação tenha sido recebida, conforme comprova o aviso de recebimento juntado ao processo administrativo, não houve qualquer resposta por parte da instituição financeira.
Ora, o § 4º do art. 55 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que (...) os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor.
A omissão das empresas quanto à notificação do Procon tem o risco de inviabilizar a fiscalização e a correta execução das leis de defesa do consumidor e deve, portanto, ser exemplarmente coibida.
Evidenciada a configuração das infrações em testilha, passa-se à análise dos critérios utilizados pela autoridade administrativa para a imposição da penalidade.
Ao tratar Dos Direitos e Garantias Individuais, a Constituição da República estabeleceu que (...) o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º XXXII).
Objetivando regulamentar esse dispositivo constitucional, foi editada a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispondo sobre a proteção ao consumidor e cujos seguintes artigos reputo oportuna a transcrição:
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa;
(...)
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.
Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo.
No Estado de São Paulo, foi editada a Lei 9.192/1995, cujo art. 3º, XI dispõe que, (...) para a consecução de seus objetivos, deverá a Fundação (...) fiscalizar a execução das leis de defesa do consumidor e aplicar as respectivas sanções.
Por sua vez, a Portaria Normativa Procon 45, de 12/05/2015 estabelece os critérios a serem adotados na fixação da pena de multa, in verbis:
Art. 33. A dosimetria da pena de multa será definida através da fórmula abaixo, a qual determinará a Pena Base:
“PE+(REC.0,01).(NAT).(VAN)=PENA BASE”
Onde:
PE – definido pelo porte econômico da empresa;
REC – é o valor da receita bruta;
NAT – representa o enquadramento do grupo da gravidade da infração (Natureza);
VAN – refere-se à vantagem.
§ 1° O porte econômico da empresa será determinado em razão de sua receita e obedecerá aos critérios de classificação para arrecadação fiscal, recebendo um fator fixo, a saber:
a) Micro Empresa = 220;
b) Pequena Empresa = 440;
c) Médio Porte = 1000;
d) Grande Porte = 5000.
§ 2º O elemento REC será a receita bruta da empresa, aplicando-se um fator de correção de curva progressivo quando superior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), assim determinado:
REC = [(VALOR DA RECEITA – R$ 120.000,00) x 0,10] + R$ 120.000,00
§ 3° O fator Natureza será igual ao grupo do enquadramento da prática infrativa classificada no Anexo I.
§ 4º A Vantagem receberá o fator abaixo relacionado, determinado pela vantagem com a prática infrativa:
a) vantagem não apurada ou não auferida = 1
b) vantagem apurada = 2
Nota-se, destarte, que a sanção pecuniária foi arbitrada de modo objetivo e preestabelecido, com fulcro em legítimo Poder de Polícia atribuído ao Procon, conforme pacificamente reconhecido pela jurisprudência pátria:
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL CONSTATADO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS PARA ANULAR ACÓRDÃO EMBARGADO. PROFERIMENTO DE NOVA DECISÃO. PROCON. APLICAÇÃO DE MULTA. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. MULTA. LEGITIMIDADE. MANUTENÇÃO DA SANÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
(...)
4. Caso em que a Corte a quo entendeu que, "nas hipóteses em que as condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse do consumidor, é legítima a atuação do PROCON para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido pelo sistema nacional de defesa do consumidor".
5. O entendimento adotado está de acordo com o do STJ, que entende que a sanção administrativa, prevista no art. 57 do Código de Defesa do Consumidor, funda-se no poder de polícia que o Procon detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei 8.078/1990, independentemente de a reclamação ter sido realizada por um único consumidor. Incidência da Súmula 83/STJ.
(...)
8. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para afastar a deserção e anular o acórdão recorrido (fls. 927-932, e-STJ) e as decisões anteriores, tornando-as sem efeito, e conhecer do Agravo para não conhecer do Recurso Especial.
(STJ, EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 2.028.193/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 27/5/2024, DJe de 4/6/2024)
Ademais, como se sabe, o auto de infração constitui ato administrativo dotado de presunção juris tantum de legalidade e veracidade, sendo condição sine qua non para sua desconstituição a comprovação (i) de inexistência dos fatos descritos no auto de infração; (ii) da atipicidade da conduta ou (iii) de vício em um de seus elementos componentes (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade).
A apelante, por seu turno, não logrou produzir provas suficientes para elidir a presunção de legalidade e legitimidade de que goza o auto de infração.
Nesse sentido, não se confundem alegação e prova. A relação entre uma e outra, no processo, é de precedência, não de equivalência.
Portanto, para que seja declarada a ilegitimidade de um ato administrativo, cumpre ao administrado provar os fatos constitutivos de seu direito, i.e., a inexistência dos fatos narrados como verdadeiros no auto de infração.
Logo, as condutas infratoras encontram-se tipificadas, não existindo qualquer violação ao princípio da legalidade ou irregularidade na autuação aqui questionada.
Finalmente, a multa aplicada não se revela desproporcional, inicialmente porque instituídos dentro dos limites legais fixados nos termos do art. 57 do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, os valores não se demonstram exorbitantes para os padrões econômicos da parte autora, não configurando o alegado efeito confiscatório.
Por fim, mostra-se de rigor a fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, eis que em consonância com a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.076.
Em face do exposto, acompanho o Eminente Relator para negar provimento à apelação da Caixa Econômica Federal e dar provimento à apelação do Procon, apenas quanto à condenação da parte autora ao pagamento de honorários advocatícios.
É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. PROCON. MULTA. CRITÉRIOS OBJETIVOS E ARITMÉTICOS. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS POR EQUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO NOS TERMOS DOS §§ 3º E 4º DO ARTIGO 85 DO CPC.
1. O cerne da questão cinge-se a alegada ilegalidade da multa no Auto de Infração nº 23137-D8 e o cálculo desta.
2. Consta do Auto de Infração nº 23137-D8, datado de 20/06/2016, que a autora infringiu os artigos 20, § 2º, 39, I e III, 51, caput, I, IV, X e XII e 55, § 4º, todos da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Sendo que, segundo a sentença na fase administrativa foram afastadas as condutas enquadradas como violadoras dos artigos 39, I, 51, X e XII, do CDC, mantendo-se o concurso de infrações. Pelas condutas restantes, foi aplicada a multa administrativa no valor de R$2.423.928,89. Assim, a Caixa sujeitou-se à sanção prevista nos artigos 56, inciso I e 57 da Lei nº 8.078/90, cuja pena pode ser atenuada ou agravada, nos termos do artigo 34 da Portaria Normativa PROCON nº 45/2015.
3.Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.078/90: “Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos. Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo”.
4. Note-se que, ao estipular limites mínimo e máximo para a penalidade pecuniária, o legislador pretendeu atribuir certa margem de discricionariedade ao agente público.
5. Neste passo, impende registrar que o princípio da legalidade administrativa somente permite aos membros da Administração atuarem dentro dos parâmetros estritamente autorizados pela lei.
6. O critério para fixação da multa é objetivo, aritmético e previamente definido, com dosimetria estabelecida em fórmula matemática inserta no artigo 33 da Portaria Normativa PROCON nº 45/2015 que leva em conta os parâmetros do artigo 57 da Lei nº 8.078/90.
7. Cumpre observar que o artigo 32 do mesmo ato administrativo normativo determina que a condição econômica do infrator será aferida pela média de sua receita bruta, podendo ser estimada pelo PROCON (caput) e impugnada até o trânsito em julgado no processo administrativo (§1º).
8. Não se constata, na espécie, qualquer irregularidade na aplicação da multa, devidamente fundamentada, cujo cálculo se baseou em critérios objetivos, sendo efetuada a dosimetria da pena. Outrossim, o valor da multa aplicada não ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando a receita bruta da empresa, bem como o caráter punitivo e educativo das sanções administrativas.
10. O aspecto atinente ao montante de multa fixado pela autoridade administrativa é matéria que se insere no mérito do ato administrativo, cabendo ao Poder Judiciário apenas o controle de legalidade do ato.
11. Não existe no processo administrativo qualquer ilegalidade, posto que conforme constou da sentença, todas as irregularidades apuradas pelo PROCON constaram do processo administrativo, assim todos os fatos que ocasionaram a aplicação da multa foram analisados e fundamentados, contudo conforme anteriormente assinalado não houve análise do mérito administrativo do auto de Infração e imposição de multa, pois tal função é privativa do administrador.
12. Em relação ao argumento constante da apelação do PROCON, que os honorários advocatícios de sucumbência não podem ser arbitrados por equidade, observo que tal encontra amparo na Jurisprudência, posto que a Tese fixada no Tema 1.076/STJ dos recursos repetitivos, firmou entendimento que mesmo o valor da causa sendo elevado, os honorários advocatícios de sucumbência devem ser fixados nos termos do §§ 3º e 4º do artigo 85 do Código de Processo Civil, uma vez que a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON é parte da lide.
13. Apelação da CAIXA não provida e apelação do PROCON provida.