Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005160-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ

Advogados do(a) APELANTE: ALESSANDRO MENDES CARDOSO - MG76714-A, HELVECIO FRANCO MAIA JUNIOR - SP352839-A, JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM - SP76921-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005160-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ

Advogados do(a) APELANTE: ALESSANDRO MENDES CARDOSO - MG76714-A, HELVECIO FRANCO MAIA JUNIOR - SP352839-A, JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM - SP76921-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Trata-se de recurso de apelação apresentado pela Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) em demanda ajuizada em face União, objetivando o pagamento decorrente do fornecimento de energia elétrica.

Alega a CPFL que é credora da antiga Ferrovia Paulista S/A (FEPASA),  pois no período de janeiro/1998 a julho/2004 forneceu energia elétrica às unidades consumidoras ns. 2036302607, 7985320, 90611-101, 500283-101 e 1635-101, mas os valores não foram pagos.

Em contestação (ID 5141727 – p. 2/21), preliminarmente, a União alegou o seguinte:

a) ilegitimidade passiva da FEPASA, já que extinta e incorporada à Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em 18/02/1998, notadamente dez anos antes da propositura da presente demanda;

b) ilegitimidade passiva quanto a cobrança da unidades consumidoras ns . 2036302607 e 90611-101, pois o imóvel,  situado no Horto florestal de Bela Vista, em Iperó/SP, foi transferido ao Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITEST) em razão do Contrato de Permissão de Uso, firmado em 11/05/1999, sendo que a cobrança é pertinente ao débito de setembro/2002;

c) a cobrança de tarifas não decorre da titularidade do imóvel, mas da efetiva utilização dos serviços;

d) o imóvel código 79885320, conhecido como pátio Guanabara, situado em Campinas/SP, não e de propriedade da União, pois foi objeto de dação em pagamento feita pela RFFSA à Companhia Paulista de Administração de Ativos (CPA), devido ao Contrato de Confissão de Dívida firmado em 1997 entre a extinta FEPASA, o Governo do Estado de São Paulo e a CPA, considerando-se que na matrícula do imóvel consta a transferência da propriedade desde 10/02/1999, sendo que o período cobrado é de junho/1999 a janeiro/2004;

e) necessidade de denunciar à lide o ITEST e a CPA no tocante às cobranças dos códigos ns. 2036302607, 7985320, 90611-101;

f) nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/1932, a ocorrência da prescrição total da pretensão da autora, pois o débito compreende o período de janeiro/1998 a julho/2004, sendo que a demanda foi ajuizada em 2008 contra a FEPASA (extinta em 1998) e a regularização do polo passivo ocorreu somente em 2012, após petição protocolada em junho/2011, de modo que não houve a interrupção da prescrição; 

g) prescrição da pretensão da autora quanto ao imóveis de propriedade da União, notadamente as unidades consumidoras ns. 1635-101 (subestação Louveira), cuja dívida é de janeiro/1998 a janeiro/1999,  e 500283-001 (estação Campinas), cuja dívida é de fevereiro/1998 a fevereiro/1999, períodos anteriores à transferência dos imóveis à União, ocorrido em razão da assunção legal da RFFSA pela mesma, após o advento da Medida Provisória n. 353, de 22/01/2007, posteriormente convertida na Lei n. 11.483/2007;

h) subsidiariamente, a incidência da prescrição dos valores que superam o quinquênio contado; 

i) no mérito, alega nada dever à autora, pois quando da extinção da RFFSA, uma Comissão Executiva de Obrigações Contratuais da Extinta RFFSA, junto à assessoria do Ministério da Fazenda, procedeu o inventário das obrigações de pagar, bem como o levantamento dos débitos, sendo que o Decreto n. 6.018/2007, que regulamenta a Medida Provisória n. 353 de extinção da RFFSA, autorizou a liquidação apenas das obrigações contratuais cujo valor não ultrapassasse R$ 250.000,00, sendo que os valores superiores deveriam ser encaminhados à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e

i) aplicação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1797, com redação introduzida pela Lei n. 11.960/2009, no cálculo dos juros de mora e da correção monetária.

A r. sentença julgou a demanda extinta sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva em relação às unidades consumidoras ns. 2036302607, 90611-101 e 7985320,  em razão de o imóvel da instalação ter sido transferido a órgãos estaduais, e reconheceu a decadência do direito quanto às unidades ns. 1635-101 e 500283-001, por força do artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932. Foram fixados os honorários advocatícios devidos pela parte autora em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizado (ID 5141729 – p. 1/5).

Não conhecidos os embargos declaratórios opostos pela CPFL (ID 514043 – p. 11/13).

Em síntese, apela a CPFL alegando violação a diversos dispositivos legais, sustentando o seguinte:

a) Quanto à decadência, alude que às unidades ns. 1635-101 e 500283-001 não foram atingidas pelo prazo decadencial quinquenal previsto no artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932, porquanto o prazo é decenal nos termos do artigo 205 do Código Civil. Salienta que a União é a sucessora da extinta RFFSA, que havia incorporado a antiga FEPASA, nos direitos, obrigações e ações judiciais. Assim, a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra seu sucessor (artigo 196 do Código Civil).

Ainda, defende que a prescrição foi interrompida em razão do despacho de aptidão da petição inicial, de modo que retroagiu à data da propositura da ação. Nesse contexto, como a ação foi distribuída em 07/01/2008 e o período de consumo são dos meses de janeiro/1998 a julho/2004, não há que se falar em prescrição ou decadência.

Por fim, caso o entendimento seja do prazo quinquenal, o início da contagem deve ser a partir da edição da MP n. 353, que dispôs sobre o término do processo de liquidação e extinção da Rede Ferroviária Federal e ocorreu em 22/01/2007.

b) Sobre a ilegitimidade passiva da União em relação às unidades ns. 2036302607, 90611-101 e 7985320, sustenta ser ela a responsável pelos pagamentos, mesmo que não tenha adquirido a propriedade dos imóveis das unidades consumidoras, porquanto a cobrança não recai sobre a coisa, mas sim sobre o seu titular, e

c) Com relação aos honorários advocatícios, requer seja a condenação reduzida em valor que se afigure suficiente a remunerar, de forma justa, a atuação do profissional, considerando-se  a baixa complexidade da causa.

Prequestiona a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requer, ao final, provimento integral de seu recurso com a inversão do ônus da sucumbência.

Com contrarrazões, subiram os autos a essa E. Corte Regional.

É o relatório.

cf

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005160-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ

Advogados do(a) APELANTE: ALESSANDRO MENDES CARDOSO - MG76714-A, HELVECIO FRANCO MAIA JUNIOR - SP352839-A, JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM - SP76921-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

 

V O T O

 

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido.

Cuida-se de cobrança de valores decorrentes do fornecimento de energia elétrica  notadamente às unidades consumidoras n. 2036302607, 7985320, 90611-101, 500283-101 e 1635-101, de titularidade da FEPASA, referente ao consumo entre os meses de janeiro/1998 a julho/2004.

A r. sentença julgou a demanda extinta sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva da União em relação às unidades consumidoras n. 2036302607, 90611-101 e 7985320, devido o imóvel ter sido transferido a órgãos estaduais, e reconheceu a decadência do direito quanto às unidades n. 1635-101 e 500283-001, com fulcro no artigo 1º do Decreto n. 20.2910/1932, que prevê a prescrição quinquenal.

Vejamos.

Da prescrição 

Sobre o prazo prescricional, ao analisar a natureza jurídica da remuneração cobrada pelo fornecimento de água e esgoto por concessionária de serviço público, o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.903/SP (Temas 251 a 254), sob o regime de recurso repetitivo, definiu ser tarifa ou preço público, portanto de caráter não tributário, atraindo a incidência do prazo prescricional contido no Código Civil, quais sejam o decenal (artigo 205 do CC de 2002) ou vintenário (artigo 177 do CC de 1916), observada a regra de transição prevista no artigo 2.028 da legislação civil vigente.

Eis o teor do acórdão:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. TARIFA/PREÇO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO.

1. A natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 447.536 ED, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 28.06.2005, DJ 26.08.2005; AI 516402 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30.09.2008, DJe-222 DIVULG 20.11.2008 PUBLIC 21.11.2008; e RE 544289 AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26.05.2009, DJe-113 DIVULG 18.06.2009 PUBLIC 19.06.2009. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: EREsp 690.609/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 26.03.2008, DJe 07.04.2008; REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009; e EREsp 1.018.060/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 09.09.2009, DJe 18.09.2009).

2. A execução fiscal constitui procedimento judicial satisfativo servil à cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública, na qual se compreendem os créditos de natureza tributária e não tributária (artigos 1º e 2º, da Lei 6.830/80).

3. Os créditos oriundos do inadimplemento de tarifa ou preço público integram a Dívida Ativa não tributária (artigo 39, § 2º, da Lei 4.320/64), não lhes sendo aplicáveis as disposições constantes do Código Tributário Nacional, máxime por força do conceito de tributo previsto no artigo 3º, do CTN.

4. Conseqüentemente, o prazo prescricional da execução fiscal em que se pretende a cobrança de tarifa por prestação de serviços de água e esgoto rege-se pelo disposto no Código Civil, revelando-se inaplicável o Decreto 20.910/32, uma vez que:

"... considerando que o critério a ser adotado, para efeito da prescrição, é o da natureza tarifária da prestação, é irrelevante a condição autárquica do concessionário do serviço público. O tratamento isonômico atribuído aos concessionários (pessoas de direito público ou de direito privado) tem por suporte, em tais casos, a idêntica natureza da exação de que são credores. Não há razão, portanto, para aplicar ao caso o art. 1º do Decreto 20.910/32, norma que fixa prescrição em relação às dívidas das pessoas de direito público, não aos seus créditos." (REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009) 5. O Código Civil de 1916 (Lei 3.071) preceituava que:

 Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.

(...)

Art. 179. Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177."

6. O novel Código Civil (Lei 10.406/2002, cuja entrada em vigor se deu em 12.01.2003), por seu turno, determina que:

"Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

 (...)

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."

7. Conseqüentemente, é vintenário o prazo prescricional da pretensão executiva atinente à tarifa por prestação de serviços de água e esgoto, cujo vencimento, na data da entrada em vigor do Código Civil de 2002, era superior a dez anos. Ao revés, cuidar-se-á de prazo prescricional decenal.

8. In casu, os créditos considerados prescritos referem-se ao período de 1999 a dezembro de 2003, revelando-se decenal o prazo prescricional, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

9. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, para prosseguimento da execução fiscal, uma vez decenal o prazo prescricional pertinente. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

Anote-se que apesar de o julgado referir-se à prestação de serviço de água e esgoto, ele se estende ao fornecimento de energia elétrica. Confira-se:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283 DO STF. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O acórdão recorrido não possui a omissão suscitada pela parte recorrente, mas apresentou, concretamente, os fundamentos que justificaram a sua conclusão. Como é cediço, o Julgador não está obrigado a rebater, individualmente, todos os argumentos suscitados pelas partes, sendo suficiente que demonstre, fundamentadamente, as razões do seu convencimento. No caso, existe mero inconformismo da parte recorrente com o resultado do julgado proferido no acórdão recorrido, que lhe foi desfavorável. Inexiste, portanto, ofensa ao art. 1022 do CPC/2015.

2. O Tribunal de origem apresentou fundamentação concreta e suficiente para dar suporte às suas conclusões, inexistindo desrespeito ao dever judicial de se fundamentar as decisões judiciais, existindo mero inconformismo da parte recorrente com o resultado do julgamento que lhe foi desfavorável. Portanto, não há ofensa ao art. 489 do CPC/2015. 

3. Quanto à tese do prazo prescricional decenal, o julgado está assentado nos seguintes fundamentos, cada qual suficiente, por si só, para dar suporte à conclusão do Tribunal de origem: a) incidência dos Temas repetitivos n. 251 e 254, que aplicam o prazo de prescrição de 10 (dez) anos para cobrança de dívidas de água e esgoto (e também para energia elétrica), conforme art. 205 do CC; b) a mera presença do município como parte não atrai a incidência do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, por ser mero credor de dívida passiva da concessionária; e c) a prescrição quinquenal não se aplica, pois se trata de dívida de concessionária de energia elétrica. A parte recorrente, no entanto, deixou de impugnar os dois primeiros fundamentos. Portanto, incide o comando da Súmula n. 283/STF.
4. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que as dívidas não-tributárias de água, esgoto e energia elétrica se submetem ao prazo prescricional decenal do Código Civil, e não ao quinquenal do Decreto n. 20.910/1932. Esta regra foi definida a partir da natureza jurídica da tarifa cobrada pelo serviço, não sendo o caso de fazer distinção em razão dos sujeitos que integram a relação jurídica.

Precedentes.
5. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp n. 2.601.514/GO, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 28/10/2024, DJe de 4/11/2024.)

Nesse contexto, considerando-se o período da cobrança (janeiro/1998 a julho/2004) e a data da vigência do atual Código Civil, tem-se que parte do débito está abrangido pelo Códex revogado, incidindo a regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil vigente, in verbis:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Como o prazo prescricional sofreu redução e quando da entrada em vigor do Código Civil ainda não havia transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no artigo 177 do Código Civil/1916, incide a prescrição decenal, nos termos do artigo 205 do atual normativo.

Desse modo, para que a dívida não fosse fulminada pela prescrição, tinha a autora que ajuizar a presente demanda até janeiro/2008.

Compulsando os autos, verifica-se que embora não conste a data de distribuição da ação, há determinação de conclusão dos autos em 31/01/2008 (ID 5141717 – p. 26), evidenciando-se que a demanda foi ajuizada dentro do prazo prescricional decenal.

Por sua vez, a citação válida da União (ID 5141726 – p. 4) interrompeu a prescrição, que retroagiu à data da propositura da ação, nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC/1973, autorizando o prosseguimento da cobrança da dívida correspondente a todas unidades consumidoras.

Ressalta-se que apesar de a citação ter ocorrido somente em 11/07/2014, notadamente mais de 6 (seis) anos após a propositura da demanda, não foi apontada desídia por parte da autora, de modo que a demora deve ser atribuída ao Poder Judiciário, considerando-se, ainda, o lapso temporal despendido no processamento do feito na Justiça Estadual, com a posterior distribuição à Justiça Federal, sendo o caso de aplicação da S. 106/STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.”

Nesse diapasão, a cobrança da dívida não está prescrita.

Da legitimidade passiva da União

A cobrança correlata às unidades de consumo n. 2036302607, que  abrange o período de dezembro/2003 a julho/2004, e 90611-101, correspondente ao período de setembro/2002,  estão instaladas no imóvel conhecido como Horto Florestal de Bela Vista, em Iperó/SP, posteriormente transferido ao Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), mediante Contrato de Permissão de Uso (ID 5142040 – p. 5), decorrente do Contrato Particular de Assunção e Confissão de Dívidas celebrado em 22/05/1997 pela Companhia Paulista de Administração de Ativos (CPA) e a FEPASA, aditado em 22/12/1997 (ID 5142041 – p. 4/11).

A respeito do imóvel código n. 7985320, qual seja o Pátio Guanabara, em Campinas/SP, está demonstrado que a propriedade foi objeto de dação em pagamento realizada pela RFFSA em favor da Companhia Paulista de Administração de Ativos (CPA), em 10/02/1999 (ID 514036 – p. 1/12 ), sendo que a dívida corresponde ao período de junho/1999 a janeiro/2004.

Em verdade, as transferências de propriedade não interferem na responsabilidade da FEPASA quanto ao pagamento da prestação de energia elétrica, pois o posicionamento do C. Tribunal da Cidadania é que os débitos relativos aos serviços essenciais, tais como água, esgoto e energia elétrica, são de natureza pessoal, mas não uma obrigação de natureza propter rem, inexistindo vinculação à titularidade do imóvel.

Eis alguns acórdãos:

PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SOLICITAÇÃO DE DESMEMBRAMENTO DO HIDRÔMETRO VINCULADO A DUAS LOJAS DISTINTAS. PEDIDO ADMINISTRATIVO NÃO ATENDIDO. CONDUTA IRREGULAR DA CONCESSIONÁRIA. TENTATIVA DE IMPUTAR AOS CONSUMIDORES DÉBITO PRETÉRITO DE RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO. DÍVIDA PROPTER REM. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Na hipótese dos autos, nota-se que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do STJ no sentido de que a obrigação de pagar o débito referente ao serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto se reveste de natureza pessoal e não propter rem, não se vinculando, portanto, à titularidade do imóvel. Assim, o atual usuário do serviço ou o proprietário do imóvel não podem ser responsabilizados por débitos de terceiro que efetivamente o tenha utilizado.

2. Extrai-se do acórdão vergastado e das razões de Recurso Especial que o acolhimento da pretensão recursal demanda reexame do contexto fático-probatório, especialmente para reavaliar o valor arbitrado a título de dano moral, o que não se admite ante o óbice da Súmula 7/STJ.

3. Agravo Interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 1.979.031/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 27/6/2022.)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RECORRIDO. CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM MEDIANTE ANÁLISE DAS PROVAS DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA CONCESSIONÁRIA DESPROVIDO.
1. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte, a obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia, não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço.
2. Na espécie, o Tribunal de origem consignou que no período em que foi constatada a irregularidade no medidor de energia, o Agravado não era o usuário do serviço (fls. 188/189). Assim, para alterar tal conclusão, necessário o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado em Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
3. Agravo Regimental da Concessionária desprovido.
(AgRg no AREsp n. 45.073/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 2/2/2017, DJe de 15/2/2017.)

Logo, não obstante tenha havido a transferência dos imóveis, não houve a alteração da titularidade perante a concessionária do serviço, não havendo, por isso, como imputar a ela a obrigação de cobrar os custos de terceiros, com quem nunca manteve relação contratual.

Nesse cenário,  sendo as unidades consumidoras  n. 1635-101, 500283-001 e 7985320 de titularidade da FEPASA, é ela a responsável original do pagamento, sendo irrelevante ao deslinde da causa o fato de os imóveis terem sido transferidos a outrem, porquanto, reitera-se, o devedor é aquele cujo nome consta do cadastro, independentemente de quem for o proprietário do imóvel.

A FEPASA foi extinta e incorporada à RFFSA, que por sua vez foi sucedida pela União em seus direitos e obrigações, nos termos do artigo 2º, I,  da Lei n. 11.483/2007, estando demonstrada a legitimidade passiva da União, independentemente de a demanda ter sido ajuizada em face da FEPASA, porquanto a sucessão pela União decorre da lei.

Superada as preliminares, passo a analisar a dívida.

A discussão não comporta maiores digressões.

Incontroverso nos autos que foi prestado o serviço de energia elétrica sem que houvesse o respectivo pagamento, bem como em todas as notas fiscais constam a titularidade da FEPASA.

Além de o dever de pagamento pela União decorrer da sucessão, imposta por lei, da RFFSA, o Decreto n. 6.018/2007, que regulamenta a Medida Provisória n. 353/2007 sobre o término do processo de liquidação e extinção da RFFSA, confirma essa obrigatoriedade, tanto que preconiza em seu artigo 5º, II, "d", a transferência do processo de inventariança das obrigações que ultrapassarem R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda.

Confira-se a redação do artigo:

Art. 5o  Durante o processo de inventariança serão transferidos:

(...)

II - à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda:

(...)

d) as obrigações contratuais com valores superiores a R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais);

Dessarte, dou provimento ao recurso da autora para fins de reformar integralmente a r. sentença guerreada, sendo devido todos os pagamentos pertinentes às unidades consumidoras n. 2036302607, 7985320, 90611-101, 500283-101 e 1635-101.

Sobre os valores incidirão juros de mora e correção monetária, nos termos do Manual de Cálculo da Justiça Federal vigente no cumprimento de sentença.

Dos honorários advocatícios

Nos termos fixados no Tema 1076/STJ, o arbitramento dos honorários sucumbenciais deve ser de acordo com a ordem de preferência estabelecida no artigo 85, § 2º, do CPC, quais sejam, o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa, admitindo-se excepcionalmente a incidência do critério da equidade, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (artigo 85, § 8º, do CPC).

Sendo assim, em razão da sucumbência, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso da autora, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. NATUREZA JURÍDICA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. TEMAS 251 A 254/STJ. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL. FEPASA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. OBRIGAÇÃO PESSOAL. IRRELEVÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE A ÓRGÃO DO ESTADO.

1. Cuida-se de cobrança de valores decorrentes do fornecimento de energia elétrica, cujas  unidades consumidoras são de titularidade da FEPASA, referente ao consumo entre os meses de janeiro/1998 a julho/2004.

2. Ao analisar a natureza jurídica da remuneração cobrada pelo fornecimento de água e esgoto por concessionária de serviço público, o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.117.903/SP (Temas 251 a 254), sob o regime de recurso repetitivo, definiu ser tarifa ou preço público, portanto de caráter não tributário, atraindo a incidência do prazo prescricional contido no Código Civil, quais sejam o decenal (artigo 205 do CC de 2002) ou vintenário (artigo 177 do CC de 1916), observada a regra de transição prevista no artigo 2.028 da legislação civil vigente.

3. Considerando-se o período da cobrança (janeiro/1998 a julho/2004) e a data da vigência do atual Código Civil, tem-se que parte do débito está abrangido pelo Código Civil revogado, incidindo a regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil vigente.

4. Como o prazo prescricional sofreu redução e quando da entrada em vigor do Código Civil ainda não havia transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no artigo 177 do Código Civil/1916, incide a prescrição decenal, nos termos do artigo 205 da legislação civil.

5. Evidenciado que a demanda foi ajuizada dentro do prazo decenal, não estando prescrita a pretensão da autora.

6. As transferências de propriedade não interferem na responsabilidade da FEPASA quanto ao pagamento da prestação de energia elétrica, pois o posicionamento do C. Tribunal da Cidadania é que os débitos relativos aos serviços essenciais, tais como água, esgoto e energia elétrica, são de natureza pessoal, mas não uma obrigação de natureza propter rem, inexistindo vinculação à titularidade do imóvel.

7. Não obstante tenha havido a transferência dos imóveis, não houve a alteração da titularidade perante a concessionária do serviço, não havendo, por isso, como imputar a ela a obrigação de cobrar os custos de terceiros, com quem nunca manteve relação contratual.

8. A FEPASA foi extinta e incorporada à RFFSA, que por sua vez foi sucedida pela União em seus direitos e obrigações, nos termos do artigo 2º, I,  da Lei n. 11.483/2007, estando demonstrada a legitimidade passiva da União, independentemente de a demanda ter sido ajuizada em face da FEPASA, porquanto a sucessão pela União decorre da lei.

9. Incontroverso nos autos que foi prestado o serviço de energia elétrica sem que houvesse o respectivo pagamento, bem como em todas as notas fiscais constam a titularidade da FEPASA.

10. Além de o dever de pagamento pela União decorrer da sucessão, imposta por lei, da RFFSA, o Decreto n. 6.018/2007, que regulamenta a Medida Provisória n. 353/2007 sobre o término do processo de liquidação e extinção da RFFSA, confirma essa obrigatoriedade, tanto que preconiza em seu artigo 5º, II, "d", a transferência do processo de inventariança das obrigações que ultrapassarem R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda.

11. Recurso provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso da autora, nos termos do voto da Des. Fed. LEILA PAIVA (Relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. ROBERTO JEUKEN e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Conv. ROBERTO JEUKEN) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEILA PAIVA
DESEMBARGADORA FEDERAL