REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5022934-14.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
PARTE AUTORA: MARINA FERRAZ GASCO
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL PREVIDENCIÁRIA
Advogados do(a) PARTE AUTORA: ANA CAROLINA DOS SANTOS MENDONCA - SP167704-A, KAYLINNE MARIA ARAUJO DE ANDRADE - SP348348-A
PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CPTM - COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS
Advogado do(a) PARTE RE: MARIA EDUARDA FERREIRA RIBEIRO DO VALLE GARCIA - SP49457-A
OUTROS PARTICIPANTES:
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5022934-14.2023.4.03.6183 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA PARTE AUTORA: MARINA FERRAZ GASCO Advogados do(a) PARTE AUTORA: ANA CAROLINA DOS SANTOS MENDONCA - SP167704-A, KAYLINNE MARIA ARAUJO DE ANDRADE - SP348348-A PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CPTM - COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS Advogado do(a) PARTE RE: MARIA EDUARDA FERREIRA RIBEIRO DO VALLE GARCIA - SP49457-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de remessa oficial submetida em face da sentença que concedeu parcialmente a segurança contra ato do GERENTE EXECUTIVO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE SÃO PAULO, a fim de outorgar à autora MARINA FERRAZ GASCO o benefício de salário-maternidade, e a respectiva licença-maternidade por 120 dias. Não houve recursos voluntários. O Ministério Público Federal, em segundo grau, opinou pelo não provimento do reexame necessário. É o relatório.
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL PREVIDENCIÁRIA
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5022934-14.2023.4.03.6183 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA PARTE AUTORA: MARINA FERRAZ GASCO Advogados do(a) PARTE AUTORA: ANA CAROLINA DOS SANTOS MENDONCA - SP167704-A, KAYLINNE MARIA ARAUJO DE ANDRADE - SP348348-A PARTE RE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CPTM - COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS Advogado do(a) PARTE RE: MARIA EDUARDA FERREIRA RIBEIRO DO VALLE GARCIA - SP49457-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A decisão submetida ao reexame oficial encontra-se assim fundamentada: [...] O direito ao salário maternidade está previsto na Lei nº 8.213/91 à gestante, adotante ou quem detenha a guarda de criança, pelo que não há que se falar em criação de benefício, sem a devida fonte de custeio. No caso concreto, não se busca o pagamento do benefício a ambas genitoras da criança, mas tão somente à mãe não gestante, de modo que, afastada a análise de critérios subjetivos, o impedimento ao requerimento na via administrativa em razão das limitações procedimentais do INSS implica que a demanda se enquadra nas hipóteses que podem ser apreciadas através da segurança constitucional. Superadas as alegações das partes, verifico que a matéria aqui tratada foi analisada na r. decisão liminar (id 306267603), o qual mantenho como fundamentação do julgado: ‘Estabelece o artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal, que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. A regulamentação do instituto é feita pela Lei nº 12.016/2009, cujo artigo 1º reproduz o texto constitucional. Portanto, para a concessão da segurança, devem ser comprovados o direito líquido e certo e sua lesão ou ameaça por ato ilegal ou abusivo de autoridade. Diante do rito do mandando de segurança, os fatos geradores do alegado direito líquido e certo devem ser comprovados de plano, assim como os atos de autoridade eivados dos citados vícios. Já para a concessão da medida liminar, além da plausibilidade do direito considerado líquido e certo, é preciso o perigo da demora, conforme artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009. No presente caso, os fatos comprovados documentalmente evidenciam o direito da impetrante ao benefício de salário-maternidade, embora tal direito não decorra da interpretação literal da lei que o rege. Com efeito, nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.213/1991, “o salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”. A referência ao parto faz com que o benefício se destine apenas à segurada gestante. Já o artigo 71-A da mesma lei dispõe que “ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias”. Nesse caso, por óbvio, o benefício destina-se à mulher ou ao homem adotantes. A impetrante, porém, não figura como mãe gestante nem como mãe adotante, uma vez que, segundo os documentos presentes nos autos, é mãe não gestante de filho havido em relação homoafetiva. A questão controvertida, portanto, não é objeto de disciplina legal direta. Estabelece o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. A analogia não comporta aplicação, já que não ocorre caso semelhante que seja regulado em lei, uma vez que a pessoa da mãe não gestante ainda não mereceu a atenção do Poder Legislativo. Não se detecta costume que possa subsidiar o julgamento do caso controverso, considerado que os usos da sociedade brasileira, no presente momento, não o contemplam nem de longe. Os princípios gerais do direito oferecem justa solução à lide, como se verá. Destaque-se, antes de tudo, que a questão está afeta a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, cujo tema repetitivo nº 1.072 tem por objeto a “possibilidade de concessão de licença-maternidade à mãe não gestante, em união estável homoafetiva, cuja companheira engravidou após procedimento de inseminação artificial”. Não há determinação de suspensão dos processos em que discutida a matéria, pelo que inexiste óbice ao julgamento do pedido de liminar aqui deduzido. O salário-maternidade insere-se no rol dos benefícios da previdência social, tendo por finalidade garantir com que a mãe e/ou o pai possam deixar de trabalhar, sem prejuízo do recebimento do salário, a fim de se dedicar com mais afinco aos cuidados da criança gestada ou adotada, além de estreitarem laços familiares. O direito à previdência social que garanta tal cobertura constitui direito humano fundamental, nos termos do artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo 9º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 19.12.1966, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 6.7.1992, e artigo 9º do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - "Protocolo de São Salvador", de 17.11.1988, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 3.321, de 30.12.1999. No Brasil, a Constituição de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, prevê, como um dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana, e o artigo 3º, I, enuncia que um de seus objetivos é construir uma sociedade solidária. A previdência social é expressamente elencada, pelo artigo 6º, “caput”, como direito social. O artigo 201 dispõe sobre as coberturas atendidas pela Previdência Social e estabelece as condições básicas que devem ser atendidas pelos segurados, sem prejuízo da disciplina infraconstitucional. De acordo com o artigo 5º, § 2º, da Constituição, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Atualmente, portanto, diante do sistema normativo em que inserido o direito à previdência social no Brasil, as leis que o regem devem ser interpretadas e aplicadas à luz dos princípios atinentes à hermenêutica de tratados de direitos humanos, entre os quais se destacam o da dignidade da pessoa humana, o da intepretação em favor do homem, o da máxima efetividade, o da primazia da norma mais favorável ao indivíduo e o da proibição do retrocesso. O princípio da dignidade da pessoa humana leva-nos a repelir qualquer retirada de direitos de uma mãe apenas porque não se enquadra em categorias histórico-culturais da sociedade. A certidão de nascimento de id 305404221 comprova que a impetrante é mãe da criança. Além disso, o documento de id 305398832 torna verossímil a assertiva de que a impetrante “se propõe à estimulação mamária para lactogênese, por meio de medicamentos, sob supervisão e conduta mecânica a fim de também promover a amamentação da criança nascida”. O princípio da igualdade impede a interpretação de norma no sentido de albergar, ainda que indiretamente, distinções arbitrárias entre mães gestantes em uniões heteroafetivas e mães não gestantes em uniões homoafetivas. Note-se que o Supremo Tribunal Federal afastou intelecção da lei tendente a estabelecer distinção entre o prazo de licença-adotante e de licença-gestante, em detrimento daquela, fixando a seguinte tese, objeto do tema repetitivo nº 782: “os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”. Além disso, sendo o salário-maternidade benefício instituído em prol da criança, em ordem a garantir-lhe com maior eficácia não só a amamentação, mas o convívio familiar com os responsáveis por sua vinda à luz, o princípio da igualdade também impede distinções entre infantes decorrentes dos modos de filiação. O fato de a licença-paternidade ostentar prazo menor do que a licença-maternidade não autoriza interpretação restritiva com base na igualdade entre homens e mulheres, haja vista que, em sede de interpretação dos direitos humanos, prevalece os princípios da máxima efetividade e da primazia da norma mais favorável ao indivíduo, ainda que outras pessoas estejam lutando para os conquistar e/ou fortalecer. Vê-se, pois, que a impetrante tem direito ao salário-maternidade e consequente licença-maternidade, conforme parâmetros dos artigos 71 e 72, ambos da Lei nº 8.213/1991. Os documentos de id 305398827 e de id 305398828 fazem prova do requerimento da impetrante, em 29/09/2023, à empregadora Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, da licença-maternidade e, consequentemente, do pagamento do benefício de salário-maternidade. A demora na apreciação do pedido equipara-se ao indeferimento. Já o documento de id 305398836 comprova que o Instituto Nacional do Seguro Social não aceita, no sítio da internet destinado à postulação de benefícios, o pedido de salário-maternidade da segurada empregada, indicando que deve ser feito ao empregador, o que também equivale ao seu indeferimento. A negativa é, como acima fundamentado, ilegal. Frise-se que os fundamentos principiológios ora lançados não afastam a justiça da interpretação dos dispositivos pertinentes da Lei nº 8.213/1991 no sentido de que não há direito ao benefício de salário-maternidade para ambos os titulares da filiação da criança, seja ela biológica ou adotiva. O perigo da demora prende-se ao fato de que a criança já nasceu. Diante da negativa do empregador, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social o pagamento do benefício. Ante o exposto, defiro o pedido de liminar para determinar que a autoridade impetrada, vinculada ao Instituto Nacional do Seguro Social, inicie o pagamento à impetrante, no prazo de até 10 dias, do benefício de salário-maternidade, conforme os parâmetros dos artigos 71 e 72, ambos da Lei nº 8.213/1991, desde que não esteja sendo pago à genitora Gabriela Casanova Muhlbauer, sob pena de multa diária de R$ 100,00’. Não há qualquer elemento nos autos a modificar o entendimento já esposado na decisão liminar, sendo, pois, dever do impetrado cumpri-la em sua integralidade, pois o fato de ser atribuição da empresa pagar o salário-maternidade à segurada empregada não afasta a natureza de benefício previdenciário da prestação em discussão que é custeado pela Previdência Social mediante compensação ou reembolso dos valores antecipados. Por essa mesma razão, não cabe a intimação da empregadora (CPTM), pois, em última análise o INSS é o responsável pelo pagamento do salário-maternidade, que deve ser pago consoante determina a Lei nº 8.213/91, portanto, pelo prazo de 120 dias. Ademais, considerando que o Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS indica vínculos empregatícios ativos concomitantes e em jornada diferenciada, junto à COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS – CPTM (id 305478030 - Pág. 3) e ESTABELECIMENTOS BRASILEIROS DE EDUCACAO LTDA. (pág. 5), o cálculo da renda mensal e o afastamento deverá obedecer às regras pertinentes a essas modalidades de prestação de serviço. Note-se que eventual prorrogação do benefício, por prazo superior ao previsto na legislação previdenciária não pode ser objeto de análise de mandado de segurança, mormente porque embora os 120 dias de afastamento sejam responsabilidade da autarquia previdenciária, cabe à empresa o pagamento dos 60 dias acrescidos, que não é autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público. Entendo preenchidos os requisitos do mandado de segurança insculpidos no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal e artigo 1º, “caput”, da Lei nº 12.016/2009, somente quanto à concessão de salário-maternidade pela autarquia previdenciária e nos termos da Lei nº 8.213/91, a ensejar a concessão parcial da ordem mandamental. Ante o exposto, concedo em parte a segurança, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do 487, I, do Código de Processo Civil, confirmando os termos da decisão liminar (id 306267603), para determinar que o impetrado, vinculado ao Instituto Nacional do Seguro Social, inicie o pagamento à impetrante, no prazo de até 10 dias, do benefício de salário-maternidade, conforme os parâmetros dos artigos 71 e 72, ambos da Lei nº 8.213/1991, com data de início em 16.10.2023 (data de nascimento da criança) e pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, desde que não esteja sendo pago à genitora GABRIELA CASANOVA MUHLBAUER. [...] O decisum está alinhado com a tese de repercussão geral fixada pela Corte Suprema no âmbito do Tema 1072/STF (RE 1211446) com trânsito em julgado ocorrido em 18/06/2024. A tese do paradigma assim dispôs: "A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade." Tendo em vista que não há nos autos qualquer notícia de que a consorte parturiente tenha gozado do mesmo benefício outorgado pela sentença à impetrante; a tese vinculante se amolda com exatidão à hipótese em análise, impondo a manutenção da sentença. Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial. É o voto.
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL PREVIDENCIÁRIA
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. SENTENÇA AMPARADA EM ENTENDIMENTO ADOTADO EM TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1072/STF. REMESSA NÃO PROVIDA.
1. A decisão submetida ao reexame oficial encontra amparo em tese de repercussão geral fixada pela Corte Suprema no âmbito do Tema 1072/STF (RE 1211446), com trânsito em julgado ocorrido em 18/06/2024: "A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade".
2. Tendo em vista que não há nos autos qualquer notícia de que a consorte parturiente tenha gozado do mesmo benefício outorgado pela sentença à impetrante; a tese vinculante se amolda com exatidão à hipótese em análise, impondo a manutenção da sentença.
3. Remessa oficial não provida.