Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026307-79.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: LOUIS CHARLES

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026307-79.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: LOUIS CHARLES

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo interno interposto pela União Federal contra a decisão que deu provimento ao recurso de apelação de Louis Charles, nos termos do art. 932, V, do CPC, para determinar a retificação do RNM do apelante, com emissão de segunda via, a fim de que o nome de seu genitor seja grafado como consta em sua certidão de nascimento, qual seja, DIEUGRAND CHARLES.

Sustenta a agravante, em síntese, que, embora, a princípio, não se oponha ao direito pretendido pelo impetrante, não é viável ou justo concordar com o reconhecimento judicial de que houve uma conduta ilegal, imprópria ou errônea do agente público federal, que agiu no estrito cumprimento das leis válidas e vigentes que regulam o caso vertente. Alega, ainda, que o habeas data é via completamente inadequada para obter um provimento jurisdicional que a lei determina que seja obtido unicamente por meio de Jurisdição Voluntária.

Requer, assim o provimento do agravo, para que, anulada a sentença, determine-se a conversão do feito em procedimento de jurisdição voluntária, com a consequente baixa dos autos à origem, para citação da União.

Com contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026307-79.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: LOUIS CHARLES

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

De início, observa-se que o artigo 932, IV, do Código de Processo Civil autoriza o relator, por mera decisão monocrática, a negar provimento a recurso que for contrário a: Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Da mesma forma, o artigo 932, V, do Código de Processo Civil prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso nas mesmas hipóteses do incisivo IV, depois de facultada a apresentação de contrarrazões.

Ademais, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Conforme já firmado na orientação deste Colegiado: 

 

“(...)  

Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: 

Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas. (Curso de Processo Civil, 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). 

Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). 

Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).(...)”. 

(ApCiv nº 0013620-05.2014.403.6100, Rel. Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, decisão de 23/03/2023) 

 

Desta feita, à Súmula nº 568 do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ ("O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema") une-se a posição da doutrina majoritária retro transcrita, que entende pela exemplificatividade do listado do artigo 932 do CPC. 

Impende consignar que o princípio da colegialidade não resta ferido, prejudicado ou tolhido, vez que as decisões singulares são recorríveis pela via do Agravo Interno (art. 1.021, caput, CPC). 

De maneira geral, quanto às alegações apontadas no presente agravo, a decisão está bem fundamentada ao afirmar que:

 

"Trata-se de habeas data impetrado por LOUIS CHARLES, por intermédio da Defensoria Pública da União, em face do Delegado de Polícia Federal de Controle de Imigração (DELEMIG/DREX/SR/DPF/SP), buscando determinação judicial para que a autoridade impetrada proceda à retificação de seu Registro Nacional Migratório (RNM), corrigindo o nome de seu genitor.

O D. Juízo a quo determinou a emenda da inicial, para que o impetrante comprovasse documentalmente a existência de prévio requerimento administrativo, bem como o seu indeferimento, para os fins do art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.507/1997.

O impetrante peticionou, alegando que, por não se tratar de erro material nos termos da IN nº 142/2018, a correção não pode ser feita diretamente pela Polícia Federal, sendo aplicável à lide o art. 68, §1º, IV do Decreto nº 9.199/2017, o qual prevê a via judicial para a retificação de assentamentos.

Sobreveio, então, sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, sob o fundamento de que não há como caracterizar o interesse de agir, sem a prévia provocação das autoridades em âmbito administrativo.

Irresignado, o impetrante interpôs recurso de apelação, sustentando que já havia tentado retificar o seu RNM pela via administrativa, na Polícia Federal, não logrando êxito. Alega, ainda, que, nos termos do Decreto nº 9.199/2017 e da Instrução Normativa nº 142/2018, a retificação de erro na grafia de documento de estrangeiro deve ocorrer por decisão judicial. Requer, assim, a procedência do pedido, a fim de que seja determinada a emissão de segunda via de seu RNM, na qual conste o nome correto de seu genitor - DIEUGRAND CHARLES, ao invés de DIEUGRAND PIERRE.

Sem contrarrazões, os autos vieram a este e. Tribunal.

Intimada, a União apresentou contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

DECIDO.

(...)

habeas data é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXXII, da Constituição Federal: "Conceder-se-á habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo".

Por sua vez, a Lei nº 9.507/97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, inseriu uma nova hipótese de concessão da ordem, em seu artigo 7º, inciso III, qual seja, "para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável".

Em qualquer das hipóteses, o artigo 8º da mesma lei estabelece que a petição inicial deverá ser instruída com prova da recusa administrativa ou de que não houve resposta por mais de 10 ou 15 dias, a depender do pedido ( mais de 10 dias, no caso de pedido de acesso a informações; mais de 15 dias, para pedidos de retificação e anotação).

No mais, nos termos do artigo 19 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), é obrigatório a todo imigrante detentor de visto temporário ou de autorização de residência requerer o seu registro no Brasil, consistindo este em sua identificação civil por dados biográficos e biométricos.

Ademais, de acordo com o artigo 58 do Decreto nº 9.199/2017, que regulamentou a mencionada lei, compete à Polícia Federal organizar, manter e gerir os processos de identificação civil do imigrante, bem como produzir a Carteira de Registro Nacional Migratório e administrar a base de dados relativa ao registro em questão.

De acordo com o artigo 68 do referido decreto, o registro de dados biográficos ocorrerá por meio da apresentação do documento de viagem ou de outro documento de identificação aceito, e, na hipótese da documentação apresentar contradições ou não conter dados de filiação, deverá ser apresentada certidão de nascimento, certidão de casamento, certidão consular do país de nacionalidade, ou, justificação judicial.

Ainda, sobre alteração/retificação do Registro Nacional Migratório, dispõe o decreto:

 

Art. 75. Caberá alteração do Registro Nacional Migratório, por meio de requerimento do imigrante endereçado à Polícia Federal, devidamente instruído com as provas documentais necessárias, nas seguintes hipóteses:

I - casamento;

II - união estável;

III - anulação e nulidade de casamento, divórcio, separação judicial e dissolução de união estável;

IV - aquisição de nacionalidade diversa daquela constante do registro; e

V - perda da nacionalidade constante do registro.

§ 1º Se a hipótese houver ocorrido em território estrangeiro, a documentação que a comprove deverá respeitar as regras de legalização e tradução, em conformidade com os tratados de que o País seja parte.

§ 2º Na hipótese de pessoa registrada como refugiada ou beneficiário de proteção ao apátrida, as alterações referentes à nacionalidade serão comunicadas, preferencialmente por meio eletrônico, ao Comitê Nacional para Refugiados e ao Ministério das Relações Exteriores.

 

Art. 76. Ressalvadas as hipóteses previstas no art. 75, as alterações no registro que comportem modificações do nome do imigrante serão feitas somente após decisão judicial.

 

Art. 77. Os erros materiais identificados no processamento do registro e emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório, serão retificados, de ofício, pela Polícia Federal.

 

No caso, o autor é natural do Haiti e encontra-se no Brasil desde 2013, onde constitui família, obtendo autorização de residência permanente. 

Ocorre que, em seu RNE (atual RNM), expedido em 2018 e com validade até 2027, o nome de seu pai está grafado como "Dieugrand PIERRE", sendo que o nome correto, como consta em sua certidão de nascimento, é "Dieugrand CHARLES" (ID 263916646).

O direito à retificação do RNM com base nos dados constantes da certidão de nascimento do interessado é reconhecido pela jurisprudência deste E. Tribunal. Vejamos:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. HABEAS DATA. RETIFICAÇÃO DE NOME NO REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO - RNM (ANTIGO RNE). DECRETO Nº 9.199/2017. RETIFICAÇÃO NEGADA ADMINISTRATIVAMENTE. CERTIDÃO DE NASCIMENTO E CÉDULA DE IDENTIDADE EXPEDIDAS NO ESTRANGEIRO QUE DEMONSTRAM A NECESSIDADE DE CORREÇÃO DOS DADOS. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A questão sub judice diz respeito à verificação dos alegados erros na grafia dos nomes constantes do documento migratório do impetrante: o prenome do impetrante seria MIGUIEL, em vez de MIGUEL; e o nome completo de seu pai seria JULIAN ALFREDO BELLIDO VINO, e não somente ALFREDO BELLIDO VINO. 2. Uma vez comprovado o erro na grafia, deve-se conceder o habeas data, nos termos do art. 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal, bem como do art. 7º, II, da Lei nº 9.507/97. 3. Quanto à retificação do Registro Nacional Migratório, o Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei 13.445/2017, prevê em seus artigos 75 a 77 as hipóteses em que é possível alterar o RNM. 4. Os nomes afirmados como corretos pelo impetrante são os que realmente constam de sua certidão de nascimento expedida na Bolívia, documento esse que é o primeiro de identificação na vida civil, e que se presume como fonte para os demais documentos. 5. O nome do impetrante afirmado correto consta ainda de sua "Cedula de Identidad", documento boliviano de identidade nacional, equivalente ao RG brasileiro. 6. Desse modo, há prova robusta do erro na grafia dos nomes no RNM. 7. O direito à retificação do RNM (antigo RNE) com base nos dados constantes da certidão de nascimento do interessado é reconhecido pela jurisprudência deste E. Tribunal: TRF3, ApCiv 5011128-13.2018.4.03.6100, Rel. Des. Federal Nery Junior, 3ª Turma, intimação via sistema em 27.11.2020; ApelRemNec 5018465- 53.2018.4.03.6100, Rel. Des. Federal Antonio Cedenho, 3ª Turma, intimação via sistema em 06.05.2021. 8. É necessária, portanto, a correção dos dados no RNM do impetrante, para que se lhe possibilite renovar regularmente seus documentos, expedir os documentos de seus filhos e, em suma, exercer seus direitos civis sem entraves decorrentes de divergências em seus dados de identificação. 9. Apelação provida. (g.n. - TRF-3 - ApCiv: 50142543720194036100 SP, Relator: Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 08/10/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 13/10/2021) 

 

Ressalte-se que o fato do impetrante não ter comprovado a existência de prévio requerimento administrativo não afasta o interesse processual. Isso porque a exigência de prévio requerimento para a concessão do habeas data deve ser analisada em conjunto com as demais normas relativas ao caso.

Nessa senda, conforme informado pela DPU, a Instrução Normativa nº 142/2018 da Polícia Federal conceitua como erro material, para fins do artigo 77 do Decreto nº 9.199/2017 supra, "a diferença de grafia entre o documento hábil apresentado pelo interessado e a respectiva informação inserida no SISMIGRA ou os casos de inserção abreviada ou de inversão na ordem sequencial de dados biográficos no SISMIGRA". Assim, não sendo este o caso dos autos, a PF sequer poderia proceder à retificação de ofício. Conforme assinalado pela DPU:

 

"4. Ou seja, na situação descrita, que não se encaixa ao conceito de "erro material" dado pela Polícia Federal em sua normativa interna, houve uma verdadeira negativa administrativa "ex lege", pois tanto no Decreto presidencial, como na Instrução Normativa do órgão consta que a alteração só será possível pela via judicial. O pedido do impetrante sequer tem um canal de processamento e não será apreciado pelo simples fato da Polícia Federal entender pela ausência de atribuição.

5. A informação será certamente confirmada pela autoridade impetrada e pode ser deduzida da Instrução Normativa PF nº 142/2018, juntada na íntegra como prova.

6. Assim, considerada a peculiaridade do tema e a boa-fé processual deste órgão da Defensoria Pública da União, a parte impetrante requer o prosseguimento do feito, com colheita de informações e apreciação dos pedidos constantes da inicial." (ID 263916650)

 

Por fim, diante do tempo decorrido desde a data do ajuizamento, da desnecessidade de produção de provas, bem como o fato de que a União pode se manifestar nos autos, tendo apresentado contrarrazões, entendo que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1.013, §3º, I, do CPC.

Assim, deve ser reformada a r. sentença. julgando-se procedente o pedido, para determinar a retificação do RNM do apelante, com emissão de segunda via, a fim de que o nome de seu genitor seja grafado como consta em sua certidão de nascimento, qual seja, DIEUGRAND CHARLES.

Diante do exposto, com fundamento no artigo 932, V, do CPC, dou provimento ao recurso de apelação, para julgar procedente a demanda, nos termos da fundamentação."

 

A matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.

Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, entendo que a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das contrarrazões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. HABEAS DATA.  RETIFICAÇÃO DO REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. NOME DO GENITOR GRAFADO DE FORMA INCORRETA. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO NÃO AFASTA O INTERESSE PROCESSUAL. SITUAÇÃO DESCRITA NÃO SE ENCAIXA NO CONCEITO DE ERRO MATERIAL DADO PELA NORMATIVA INTERNA POLÍCIA FEDERAL. NEGATIVA ADMINISTRATIVA EX LEGE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1013, §3º, I, DO CPC. SENTENÇA REFORMADA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O habeas data é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXXII, da Constituição Federal: "Conceder-se-á habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo". 

2. Por sua vez, a Lei nº 9.507/97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, inseriu uma nova hipótese de concessão da ordem, em seu artigo 7º, inciso III, qual seja, "para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável".

3. No mais, de acordo com o artigo 58 do Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), compete à Polícia Federal organizar, manter e gerir os processos de identificação civil do imigrante, bem como produzir a Carteira de Registro Nacional Migratório e administrar a base de dados relativa ao registro em questão.

4. De acordo com o artigo 68 do referido decreto, o registro de dados biográficos ocorrerá por meio da apresentação do documento de viagem ou de outro documento de identificação aceito, e, na hipótese da documentação apresentar contradições ou não conter dados de filiação, deverá ser apresentada certidão de nascimento, certidão de casamento, certidão consular do país de nacionalidade, ou, justificação judicial.

5. Ainda, dispõe o mesmo decreto que caberá alteração/retificação do Registro Nacional Migratório, mediante requerimento à Polícia Federal, nas hipóteses elecandas em seu artigo 75 (I - casamento; II - união estável; III - anulação e nulidade de casamento, divórcio, separação judicial e dissolução de união estável; IV - aquisição de nacionalidade diversa daquela constante do registro; e V - perda da nacionalidade constante do registro). Ressalvadas tais hipóteses, as alterações que comportem modificações do nome do imigrante serão feitas somente após decisão judicial (art. 76) e os erros materiais, identificados no processamento do registro e emissão da CRMN, serão retificados, de ofício, pela Polícia Federal (art. 77).

6. No caso, o autor é natural do Haiti e encontra-se no Brasil desde 2013, onde constitui família, obtendo autorização de residência permanente. Ocorre que, em seu RNE (atual RNM), expedido em 2018 e com validade até 2027, o nome de seu pai está grafado como "Dieugrand PIERRE", sendo que o nome correto, como consta em sua certidão de nascimento, é "Dieugrand CHARLES".

7. O direito à retificação do RNM com base nos dados constantes da certidão de nascimento do interessado é reconhecido pela jurisprudência deste E. Tribunal: ApCiv 5011128-13.2018.4.03.6100, Rel. Des. Federal Nery Junior, 3ª Turma, intimação via sistema em 27.11.2020; ApCiv: 50142543720194036100, Rel. Des. Federal Antonio Cedenho, 3ª Turma, intimação via sistema em 13/10/2021.

8. A sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, sob o fundamento de que não há como caracterizar o interesse de agir, sem a prévia provocação das autoridades em âmbito administrativo.

9. Todavia, a exigência de prévio requerimento para a concessão do habeas data (art. 8º da Lei nº 9.507/97) deve ser analisada em conjunto com as demais normas relativas ao caso. Nessa senda, conforme informado pela DPU, a Instrução Normativa nº 142/2018 da Polícia Federal conceitua como erro material, para fins do artigo 77 do Decreto nº 9.199/2017 supra, "a diferença de grafia entre o documento hábil apresentado pelo interessado e a respectiva informação inserida no SISMIGRA ou os casos de inserção abreviada ou de inversão na ordem sequencial de dados biográficos no SISMIGRA". Assim, não sendo este o caso dos autos, a PF sequer poderia proceder à retificação de ofício.

10. Por fim, diante do tempo decorrido desde a data do ajuizamento, da desnecessidade de produção de provas, bem como o fato de que a União pode se manifestar nos autos, tendo apresentado contrarrazões, entende-se que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1.013, §3º, I, do CPC.

11. Assim, deve ser reformada a r. sentença. julgando-se procedente o pedido, para determinar a retificação do RNM do apelante, com emissão de segunda via, a fim de que o nome de seu genitor seja grafado como consta em sua certidão de nascimento, qual seja, DIEUGRAND CHARLES.

12. A matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento. 

13. Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

14. Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das contrarrazões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

15. Agravo interno não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, tendo o Desembargador Federal Mairan Maia acompanhado a Relatora pela conclusão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA