PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012340-26.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA
AGRAVANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
Advogado do(a) AGRAVANTE: JOAO BATISTA MARTINS - MS10685
AGRAVADO: LUCIO MAURO VILAGRA DE ALMEIDA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No presente caso, por ocasião da apreciação do pedido de tutela recursal, foi proferida a seguinte decisão:
Para o deslinde da questão proposta é mister aduzir que a análise da projeção econômica do patrimônio de uma pessoa ao longo de sua vida revela, de modo geral, e com bastante facilidade, a coexistência de elementos integrantes do ativo e do passivo, bem como a variabilidade do montante patrimonial.
Com a morte do titular, a composição econômica do patrimônio existente no momento da abertura da sucessão, relativamente às relações e situações jurídicas de natureza transmissível, reflete-se na herança, a qual se compõe de elementos do ativo e do passivo patrimonial.
A transmissibilidade do passivo consiste importante mecanismo de segurança para a produção e circulação de riquezas, na medida em que possibilita a satisfação das obrigações assumidas pelo “de cujus” e, ainda, inadimplidas quando de sua morte.
Ademais, uma das funções desempenhadas pelo patrimônio é propiciar o cumprimento das obrigações de seu titular. A lei ressalta essa finalidade ao estipular, exemplificativamente, no art. 391 do CC02, responderem “todos os bens do devedor” pela obrigação inadimplida.
Herdeiros sucedem o falecido nas relações e situações jurídicas representativas de bens, direitos e obrigações, assumindo a posição jurídica antes exercida pelo “de cujus”.
A responsabilidade dos débitos é “intra vires heredita”, ou seja, as obrigações e dívidas do falecido são de exclusiva responsabilidade da herança, não se transmitindo aos herdeiros ou legatários.
Desse modo, conservam-se autônomos e independentes os patrimônios do falecido e os dos herdeiros.
Assim, procede-se ao acerto das dívidas e o cumprimento das obrigações assumidas pelo “de cujus”, utilizando-se, para essa finalidade, dos bens e direitos transmitidos por sucessão.
O passivo é integrado pelas obrigações assumidas, exigíveis ou não, ou de responsabilidade do falecido. A transmissibilidade das obrigações, em virtude da sucessão “mortis causa”, opera-se tanto em relação às obrigações ainda não exigíveis e, portanto, não vencidas, como em relação às obrigações já exigíveis, vencidas e pendentes de satisfação. Essas últimas denominam-se dívidas.
No caso das obrigações ainda não exigíveis, os sucessores assumem a posição contratual do falecido, ocupando na relação jurídica a posição anteriormente titularizada pelo “de cujus”, proporcionalmente ao seu quinhão hereditário e, nessa condição, podem adimplir a obrigação ou não. A obrigação, no entanto, remanesce inalterada e íntegra, tal como pactuada pelo “de cujus”.
Nas obrigações vencidas e exigíveis não há assunção da posição contratual, pois a obrigação já foi inadimplida, e está-se na fase de responsabilização por seu inadimplemento. Idêntica é a situação das obrigações instantâneas de pagamento em dinheiro. Nestas, ao sucessor é imputada, tão somente, a responsabilidade pelo seu posterior adimplemento.
Nesse passo, convém, por oportuno, recordar compor-se a estrutura da obrigação de duas fases: o momento em que a obrigação é assumida pelo devedor e o em que ela é satisfeita pelo responsável. Nem sempre as figuras do devedor e do responsável pelo adimplemento da obrigação coincidem na mesma pessoa.
Na sucessão opera-se fenômeno semelhante em relação ao passivo que compõe a herança. A dívida consiste em obrigação vencida, exigível, foi assumida pelo “de cujus”, mas sua responsabilidade, “rectius”, a atribuição de efetuar sua quitação, é diferida a outrem, o sucessor, por disposição legal, e nos limites das forças da herança transferida. As dívidas a cargo da herança são as dívidas do “de cujus” e as dívidas da herança e, enquanto não efetuada a partilha, o acervo hereditário responde por elas, sendo o espólio representado ativa e passivamente pelo inventariante.
Quando se fala em transmissão das dívidas de titularidade do “de cujus”, imputa-se aos herdeiros o ônus de efetivar a quitação dessas, uma vez que o patrimônio do falecido já por elas respondia, e continuou a responder, mesmo com o desaparecimento de seu titular, pois essa era uma de suas funções, que perdurou. A propósito, mesmo nos casos de cessão de direitos hereditários, o objeto da cessão não está excluído de vir a responder pelos débitos que compõem a herança, pois a cessão para os credores é “res inter alios acta”, e não pode piorar a situação desses.
O art. 1.997 permite essa conclusão, pois estabelece de forma clara e expressa responder a herança pelo pagamento das dívidas do falecido, e não o herdeiro, pessoalmente, apesar de na parte final do dispositivo incidir na mesma imprecisão do art. 1.792 do CC02. O art. 796 do CPC15 veicula preceito similar: “Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube”.
Na verdade, o herdeiro não responde por nenhum encargo ou dívida de titularidade do falecido, pois seu patrimônio não é obrigado a satisfazer referidos débitos, sendo imprecisa a terminologia utilizada por lei. A ele é atribuída a função de diligenciar e realizar o pagamento dos débitos a cargo da herança, com os bens que a integram, ou seja, com os bens e direitos antes integrantes do patrimônio do falecido, pois esses já eram responsáveis pela satisfação das obrigações e dívidas assumidas pelo titular. Tem lugar a máxima romana: “hereditas personam defuncti sustinet”.
Assim, tratando-se de demanda executiva proposta em face de pessoa falecida posteriormente à propositura da ação, perfeitamente cabível o redirecionamento da execução fiscal em face do espólio ou de seus sucessores.
Ademais, nos termos do art. 1797 do Código Civil, até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;
II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;
III - ao testamenteiro;
IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.
Por outro lado, há que se observar o disposto nos artigos 613 e 614 do CPC:
Art. 613. Até que o inventariante preste o compromisso, continuará o espólio na posse do administrador provisório.
Art. 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa.
Dessarte, tendo em vista a não localização de inventário até o presente momento, merece prosperar a pretensão da agravante, no sentido de que seja alterado o polo passivo da execução para fazer constar o Espólio de Lucio Mauro Vilagra de Almeida, nomeando-se como administradora provisória Neuza Maria de Matos, única herdeira conhecida, a qual percebe o benefício de pensão decorrente da morte do executado.
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. FALECIMENTO DO EXECUTADO. CITAÇÃO. ESPÓLIO. ADMINISTRADOR PROVISÓRIO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE INVENTÁRIO. DILIGÊNCIA DA PARTE EXEQUENTE. DESNECESSIDADE.
1. A controvérsia consiste em saber se, tendo falecido o executado e inexistindo notícia sobre a abertura formal de inventário, a citação do espólio na figura do administrador provisório pressupõe que a exequente diligencie antes a real e concreta situação do devedor.
2. No caso, a Corte Regional compreendeu que, somente seria possível promover a citação na forma do art. 1.797, I, do CC (até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente, ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão [...]) se a Fazenda comprovasse a inexistência de inventário.
3. O referido dispositivo (art. 1.797, I, do CC) tem como um dos principais propósitos facilitar a representação formal do espólio até que efetivamente se tenha notícia da abertura do inventário, de modo que exigir a confirmação da inexistência deste (do inventário) como requisito para citação do administrador provisório vai à contramão da norma, violando-a.3. Nas execuções, basta que não haja confirmação da abertura de inventário e da nomeação de inventariante para se admitir, a pedido da parte interessada, a citação do administrador provisório como representante processual do espólio/herança, conforme dispõem os arts. 613, 614 e 796 do CPC e o art. 1.797, I, do CC.
4. Nesses casos, porém, a parte exequente assume o ônus de ver o ato de citação ser considerado viciado, se restar futuramente demonstrado que já existia inventário formal aberto (com a nomeação de inventariante) no momento da realização da comunicação do administrador provisório; isto é, compete ao exequente gerenciar esse risco processual, de modo a, anteriormente, diligenciar a existência de abertura de inventário, ou, querendo, assumir o ônus de requerer de imediato a citação do administrador provisório, sabendo que esse ato de comunicação pode vir a ser considerado inválido.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.925.285/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 24/10/2023.)
Considerando a cognição sumária desenvolvida na via estreita do agravo de instrumento, mormente neste momento de apreciação de efeito suspensivo ao recurso, entendo presentes os requisitos ensejadores da concessão da medida pleiteada.
Ante o exposto, defiro a medida pleiteada.
Denota-se não ter havido nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida "ab initio", adotando-se, pois, os seus fundamentos como razão de decidir.
Nesse sentido, reveste-se "de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem' que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República", sendo certo que a "remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma).
Na mesma esteira: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.