Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5170001-83.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: EDVALDO PAVANI

Advogados do(a) APELADO: RENATA APARECIDA BORGES ARAUJO - SP363800-N, WAGNER DEZEM - SP368419-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5170001-83.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: EDVALDO PAVANI

Advogados do(a) APELADO: RENATA APARECIDA BORGES ARAUJO - SP363800-N, WAGNER DEZEM - SP368419-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):

Trata-se de agravo interno interposto por EDVALDO PAVANI, nos termos do artigo 1.021 do Código de Processo Civil, em face da decisão monocrática de ID 304096314 que, em ação de natureza previdenciária, deu provimento ao apelo do INSS, para, reformando a sentença, afastar a especialidade dos períodos de 01/11/1988 a 05/07/1990, 01/08/1990 a 12/04/1993, 03/01/1994 a 02/08/1994, 06/10/1994 a 11/09/1995, 09/04/1996 a 18/12/1999, 11/08/2000 a 10/07/2002, 02/01/2003 a 30/01/2006, 01/07/2006 a 10/09/2007 e 01/10/2007 até 11/2018 e, por conseguinte, julgar improcedente pedido de aposentadoria especial.

Em suas razões recursais de ID 305434909, a parte autora alega que “a perícia além de entrevista ocorreu diligência aos locais de trabalho conforme consta do laudo pericial, e igualmente da preclusão do INSS, que deixou de fazer suas devidas considerações acerca do laudo pericial, não merece acolhimento os argumentos apresentados em sede de recurso”. Afirma que o requerente exerceu a função de “Eletricista de Autos e Máquinas”, “cuja profissão não possui nenhuma relação com tensão superior de 250 volts consoante consta da decisão atacada”.

Sem contrarrazões pelo INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


VOTO DIVERGENTE

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Marcus Orione: Trata-se de agravo interno interposto pela parte autora em face de decisão monocrática que deu provimento à apelação do INSS para, reformando a sentença, afastar o caráter especial dos períodos de 01/11/1988 a 05/07/1990, 01/08/1990 a 12/04/1993, 03/01/1994 a 02/08/1994, 06/10/1994 a 11/09/1995, 09/04/1996 a 18/12/1999, 11/08/2000 a 10/07/2002, 02/01/2003 a 30/01/2006, 01/07/2006 a 10/09/2007 e 01/10/2007 até 11/2018 e, por conseguinte, julgar improcedente o pedido de aposentadoria especial.

 

Em suas razões de recurso, o autor alega que a perícia, além de entrevista, efetuou diligência aos locais de trabalho. Aduz, também, que o INSS não se manifestou sobre o laudo pericial, no momento oportuno.

 

O Ilustre Relator, o Exmo. Sr. Desembargador Federal Erik Gramstrup, em seu brilhante voto, houve por bem negar provimento ao agravo interno.

 

O Exmo. Relator consignou que o laudo pericial elaborado em Juízo se baseou apenas em entrevista realizada com o autor e no teor da documentação apresentada nos autos, não tendo o profissional aferido, pessoalmente, as condições laborais vivenciadas nos locais de trabalho. Desta feita, considerou o laudo inaproveitável ao fim colimado.

 

Contudo, com a devida vênia do Relator, ouso divergir de seu voto, pelas seguintes razões.

 

Em que pese tenha o Exmo. Relator concluído que a perícia se baseou exclusivamente em informações prestadas pelo próprio autor em entrevista, observo que o laudo pericial (ID 124985773) menciona a realização de entrevista e visita.

 

Noto, ainda, pelo documento de ID 124985768, que o endereço mencionado pelo Relator como local de realização da diligência foi indicado pelo perito como ponto de encontro, o que sugere a possível realização de diligência em outro local.

 

Ressalto, ademais, que a exposição habitual do autor a agentes químicos nocivos (hidrocarbonetos aromáticos – óleos e graxas), constatada pelo perito judicial, é inerente às suas atividades de eletricista de autos. Com efeito, considerada a profissiografia, não há como se afastar o contato e manipulação habitual e permanente de óleos e graxas, durante as manutenções elétricas realizadas nos veículos e máquinas.

 

Acresça-se que o expert consignou que o autor realizava manutenção elétrica em “caminhões, máquinas e autos, fiação, lâmpadas, motor de arranque, alternadores, etc., desmontava, trocava ou reparava partes defeituosas, remontava, ajustava e testava. Realizava reformas de baterias de autos 12V, para tanto retirava as partes internas da bateria, e realizava manuseio água destilada, ácido sulfúrico 100%, pasta de enxofre, chumbo derretido para montagem de novos polos. Lavava peças com sujidade de óleo e/ou graxa com óleo diesel e querosene. Entra em contato com graxa e óleo quando da manutenção. Realizava limpeza do local de trabalho com sabão aditivado e água pressurizada”.

 

Observo, outrossim, que o INSS não compareceu à perícia designada, nem apresentou manifestação ao laudo apresentado, no momento oportuno.

 

Saliento, assim, que as aferições vertidas no laudo pericial devem prevalecer, pois foi levada em consideração a experiência técnica do perito judicial, bem como as atividades e funções exercidas pelo autor. De outra parte, foi elaborado por profissional habilitado (engenheiro de segurança do trabalho) equidistante das partes, não tendo o INSS demonstrado qualquer vício a elidir suas conclusões.

 

No que tange à legislação atinente à matéria, tem-se que o Decreto 53.831/64 elenca os hidrocarbonetos como agentes químicos nocivos à saúde, com enquadramento no item 1.2.11 (tóxicos orgânicos). 

 

Já o Decreto 83.080/79 traz a previsão do enquadramento nos itens 1.2.10 (hidrocarbonetos e outros compostos de carbono) e 1.2.11 (outros tóxicos; associação de agentes). 

 

A seu turno, o Decreto 2.172/97 enquadra a atividade como especial no item 1.0.7 (carvão mineral e seus derivados, inclusive óleos minerais). O Decreto 3.048/99 traz a mesma previsão do regulamento anterior. 

 

Verifica-se, pois que deixou de existir previsão específica para o reconhecimento do labor insalubre com "hidrocarbonetos".  Contudo, seus derivados são arrolados no item 13 do Anexo II, como causador de doenças profissionais ou do trabalho.  Outrossim, o Anexo 13 da NR 15 descreve a manipulação de óleos minerais e o emprego de hidrocarbonetos aromáticos como atividades prejudiciais à saúde. 

 

De salientar, ainda, que não obstante os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 não prevejam expressamente os hidrocarbonetos como agentes insalutíferos, contemplam no item 1.0.19 de seu Anexo IV a possibilidade de reconhecimento da especialidade pela exposição a "Outras Substâncias Químicas".  

 

Em tal cenário, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 534, firmou tese no sentido de que “as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)”. 

 

Em sendo assim, possível concluir que o segurado, mesmo em momento posterior ao advento do Decreto nº 2.172/97, fará jus ao reconhecimento do desempenho de atividade especial quando demonstrar a exposição a agente químico da classe dos "hidrocarbonetos". 

 

Especificamente no que se refere a essa espécie de agente químico, importante ter em conta que hidrocarbonetos são compostos formados por carbono e hidrogênio, sendo sua maior fonte o petróleo e o gás natural. 

 

Os hidrocarbonetos aromáticos, por sua vez, são aqueles que possuem o benzeno em sua composição, apresentando, em sua maioria, potencial cancerígeno. Trata-se de moléculas compostas por carbono e hidrogênio usados em diversos produtos de consumo, como, por exemplo: 

GLP (Gás Liquefeito de Petróleo); 

combustíveis automotivos; 

gás de cozinha;  

querosene; 

óleo diesel; 

parafina; 

vaselina; 

plásticos; 

borrachas. 

 

O Manual de Aposentadoria Especial do Instituto Nacional do Seguro Social (Brasília, 2017. Pag. 53) assim conceitua os hidrocarbonetos: 

 

“São compostos orgânicos muito frequentes nos ambientes ocupacionais. São originados do petróleo, xisto ou hulha, que fracionados ou por processos industriais levam ao aparecimento de HC de cadeias pequenas ou grandes, fechadas (cíclicos) ou abertas, com ou sem anéis aromáticos. Os hidrocarbonetos aromáticos possuem cadeia carbônica fechada, apresentando pelo menos um anel benzênico. Os alifáticos possuem cadeias abertas ou fechadas, sem anel benzênico.  

 

Os HC com cadeias menores como os gases, solventes ou combustíveis formam vapores. Nos de cadeias maiores, que contenham mais de nove carbonos, praticamente não são detectados vapores.  

 

Existem HC aromáticos policíclicos (HAP ou PAH) cuja estrutura é formada por mais de um anel benzênico (aromático) conjugado, como, por exemplo: pireno, criseno, naftaleno, fluoreno. As exposições ocupacionais ocorrem por via respiratória quando na forma de aerossóis (particulados) e mediante absorção pela pele se presente em líquidos (óleos). São fontes ocupacionais: fornos de coque, produção de eletrodos de grafite, de alumínio (metal primário), pavimentação de rodovias com asfalto (piche), impermeabilização de telhados, fabricação e manuseio de creosoto, tratamento e manuseio de dormentes de ferrovias tratados com creosoto – usado para preservar madeira, óleos industriais residuais que contenham Hidrocarbonetos Aromáticos Polinucleados – HAP. Entre vários compostos presentes nos HAP o benzoapireno é um marcador de sua presença e pode ser usado como indicador do teor de HPA num produto.  

 

A maioria dos HAP podem ser cancerígenos (pele, pulmão), podem causar efeitos mutagênicos, efeitos adversos para reprodução humana ou dermatite por sensibilização. As frações mais pesadas do petróleo, xisto ou hulha, com mais de quinze carbonos na cadeia, são ricas em HAP.  

 

Os óleos não refinados (mais antigos) contêm HAP e podem levar ao câncer de pele. Por isso, os óleos minerais precisam ser altamente purificados para que contenham a mínima quantidade possível de HAP. O óleo diesel contém HAP, enquanto que o Querosene não contém HAP. Em condições ambientais o óleo diesel e o querosene não geram vapores, podendo gerar névoas.  

 

Para classificação de óleos minerais como potencialmente carcinogênicos existe um teste chamado DMSO (dimetilsulfóxido), Método IP 346, que quantifica compostos poliaromáticos por extração com solvente DMSO. De acordo com o Conservation of Clean Air and Water in Europe – CONCAWE óleos com resultados da extração em DMSO com peso maior que 3% (três por cento), devem ser comercializados com a advertência de que se trata de produtos potencialmente carcinogênicos. Se o teor no óleo for menor que 3% (três por cento) não é insalubre e não é cancerígeno. As graxas só terão HPA se houver nelas óleo com IP acima de 3% (três por cento). Quando a NR-15 foi editada em 1978, possivelmente todos os óleos minerais continham HPA e eram cancerígenos.  

 

Os HPA não constam no Anexo 11 da NR-15 e, portanto, a avaliação é qualitativa nas atividades mencionadas no Anexo 13: manipulação de alcatrão, betume, antraceno, óleos minerais (se cancerígenos) ou outras substâncias cancerígenas afins; operações com benzoapireno (puro ou contaminado com ele). Como exemplo de avaliação, observa-se que nos Estados Unidos da América - EUA, conforme a ACGIH não há indicação de limite de tolerância para os HPA, mas se recomenda que as exposições sejam controladas a níveis o mais baixo possível. (...)  

 

Outros produtos frequentes nos processos industriais são os fluidos de usinagem que servem, principalmente, para lubrificar superfícies ou pontos de contato entre a ferramenta de corte e a peça de matéria prima. Os nomes mais usados para os diferentes fluidos são: óleos puros (antes continham HPA), emulsionados, sintéticos e de usinagem (refrigerantes e para trabalho em metal). Nos anos 80 houve aumento da frequência de câncer de laringe, dermatoses ocupacionais e distúrbios respiratórios relacionados ao uso desses fluidos. A partir de 1990, houve aumento do uso de fluido à base de água e fluido químico e começaram a surgir casos de pneumonite por hipersensibilidade. 

 

Das indicações anteriores, fica expresso que no caso do Hidrocarbonetos Aromáticos Polinucleados – HAP a avaliação deve ser qualitativa e não quantitativa. E mais, mesmo quando houve uma maior diluição deste Hidrocarboneto, ocorreu uma elevada incidência de pneumonite por hipersensibilidade.

 

No que tange aos óleos e graxas minerais, cumpre tecer algumas considerações. 

 

O óleo mineral é um líquido derivado do petróleo e amplamente utilizado em diversos setores industriais e comerciais, principalmente como lubrificantes, fluidos hidráulicos e fluidos de corte. Trata-se de mistura complexa de hidrocarbonetos, obtida através do refinamento do petróleo, cuja composição pode variar dependendo da origem do petróleo, do processo de refino e das especificações do produto final. Geralmente, é composto principalmente por hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos, como parafinas, naftenos e compostos aromáticos, como benzeno, tolueno e xilenos.  

  

Quanto à sua nocividade, os óleos minerais altamente purificados(portanto isentos de HPAs – Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos) não têm potencial carcinogênico e podem ser usados inclusive em medicamentos ou cosméticos. Estes são classificados pela IARC – International Agency for Research on Cancer, no Grupo 3 (não classificável) e pela ACGIH na categoria A4 – Não Classificável como Carcinogênico Humano. 

 

Óleos minerais não tratados, contendo hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, quais sejam, óleos minerais não refinados ou parcialmente refinados com teor (% em massa) de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos maior que 3% extraível com DMSO (dimetilsulfóxido) pelo método IP 346, podem ser considerados potencialmente carcinogênicos e, por essa razão, estão relacionados no Anexo 13 da NR15 para análise qualitativa. Portanto, há sempre que se considerar o risco à saúde, independendo de análise qualitativa. 

 

Ou seja, o que caracteriza um óleo mineral como insalubre nos termos do anexo nº 13, da NR-15, Portaria nº 3.214/78, é a existência em sua composição de Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPA). A exposição maciça às névoas, sob altas temperaturas, como, por exemplo, no processo de usinagem, poderá causar irritação da mucosa respiratória e pneumonite química, pelo contato do tecido pulmonar com partículas em suspensão. O óleo mineral contendo os hidrocarbonetos aromáticos, em contato com a pele, remove a gordura da estrutura da membrana celular, provocando hiperemia (vermelhidão), irritação, coceiras e eczema crônico. A exposição prolongada ao produto contendo aromáticos, pode provocar o bloqueio dos poros da pele, principalmente na face, tórax, nos antebraços, nas coxas, levando à formação de acne e foliculites. A exposição prolongada e contínua aos óleos que contenham substâncias carcinogênicas na sua composição, poderá produzir lesões benignas ou malignas na pele.   

 

A graxa, a seu turno, é uma complexa mistura de hidrocarbonetos, em estado sólido ou semissólido e é constituída de óleo lubrificante e sabões, que são usados para adensamento, possuindo também aditivos para dar propriedades específicas. Os efeitos tóxicos das graxas dependem de sua composição, sendo que seu principal risco à saúde é a dermatite por contato.  

 

Quanto maior for o teor de HPA existente no óleo lubrificante, óleo de corte, óleo protetivo, graxa, etc., maior será o risco de desenvolvimento de câncer. 

 

De acordo com a NR 15, não foi estabelecido Limite de Tolerância para a graxa e para o óleo mineral, sendo que o enquadramento é realizado de forma qualitativa. É isso, inclusive que se depreende da leitura do art. 68 do Decreto nº 3.048/99, que trata dos agentes cancerígenos: 

 

Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV. 

(...) 

§ 2º  A avaliação qualitativa de riscos e agentes prejudiciais à saúde será comprovada pela descrição: 

I - das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente ou associação de agentes prejudiciais à saúde presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada de trabalho; 

II - de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados no inciso I;  

III - dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato.                   (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013) 

(...) 

§ 4º  Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.      

 

Já o parágrafo único do art. 284 da Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS, estabelece que: 

 

 

Art. 284. (...) 

Parágrafo único. Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999. 

 

Sendo assim, uma vez comprovada a exposição do segurado a agente cancerígeno, deve ser reconhecida a especialidade do respectivo período, sendo irrelevante o uso de EPI ou EPC, ainda que indicado como eficaz. Não havendo que se fazer qualquer dimensão da dosagem, a simples existência de graxas e minerais, pela composição inerente, bastaria efetivamente a sua menção (até porque, mesmo quando não cancerígeno, o que não é comum, podem causar outras doenças, como visto anteriormente).

 

Além disso, a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 9/2014 – LINACH (Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos), indica que o benzeno e os óleos minerais são agentes reconhecidamente cancerígenos aos humanos. 

 

Confira-se, ainda, o disposto no artigo 278, I e § 1º, I da IN 77/2015: 

 

Art. 278. Para fins da análise de caracterização da atividade exercida em condições especiais por exposição à agente nocivo, consideram-se: 

I - nocividade: situação combinada ou não de substâncias, energias e demais fatores de riscos reconhecidos, presentes no ambiente de trabalho, capazes de trazer ou ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador; e 

(...) 

§ 1º Para a apuração do disposto no inciso I do caput, há que se considerar se a avaliação de riscos e do agente nocivo é: 

I - apenas qualitativo, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13 e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, a qual será comprovada mediante descrição. (grifei) 

(...) 

 

Importante ressaltar, ainda, que muito embora os agentes químicos ora tratados não contem com informação de registro no "Chemical Abstracts Service - CAS", exigido pelo Memorando-Circular Conjunto n. 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS para fins de admissão do agente como "reconhecidamente carcinogênico", tal requisito não consta da redação do artigo 68, §4º, do Regulamento da Previdência Social, de modo que a presença dos "óleos minerais" no ambiente de trabalho qualifica a atividade como insalubre em razão de tais características e efeitos. Veja-se que o documento anterior insiste no caráter qualitativo, sendo a nocividade presumida. Estamos, no nosso entendimento, diante de presunção absoluta. Não obstante, ainda que assim não o fosse, a simples menção em qualquer documento aos agentes agressivos em questão implicaria a presunção de nocividade à saúde, demandando, quando muito, prova em contrário, para cada situação, do INSS.

 

Em resumo, não há como deixar de considerar que, sendo os óleos e graxas enquadrados como hidrocarbonetos e outros compostos de carbono, a sua manipulação é considerada como hipótese de insalubridade em grau máximo pela NR-15 (Anexo 13). 

 

A questão que enseja discussão na jurisprudência, entretanto, consiste no fato de que, muitas vezes, os formulários PPPs emitidos pelas empresas empregadoras indicam óleos e graxas, sem especificar a origem mineral, e apenas hidrocarbonetos, sem fazer referência se são aromáticos – que possuem benzeno em sua composição. 

 

Sendo assim, há quem entenda, como fez o Exmo. Relator, que a menção genérica a óleos e graxas e, mesmo, a hidrocarbonetos é insuficiente para indicar um agente nocivo à saúde, uma vez que seria essencial a indicação da espécie de hidrocarboneto a que esteve exposto o segurado. 

 

Não há como deixar de considerar, entretanto, que o óleo mineral sempre esteve previsto como agente insalubre pela legislação de regência, encontrando enquadramento, atualmente, no código 1.0.17 do Anexo IV do Decreto 3.048/99, tratando-se de hidrocarboneto. 

 

Aliás, já decidiu o STJ que "os óleos minerais são agentes químicos nocivos à saúde, enquadrados na subespécie Hidrocarbonetos e Outros Compostos de Carbono, independente de especificação sobre qual o tipo de óleo" (STJ, AgInt no AREsp 1204070/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª T., j. 08.05.2018). 

 

Ora, a conclusão anterior decorre, como visto, da presunção de sua agressividade à saúde, sendo irrelevante questões envolvendo a quantidade e mesmo a especificação do tipo de óleo.

 

 

É evidente que não se desconhece o entendimento manifestado no julgamento do Tema 298, pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, ainda que de mero caráter informativo para fins jurisprudenciais desta Corte, no sentido de que a utilização genérica de expressões como "óleos e graxas" ou "hidrocarbonetos" seria insuficiente para caracterizar a atividade como especial.  Eis o teor da tese fixada: 

 

 

A partir da vigência do Decreto n. 2.172/97, a indicação genérica de exposição a 'hidrocarbonetos' ou 'óleos e graxas', ainda que de origem mineral, não é suficiente para caracterizar a atividade como especial, sendo indispensável a especificação do agente nocivo. 

 

Tampouco se ignora o parecer formulado pela Fundacentro na Nota Técnica nº 2/2022/EARJ.  

 

Não obstante, a meu ver, o entendimento ali consagrado não se atenta ao caráter fundamental dos direitos sociais, tampouco aos postulados informativos do direito previdenciário. 

 

Com efeito, o direito à previdência social foi consagrado como fundamental no art. 6º da Constituição da República, justamente porque assegura a proteção dos membros da sociedade em situações de contingências sociais, e é com base em tal premissa que deve ser buscada solução para casos como o ora analisado. 

 

Ausente no PPP ou laudo técnico a especificação exata dos agentes químicos a que estava exposto o trabalhador, em decorrência  de ato próprio do empregador, não se pode simplesmente presumir pela inexistência de agentes nocivos em seu ambiente laboral. Pelo contrário, como visto, a presunção é da agressividade à saúde. A obrigação de terceiros (do empregador ao fazer a indicação genérica ou mesmo do INSS que deveria demonstrar o contrário, em caso de se admitir que estamos diante de presunção relativa) não pode atingir a situação dos segurados, notadamente considerando que cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização das empresas, inclusive quanto à correta avaliação das condições ambientais do trabalho prestado. 

 

Observe-se, por oportuno, a lição de Adriane Bramante de Castro Ladenthin, na obra Aposentadoria Especial: teoria e prática, 6ª Ed, Juruá, 2022: 

 

Destacamos, por outro lado, que se a empresa indicou os agentes químicos no campo PPP  "fator de risco", é porque ela relaciona essas substâncias como prejudiciais à saúde, pelo seu critério qualitativo, e confirma por responsável técnico habilitado. Caberia ao INSS, portanto, comprovar que não são prejudiciais à saúde, e não impor ao trabalhador tal prova diabólica, considerando a conhecida dificuldade de o segurado conseguir essas informações junto às empresas.   

 

No mesmo sentido, colaciono julgado do TRF da 4ª Região: 

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 

1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 

(...) 

3. A exposição a agentes químicos hidrocarbonetos permite o enquadramento como especial de período de labor por mera avaliação qualitativa, e independente da análise quantitativa de níveis de concentração. 

4. A menção genérica à presença de "óleos e graxas" ou "hidrocarbonetos" no ambiente de trabalho é suficiente para a caracterização da especialidade do labor, quando a análise do contexto da profissão exercida e ambiente de trabalho indiquem que as substâncias são derivadas de hidrocarbonetos e o contato seja inerente à atividade desempenhada. 

5. Preenchidos os requisitos, nos termos da legislação aplicável, deve ser concedido o benefício de aposentadoria especial, conforme deferido na origem. 

(...) 

 (Apelação/Remessa Necessária 5011904-84.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, julgado em 27/02/2024). 

 

Do voto condutor do julgado acima transcrito, importante referir o seguinte trecho, por extremamente elucidativo: 

 

 

Entendo, nos casos de omissão do tipo de agente nocivo hidrocarboneto, que a própria indicação pelo empregador, em formulários ou laudos técnicos, acerca da existência de "agentes nocivos" no ambiente de trabalho, constitui presunção de ciência por parte do subscritor de que as substâncias químicas indicadas possuem algum potencial de prejudicar a saúde dos empregados. Fosse o caso de utilização de substâncias de origem diversa no processo produtivo (como óleos vegetais, por exemplo), por certo tal circunstância estaria expressamente referida na documentação fornecida ao trabalhador, até mesmo porque possuem impacto na esfera trabalhista e de recolhimento de valores pelo empregador. 

(...)

Por outro lado, ao apreciar a prova, o julgador forma sua convicção à luz do princípio da persuasão racional (art. 479 do CPC), inclusive mediante a utilização das regras comuns da experiência, consoante preclara disposição do artigo 375 do CPC.  Em tais condições, ganha importância a análise do contexto da atividade desempenhada (como espécie, local, forma de realização, tamanho da empresa), e até mesmo pela visão já esposada pelos Tribunais em casos similares, e, caso constatado que a exposição a hidrocarbonetos é inerente à profissão do segurado, a atividade pode ser reconhecida como especial mesmo sem declinação exata dos agentes.  

Cabe, evidentemente, produção de prova em contrário pelo réu, que entendendo se tratar, no caso concreto, de agente químico hidrocarboneto específico e não-nocivo, deverá requerer a devida perícia ou diligência técnica.  

 

 

Diante dos argumentos expendidos, entendo que é possível o enquadramento quando houver a menção de óleos e graxas no PPP, uma vez que tais produtos contêm em sua fórmula hidrocarbonetos, devendo ser salientado, igualmente, que basta sua presença no meio ambiente de trabalho, sem exigência sobre limite de tolerância.  Registre-se, por fim, que ao endossar a declaração do agente como agressivo, a própria empresa traz para si consequências de natureza trabalhista, com a obrigação que isso acarreta do pagamento dos adicionais pertinentes. Ora, não seria de se esperar que a empresa fizesse prova contra si mesma, passível inclusive de ser utilizada na Justiça Laboral, a não ser que a natureza da atividade fosse reconhecidamente agressiva à saúde do trabalhador.

 

 

Tal solução se justifica, ainda mais, se, analisando-se a profissiografia, fique claro que o manuseio do agente nocivo é inerente ao ambiente do trabalho e à função desempenhada pelo trabalhador. 

 

Isso significa que, ainda que os documentos fornecidos pela empregadora façam menções genéricas à presença de "hidrocarbonetos" ou "óleos e graxas", há possibilidade de reconhecimento da especialidade do labor, mormente quando o contexto demonstrado pela prova indique a presença de tal categoria de agentes no ambiente de trabalho do segurado. 

 

 

Tecidas todas as considerações anteriores, verifiquemos a situação do caso concreto.  

 

 

Na hipótese em apreço, o laudo pericial de ID 124985773 dá conta que o demandante exerceu a função de eletricista de autos nos períodos de: (i) 01/11/1988 a 05/07/1990 (Eletro Mecânica Bassolino Ltda), (ii) 01/08/1990 a 12/04/1993 (Eletro Mecânica Urban Ltda.), (iii) 03/01/1994 a 02/08/1994 (César Vilela Branquinho ME), (iv) 06/10/1994 a 11/09/1995 (CIA Açucareira Vale do Rosário), (v) 09/04/1996 a 18/12/1999 (Nova Aliança Agrícola e Comercial Ltda.), (vi) 11/08/2000 a 10/07/2002 (Mogiana Veículos Ltda.), (vii) 02/01/2003 a 30/01/2006 (Mogiana Veículos Ltda.), (viii) 01/07/2006 a 10/09/2007 (Mogiana Veículos Ltda.), e (ix) 01/10/2007 a 11/2018 (Usina Alta Mogiana S/A Açúcar e Álcool), com exposição a agentes químicos nocivos (óleos, graxas, ácido sulfúrico) previstos nos códigos 1.2.11 do Decreto 53.831/1964, 1.2.10 do Decreto 83.080/1979 e 1.0.19 do Decreto 3.048/99.

 

Ressalto, mais uma vez, que os riscos ocupacionais gerados pelos agentes químicos constantes no anexo 13 da NR-15 não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa.

 

Sendo assim, e considerando que o INSS não trouxe qualquer elemento ou prova que infirme a presunção de agressividade à saúde do trabalhador que se extrai das informações constante do laudo pericial, entendo que merece ser reconhecida a especialidade do labor desenvolvido nos intervalos reconhecidos pela sentença.

 

No que concerne à aposentadoria especial, verifique-se o seguinte.  

 

 

Somado o período especial ora admitido com o tempo já contabilizado administrativamente pelo INSS, daí resulta que o autor laborou por 26 anos, 10 meses e 06 dias, fazendo jus à aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.

 

 

O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo (21.08.2017 – ID 124985699), observando-se a prescrição quinquenal, bem como, quanto aos atrasados, o tema nº 1.124 do STJ. 

 

 

Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22).  

 

 

Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111, do E. STJ).  

 

 

As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único).  

 

 

Diante de todo o exposto, data vênia, divirjo do Ilustre Relator, para dar provimento ao agravo interno da parte autora, nos exatos moldes da fundamentação.  

 

É como voto. 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5170001-83.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: EDVALDO PAVANI

Advogados do(a) APELADO: RENATA APARECIDA BORGES ARAUJO - SP363800-N, WAGNER DEZEM - SP368419-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO.

 

Estabelece o artigo 932, incisos II, IV e V, do CPC que:

 

“Art. 932. Incumbe ao relator:

(...)

II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;

(...)

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.”.

 

Por sua vez, a Súmula n.º 568 do C.STJ dispõe que:

 

“O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”.

 

Desta feita, sopesando o disposto no art. 932, II, IV e V, do CPC, e aplicando analogicamente a Súmula n.º 568, do C.STJ, entendo cabível o julgamento monocrático no presente caso, já que este atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais.

Ademais, a interposição do agravo interno (artigo 1.021 do CPC) possibilita a submissão do feito a julgamento pelo órgão colegiado, inclusive com possibilidade de sustentação oral pela parte interessada (art. 7º, § 2º-B da Lei 8.3906/94), pelo que restam resguardados os princípios da colegialidade e da ampla defesa.

Nesse sentido, vem sendo o entendimento desta Corte Regional:

 

“PREVIDENCIARIO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. CABIMENTO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA DO DIREITO DA AUTARQUIA. OCORRÊNCIA. ERRO MATERIAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA RESGUARDADOS. LEGALIDADE NO RECÁLCULO DO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO E DA PENSÃO POR MORTE.

I - Plenamente cabível a aplicação do artigo 932 do CPC ao presente caso, porquanto a decisão ora agravada apoiou-se em jurisprudência majoritária proferida por esta Corte. Ressalta-se que não se exige que a jurisprudência dos Tribunais seja unânime ou que exista Súmula a respeito da matéria. Ademais, com o reexame do feito pelo órgão colegiado, que ora se realiza por ocasião do julgamento deste agravo, resta prejudicada a questão referente ao alegado vício da apreciação monocrática.

(...)

VII – Agravo (art. 1.021 do CPC) da autora improvido.” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001330-92.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 07/02/2024, DJEN DATA: 09/02/2024);

 

“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO JULGADO. APLICABILIDADE DO TEMA 692/STJ. DESNECESSIDADE DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO PARADIGMA.

1. O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação.

2. Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal.

3. Agravo interno desprovido.” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5022555-66.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 14/09/2023, DJEN DATA: 20/09/2023);

 

“AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. REPETIÇÃO DEARGUMENTOS.

1. O julgamento monocrático tem por objeto liberar as pautas de julgamento dos tribunais de recursos cuja matéria já tenha entendimento firmado na jurisprudência majoritária das Cortes nacionais.

2. Não há que se falar em ofensa ao duplo grau de jurisdição se a questão já foi reiteradamente discutida nos Tribunais.

3. A agravante reitera em suas razões recursais os mesmos argumentos trazidos na inicial, já debatidos e resolvidos pela decisão recorrida.

4. Agravo não provido.” (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5041512-96.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 30/01/2023, DJEN DATA: 03/02/2023)

 

Passo, portanto, à análise da matéria impugnada por meio do agravo interno apresentado.

 

CASO DOS AUTOS

 

A parte autora se insurge contra o sopesamento das provas produzidas nos autos, notadamente a prova pericial produzida a rogo do juízo instrutório. Segundo alega, o perito teria sim diligenciado o local de trabalho do autor.

Sem razão, contudo.

Nos termos ressaltados na decisão monocrática, a fim de aferir as condições de trabalho do autor, o juízo instrutório determinou a realização de prova pericial. No entanto, observa-se que a prova foi produzida com esteio nas “informações prestadas pelo requerente, experiência própria deste perito e outros dados necessários para elaboração deste” (ID 124985773 - Pág. 2), conforme relatou o próprio perito.

Assim, vê-se que o laudo pericial elaborado em Juízo se baseou apenas em entrevista realizada com o autor-segurado e no teor da documentação carreada ao feito, não tendo o profissional aferido, pessoalmente, as condições laborais vivenciadas nos locais de trabalho do autor.

A confecção do laudo fundara-se em meras narrativas, distanciando-o do real escopo pericial, que seria, em síntese, a verificação in loco da existência de agentes agressivos ao longo da jornada de trabalho do autor.

Desta feita, considera-se o laudo inaproveitável ao fim colimado.

Observa-se, ainda, que o local agendado para a suposta diligência pericial à Rua Prudente de Morais, 26 – Centro – Guará/SP se trata de escritório de advocacia e contabilidade (ID 124985765 - Pág. 1), não sendo plausível concluir que seja paradigma para aferir as condições de trabalho do autor que exercia a profissão de eletricista de automóveis, como também consignado na decisão agravada.

Por fim, vale salientar que cabe ao juízo fazer a avaliação das provas produzidas nos autos, não estando adstrito à conclusão da prova técnica, conforme preleciona o art. 479 do CPC, independente de impugnação da parte a quem desfavoreça.

Desta feita, a decisão agravada não merece reparos no tocante ao afastamento da especialidade dos lapsos de 01/11/1988 a 05/07/1990, 01/08/1990 a 12/04/1993, 03/01/1994 a 02/08/1994, 06/10/1994 a 11/09/1995, 09/04/1996 a 18/12/1999, 11/08/2000 a 10/07/2002, 02/01/2003 a 30/01/2006, 01/07/2006 a 10/09/2007 e 01/10/2007 até 11/2018.

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.

A EXMA SRA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de agravo interno interposto por EDVALDO PAVANI em face da r.decisão monocrática proferida pelo e. relator Des. Fed. Erick Gramstrup, que reformou  a sentença para desconsiderar a natureza especial de suas atividades nos períodos de 01/11/1988 a 05/07/1990, 01/08/1990 a 12/04/1993, 03/01/1994 a 02/08/1994, 06/10/1994 a 11/09/1995, 09/04/1996 a 18/12/1999, 11/08/2000 a 10/07/2002, 02/01/2003 a 30/01/2006, 01/07/2006 a 10/09/2007 e 01/10/2007 até 11/2018, afastando a aposentadoria especial concedida.

Peço vênia ao ilustre Relator, para acompanhar a divergência lançada pelo e. Des. Fed. Marcus Orione, mas com fundamento diverso.

Em que pese em regra não aceitar perícia realizada com base exclusivamente nas declarações do segurado, não tendo o perito especificado o  lugar ou lugares em que a perícia foi elaborada,  colho da CTPS do autor que em todas as empresas e períodos periciados, e em toda vida laborativa, sem exceção, sua função foi sempre de eletricista automotivo, atividade inexoravelmente ligada aos agentes químicos óleo e graxa, de  maneira habitual e permanente.

Vale ressaltar, também, que ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, trata-se de prova técnica, realizada por profissional habilitado, equidistante das partes, especializado na área de atuação e de confiança do r. Juízo. Sua conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, atendendo às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame das funções e condições de trabalho desempenhadas.

Com essas considerações, na singularidade, reconheço a especialidade nos períodos de 01/11/1988 a 05/07/1990, 01/08/1990 a 12/04/1993, 03/01/1994 a 02/08/1994, 06/10/1994 a 11/09/1995, 09/04/1996 a 18/12/1999, 11/08/2000 a 10/07/2002, 02/01/2003 a 30/01/2006, 01/07/2006 a 10/09/2007 e 01/10/2007 até 11/2018, conforme estabelecido pelos itens 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64; 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e 1.0.17 e 1.0.19 dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99.

Diante do tempo especial reconhecido, a parte autora possui o tempo contributivo em atividade especial superior a 25 anos, fazendo jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, desde a DER (21/08/2017).

Tendo em vista que a documentação necessária ao reconhecimento do direito ao benefício não foi apresentada no âmbito administrativo, mas apenas nesta demanda judicial, com o laudo pericial, o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deverá ser fixado na fase de cumprimento de sentença, conforme entendimento que vier a ser consolidado pelo C. STJ no exame do tema 1.124.

Ante o exposto, com renovada vênia do e. Relator, voto por acompanhar a divergência lançada, pela conclusão, e dou provimento ao agravo interno.

É o voto.


E M E N T A

 

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. VALIDADE DO LAUDO PERICIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. ÓLEOS, GRAXAS.  PROVIMENTO.

I. CASO EM EXAME

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento à apelação do INSS, para afastar o reconhecimento da especialidade de diversos períodos laborais e, consequentemente, julgar improcedente o pedido de aposentadoria especial, ao fundamento de inaptidão do laudo pericial produzido em juízo.

2. O autor sustenta a validade da perícia, que constatou a exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos, como hidrocarbonetos aromáticos, óleos e graxas, inerentes às atividades de eletricista de autos.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. Há duas questões controvertidas. A primeira diz respeito à aptidão do laudo pericial produzido em juízo. A segunda reside na possibilidade de reconhecimento do caráter especial da atividade exercida pelo autor na função de eletricista de autos, em razão da exposição habitual a óleos, graxas e hidrocarbonetos, considerando a legislação vigente e os parâmetros adotados pela jurisprudência.

III. RAZÕES DE DECIDIR
4. O laudo pericial produzido nos autos se mostra apto à aferição das condições de trabalho realizadas pelo autor. Suas aferições devem prevalecer, pois foi levada em consideração a experiência técnica do perito judicial, profissional habilitado (engenheiro de segurança do trabalho), equidistante das partes, não tendo o INSS demonstrado qualquer vício a elidir suas conclusões.

5. O laudo pericial atesta a exposição do segurado a agentes químicos nocivos, conforme previsão nos Decretos 53.831/1964, 83.080/1979 e 3.048/1999.
6. A caracterização da atividade especial não depende de aferição quantitativa da concentração dos agentes nocivos, sendo suficiente a avaliação qualitativa prevista no Anexo 13 da NR-15.
7. A jurisprudência do STJ, no Tema 534, firmou o entendimento de que a listagem dos agentes nocivos nos decretos regulamentares é exemplificativa, admitindo-se o reconhecimento da atividade especial sempre que demonstrado o caráter insalubre da exposição.

8. A exposição habitual do autor a agentes químicos nocivos (hidrocarbonetos aromáticos – óleos e graxas), constatada pelo perito judicial, é inerente às atividades do eletricista de autos. Considerada a profissiografia, não há como se afastar o contato e manipulação habitual e permanente de óleos e graxas, durante as manutenções elétricas realizadas nos veículos e máquinas.

IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Agravo interno da autora provido para negar provimento à apelação do INSS e manter a sentença concessiva do benefício.

Tese de julgamento: “O reconhecimento da especialidade do labor pode ser concedido com base na exposição a óleos, graxas e hidrocarbonetos, independentemente da aferição quantitativa, desde que demonstrado o contato habitual e permanente com tais agentes nocivos.”


Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, § 1º; Lei nº 8.213/1991, art. 57; Decretos nº 53.831/1964, 83.080/1979 e 3.048/1999.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 534; STJ, REsp 1.348.633, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 27.11.2013; STJ, REsp 1.306.113, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, j. 14.11.2012.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DO VOTO DO DES. FEDERAL MARCUS ORIONE, COM QUEM VOTARAM A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, PELA CONCLUSÃO E O DES. FEDERAL MARCELO VIEIRA, VENCIDOS O RELATOR E O DES. FEDERAL JEAN MARCOS QUE NEGAVAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FEDERAL MARCUS ORIONE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARCUS ORIONE
DESEMBARGADOR FEDERAL