Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000490-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: LAERTE BARRINUEVO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: LAERTE BARRINUEVO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

Advogado do(a) APELADO: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

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4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000490-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: LAERTE BARRINUEVO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: LAERTE BARRINUEVO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

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R E L A T Ó R I O

 

Apelação interposta por LAERTE BARRINUEVO e recurso adesivo do Ministério Público Federal contra sentença que julgou procedente em parte ação civil pública para, verbis:

"DISPOSITIVO

Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu LAERTE BARRINUEVO a: (a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região do Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas U7'M, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.593m, N: 7.425.236m (dos pedidos - fl. 23, item f 1), removendo os entulhos para local adequado; (b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução de obras; (c) proceder à recuperação da área da APP, às suas expensas, conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA. Assinalo o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens "a" e "b", restando o prazo de execução do item "c", condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado. No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$100,00 (cem reais), por dia. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença. Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, condeno o réu ao pagamento/ressarcimento das despesas processuais. Sem condenação em honorários de advogado, tendo em vista que na ACP o Ministério Público não paga honorários de advogado, quando vencido, salvo em caso de má-fé, então por simetria, não faz jus a receber tal verba quando vencedor na ação judicial (precedentes do STJ). Havendo interposição tempestiva de recurso por qualquer das partes, estando presentes os demais requisitos para a sua admissibilidade, dou-o por recebido no efeito devolutivo, previsto no artigo 14, da Lei n. 7.347/85 e, decorrido o prazo para contrarrazões, determino a remessa dos autos ao TRF/3 Região.

 

Sustenta que:

a) devem ser levadas em conta a razoabilidade, a proporcionalidade e a isonomia, dado que a ocupação da área em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei n° 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 40, Decreto n° 23.793/34) não delimitava a área de proteção, de modo que não se aplica o entendimento jurisprudencial em que se fundou o magistrado,

b) a construção original de madeira é das décadas de 40/50 e foi posteriormente substituída por alvenaria, o que explica a afirmação do perito de que tem cerca de dez anos e não há indícios da anterior;

c) a inspeção judicial constatou que até o presente há casas de madeira no bairro;

d) os imóveis próximos não sofreram ação ministerial, o que demonstra falta de proporcionalidade e isonomia;

e) ainda que se considere que a construção tem cerca de dez anos, é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei n° 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;

f) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6° da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;

g) a demolição é medida desproporcional, consoante a jurisprudência.

Pede, a final, a improcedência.

 

Nas contrarrazões de fls. 527/532, o Ministério Público Federal argumenta que:

a) a prova dos autos é no sentido de que a construção é recente, na vigência do Código Florestal, não de mera reforma;

b) ainda que o argumento fosse verdadeiro, não há direito adquirido a poluir e degradar o meio ambiente, pois a obrigação é propter rem, de forma que é irrelevante perquirir sobre a autoria do dano;

c) não há violação à isonomia, eis que a própria inspeção judicial menciona a existência de 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não houve "perseguição" alguma ao autor, ao contrário do que quer fazer crer, mas respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa para, por fim, chegar à conclusão que, no seu caso, cabem a demolição e a recuperação da área, situação que é diversa dos ribeirinhos que lá habitam;

d) o artigo 61-A da Lei n° 12.727/2012 não se aplica aos imóveis de veraneio e lazer.

 

Adesivamente, apela o Parquet para requerer a condenação do apelante ao pagamento de indenização pelo dano causado ao meio ambiente, consoante a jurisprudência que admite que seja cumulada com a reparação, que, conquanto prioritária, não é suficiente. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva reparar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a reposição direta e imediata. Não bastasse, a fossa asséptica do réu contamina o solo e o entorno do rio, além de fazer uso de recursos hídricos que não lhe pertencem por meio da instalação de poço semi-artesiano e utilizar egoisticamente de um bem que é de interesse de todos. Deve, pois, ser fixada prestação pecuniária não inferior a quinze mil reais.

 

A União (fl. 540 verso) e o IBAMA (fl. 541 verso) ratificaram as contrarrazões ministeriais.

 

O autor deixou transcorrer in albis o prazo para contrarrazoar o recurso adesivo (fl. 543).

 

Nesta corte, o Ministério Público Federal apresentou parecer como custos legis (fls. 545/556), no qual aduziu que:

a) a manutenção do meio ambiente equilibrado é direito difuso (artigo 225 da CF) que gera deveres ao poder público e à coletividade;

b) está demonstrado e é incontroverso que o imóvel em questão foi erigido em área de preservação permanente de 500 metros, o que não foi alterado pelo novo Código Florestal;

c) inviável o retrocesso em matéria ambiental, conforme a doutrina e a jurisprudência;

d) não se sustenta o argumento de que a demolição causaria mal maior que a manutenção, pois é a medida adequada para sanar a violação da APP;

e) é cabível a cumulação da indenização com a recuperação ambiental, ex vi do artigo 4°, inciso VII, da Lei n° 6.938/1981, e a jurisprudência reconhece a existência de dano extrapatrimonial, sem o qual não será possível compensar o prejuízo à coletividade e ao ecossistema durante o tempo em que a área se manteve degradada e do necessário para que se recomponha.

Opinou, ao final, fosse desprovido o recurso do réu e acolhido o do autor.

 

O feito foi levado à julgamento na sessão do dia 07/11/2018 e a Des. Fed. Marli Ferreira pediu vista. Na sessão do dia 27/02/2020, a eminente desembargadora apresentou questão de ordem para que o processo fosse sobrestado até o julgamento pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça do REsp nº 1.770.760/SC (Tema 1010), afetado sob o rito dos representativos da controvérsia e no qual houve determinação de suspensão dos processos pendentes. Assim, após a retificação do voto do Des. Fed. André Nabarrete, o colegiado, à unanimidade, ordenou o sobrestamento.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

1 – DO REsp 1770760/SC (Tema 1010)

 

Em 10/05/2021, foi publicado o acórdão proferido pelo STJ no REsp 1770760/SC (Tema 1010), em cuja afetação ao regime dos recursos repetitivos houve determinação de suspensão nacional dos processos pendentes. Assim, não há mais óbice ao prosseguimento deste julgamento. O exame da aplicabilidade da tese assentada por aquela corte superior será a seguir examinada.

 

 

2 - DO REEXAME NECESSÁRIO

 

O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei n° 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:

 

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei n° 6.014/73).

 

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.

1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n° 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo

Regimental não provido."

(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

 

In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados em sede do exórdio contra LAERTE BARRINUEVO, porquanto requereu o Parquet Federal fosse fixada indenização em favor do Fundo Nacional do Meio Ambiente (item f.4 - fl. 23), o qual não foi contemplado. Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença, sob esse aspecto.

 

3- DOS FATOS E DO PROCESSAMENTO

 

Narrou o Ministério Público Federal que, em fiscalização realizada em 27/05/2005 (fl. 56) pelo IBAMA, foi lavrado auto de infração (fl. 56) por ter sido constatada a violação à legislação ambiental por parte do réu, LAERTE BARRINUEVO, consistente em utilização de área de preservação permanente para construção de uma residência de alvenaria a cinco metros da margem direita do Rio Paraná, região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, sem licença e em área de preservação permanente, que é de 500 metros em cursos d'água com mais de seiscentos metros. A edificação foi interditada, conforme termo de embargo (n° 342202 - fl. 57) e deu origem naquela autarquia a processo administrativo (n° 02040.000087/05-61). O Parquet requisitou (fls. 149/150) a instauração de inquérito policial, que foi autuado sob o n° 143/2007 (fl. 153) e no qual foi realizado laudo de exame de meio ambiente (fls. 170/179) em que consta, verbis:

 

"O local examinado está na margem direito do Rio Paraná em área de preservação permanente e está ocupado com edificação destinada a lazer em local de baixa declividade próxima à barranca do rio (..). O imóvel se caracterizava por ser construção de alvenaria, com pintura em mau estado de conservação, com piso cerâmico, telhas de fibrocimento, com telas nas janelas, aproximadamente 220m2 e distante 5 metros da margem do rio (.). Tal construção pode ter suprimido vegetação ou está impedindo a recomposição da mesma (..). A construção está em local originalmente ocupada pela flora, o que provoca redução nos locais de refúgio, passagem e alimentação da fauna, porém o dano provocado é de pequena monta."

 

O Ministério Público Federal, em conjunto com o Parquet estadual, encaminhou oficio ao réu (fls. 103/105) para dar-lhe oportunidade de apresentar um plano de recuperação de área degradada - PRADE, porém não houve manifestação. Outrossim, relatou que o ora apelante ajuizou ação cautelar (n° 2006.60.06.000688-3) para obter a suspensão do auto de infração e termo de embargo, porém a liminar foi negada (fls. 116/120) e a sentença de improcedência foi confirmada por esta corte, com trânsito em julgado. Aduziu que a Prefeitura Municipal de Naviraí foi consultada (fl. 122) e informou (fl. 123) que não foi emitido alvará de construção, não tem habite-se e não está cadastrada em nome do réu. Por fim, destacou que, à vista do descumprimento do embargo do imóvel e de que a cautelar não obteve êxito, foi requisitada ao IBAMA a lacração de diversas propriedades, entre as quais a dos autos, o que foi realizado no período de 06 a 08 de agosto de 2008, com o apoio da Polícia Federal.

 

Consideradas tais circunstâncias, pugnou o MPF, em sua exordial, fossem condenados os réus à recuperação da APP (florestamento), mediante a retirada das construções e impermeabilizações, plantio e manutenção, sob supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação - PRADE, coibida toda atividade lesiva, bem como ao pagamento de indenização não inferior a quinze mil reais, correspondente aos danos ambientais, além de multa diária para o caso de descumprimento, custas e honorários. Foi também requerida a intimação da União e do IBAMA para manifestarem eventual interesse em integrar a lide.

 

A liminar foi postergada para após a citação e acabou por não ser apreciada.

 

O réu foi citado e contestou (fls. 200/212).

 

Intimados, a União e o IBAMA requereram o ingresso no polo ativo (fls. 228/229 e 242, respectivamente), o que foi deferido (fl. 245).

 

O Parquet impugnou a contestação às fls. 247/252, bem como o IBAMA às fls. 259/266.

 

O réu requereu a utilização de prova pericial emprestada do Processo n° 2009.60.000824-8, o que foi deferido à fl. 308. O autor, entretanto, sustentou o não cabimento, dado que não participou do referido feito. Assim, o magistrado reconsiderou a decisão anterior e deferiu a produção de prova pericial (fls. 343/344), ocasião em que também determinou ao MPF a antecipação dos honorários do expert, contra a qual foi interposto agravo de instrumento e posteriormente retratada (fl. 349).

 

O magistrado realizou inspeção judicial, cujo relatório consta às fls. 318/322 e, relativamente ao réu, constatou o seguinte:

 

"Após a casa do Victor, há uma casa de alvenaria de aproximadamente setenta metros quadrados pertencente a Laerte Barrinuevo. Segundo informou o Sr. David, foi construída pelo filho do Sr. João Siano de Campos, Sr. Noel Siano de Campos. Noel morava nessa casa, que depois vendeu para o Sr. Laerte. Laerte não morou na casa, ocupava apenas quando vinha pescar."

 

Em seguida à apresentação dos quesitos das partes, foi juntado laudo pericial às fls. 420/428, o qual foi complementado às fls. 447/461 a pedido do Parquet. Sobre o parecer houve manifestações do IBAMA (fls. 432/434), do réu (fls. 438/442 e 468/473) e do MPF (fls. 431 e 465/466).

 

Por meio da sentença (fls. 475/489) a ação foi julgada parcialmente procedente, nos termos reproduzidos no relatório, que apenas deixou de acolher o pedido de indenização por dano ambiental.

 

Foram interpostos apelo do réu e recurso adesivo do MPF, ora trazidos a julgamento.

 

4 - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

 

A proteção ao meio ambiente (artigo 1°, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:

 

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e  prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade devida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e aflora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2° Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3° - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4° - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais."

 

A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF188). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.

 

A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis n° 4.771/1965 e n° 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto n° 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei n° 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1° e 2°, Lei n°6.938/1981).

 

A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei n° 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.

 

De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5°, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF188), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1°, do Código Civil:

 

"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1°. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, aflora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

 

A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4°, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1°, ambos da citada Lei n°6.938/1981, além do artigo 2° do atual Código Florestal, verbis:

 

Lei n°6.938/1981

"Art. 4°- A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(omissis)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."

"Art. 14. (omissis)

§ 1°. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

 

Lei n°12.651/2012

"Art. 2°. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1°. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do §

1° do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais."

 

De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.

 

O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei n° 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2°, § 2°, que: "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural".

 

Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.

 

A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei n° 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:

 

"Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

 

"Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: (Incluído pela Lei n°11.428, de 2006).

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

 

"Art 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."

"Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente."

"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6°:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX- suspensão parcial ou total de atividades;

X- (VETADO)

XI - restritiva de direitos."

 

Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8°, VII, da Lei n°6.938/1981.

 

Para o caso em análise, vale também mencionar a Resolução CONAMA n° 303/2002, a qual reitera o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixa limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:

 

Lei n°4.771/1965

"Art. 1°. (.)

§ 2°. Para os efeitos deste Código, entende-se por:

(...)

II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2° e 3° desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (..)"

"Art. 2°. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

(...)

3- de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 metros; (redação original)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (redação dada pela Lei n°7.803, de 18.07.1989)

5- de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

"Art. 4°, § 1°. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."

Resolução CONAMA n°303/2002:

"Art. 3° Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:

a) trinta metros, para o curso d'água com menos de dez metros de largura;

b) cinquenta metros, para o curso d'água com dez a cinquenta metros de largura;

c) cem metros, para o curso d'água com cinquenta a duzentos metros de largura;

d) duzentos metros, para o curso d'água com duzentos a seiscentos metros de largura;

e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura; (...)"

Lei n°12.651/2012

"Art. 4°. Considera-se Área de Preservação Permanente em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: (...)

1 - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efémeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (...)

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; "

(destaques aditados)

 

Relativamente à referida resolução CONAMA, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADPF nºs 747, 748 e 749, declarou a inconstitucionalidade da Res. CONAMA nº 500/2020 e restaurou a vigência e eficácia das Resoluções CONAMA 284/2001, 302/2002 e 303/2002, reconhecendo que: "O conteúdo normativo veiculado na Resolução CONAMA nº 303/2002 é plenamente assimilável ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, titularizado por toda a coletividade e cuja defesa, preservação e restauração são deveres do Poder Público. Sua revogação, nesse contexto, distancia-se dos objetivos definidos no art. 225 da Constituição, tais como explicitados na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), baliza material da atividade normativa do CONAMA. Caracteriza-se como verdadeiro retrocesso relativamente à satisfação do dever de proteger e preservar o equilíbrio do meio ambiente". Nesse mesmo julgado a Corte Suprema consignou que: "Ao fixar parâmetros mínimos de proteção de um direito fundamental, a Lei nº 12.651/2012 não impede que as autoridades administrativas ambientais, mediante avaliação técnica, prevejam critérios mais protetivos. O que não se pode é proteger de forma insuficiente ou sonegar completamente o dever de proteção. No modelo adotado pela Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecidas pela legislação os parâmetros mínimos de proteção, às autoridades integrantes do SISNAMA, e notadamente ao CONAMA, compete, por expressa autorização legal (Lei nº 6.938/1981), a supressão de eventuais lacunas e a complementação da legislação de regência, respeitados (i) o conteúdo material da proteção constitucional, (ii) os patamares mínimos de proteção previstos em lei, (iii) imperativos de ordem técnica, (iv) a vedação da proteção insuficiente e (v) o dever de levar em consideração as necessidades das presentes e futuras gerações. Bem compreendida, a Lei nº 12.651/2012 apresenta condições mínimas de parametrização das áreas de preservação permanente. Não ostenta necessariamente, todavia, eficácia preemptiva de atividade normativa do órgão ambiental que, no exercício legítimo de competência outorgada pelo legislador, venha a impor, com base em critérios técnicos, controles mais rígidos." Não se sustenta, assim, qualquer argumento que questione a aplicabilidade e a legalidade das regras em questão. 

 

O Código Florestal de 1934 (Decreto n° 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei n°4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado de tal espaço, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social, os quais foram anteriormente reproduzidos no item III.

 

No mesmo sentido dos dispositivos referidos há ainda a Lei n° 9.433/97 (institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1° da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei n° 7.990, de 28 de dezembro de 1989) e a Resolução CONAMA n° 369/2006 (Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Arca de Preservação Permanente- APP).

 

As normas mencionadas, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.

 

De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equivoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Alvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116). Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça já assentou a inaplicabilidade da teoria do fato consumado em matéria ambiental, porquanto equivale a perpetuar e a perenizar o direito de poluir, como se adquirido fosse, o que vai de encontro ao postulado constitucional do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida. Nesse sentido : AgRg no REsp 1.497.346/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.11.2015; AgInt no REsp 1.389.613/MS. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 27.6.2017; AgRg no REsp 1.491.027/PB, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.10.2015; Resp 1.394.025/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.10.2013; AgInt no REsp 1.381.085/MS, Ministro Og Fernandes, Segunda Turma. DJe 23.8.2017.
Esse entendimento foi inclusive consolidado na Súmula 613/STJ: "Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental".

 

5 - DA RESPONSABILIZAÇÃO DO RÉU PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL

 

Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.

 

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade especifica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

 

Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.

 

Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.

 

A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressa e excepcionalmente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:

 

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPARIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCIPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ.

1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos 9, bar e restaurante construidos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem com inatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR

2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e ,¢ I°, I, da Constituição Federal.

3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.

4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto).

5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL

6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo  ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP.

7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir. 8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado. HIPÓTESE DOS AUTOS

9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos. os efeitos da suspensão de oficio da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de oficio da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas.

10. Recurso  Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração. (destaques aditados)

(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., Die 13/06/2013).

 

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional que se protrai no tempo, porquanto continua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação.

 

In casu, o local sub judice, como visto, na margem direita do Rio Paraná, região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, configura área de preservação permanente, seja nos termos do artigo 2°, alínea "a", item 5, da Lei n° 4.771/1965, na redação da Lei n° 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração, seja do Código Florestal vigente (artigo 4°, I, "e", da Lei n° 12.651/2012), bem como do artigo 3°, I, "e", da Resolução CONAMA n°303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo o laudo pericial, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel (fl. 423, quesito 1).

 

Consoante ainda o parecer do expert do juízo, o terreno do rancho está inteiramente inserido em área de preservação permanente. Vedada, portanto, qualquer intervenção em toda ela, na qual, todavia, verificou-se a existência de edificação de cerca de 150m2, além de rampa de acesso para barcos, bem como a supressão e o impedimento de regeneração de 350m2 da vegetação e utilização de fossa negra para coleta do esgoto.

Relativamente à questão da aplicação do Tema 1010 do STJ, in casu, aquela corte entendeu que:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA A ESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, I, DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI N. 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D'ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA.

1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).

2. Discussão dos autos: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato de Secretário Municipal questionando o indeferimento de pedido de reforma de imóvel derrubada de casa para construção de outra) que dista menos de 30 (trinta) metros do Rio Itajaí-Açu, encontrando-se em Área de Preservação Permanente urbana. O acórdão recorrido negou provimento ao reexame necessário e manteve a concessão da ordem a fim de que seja observado no pedido administrativo a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979), que prevê o recuo de 15 (quinze) metros da margem do curso d´água.

3. Delimitação da controvérsia: Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea "a", da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.

4. A definição da norma a incidir sobre o caso deve garantir a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/1988, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade.

5. O art. 4º, caput, inciso I, da Lei n. 12.651/2012 mantém-se hígido no sistema normativo federal, após os julgamentos da ADC n. 42 e das ADIs ns. 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937.

6. A disciplina da extensão das faixas marginais a cursos d'água no meio urbano foi apreciada inicialmente nesta Corte Superior no julgamento do REsp 1.518.490/SC, Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 15/10/2019, precedente esse que solucionou, especificamente, a antinomia entre a norma do antigo Código Florestal (art. 2º da Lei n. 4.771/1965) e a norma da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976), com a afirmação de que o normativo do antigo Código Florestal é o que deve disciplinar a largura mínima das faixas marginais ao longo dos cursos d'água no meio urbano. Nesse sentido: Resp 1.505.083/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, Dje 10/12/2018; AgInt no REsp 1.484.153/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19/12/2018; REsp 1.546.415/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 28/2/2019; e AgInt no REsp 1.542.756/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 2/4/2019.

7. Exsurge inarredável que a norma inserta no novo Código Florestal (art. 4º, caput, inciso I), ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, sendo especial e específica para o caso em face do previsto no art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1976, é a que deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, III, da CF/1988), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano.

8. A superveniência da Lei n. 13.913, de 25 de novembro de 2019, que suprimiu a expressão “[...] salvo maiores exigências da legislação específica.” do inciso III do art. 4º da Lei n. 6.766/1976, não afasta a aplicação do art. 4º, caput, e I, da Lei n. 12.651/2012 às áreas urbanas de ocupação consolidada, pois, pelo critério da especialidade, esse normativo do novo Código Florestal é o que garante a mais ampla proteção ao meio ambiente, em áreas urbana e rural, e à coletividade.

9. Tese fixada - Tema 1010/STJ: Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. 10. Recurso especial conhecido e provido. 11. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

Pois bem, primeiramente é preciso que fique claro que não há qualquer alegação do réu no sentido de caracterizar a área como urbana consolidada, inclusive porque seria totalmente divergente da descrição do laudo pericial acostado à fl. 180 do id 203948040:

a) Do acesso ao local:

O local visitado pelos signatários está a uma distância de 60 km (sessenta quilómetros) da Cidade de Naviraí/MS, acesso por estrada sem asfalto, na localidade de Porto Caiuá, conforme mapa indicativo (Imagem 01) sobre imagem de satélite com rastreamento obtido utilizando-se GPS de navegação Garmin 12. (id 203948040, fl. 180 do Pje)  (destaque aditado)

 

Evidentemente, portanto, a área em questão não se enquadra como "urbana consolidada", o que afasta a aplicação da tese do representativo da controvérsia ao presente caso. De qualquer modo, ainda que se admitisse tal caracterização, nos termos do Código Florestal vigente, à luz da interpretação do STJ, haveria que se respeitar a APP delimitada no seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, vale dizer, a faixa que varia de 30 a 500 metros, segundo a largura do curso d’água, que, in casu, corresponde à última mencionada.

 

6- DA DEFESA DO APELANTE NO RECURSO

 

Cabe examinar os argumentos de defesa do réu, que são, em suma, os seguintes:

a) deve ser levada em conta a razoabilidade e a proporcionalidade, dado que a ocupação da área em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei n° 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 4°, Decreto n° 23.793/34) não delimitava área de proteção;

b) há que se observar isonomia, pois imóveis próximos não sofreram ação ministerial;

c) é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei n° 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;

d) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6° da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;

e) a demolição é medida desproporcional, consoante a jurisprudência.

 

Primeiramente, é preciso que fique claro que alegação de que houve mera reforma da casa de madeira originalmente existente não encontra amparo na prova dos autos. Ao contrário, o perito, ao responder o quesito do próprio recorrente nesse sentido, foi categórico:

 

"I) a construção atual é (ou pode ser) uma reforma troca de madeira por alvenaria da construção já existente nas décadas de 1940/1950/1960?

Não há indícios de reforma, os indícios são de construção recente de +1- 07 anos (slide 02, anexo)."

 

O apelante apenas remete genericamente às origens da ocupação da área para afirmar que a edificação é anterior ao Código Florestal de 1965, sem qualquer evidência concreta relativamente ao seu imóvel, o que obviamente não é suficiente para elidir o exame técnico. O fato de que na região existem edificações de madeira tampouco legitima o argumento.

 

A afirmação de violação à isonomia em virtude de, supostamente, vizinhos não terem sido acionados pelo MPF foi bem enfrentada pelo juiz de primeiro grau:

 

"Por outro lado, a circunstância de existirem outras construções na mesma área não legitima a conduta do réu; ao revés, corrobora a extensão e a potencialidade do dano que pode se formar caso legitimadas condutas similares. Nesse aspecto, cabe frisar a existência de outras demandas, tanto cíveis como criminais, no âmbito deste Juízo federal impugnando construções imobiliárias na região de APP do Porto Caiuá."

 

Não bastasse, a própria inspeção judicial enumerou 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário (fls. 318/319) na região, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não se cogita, portanto, de qualquer discriminação ou perseguição ao réu, que teve ampla oportunidade de defesa na via administrativa, neste feito e por meio da ação cautelar que ajuizou anteriormente.

 

Com relação à invocação do artigo 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, de modo a possibilitar sua continuidade:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RANCHO DE PESCA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. USO NÃO COMERCIAL INCONTROVERSO. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE TURÍSTICA.
IMPOSSIBILIDADE. USO PARA O LAZER PRIVADO. CASA DE VERANEIO. EXCEÇÃO DO ART. 61-A DO CÓDIGO FLORESTAL. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Sendo incontroverso nos autos, mediante afirmação do próprio agravado, não ser o imóvel destinado a uso comercial, a natureza turística do bem configura questão de direito, afastando a incidência da Súmula 7/STJ ("A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial").

2. No âmbito jurídico e de políticas públicas, a caracterização do turismo pressupõe o desenvolvimento de atividades econômicas, não podendo ser confundido ou igualado com o mero lazer privado do proprietário do imóvel.

3. A jurisprudência desta Corte repudia a inclusão nas exceções do art. 61-A do Código Florestal de casas de veraneio, equiparáveis ao rancho de pesca particular do caso em análise.

4. A supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente foi reconhecida pela origem, sendo forçosa a demolição do imóvel irregular e a indenização integral do dano ambiental, tanto permanente quanto intercorrente, em valores a serem apurados individualmente em liquidação.
5. Agravo interno provido.

(AgInt no REsp 1884722/MS; Rel. Min. Afrânio Vilela; Segunda Turma; j. em 26/08/2024)  (destaque aditado)

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. CASA DE VERANEIO. MARGEM DE RIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FATO CONSUMADO. INAPLICABILIDADE EM MATÉRIA AMBIENTAL. SÚMULA 613/STJ. ÁREA NON AEDIFICANDI.

1. Não ocorreu ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022 do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos; não se pode, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
2. A conclusão da instância ordinária dissentiu da iterativa jurisprudência desta Corte, consubstanciada na Súmula n. 613: "Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental".
3. A APP é caracterizada como faixa de terreno onde é vedada a construção, cuja exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana se dão de forma totalmente excepcional e em numerus clausus, somente nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei, mediante rigoroso procedimento de licenciamento administrativo.
4. Agravo interno não provido.

(AgInt nos EDcl no AREsp 1769681 / MS; Rel. Min. Sérgio Kukina; Primeira Turma; j. 11/09/2023)

 

AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES EM MARGEM DE RIO. CASA DE VERANEIO. REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA RESTABELECER SENTENÇA. NÃO INCIDÊNCIA DE EXCEÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO FLORESTAL.

I - A existência de jurisprudência dominante desta Corte Superior sobre a matéria autoriza o improvimento do recurso especial por meio de decisão monocrática, estando o principio da colegialidade "[..] preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados. Precedentes." (AgInt no REsp 1.336.037/RS, ReL Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em I°/12/2016, DJe 6/2/2017), nos termos do enunciado n. 568 da Súmula do STJ e do art. 255, § 4°, do RISTJ, c/c o art. 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015.

II - Trata-se de ação civil pública promovida pelo ora recorrente com o objetivo de condenar o recorrido (a) a desocupar, demolir e remover as edificações erguidas em área de preservação permanente localizada a menos de cem metros do Rio Ivinhema, (b) a abster-se de promover qualquer intervenção ou atividade na área de preservação permanente, (c) a reflorestar toda a área degradada situada nos limites do lote descrito na petição inicial.

III - A sentença foi pela procedência, subindo o feito ao Tribunal de origem por conta de apelação do particular, que obteve êxito com a reforma imposta no acórdão impugnado, em cuja motivação nota-se que, apesar de concluir que algumas edificações foram promovidas em área de preservação permanente, causando supressão da vegetação local – o que violaria a legislação ambiental -, o Tribunal de origem reconheceu que a situação encontrava-se consolidada, concluindo, assim, por serem descabidos a desocupação, a demolição de edificações e o reflorestamento da área. Reconheceu, ainda, a possibilidade de se aplicar o art. 61-A do Novo Código Florestal, ao caso dos autos.

IV - Assim como ocorreu em precedente relatado pela Ministra Eliana Calmon, também a presente demanda vem ao Superior Tribunal de Justiça. Isso porque o Tribunal de origem, mesmo reconhecendo que as casas de veraneio estavam construídas em área de preservação permanente e que, para tal, promoveram a "supressão da vegetação local", concluiu que não era dado impor ao recorrido o dever de reparar o dano causado, à conta de a situação consolidar-se no tempo e de que o art. 4°, § 3°, da Lei n. 4.771/1965 possibilitava o resguardo da prática de atividades de interesse social desde que não descaracterizassem a cobertura vegetal e não prejudicassem a função ambiental da área.

V - O simples fato de ter havido a consolidação da situação no tempo não torna menos ilegal toda essa quadra.

VI - Teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar, a perenizar um suposto direito de poluir que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, assim como é repelido pela nossa jurisprudência e pela da mais alta Corte do país. Precedentes: RE 609748 AgR, Relator(a): Mia Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-175 Divulg 12-09-2011 Public 13-09-2011 Ement VOL-02585-02 PP-00222; REsp 948.921/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009.

VII - Há de salientar-se ainda que as exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 6I-A a 65 do Código Florestal, dentre as quais não se insere a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como decidido noutro feito: REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/6/2013, DJe 28/6/2013.

VIII - Correta, portanto, a decisão monocrática ao dar parcial provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional recorrido, restabelecendo os termos da sentença.

IX- Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1495757 / MS; Rel. Min. Francisco Falcão; j. em 06/03/2018) (destaque aditado)

 

Equivocada a interpretação que o apelante faz do artigo 6° da CF. Os direitos sociais à moradia e ao lazer não são incompatíveis tampouco prevalecem em relação à garantia do inciso XXIII do artigo 5° da Carta Magna de que a propriedade deve atender à sua função social, na qual se inclui resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.

 

Por fim, conforme já mencionado anteriormente, descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.

 

Assim, deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, seja sob a perspectiva da Lei n° 4.771/1965, seja do Código Florestal vigente, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia edificada em área de preservação permanente. A obra que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normalização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.

 

7. DA INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS

 

O único pleito inicial não acolhido pelo juízo de primeiro grau foi a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, contra o que se insurgiu o Parquet no recurso adesivo e é objeto do reexame necessário.

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o alçar das construções. Trata-se de conduta infracional, que se protrai no tempo, porquanto continua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Como bem argumentou o Ministério Público Federal, a jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4°, VII, E 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3° DA LEI 7.347/1985. PRINCIPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5° DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1.Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dublo pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3° da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difluo do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do

imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(STJ; REsp n° I 145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2° Turma; Dje 04/09/2012) (destaque aditado)

 

 

Esse entendimento foi inclusive consolidado por aquela corte superior na Súmula nº 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.

 

No caso dos autos, a perícia confirmou que a ocupação irregular impede a regeneração da vegetação na APP:

 

25- As edificações e as demais formas de ocupação estão impedindo a regeneração da vegetação de preservação permanente? Em caso positivo, estime a área em que a regeneração da vegetação está sendo impedida.

Sim, +/- 350 m 2.

(id 203948041, pag. 2 do Pje)

 

Os danos pretéritos, consumados durante o período de ocupação irregular em que houve a degradação da área protegida, não serão suficientemente revertidos pela recomposição do prejuízo ambiental causado durante todo o período de intervenção antrópica. Nesse sentido, destaco mais precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

 

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIOPAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a “ratio essendi” da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer).

4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.

5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidorpagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).

6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação “in integrum”.

7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo.

9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.

10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário ), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes.

12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).

13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros).

14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013.)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS AMBIENTAIS INTERCORRENTES. OCORRÊNCIA.

1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração.

 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos. 3. Considerando-se a inversão do ônus probatório em matéria ambiental, deve o réu comprovar a inexistência de tais elementos objetivos. A presunção opera em favor do fato presumido, somente se afastando diante de razões concretas.

4. O dano intercorrente não se confunde com o dano residual. O dano ambiental residual (permanente, perene, definitivo) pode ser afastado quando a área degradada seja inteiramente restaurada ao estado anterior pelas medidas de reparação in natura. O dano ambiental intercorrente (intermediário, transitório, provisório, temporário, interino) pode existir mesmo nessa hipótese, porquanto trata de compensar as perdas ambientais havidas entre a ocorrência da lesão (marco inicial) e sua integral reparação (marco final).

5. Hipótese em que o acórdão reconheceu a ocorrência de graves e sucessivas lesões ambientais em área de preservação permanente (APP) mediante soterramento, entulhamento, aterramento e construção e uso de construções civis e estacionamento, sem autorização ambiental e com supressão de vegetação nativa de mangue, restinga e curso d'água.

6. Patente a presença de elementos objetivos de significativa e duradoura lesão ambiental, configuradora dos danos ambientais morais coletivos e dos intercorrentes. As espécies de danos devem ser individualmente arbitradas, na medida em que possuem causas e marcos temporais diversos.

 7. Recurso especial provido para reconhecer a existência de danos ambientais morais coletivos e danos ambientais intercorrentes, com valor compensatório a ser arbitrado em liquidação.

 (REsp n. 1.940.030/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 6/9/2022.)

 

Em consequência, cabível não só a restauração ambiental, como de igual modo o pagamento de indenização pecuniária, porque dita condenação "cumpre dois objetivos principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima (o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor ou de terceiros" (Edis Milaré, Direito do Ambiente - A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT, 2007, p. 818). Diga-se, outrossim, que a restauração busca assegurar o reequilíbrio ecológico para efeitos futuros, ao passo que a indenização tem por escopo a reparação dos malefícios causados ao meio ambiente ao longo do tempo passado, em decorrência do uso ilegal da APP, que, no caso dos autos, remonta a mais de duas décadas.

 

Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacifico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3°, INC. IV E ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZA CÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENCA - INSURGENCIA RECURSAL DA PARTE RE. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1°, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. 

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido."

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014) (destaques aditados)

 

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATICIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP N° I.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/571. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. Mi TÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, ReL Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3° Turma, Rel. MM. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2° Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag I.175.802/MG, 5° Turma, Rel. Min. Laurita Voz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP,  1° Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010: 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que:  'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda': Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

 

8. CONCLUSÃO

 

Considerado o todo consignado - elementos probatórios dos autos apontados, legislação norteadora do tema e correlata doutrina - verifica-se comprovada a atuação ilegítima do requerido, consistente na manutenção de rancho de lazer e respectiva estrutura em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente acima apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado, com todas suas consequências, tais como a imposição de demolição, a restauração e a indenização.

 

9. DO DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, nego provimento ao apelo do réu e dou provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento, mantida a sentença, no mais.

É como voto.



Autos: APELAÇÃO CÍVEL - 0000490-75.2010.4.03.6006
Requerente: LAERTE BARRINUEVO e outros
Requerido: LAERTE BARRINUEVO e outros

 

Ementa: Direito administrativo e outras matérias de direito público.  Ambiental. Rancho. APP. Apelação e recurso adesivo. Reexame necessário. cabimento. Apelo desprovido. Recurso adesivo e reexame necessário providos.

I. Caso em exame

1. Apelação interposta por LAERTE BARRINUEVO e recurso adesivo do Ministério Público Federal contra sentença que julgou procedente em parte ação civil pública ajuizada para que fosse desocupada e restaurada área de preservação permanente, além do pagamento de indenização pelo dano coletivo. 

II. Questão em discussão

2. Questiona-se a aplicação das regras que estabelcem a área de APP, à luz da proporcionalidade e da isonomia, considerada a época em que houve a intervenção, bem como o cabimento da indenização pelo dano ambiental.

III. Razões de decidir

3. Em sede de ação civil pública, é cabível o reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por analogia o art. 19 da Lei nº 4.717/65, em decorrência da interpretação harmônica do microssistema de tutela dos interesses difusos e coletivos. Precedentes do STJ.

4. A proteção ambiental detém status constitucional e os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia (art. 225, CF/88).

5. A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981). A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.

6. Da legislação em comento decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia. 

7. O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º,  que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial. 

8. As normas mencionadas se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo. Não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça já assentou a inaplicabilidade da teoria do fato consumado em matéria ambiental, porquanto equivale a perpetuar e a perenizar o direito de poluir, como se adquirido fosse, o que vai de encontro ao postulado constitucional do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida. Súmula 613/STJ: "Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental".

9. O desmatamento, ocupação ou exploração em área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva, entendimento pacífico em nossa jurisprudência pátria. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção. Precedentes do STJ. 

10. In casu, o local sub judice, como visto, na margem direita do Rio Paraná, região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, configura área de preservação permanente, seja nos termos do artigo 2°, alínea "a", item 5, da Lei n° 4.771/1965, na redação da Lei n° 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração, seja do Código Florestal vigente (artigo 4°, I, "e", da Lei n° 12.651/2012), bem como do artigo 3°, I, "e", da Resolução CONAMA n°303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo o laudo pericial, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel (fl. 423, quesito 1).

11. Relativamente à questão da aplicação do Tema 1010 do STJ, in casu, primeiramente é preciso que fique claro que não há qualquer alegação do réu no sentido de caracterizar a área como urbana consolidada, inclusive porque seria totalmente divergente da descrição do laudo pericial acostado à fl. 180 do id 203948040, o que afasta a aplicação da tese ao presente caso. De qualquer modo, ainda que se admitisse tal caracterização, nos termos do Código Florestal vigente, à luz da interpretação do STJ, haveria que se respeitar a APP delimitada no seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, vale dizer, a faixa que varia de 30 a 500 metros, segundo a largura do curso d’água.

12. Com relação à invocação do artigo 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, de modo a possibilitar sua continuidade.

13. Deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, seja sob a perspectiva da Lei n° 4.771/1965, seja do Código Florestal vigente, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia edificada em área de preservação permanente. A obra que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normalização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.

14. A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o alçar das construções. Trata-se de conduta infracional, que se protrai no tempo, porquanto continua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Como bem argumentou o Ministério Público Federal, a jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Entendimento consolidado na Súmula 629 do STJ.

15. Em consequência, cabível não só a restauração ambiental, como de igual modo o pagamento de indenização pecuniária, porque dita condenação "cumpre dois objetivos principais: dar uma resposta econômica aos danos sofridos pela vítima (o indivíduo e a sociedade) e dissuadir comportamentos semelhantes do poluidor ou de terceiros" 1. Diga-se, outrossim, que a restauração busca assegurar o reequilíbrio ecológico para efeitos futuros, ao passo que a indenização tem por escopo a reparação dos malefícios causados ao meio ambiente ao longo do tempo passado, em decorrência do uso ilegal da APP, que, no caso dos autos, remonta a mais de duas décadas.

16. Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacifico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973).

IV. Dispositivo e tese

17. Apelação do réu desprovida. Providos o recurso adesivo e o reexame necessário, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização pelo dano coletivo, a ser fixada em sede de liquidação. 

 

 

1.Edis Milaré, Direito do Ambiente - A Gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. São Paulo. RT, 2007, p. 818)


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo do réu e dar provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento, mantida a sentença, nos termos do voto Juiz Fed. Conv. ROBERTO JEUKEN (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Conv. ROBERTO JEUKEN) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ROBERTO MODESTO JEUKEN
JUIZ FEDERAL