Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025837-10.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: EDUARDO DE SOUSA TEIXEIRA, KATIA DE JESUS MATOS SOUSA

Advogado do(a) AGRAVANTE: CRISTIANE APARECIDA CURCIO ALVES MORAES DA COSTA - SP398417-A

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025837-10.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: EDUARDO DE SOUSA TEIXEIRA, KATIA DE JESUS MATOS SOUSA

Advogado do(a) AGRAVANTE: CRISTIANE APARECIDA CURCIO ALVES MORAES DA COSTA - SP398417-A

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator Cuida-se de agravo de instrumento interposto por EDUARDO DE SOUSA TEIXEIRA E KATIA DE JESUS MATOS SOUSA em face de decisão proferida em sede de Ação Ordinária movida contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

Sustenta a parte agravante, em síntese, a nulidade do procedimento administrativo instaurado pela instituição financeira com base na Lei nº 9.514/1997, ante a ausência de encaminhamento de notificação para purgação da mora e a falta de notificação das datas dos leilões designados.  Afirma, ainda, o preenchimento dos requisitos para concessão das benesses da gratuidade de justiça.

Foi deferido parcialmente o pedido de concessão de antecipação de tutela.

A parte agravada não apresentou contrarrazões.

É o relatório.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025837-10.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: EDUARDO DE SOUSA TEIXEIRA, KATIA DE JESUS MATOS SOUSA

Advogado do(a) AGRAVANTE: CRISTIANE APARECIDA CURCIO ALVES MORAES DA COSTA - SP398417-A

AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): De se ressaltar, inicialmente, que nenhuma das partes trouxe aos autos qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado quando da apreciação do pedido de antecipação da tutela recursal, nos termos da decisão por mim lavrada, que transcrevo:

Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida.

Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

Conforme o art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante.

Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá dar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997).

Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante.

A exemplo do procedimento de execução extrajudicial da dívida hipotecária previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, resta pacificado na jurisprudência a constitucionalidade do rito da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997, conforme se pode notar pelos seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa.

3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário.

4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF.

5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária.

6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira.

7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório.

8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor.

9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.

10. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020).

Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).

Sobre o lapso temporal para purgação da mora, a interpretação inicialmente firmada considerou a redação original do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que previa a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. Assim, o devedor-fiduciante podia purgar a mora em 15 dias após a intimação pessoal (art. 26, § 1º, dessa Lei nº 9.514/1997, ou até a assinatura do auto de arrematação do bem imóvel em leilão (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966), conforme orientação jurisprudencial do E.STJ (REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014).

Todavia, a Lei nº 13.465/2017 alterou a redação do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que passou a vigorar nos seguintes termos:

Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei:

(...) 

II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca.

Da nova redação do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997 (dada pela Lei nº 13.465/2017), ficou claro que contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia não são alcançados pelo significado de “procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”, encerrando a aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966.

Ao mesmo tempo, essa Lei nº 13.465/2017 introduziu o §2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, de tal modo que a purgação da mora deve se dar em 15 dias após a intimação pessoal, ou até a averbação da consolidação da propriedade, após o que restará ao devedor-fiduciante o exercício do direito de preferência (até da data do segundo leilão):

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

(...)

§ 2o-B.  Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.    

Em meu entendimento, a purgação da mora até a assinatura do termo de arrematação seria possível apenas para intimações pessoais do fiduciante (visando à purgação da mora) efetivadas antes do início da eficácia jurídica da Lei nº 13.465/2017 (DOU de 12/07/2017, em nada prejudicando retificação de 06/09/2017 e a republicação de 08/09/2017), após o que tal purgação somente é viável antes da consolidação da propriedade.

Todavia, reconheço que a orientação deste E. TRF da 3ª Região firmou-se em sentido diverso (ao qual me curvo em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios), definindo o momento em que o devedor manifesta sua vontade de purgar a mora (diretamente ao credor-fiduciário, ou mediante propositura de medida judicial) como marco temporal para aplicação da Lei nº 13.465/2017.

Vale dizer, se a manifestação de vontade do devedor-fiduciante foi feita durante a vigência da aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, o prazo para purgar a mora (pelo valor das parcelas em atraso, com acréscimos) é até o dia da lavratura do auto de arrematação; se essa manifestação de vontade foi feita já no período de eficácia jurídica da Lei nº 13.465/2017, o prazo para purgar a mora é até o dia da averbação da consolidação da propriedade. Nesse sentido, os seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região: 1ª Turma,  AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5019613-66.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 14/02/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/02/2019; 2ª Turma,  AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5016167-55.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020.

No caso dos autos, a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

“Vistos.

KÁTIA DE JESUS MATOS SOUSA e EDUARDO DE SOUSA TEIXEIRA propõem a presente ação pelo procedimento ordinário com pedido de tutela de urgência em face da Caixa Econômica Federal, para que seja reconhecida a nulidade do procedimento de execução extrajudicial de seu contrato de financiamento imobiliário.

Alegam que celebraram com a ré contrato de compra e venda e mútuo com obrigações e alienação fiduciária em fevereiro de 2022, obrigando-se a pagar o empréstimo correspondente em 360 prestações mensais.

Aduzem que deixaram de efetuar o pagamento das prestações, o que ensejou a execução extrajudicial. Alegam que tem intenção de purgar a mora, razão pela qual pleiteiam a suspensão da execução extrajudicial e de seus efeitos.

Afirmam que não foram devidamente notificados do procedimento de execução, devendo ser suspenso o agendado para meados de outubro de 2024.

Pedem, ainda, a condenação da CEF ao pagamento de indenização por danos morais.

Anexaram documentos.

Vieram os autos à conclusão.

DECIDO.

Em que pesem os argumentos expostos pelos requerentes na petição inicial, não vislumbro a presença dos requisitos necessários à concessão da tutela pleiteada.

Ao que consta dos autos, o contrato firmado pelos autores nada tem de abusivo ou ilegal, sendo na verdade eles que não cumpriram o quanto contratado.

Os autores admitem que se tornaram inadimplentes, o que levou ao início do procedimento de execução extrajudicial.

Os autores assumiram o compromisso de quitar o empréstimo em 360 parcelas, mas, ao que consta dos autos, não pagaram sequer 24.

Consta da matrícula do imóvel que foram notificados para purgar a mora, pelo CRI, quedando-se inerte.

Ocorreu a consolidação da propriedade na pessoa da CEF em junho de 2024 – ou seja, após a vigência das alterações trazidas pela Lei n. 13465/2017, que estabeleceu que a purgação da mora somente pode ocorrer até a consolidação da propriedade.

Após tal data, e ainda que o imóvel esteja no patrimônio da CEF, somente tem os mutuários direito de preferência na aquisição.

Tal preferência, vale mencionar, é para aquisição do imóvel, por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas (inclusive prêmios de seguro, encargos legais, tributos, e contribuições condominiais), ao ITBI e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito da consolidação, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, bem como ao pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel (inclusive custas e emolumentos), nos termos do §2º-B do art. 27 da Lei 9.514/97.

No que se refere à prévia notificação para leilão, verifico que os autores têm plena ciência da data, anexando inclusive o edital. Os leilões estão agendados para outubro de 2024 – ou seja, os autores deles têm plena ciência mais de 30 dias antes de sua realização.

Observo, ainda, que os autores emitiram a certidão da matrícula do imóvel em junho de 2024 – ou seja, há meses têm ciência de que a propriedade está consolidada.

Diante do exposto, ausentes os requisitos, indefiro o pedido de tutela.

Por fim, diante dos documentos anexados aos autos (notadamente a renda constante do contrato), verifico que a parte autora tem condições de arcar com as custas do presente feito sem prejuízo do seu sustento.

Assim, indefiro seu pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Em 15 dias, sob pena de extinção, regularizem os autores sua petição inicial

1.       anexando cópia integral do procedimento de execução extrajudicial, que pode ser obtido junto ao CRI;

2.       recolhendo as custas iniciais.

Int.”

Analisando os termos do contrato em litígio, observa-se que o imóvel objeto do financiamento imobiliário foi alienado à CEF em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Houve inadimplemento contratual, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária, em 28/06/2024 (id. 337685963 dos autos originários).

Consta, na averbação de consolidação da propriedade, que foi observado o procedimento do art. 26 da Lei nº 9.514/1997.  

Frise-se que a certidão feita pelo Oficial de Registro de Imóveis possui fé pública e, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu no presente caso.

Com relação à notificação acerca dos leilões, desde sua edição, cuidando de consolidação de propriedade, o art. 26, §3º da Lei nº 9.514/1997 já previa a correspondência (com AR) como meio alternativo a oficiais cartorários para informação do devedor-fiduciante. Por certo, esses mesmos meios também servem para informar o devedor-fiduciante sobre a realização de leilões do imóvel consolidado em favor do credor-fiduciário, de tal modo que a Lei nº 13.465/2017 apenas explicitou o mesmo regramento ao introduzir o § 2º-A no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, mencionando a comunicação por correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato (inclusive ao endereço eletrônico).

Ademais, reconheço que a juntada de documentos comprovando a prévia ciência de leilão é exigência formal e material para que o devedor exerça suas prerrogativas (dentre elas a eventual purgação da mora ou o direito de preferência). Contudo, a necessidade dessa comprovação não pode ser um fim em si mesmo, de tal modo que a juntada aos autos de documentos nesse sentido pode ser dispensada se houver inequívoca demonstração de o devedor ter sido devidamente informado pela CEF em relação aos leilões designados, notadamente quando essa conclusão for extraída da própria narrativa do devedor.

Pelas dinâmicas naturais de tempo, o ajuizamento de ação dias antes da realização de leilão induz à clara conclusão de a parte ter tido plena ciência desse ato em tempo hábil ao exercício de seu eventual direito (de purgação da mora ou de preferência). Nesses casos, o propósito material da comunicação prévia resta devidamente comprovado, razão pela qual a juntada aos autos do documento correspondente pode ser dispensada em favor da coerente avaliação do conjunto argumentativo e probatório.

Essa é a orientação do E.STJ para casos nos quais os devedores demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, ingressando com ação para suspensão da praça, de modo a indicar a inexistência de prejuízo (brocardo pas de nullité sans grief):

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL.CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. PURGA DA MORA. VALOR INSUFICIENTE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES.

1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ).

2. A Jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não se decreta a nulidade do leilão, por ausência de intimação pessoal, se ficar demonstrada a ciência inequívoca do agravante.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AgInt no AREsp 1463916/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019).

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. 1. NOTIFICAÇÕES DO ART. 31, IV, DO DECRETO-LEI N. 70/1966. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 2. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL ACERCA DA REALIZAÇÃO DO LEILÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SITUAÇÃO FÁTICA QUE NÃO AUTORIZA O PROVIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. 3. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O acolhimento da assertiva de não recebimento dos avisos de que trata o art. 31, IV, do Decreto-Lei 70/1966 enseja reexame de prova. Incidência da Súmula 7 do STJ.

2. A situação fática dos autos não autoriza o provimento do recurso, uma vez que os próprios agravantes demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, em razão de haverem ingressado com medida cautelar, da qual resultou a suspensão liminar da praça.

3. Não se decreta a nulidade, embora constatado o vício no ato processual, se não houver prejuízo, conforme brocardo pas de nullité sans grief, previsto em nosso ordenamento jurídico, especialmente nos arts. 249, § 1º, e 250, parágrafo único, do CPC/1973.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 606.517/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 28/03/2019).

In casu, a parte agravante ajuizou a ação subjacente em 05/09/2024, antes dos leilões extrajudiciais. Já em sua inicial, o recorrente pede a anulação das praças designadas para 14/10/2024 e 17/10/2024, juntando o respectivo edital (id. 337685965 dos autos originários). Restou demonstrado, portanto, que possuía ciência inequívoca de tal data.

Assim, a priori, não há ilegalidade na forma a ser utilizada para satisfação dos direitos da credora fiduciária, sendo inadmissível obstá-la de promover atos expropriatórios ou de venda, sob pena de ofender ao disposto nos artigos 26 e 27, da Lei nº 9.514/1997.

Indo adiante, o art. 5º, LXXIV, da ordem constitucional de 1988, assegura a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sendo dever do Estado prover os meios para que essa garantia fundamental se viabilize. Essa tarefa é desempenhada por Defensorias Públicas, pela advocacia dativa, núcleos de prática jurídica e vários outros meios que acolhem hipossuficientes para que a eles seja viabilizado o acesso à prestação jurisdicional.

A definição de elementos materiais (notadamente quantitativos) para definição daqueles que podem se servir da gratuidade é matéria cercada de divergências, mas também é certo que há montantes de renda e configurações patrimoniais que mostram o cabimento e o descabimento na concessão desse benefício. Por exemplo, se a pessoa está dentro de parâmetros para atendimento em Defensorias Públicas, por certo terá direito à gratuidade mesmo que se sirva de advocacia privada, o mesmo não se aplicando àquela que tem ganhos em torno do “teto” do Regime Geral de Benefícios da Previdência Social – RGPS (muito superior à média da renda nacional).

É verdade que a interpretação do art. 98 e do art. 99, ambos do CPC/2015, deu ensejo ao Tema 1178/STJ, cuja controvérsia está na adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural (tal como preceitua o art. 790, §3º, da CLT, ao dispor sobre 40% do limite máximo de benefícios do RGPS) ou na aferição segundo elementos concretos dos autos. Contudo, no Tema 1178/STJ não há determinação de sobrestamento de feitos que tramitem nas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

No caso dos autos, o juízo a quo, ao receber os autos, indeferiu a benesse da gratuidade de justiça, considerando apenas as informações constantes do processo.

Verifico, assim, que não foi oportunizada à parte agravante a juntada de documentos aptos a demonstrar a alegada hipossuficiência.

Entendo que, antes de indeferir o benefício da gratuidade judiciária e determinar o recolhimento das custas, deve ser concedida oportunidade à parte agravante para coligir elementos que demonstrem sua condição de hipossuficiente.

Nesse sentido, o seguinte julgado desta E. Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – OPORTUNIDADE PARA QUE O INTERESSADO POSSA DEMONSTRAR A AGITADA HIPOSSUFICIÊNCIA – EFEITO SUSPENSIVO PARCIALMENTE DEFERIDO – AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.

1 - O pedido de Assistência Judiciária Gratuita, ante a natureza do benefício, desde sua matriz constitucional, revela-se pacífico tenha o mesmo por grande destinatário as pessoas físicas, assim amoldadas ao figurino de necessitados.

2 - No caso concreto, o E. Juízo de Primeiro Grau sequer oportunizou que o polo privado ofertasse prova de sua condição financeira, a fim de que pudesse embasar a negativa da Gratuidade Judiciária.

3 - Aliás, requerendo a parte privada referido benefício, deve coligir elementos mínimos a evidenciar sua condição de pobreza, a fim de evitar situações como a presente.

4 - Logo, anteriormente à negativa do benefício, oportunidade deve ser concedida à parte requerente, para que demonstre sua condição de hipossuficiência.

5 – Agravo de Instrumento parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5021153-52.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 23/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/10/2019).

Posto isso, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de antecipação da tutela recursal, para que seja oportunizada a juntada de documentos pelos agravantes, na ação subjacente, visando à comprovação da hipossuficiência.”

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, para que seja oportunizada a juntada de documentos pelos agravantes, na ação subjacente, visando à comprovação da hipossuficiência.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA. LAPSO TEMPORAL.  REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. OPORTUNIZADA A DEMONSTRAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA.

- Sobre o lapso temporal para purgação da mora, a interpretação inicialmente firmada considerou a redação original do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que previa a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. Assim, o devedor-fiduciante podia purgar a mora em 15 dias após a intimação pessoal (art. 26, § 1º, dessa Lei nº 9.514/1997, ou até a assinatura do auto de arrematação do bem imóvel em leilão (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966), conforme orientação jurisprudencial do E.STJ.

- Da nova redação do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997 (dada pela Lei nº 13.465/2017), ficou claro que contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia não são alcançados pelo significado de “procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”, encerrando a aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966. Ao mesmo tempo, essa Lei nº 13.465/2017 introduziu o §2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, de tal modo que a purgação da mora deve se dar em 15 dias após a intimação pessoal, ou até a averbação da consolidação da propriedade, após o que restará ao devedor-fiduciante o exercício do direito de preferência (até da data do segundo leilão).

- Segundo orientação do E. TRF da 3ª Região, se a manifestação de vontade do devedor-fiduciário foi feita durante a vigência da aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, o prazo para purgar a mora (pelo valor das parcelas em atraso, com acréscimos) é até o dia da lavratura do auto de arrematação; se essa manifestação de vontade foi feita já no período de eficácia jurídica da Lei nº 13.465/2017, o prazo para purgar a mora é até o dia da averbação da consolidação da propriedade.

- O devedor-fiduciante ajuizou ação judicial em primeira instância depois da publicação da Lei nº 13.465/2017 (DOU de 12/07/2017)

- Em razão da alteração promovida pela Lei nº 13.465/2017, impossível a purgação da mora após a averbação da consolidação da propriedade.

- O art. 5º, LXXIV, da ordem constitucional de 1988, assegura a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sendo dever do Estado prover os meios para que essa garantia fundamental se viabilize. Essa tarefa é desempenhada por Defensorias Públicas, pela advocacia dativa, núcleos de prática jurídica e vários outros meios que acolhem hipossuficientes para que a eles seja viabilizado o acesso à prestação jurisdicional.

- A definição de elementos materiais (notadamente quantitativos) para definição daqueles que podem se servir da gratuidade é matéria cercada de divergências, mas também é certo que há montantes de renda e configurações patrimoniais que mostram o cabimento e o descabimento na concessão desse benefício. Por exemplo, se a pessoa está dentro de parâmetros para atendimento em Defensorias Públicas, por certo terá direito à gratuidade mesmo que se sirva de advocacia privada, o mesmo não se aplicando àquela que tem ganhos em torno do “teto” do Regime Geral de Benefícios da Previdência Social – RGPS (muito superior à média da renda nacional).

- É verdade que a interpretação do art. 98 e do art. 99, ambos do CPC/2015, deu ensejo ao Tema 1178/STJ, cuja controvérsia está na adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural (tal como preceitua o art. 790, §3º, da CLT, ao dispor sobre 40% do limite máximo de benefícios do RGPS) ou na aferição segundo elementos concretos dos autos. Contudo, no Tema 1178/STJ não há determinação de sobrestamento de feitos que tramitem nas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

- No caso dos autos, o juízo a quo sequer oportunizou à parte agravante a juntada de documentos aptos a demonstrar a alegada hipossuficiência.

- Antes de indeferir o benefício da gratuidade judiciária e determinar o recolhimento das custas, deve ser concedida oportunidade à parte agravante para coligir elementos que demonstrem sua condição de hipossuficiente.

- Agravo de instrumento parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, para que seja oportunizada a juntada de documentos pelos agravantes, na ação subjacente, visando à comprovação da hipossuficiência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL