RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001023-06.2022.4.03.6336
RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: CAROLINA VASCONCELOS DE BARROS SANTOS
Advogados do(a) RECORRENTE: CEZAR ADRIANO CARMESINI - SP296397-N, NADIA RANGEL KOHATSU - SP337670-N
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ECOVITA INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRIDO: CAROLINE ROSINELLI DE MORAES - SP389114-A, LIDIANE DE ABREU E SILVA - SP365048-A
Advogado do(a) RECORRIDO: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001023-06.2022.4.03.6336 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: CAROLINA VASCONCELOS DE BARROS SANTOS Advogados do(a) RECORRENTE: CEZAR ADRIANO CARMESINI - SP296397-N, NADIA RANGEL KOHATSU - SP337670-N RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ECOVITA INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA Advogados do(a) RECORRIDO: CAROLINE ROSINELLI DE MORAES - SP389114-A, LIDIANE DE ABREU E SILVA - SP365048-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001023-06.2022.4.03.6336 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: CAROLINA VASCONCELOS DE BARROS SANTOS Advogados do(a) RECORRENTE: CEZAR ADRIANO CARMESINI - SP296397-N, NADIA RANGEL KOHATSU - SP337670-N RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ECOVITA INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA Advogados do(a) RECORRIDO: CAROLINE ROSINELLI DE MORAES - SP389114-A, LIDIANE DE ABREU E SILVA - SP365048-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: LUIZ FERNANDO MAIA - SP67217-A
E M E N T A
VOTO-EMENTA
CÍVEL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. RECURSO ADESIVO DA CEF. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA. RECURSO DA CEF NÃO CONHECIDO.
1. Pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção do imóvel da parte autora.
2. Conforme consignado na sentença:
“I– RELATÓRIO
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, caput, da Lei nº 9.099/1995, cumulado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Considerando que a prova pericial produzida é suficiente para a formação da convicção deste juízo, sendo desnecessária a intimação do perito para complementar quesitos, passo ao julgamento do processo no estado em que se encontra, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
1. Ilegitimidade passiva da CEF quanto ao pedido de reparação de danos materiais decorrentes da má qualidade do serviço de instalação do equipamento biodigestor e a incompetência absoluta da Justiça Federal
Por ocasião do acordo entre o Ministério Público Federal, a Caixa Econômica Federal - CEF e a Ecovita Construtora e Incorporadora Ltda homologado nos autos da ação civil pública nº 5000806-77.2018.4.03.6117, em curso na 1ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, a cujo acordo a parte autora não aderiu, foi pontuado que a Justiça Federal não detinha competência material para processar e julgar a causa no tocante aos danos materiais porventura advindos da instalação do equipamento biodigestor nas unidades residenciais do empreendimento imobiliário Residencial Natale Spaulonci, por força do Compromisso de Ajustamento de Conduta avençado, em 11/10/2016, entre o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Município de Barra Bonita e a ECOVITA e o início da Pré-Operação da Estação de Tratamento de Esgoto, nos termos do Convênio Água Limpa nº 2018/11/00125-9 (Processo SSRH nº 1.211/13).
Do Compromisso de Ajustamento de Conduta celebrado nos autos do Inquérito Civil Público nº 14.0204.0001097/2016-5 depreende-se que a ECOVITA e o Município de Barra Bonita, na condição de compromissários, e o Ministério Público do Estado de São Paulo, na condição de compromitente, assumiram a obrigação de regularizar o sistema de tratamento de esgoto do loteamento Residencial Natale Spaulonci, a fim de evitar a emissão de efluentes gerados pelo referido loteamento em qualquer corpo d’água do município sem o devido tratamento.
Comprometeu-se a ECOVITA a fazer operar, às suas expensas, sistema próprio de tratamento de esgoto destinado a coletar e a tratar todo o efluente gerado pelo loteamento, consistente em 419 (quatrocentos e dezenove) fossas sépticas e filtros anaeróbicos individuais, de acordo com as Normas 7229/93 e 13969/97 da ABNT, para lançamento na rede pública coletora de esgotos, nos termos da licença prévia e de instalação emitida pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB. Obrigou-se, ainda, a efetuar o pagamento de indenização no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), cujo montante seria empregado na aquisição de manta protetora (PEAD) para instalação no aterro sanitário do Município de Barra Bonita.
Os documentos carreados aos autos fazem prova de que a ECOVITA cumpriu integralmente o Termo de Ajustamento de Conduta outrora avençado com o Ministério Público Estadual, sobrevindo atestado de conclusão emitido pela CETESB, acompanhado de Auto de Inspeção e de Licença de Operação de Loteamento, o que acarretou o arquivamento do inquérito civil público em 07/03/2017.
Portanto, a eventual inexatidão do cumprimento do Compromisso de Ajustamento de Conduta no que concerne à instalação de fossas sépticas e filtros anaeróbicos individuais (equipamento biodigestor) no loteamento, destinado a coletar e a tratar todo o efluente gerado pelo esgoto residencial, implica a execução do título extrajudicial, no bojo do qual foi estabelecida multa moratória no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de atraso, sem prejuízo de responsabilidade civil e criminal por danos ambientais, como reforço do cumprimento da obrigação de fazer imposta exclusivamente à ECOVITA.
Inexiste qualquer relação de direito material entre a parte autora e a Caixa Econômica Federal – CEF em relação a eventuais danos materiais oriundos da falha na execução do serviço de instalação e manutenção de fossas sépticas e filtros anaeróbicos individuais, na medida em que tal obrigação foi imposta exclusivamente à ECOVITA.
De mais a mais, o ato administrativo negocial perfectibilizado pela atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo decorrente de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado com a Prefeitura do Município de Barra Bonita e a empresa ECOVITA, envolvendo interesse individual homogêneo (moradores do loteamento Residencial Natale Spaulonci), autoriza o órgão ministerial, na condição de colegitimado, perante a Justiça Comum Estadual, executar o título extrajudicial, a fim de o causador do dano cumprir integralmente a obrigação.
Dessarte, além de a empresa pública federal ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da relação jurídica processual em razão da inexistência de pertinência subjetiva temática com as partes envolvidas na relação de direito material, a Justiça Federal é absolutamente incompetente para processar e julgar o pedido concernente à reparação de danos materiais oriundos da falha na execução dos serviços de instalação, conservação e manutenção do equipamento biodigestor.
2. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça é pacífica na aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo bancário (Súmula nº 297).
Nessa linha, repiso que o Colendo Superior Tribunal de Justiça também reconhece a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial - PAR, que tem como objetivo justamente o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, situação análoga aos contratos no âmbito do PMCMV (REsp 1.352.227/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 2/3/2015).
Portanto, as regras do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se aos contratos de financiamento vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação.
Superadas as questões preliminares, passo ao exame do mérito propriamente dito.
3. Mérito
3.1 Relação jurídica entre o mutuário, o agente financeiro e a empresa construtora
A Lei nº 11.977/2009 instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, iniciativa do governo federal que tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, abrangendo o Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU e o Programa Nacional de Habitação Rural - PNHR.
Nos termos do artigo 9º da citada Lei, a Caixa Econômica Federal qualifica-se como gestora de recursos do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), do Programa "Minha Casa, Minha Vida" (PMCMV).
A par disso, o artigo 24 da Lei 11.977/09 c/c artigo 25 do Estatuto do FGHab dispõe que a Caixa Econômica Federal é a administradora do Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHab.
O art. 20 da Lei nº 11.977/09, por sua vez, dispõe sobre o Fundo Garantidor da Habitação Popular –FGHab, nos seguintes termos:
Art. 20. Fica a União autorizada a participar, até o limite de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), de Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHab, que terá por finalidades:
I - garantir o pagamento aos agentes financeiros de prestação mensal de financiamento habitacional, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, devida por mutuário final, em caso de desemprego e redução temporária da capacidade de pagamento, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais); e (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
II - assumir o saldo devedor do financiamento imobiliário, em caso de morte e invalidez permanente, e as despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel para mutuários com renda familiar mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais). (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o As condições e os limites das coberturas de que tratam os incisos I e II deste artigo serão definidos no estatuto do FGHab, que poderá estabelecer os casos em que será oferecida somente a cobertura de que trata o inciso II. (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)
§ 2o O FGHab terá natureza privada e patrimônio próprio dividido em cotas, separado do patrimônio dos cotistas.
[...]
§ 6o O FGHab terá direitos e obrigações próprias, pelas quais responderá com seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem.
É sabido que, quando se trata de simples contrato de mútuo, não incluído no âmbito de programas governamentais, o papel da Caixa Econômica Federal restringe-se à condição de mera credora fiduciária, ao fornecer os valores necessários para saldar o pagamento do imóvel, sendo irresponsável pela integridade do imóvel e por eventuais vícios existentes na construção, uma vez que não participa da construção e nem se compromete a garantir a solidez e qualidade da obra. Todavia, não é este o caso dos autos.
Nos contratos de financiamento de imóveis incluídos no Programa Minha Casa, Minha Vida preveem a obrigatoriedade da CEF em entregar o imóvel em perfeitas condições de uso e conservação e, verificado vício, tem ela a obrigação de custear os devidos reparos.
Estabelece o contrato que o encargo mensal do mutuário é composto pela prestação de amortização e juros, taxa de administração, se devida, e comissão pecuniária FGHAB.
Dispõe, ainda, o instrumento contratual que a construtora deve comprovar, perante o agente financeiro, a contratação de Seguro Garantia Executante Construtor, Seguro de Riscos de Engenharia e Seguro Responsabilidade Civil do Construtor, os quais garantirão a conclusão das obras do empreendimento, a indenização decorrente de danos físicos nos imóveis, a indenização decorrente de responsabilidade civil do construtor e a cobertura de risco de engenharia. Veja-se que aludido seguro é de responsabilidade da empresa Ecovita Incorporadora e Construtora Ltda., que figura no contrato como interveniente construtora e entidade organizadora.
Colhe-se do instrumento contratual que o Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHAB tem a função de cobrir, parcial ou totalmente, o saldo devedor da operação de financiamento, nas hipóteses de morte do devedor; de invalidez permanente, ocorrida após a data de celebração da avença; de redução temporária de capacidade de pagamento e de desemprego; bem como o pagamento de despesas de recuperação relativas a danos físicos no imóvel. Veja-se, neste ponto, que o Fundo Garantidor da Habitação Popular foi concebido, dentre outros objetivos, para assumir o saldo devedor do financiamento imobiliário nas hipóteses mencionadas e as despesas relativas à recuperação por danos físicos ao imóvel, cabendo ao devedor apresentar a documentação exigida.
O Fundo Garantidor da Habitação Popular, administrado pela CEF (art. 25 do Estatuto da FGHab), no âmbito do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, faz as vezes do seguro mensal obrigatório, na medida em que assegura a quitação do saldo devedor quando sobrevier infortúnios ao mutuário (morte, invalidez e desemprego) ou ao imóvel (danos físicos).
Consoante o disposto no art. 3º do Estatuto da FGHab, aludido fundo é composto por recursos originários da União; dos agentes financeiros; dos rendimentos obtidos com aplicação das disponibilidades financeiras em títulos públicos federais e ativos com lastros de créditos de base imobiliária; e dos mutuários, visando a garantir o pagamento aos agentes financeiros de prestação mensal de financiamento habitacional, devida pelo mutuário, nos casos de desemprego, invalidez e danos físicos ao imóvel.
O art. 12 do Estatuto da FGHab é claro ao dispor que, para ter acesso às coberturas nos casos de invalidez e morte do mutuário ou danos físicos ao imóvel, o agente financeiro deverá recolher a comissão pecuniária mensal ao FGHab, em cada operação de financiamento habitacional, podendo repassar tal encargo ao mutuário, desde que não ultrapasse a 10% da prestação mensal.
Vê-se, portanto, que a comissão mensal pecuniária, vertida ao Fundo Garantidor da Habitação Popular, prevista na Lei nº 11.977/09 e disciplinada pelo Estatuto da FGHab, visa a garantir a estabilidade dos financiamentos imobiliários no âmbito do programa intitulado “Minha Casa, Minha Vida”, bem como proteger o mutuário nas hipóteses de doença incapacitante, morte e danos físicos ao imóvel financiado.
3.2 Responsabilidade civil objetiva da CEF e da ECOVITA
A seu turno, a relação jurídica posta em juízo tem natureza complexa, com contornos de programa político de habitação e mútuo para aquisição da casa própria, porquanto a Caixa Econômica Federal atua na qualidade de representante do FGHab e de agente financeiro mutuante, intervindo a construtora ECOTIVA na condição de entidade organizadora.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível haver responsabilidade da CEF por vícios de construção em imóveis adquiridos no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
A responsabilidade civil da CEF dependerá das circunstâncias em que se verifica sua intervenção no caso concreto: a) inexistirá responsabilidade da CEF, quando ela atuar como agente financeiro em sentido estrito; e b) existirá responsabilidade da CEF, quando ela como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, isto é, nas hipóteses em que tenha atuado, de algum modo, na elaboração do projeto, na escolha do terreno, na execução das obras (construção) ou na fiscalização das obras do empreendimento.
Desse modo, a responsabilidade solidária da CEF pelos vícios na construção e pela respectiva solidez e segurança do imóvel se restringe aos casos em que ela também desempenhar o papel de executora de políticas federais de promoção de moradia, casos em que assume responsabilidades próprias, definidas em lei, regulamentação infralegal e no contrato celebrado com os mutuários.
Os papéis desenvolvidos em parceria pela construtora e pelo agente financeiro poderão levar à vinculação de ambos ao negócio jurídico, acarretando na responsabilidade solidária. Nesse sentido: STJ: AgRg no REsp 1522725/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 22/02/2016: TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2213692 - 0003515-76.2013.4.03.6108, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 29/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2018.
Em casos em que se vindica indenização decorrente de fato danoso ocorrido em relação consumerista, entretanto, a responsabilidade é objetiva do prestador do serviço, relevando-se, assim, a inexigência do requisito da culpa. É o quanto prevê o artigo 3º, § 2º, da Lei n.º 8.078/1990, Código de Defesa do Consumidor, bem como seu artigo 14, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos”.
Além disso, o código Civil dispõe nos artigos 186, 927, 931 e 942 que:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.
A obrigação de indenizar nasce a partir da prática de um ato ilícito, cujos requisitos mínimos são: 1) a conduta (ação ou omissão); 2) o dano patrimonial ou moral (extrapatrimonial); 3) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
No caso dos autos, a questão consiste em examinar a responsabilidade da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) e da Construtora ECOVITA por danos materiais e morais em razão de diversos problemas advindos à residência adquirida pela requerente através do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, na forma da Lei nº 11.977/09.
Em resumo, quando a CEF atuar como agente fiscalizador de prazos e qualidade da obra, gerindo os recursos financeiros e técnicos juntamente com a construtora/incorporadora, interferindo diretamente na execução do projeto, deve responder, objetiva e solidariamente, com a construtora pela reparação dos danos causados em decorrência do exercício de sua atividade.
3.3 Responsabilidade civil do Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab)
Como outrora analisado, o Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab) é um fundo privado, constituído ao amparo da Lei nº 11.977, de 07/07/2009, com patrimônio próprio dividido em cotas, separado do patrimônio dos cotistas, sendo sujeito a direitos e obrigações próprias, cuja administração, gestão e representação judicial e extrajudicialmente compete à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF).
O art. 21 do Estatuto do FGHab, ao qual a Lei 11.977/2009 (§ 1º, art. 20) incumbiu definir as condições e os limites das coberturas do fundo em questão, possui a seguinte redação:
Art. 21. Não serão garantidos pelo FGHab as despesas de recuperação de imóveis por danos oriundos de vícios de construção, comprovados por meio de laudo de vistoria promovido pela Administradora ou, ainda, em danos com características repetitivas de ocorrências anteriormente garantidas sem que tenham sido tomadas, por quem de direito, as providências necessárias para impedi-las, e esta repetir-se no intervalo inferior a 3 anos desde a última ocorrência (grifei).
Em conformidade com tais dispositivos, o instrumento contratual estabelece que o Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab) não responderá pelas despesas de recuperação a danos físicos no imóvel quando decorrentes de uso e desgaste verificados exclusivamente em razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, ainda que cumulativamente, relativos a revestimentos, instalações elétricas, instalações hidráulicas, pintura, esquadrias, vidros, ferragens e pisos e, ainda, quando decorrentes de despesas de recuperação de imóveis por danos oriundos de vícios de construção comprovados por meio de laudo da vistoria promovido pela Administradora ou, ainda, em danos com características repetitivas de ocorrências anteriormente garantidas sem que tenham sido tomadas, por quem de direito, as providências necessárias para impedi-las, e esta repetir-se no intervalo inferior a 3 anos desde a última ocorrência.
Conforme se observa, a lei e o estatuto do FGHab excluem expressamente a cobertura de despesas por vícios de construção.
Não cabe ao Poder Judiciário ampliar ou distorcer as finalidades do Fundo Garantidor da Habitação Popular, pois estas possuem caráter estatutário (não se trata de perspectiva puramente consumerista), cuja intervenção, em contrariedade a norma expressa, implicaria risco de desequilíbrio sistêmico (afinal, o fundo deve arcar com seu próprio patrimônio face às obrigações definidas em estatuto) com prejuízo em potencial aos beneficiários que façam jus às coberturas legalmente previstas.
Ademais, os vícios de construção possuem a proteção da legislação civil e consumerista, de forma que, impor ao fundo a responsabilidade automática por vícios construtivos significaria socializar o ônus do construtor, que absorve privadamente o bônus de sua atividade econômica.
Prosseguindo, e a par do quanto entabulado no contrato, cumpre analisar a responsabilidade civil objetiva da Caixa Econômica Federal enquanto instituição financeira e não na qualidade de gestora/administradora do FGHab.
3.4 Danos materiais
A parte autora alega que adquiriu imóvel residencial localizado na Rua Leonora Miguel Penha Vilela, 274,Res. Natale Spaulonci,Barra Bonita, em 2016 por meio de financiamento habitacional do programa nacional de habitação urbana, com recursos do programa Minha Casa Minha Vida, efetuado com a ré CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), obra que foi construída pela ECOVITA Incorporadora e Construtora Ltda. Relata o autor que após a ocupação do imóvel iniciaram-se inúmeros problemas relacionados a vícios de construção no imóvel financiado.
O laudo pericial elaborado pelo perito judicial constatou a existência de vícios de projeto e construção no imóvel financiado (ID 326592158). O Sr. Perito concluiu que o imóvel vistoriado apresenta danos decorrentes de vícios de construção, cujo custo de recuperação estimou em R$ 6.939,83 (seis mil e novecentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos), mas não foi observada ocorrência de desabamento nem riscos iminentes desse evento. Esclareceu, ainda, que houve ampliação da área construída junto ao corpo primitivo do imóvel, mas não contribuiu para a ocorrência dos danos físicos constatados.
Destaca-se que nos autos da Ação Civil Pública nº 5000806-77.2018.4.03.6117, a ré ECOVITA executou obras de reparação de danos físicos ocasionados em 85 (oitenta e cinco) unidades imobiliárias, cujas anomalias são decorrentes de fissuras, infiltrações internas e externas, umidades, trincas nas paredes e no teto, além de danificações de pisos e esquadrias metálicas e de madeira.
Ressalte-se que o perito judicial realizou diversas perícias nos imóveis localizados no Residencial Natale Spaulonci, na cidade de Barra Bonita/SP, e os valores encontrados neste feito são condizentes com os demais, bem como encontram-se justificados por meio de critérios técnicos.
Os percentuais indicados pelo perito judicial se encontram em consonância com as condições particulares do imóvel vistoriado, tendo sido fixados a partir de análise individualizada de cada unidade habitacional, não se podendo adotar percentuais de danificação genéricos para todos os imóveis.
Em linhas gerais, o laudo pericial, subscrito por assistente de confiança deste Juízo e fundamentado em critérios técnicos, merece ser acolhido, ainda que o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia técnica, podendo, com base no art. 479 do Código de Processo Civil (artigo 436 do CPC/73), formar livremente seu convencimento, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, não se pode negar que o laudo pericial, desde que bem fundamentado e elaborado de forma conclusiva, constitui importante peça no conjunto probatório, não podendo o seu conteúdo ser desprezado pelo julgador.
Assim, das provas coligidas aos autos, verifica-se que o laudo pericial foi claro ao atestar os danos físicos no imóvel e tais danos decorrem basicamente do baixo padrão da construção e, consequentemente, dos materiais utilizados e da mão de obra empregada.
Logo, suficientemente provados os danos e as causas verificadas no imóvel, de sorte que a reparação é medida imperiosa.
No que tange ao pedido de reparação pelos gastos com aluguel devido a desocupação do imóvel para reforma, indefiro-o.
Nesse ponto, a parte não se desincumbiu do ônus probatório, na forma do inciso I do art. 373 do Código de Processo Civil, porquanto não comprovou as despesas com contrato de locação e mudança para a reparação do imóvel.
Outrossim, os únicos documentos juntados pela parte autora diz respeito aos contratos de mútuo para aquisição de unidade habitacional. Ademais, o perito judicial foi categórico ao dispor que o imóvel se encontra em regulares condições de conservação e habitabilidade, inexistindo restrições quanto à ocupação.
3.5 Danos morais
O dano juridicamente reparável nem sempre pressupõe um dano patrimonial ou econômico, podendo ocorrer única e exclusivamente um dano moral, cabendo ao magistrado verificar se a conduta violou a intimidade, vida privada, honra (objetiva e subjetiva) ou imagem do lesado. Não é qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização.
O STJ já pacificou o entendimento no sentido de que o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral. Assim, somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, de forma anormal e grave, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, atingindo a sua honra subjetiva, bem como nos reflexos causados perante à sociedade, quando atingida a sua honra objetiva.
Com efeito, o mero inadimplemento contratual não configura, por si só, o dano moral, sendo necessária a comprovação de angústia e sofrimento da parte autora e de seus familiares em razão das condições de habitabilidade do imóvel e da ausência de reparos ou de intervenções ineficazes pela construtora, impedindo a utilização integral da moradia.
Em diversas oportunidades, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel (AgInt no AREsp 1288145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018).
No caso dos autos, o perito judicial concluiu que o imóvel apresentava diversas anomalias estruturais decorrentes da má qualidade do material e da mão de obra empregados, bem como de vícios de projeto. As fotografias encartadas nos autos corroboram a conclusão pericial.
Nesse diapasão, tem-se que os danos constatados no imóvel são capazes de causar perturbação à paz da parte autora e de seus familiares, ensejando abalo em seu psiquismo digno de reparação por danos morais.
Para o arbitramento do valor do dano extrapatrimonial realmente não existem regras tarifadas na Lei, mas também não se pode ser fonte de enriquecimento; não pode ser vista como a resolução dos problemas econômicos de quem os pleiteia e também não está ao livre arbítrio do magistrado, pois como se sabe, a quantificação dos valores varia conforme a formação social, filosófica, moral e religiosa de quem os arbitra. É por isso que se construiu nos Tribunais requisitos para tais arbitramentos, havendo que se levar em conta o grau de culpa do ofensor, a posição do ofendido na sociedade e a capacidade econômica financeira do causador do dano.
Relativamente ao valor da indenização, afora os critérios mencionados para o presente caso concreto, devem ser observados, ainda, os seguintes aspectos: condição social do ofensor e do ofendido; viabilidade econômica do ofensor (neste aspecto, há que se considerar que a indenização não pode ser tão elevada, mas nem tão baixa, que não sirva de efetivo desestímulo à repetição de condutas semelhantes, dado o caráter pedagógico, preventivo e punitivo da medida) e do ofendido (a soma auferida deve minimizar os sentimentos negativos advindos da ofensa sofrida, sem, contudo, gerar o sentimento de que valeu a pena a lesão, sob pena de, então, se verificar o enriquecimento sem causa); grau de culpa; gravidade do dano e reincidência.
Ante os parâmetros acima estabelecidos e as circunstâncias específicas do caso concreto, especialmente a constatação pela perícia técnica de que o imóvel não apresenta riscos iminentes de desabamento, pois encontrava-se em condição regular de conservação e habitabilidade, fixo a indenização, a título de dano moral, em R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), que se mostra, a meu ver, um patamar razoável, eis que não se trata de condenação irrisória, tampouco exorbitante.
Sobre o montante indenizatório incidirão os consectários legais. Os juros de mora, em se tratando de responsabilidade contratual por ato ilícito, são cabíveis desde a citação, nos termos do artigo 240 do CPC. E, a correção monetária incidirá desde a data da sentença (data do arbitramento), na forma da Súmula 362 do STJ.
Por tais fundamentos, com relação aos danos morais e materiais, entendo haver responsabilidade da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) e da corré ECOVITA Incorporadora e Construtora Ltda, porquanto responsáveis pela vistoria e liberação do valor da aquisição, assim como pela fiscalização da construção da obra e pela necessidade dos reparos causadores do dever de indenizar, nos termos do Código de Defesa do Consumidor e dos artigos 186, 927 e 942 do Código Civil.
III. DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, nos termos do art. 485, incisos IV e VI, do Código de Processo Civil, DECLARO EXTINTO o processo, sem resolução do mérito, em relação ao pedido de condenação à reparação por danos materiais decorrentes de falha dos serviços de instalação, conservação e manutenção de equipamento biodigestor e das despesas desembolsadas pela parte autora decorrentes de tais vícios.
Outrossim, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES, com resolução do mérito, os pedidos formulados pela parte autora para:
a) Condenar, solidariamente, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), na qualidade de instituição financeira, e a ECOVITA INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA, a pagar à parte autora indenização pelos danos materiais comprovados, no montante estimado de R$ 6.939,83 (seis mil e novecentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos), sobre o qual incidirá juros de mora a partir da data da citação e correção monetária a partir da data de juntada do laudo técnico, na forma e nos índices constantes do Manual de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal vigente à época da execução;
b) Condenar, solidariamente, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), na qualidade de instituição financeira, e a ECOVITA INCORPORADORA E CONSTRUTORA LTDA à compensação por danos morais em favor da parte autora, no montante de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), sobre os quais incidirão juros de mora desde a citação (artigo 240 do CPC) e correção monetária desde a sentença (Súmula 362 do STJ).
Defiro/mantenho a gratuidade processual.
Sem custas processuais nem honorários advocatícios (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259/01).
Havendo interposição tempestiva de recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo legal e, após, com ou sem apresentação destas, remetam-se os autos à Turma Recursal, com as formalidades de praxe.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.”
3. Recurso da parte autora: requer seja majorado o valor fixado a título de indenização por danos morais, bem como para que as Recorridas sejam condenadas ao pagamento dos gastos com desocupação e mudança.
4. Recurso adesivo da CEF: Não conheço do recurso adesivo da CEF, pois ausente sua previsão legal no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Ademais é incompatível com os princípios da celeridade e da simplicidade, previstos pelo artigo 2º, da lei n. 9.099/95. Neste sentido o teor do Enunciado n. 59 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais, a saber: “Não cabe recurso adesivo nos Juizados Especiais Federais.”
5. Com relação ao recurso da parte autora, reputo que a sentença analisou corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo a recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação. Logo, a sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
6. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO O RECURSO ADESIVO DA CEF E NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA
7. Recorrentes condenados ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.