Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001163-64.2016.4.03.6004

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS

APELANTE: SOCAL S/A MINERACAO E INTERCAMBIO COML E INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001163-64.2016.4.03.6004

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS

APELANTE: SOCAL S/A MINERACAO E INTERCAMBIO COML E INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:

Trata-se de recurso de apelação interposto tempestivamente por SOCAL S/A MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL em face de sentença que, em sede de ação de reintegração de posse ajuizada pela União, julgou procedente o pedido, determinando à apelante que promovesse a sua desocupação no prazo de 60 dias, sob pena de desocupação coercitiva.

Alega a apelante, em síntese, (i) que houve cerceamento de defesa, em razão da ausência de intimação para razões finais e do indeferimento do pedido de produção de provas; (ii) que é nulo o ato de cancelamento da matrícula nº 6776 do CRI de Corumbá; (iii) que possui direito de propriedade sobre o imóvel; e (iv) sucessivamente, que tem direito a permanecer na posse do imóvel, pois possui direito de servidão minerária.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001163-64.2016.4.03.6004

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS

APELANTE: SOCAL S/A MINERACAO E INTERCAMBIO COML E INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: ROGER DANIEL VERSIEUX - MS14106-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:

DA PRECLUSÃO PARCIAL

Alega a apelante, preliminarmente, que a sentença é nula, por cerceamento de defesa, em razão do “não cumprimento da ordem judicial de intimação da ré para apresentação de razões finais”.

Ocorre, contudo, que a apelante manifestou-se anteriormente nestes autos, tendo oposto embargos de declaração (ID 308189081), sem suscitar a nulidade alegada. Considerando que, nos termos do art. 278 do Código de Processo Civil, “A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”, a alegação não deve ser conhecida.

No mesmo sentido:

 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA REPETITIVO Nº 1023. SERVIDOR PÚBLICO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 10 E 487, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. ANÁLISE. INVIABILIDADE. PRECLUSÃO E AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. (...)

Preliminar de nulidade do acórdão recorrido 1. Quanto à preliminar de nulidade do acórdão recorrido, por suposta ofensa dos arts. 10 e 487, parágrafo único, do CPC/2015, verifica-se que referida nulidade não foi oportunamente alegada nos embargos de declaração opostos pelo recorrente junto ao Tribunal de origem, os quais trataram apenas da prescrição. Vale dizer, o recorrente não levantou a nulidade na primeira oportunidade após a ocorrência do vício, restando configurada a preclusão da matéria, nos termos do art. 278 do CPC/2015. Ademais, por não ter sido alegada perante a Corte Regional, a matéria também não foi apreciada pelo Tribunal de origem, atraindo a incidência, por analogia, das Súmulas nº 282 e 356 do STF.

(...)

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar a reapreciação do recurso de apelação, afastando-se a data de vigência da Lei nº 11.936/09 como marco inicial do prazo prescricional.

(REsp n. 1.809.043/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/2/2021, DJe de 17/3/2021.)

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. DEVER GERAL DE PROMOVER A AUTOCOMPOSIÇÃO E SOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS. AUDIÊNCIA PRÉVIA DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO. ART. 334 DO CPC. OBRIGATORIEDADE, SALVO QUANDO HOUVER DESINTERESSE POR AMBAS AS PARTES. NULIDADE PELA NÃO REALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE ARGUIÇÃO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE DE SE MANIFESTAR NOS AUTOS. PROCEDIMENTO ESPECIAL REGIDO PELO DL Nº 911/1969. PREVISÃO ESPECÍFICA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 334 DO CPC. NÃO OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA NA ESPÉCIE.

1. Ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 29/4/2024 e concluso ao gabinete em 29/8/2024.

(...)

6. A nulidade pela não realização da audiência de conciliação ou mediação, quando for obrigatória, deve ser arguida na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, sob pena de preclusão (art. 278 do CPC) e poderá ser sanada mediante a realização da audiência após tal manifestação, não havendo prejuízo para a parte interessada, desde que seja realizada antes da sentença.

(...)

10. Recurso especial conhecido e não provido.

(REsp n. 2.167.264/PI, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 17/10/2024.)

E, ainda que assim não fosse, a parte recorrente não demonstrou a ocorrência de qualquer prejuízo, no que tange à sua defesa, tendo oposto, como já referido, até embargos declaratórios, de modo que a questão objeto dos autos restou suficientemente analisada pelo Juízo de primeira instância.

A convergir com o raciocínio presentemente exprimido, inclusive, os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA RAZÕES FINAIS. NULIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. LAUDO PERICIAL. CONFIABILIDADE. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO. REINTEGRAÇÃO.TRATAMENTO MÉDICO. INOCUIDADE. DIREITO A PERCEPÇÃO DE SOLDO. CESSAÇÃO INCAPACIDADE. ESTABILIZAÇÃO.  RECURSOS NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de Apelações interpostas pela parte autora, JOEL DE SOUZA PINTO, e pela UNIÃO, contra sentença (fls. 262/266 – IDs 152658330/152658331) proferida pelo Juízo da 1º Vara Federal de Corumbá-MS, que julgou parcialmente procedente o pedido reintegração ao serviço militar e posterior e eventual reforma, com reflexos financeiros, e condenou  a UNIÃO ao pagamento de honorários advocatícios em 10% sobre o proveito econômico.
2. De acordo com a jurisprudência firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a ausência de intimação para apresentar alegações finais, por si só, não é suficiente para o reconhecimento nulidade, a qual somente se declara caso haja efetivo prejuízo. O laudo pericial rechaçado foi realizado por profissional habilitado a e equidistante das partes, e, por meio de seu relato, verifico que o periciando foi devidamente examinado, tendo, ainda, respondido a todos os quesitos formulados, de forma clara e objetiva. O fato do laudo pericial ter sido desfavorável à parte autora, não elide sua qualidade, lisura e confiabilidade. Preliminares afastadas.
(...)
11. Recursos não providos.                                    

(TRF 3ª Região, , ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000983-87.2012.4.03.6004, Rel. , julgado em 30/04/2021, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021)

No mesmo norte, citadas no precedente em questão: STJ, AgIntAREsp 1.264.791/DF, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe 16/05/2019; STJ, 4ª Turma, REsp 1.329.831/MA, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 05/05/2015.

Mais recentemente:

AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A ausência de intimação para apresentação de alegações finais, por si só, não gera nulidade, devendo, para tanto, ser demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo à parte.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp n. 2.093.123/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. PREJUÍZO PROCESSUAL NÃO COMPROVADO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, exige efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP - pas de nullité sans grief.
2. Caso concreto em que, ausente d emonstração de prejuízo, não se verifica nulidade decorrente da ausência de intimação da Defensoria Pública para apresentação de alegações finais. O fato de o paciente ter sido pronunciado não basta para presumir a ocorrência de prejuízo à defesa. Outrossim, nos processos da competência do Júri popular, nem mesmo o não oferecimento de alegações finais na fase acusatória (iudicium accusationis) dá causa à nulidade do processo, caso não haja demonstração do prejuízo. Precedente.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 796.053/BA, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024.)

Nesses termos, rejeita-se a presente preliminar.

 

DA REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DE CANCELAMENTO DA MATRÍCULA

Cuida o caso dos autos de ação ajuizada pela União em face da apelante, visando à reintegração de posse sobre o imóvel objeto da matrícula de nº 5.888 do 1º CRI de Corumbá/MS, denominado “Bocaína” (id 308187846, pág. 20). Alega a União que a área em discussão lhe pertence, por se localizar em faixa de fronteira, e é ocupada de forma indevida pela apelante.

Por sua vez, a parte ré, ora apelante, alega que a área é de sua propriedade, e que exerce a posse há mais de 60 anos. Invoca como fundamento de sua posse a matrícula nº 6.776 (id 308187847, pág. 20/21; id 308188024, pág. 19/25) do CRI de Corumbá.

Não obstante, a referida transcrição foi cancelada, conforme averbação lançada em 25 de agosto de 1980. Alega a apelante que o referido cancelamento foi ilegal, por ter resultado do confisco de seus bens durante o regime militar. Aduz que a sua propriedade foi posteriormente restabelecida, pela sentença proferida na ação cominatória nº 0277542-91.1981.4.03.6100, que determinou a devolução integral de todos os bens móveis, imóveis, direitos e ações confiscados e não alienados. Afirma ainda que a “ação de cancelamento” foi nula, por ausência de “citação” dos proprietários.

Não lhe assiste razão, pois, conforme passar-se-á a demonstrar, o cancelamento da transcrição não decorreu do confisco dos bens da apelante, mas da nulidade da matrícula. Ademais, não houve nulidade no procedimento de cancelamento do registro.

Segundo consta do registro do imóvel matriculado sob nº 6.776 (id 308187847, pág. 20/21) no CRI de Corumbá, o cancelamento da transcrição foi determinado pelo Corregedor Geral da Justiça no procedimento nº 054/80 (a partir do ID 308188024, pág. 5).

O procedimento em questão, de cunho administrativo e não judicial, foi instaurado a requerimento da União, com fundamento na Lei nº 6.739/1979, a qual prevê:

“Art. 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público ao Corregedor-Geral da Justiça, são declarados inexistentes e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em desacordo com o art. 221 e seguintes da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975.

§ 1º Editado e cumprido o ato, que deve ser fundamentado em provas irrefutáveis, proceder-se-á, no qüinqüídio subseqüente, à notificação pessoal:

a) da pessoa cujo nome constava na matrícula ou no registro cancelados;

b) do titular do direito real, inscrito ou registrado, do imóvel vinculado ao registro cancelado.

(...)

Art. 3º A parte interessada, se inconformada com o Provimento, poderá ingressar com ação anulatória, perante o Juiz competente, contra a pessoa jurídica de direito público que requereu o cancelamento, ação que não sustará os efeitos deste, admitido o registro da citação, nos termos do  art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterado pela Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975.

 

Ao prever a possibilidade de que o Corregedor-Geral de Justiça do Estado declare a inexistência de matrícula e registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, a Lei nº 6.739/79 trata-se de manifestação do poder de autotutela, segundo o qual “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos” (Súmula 473-STF).

Vê-se dos dispositivos transcritos acima que a lei não exige a prévia notificação pessoal da pessoa cujo nome constava na matrícula cancelada para a validade do ato de cancelamento. Pelo contrário, o § 1º do art. 1º é claro ao estabelecer que tal notificação deve ser realizada somente após a edição do ato. Considerando que os atos administrativos gozam dos atributos da presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, tem-se que desde a sua edição o ato que determinou o cancelamento da matrícula deve ser considerado válido e eficaz.

E, assim sendo, tenho que eventual ausência da notificação exigida no art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.739/1979, embora constitua irregularidade no procedimento nela previsto, não constitui vício grave o suficiente para, por si só, ensejar a nulidade do ato de cancelamento. Isto porque a única alternativa possível para a parte que se sentisse prejudicada seria aquela prevista no art. 3º: o ajuizamento da ação anulatória, a qual sequer sustaria os efeitos do ato.

Destaco, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade deste procedimento, no julgamento da ADPF nº 1056:

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL CONHECIDA PARCIALMENTE COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 1º, 3º, 8º-A E 8º-B DA LEI 6.739/1979. ATRIBUIÇÃO LEGAL CONFERIDA AO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA PARA DECLARAR A INEXISTÊNCIA E CANCELAR A MATRÍCULA E O REGISTRO DE IMÓVEIS RURAIS. TERRAS PÚBLICAS. ALEGADA VIOLAÇÃO À RESERVA DE JURISDIÇÃO, AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL, AO DIREITO DE PROPRIEDADE, À SEGURANÇA JURÍDICA E À PROPORCIONALIDADE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.
1. Estatura constitucional conferida à atividade estatal notarial e de registro. A fidedignidade e confiabilidade nos registros imobiliários são essenciais para a segurança jurídica.
2. Atribuição ao Corregedor-Geral de Justiça para declarar a inexistência e cancelar a matrícula e o registro de imóvel rural, diante de determinadas circunstâncias e no interesse e por provocação prévia do Poder Público. Os Corregedores-Gerais de Justiça e os Juízes Federais com incumbência própria de Corregedor-Geral de Justiça, detêm a competência de fiscalizar os atos notariais e de registro imobiliário, conforme lhes fora legalmente atribuído. Dever da Administração anular os seus atos eivados de nulidade (Súmula 473, STF).
3. A competência para promover atos de regularização de registro imobiliário não está sujeita à reserva de jurisdição.
4. Contraditório diferido. Decisão legislativa ponderada diante da necessidade de proteção do registro imobiliário nacional. Supremacia do interesse público.
5. A proteção estatal à propriedade ocorre na medida em que ela exista em conformidade com o ordenamento jurídico.
6. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental parcialmente conhecida como Ação Direta de Inconstitucionalidade e julgadas improcedentes.

(ADPF 1056, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 27-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 06-12-2023  PUBLIC 07-12-2023)

Também por este motivo, deve ser afastada a preliminar de cerceamento de defesa por negativa de provas, suscitada pela apelante.

Considerando o raciocínio acima exposto, resta evidente que não era relevante ao deslinde do caso dos autos que “a União fosse intimada a demonstrar documentalmente o ato de citação” no procedimento em discussão. Por este motivo, o indeferimento deste pedido pelo d. magistrado a quo não gerou real prejuízo à apelante, e ademais está em conformidade com o parágrafo único do art. 370 do CPC, segundo o qual “O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

Destaco que, no caso, a apelante não ajuizou qualquer ação anulatória contra o ato de cancelamento, embora não se discuta que veio a tomar ciência do ato eventualmente. Na presente ação, alega que o cancelamento da matrícula é nulo porque fundamentado no Decreto nº 79.728, de 17 de outubro de 1974, por meio do qual o seu patrimônio foi confiscado, durante o regime militar. Tal afirmação não é correta.

Embora o imóvel tenha, de fato, sido inicialmente confiscado pelo referido Decreto, inclusive com averbação na matrícula nº 6.776, posteriormente constatou-se que este sempre pertenceu à União. Por este motivo, este bem foi excluído do seu acervo ou patrimônio líquido para efeitos de execução do confisco, por meio de despacho proferido em março de 1978 pelo Ministro da Fazenda (ID 308188854, pág. 4):

"Nos termos do Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que aprovo, deve ser excluído do acervo ou patrimônio líquido da Companhia Brasileira de Cimento Portland Pneus, para efeito de execução do confisco de bens determinados pelo Decreto nº 74.728, de 18 de outubro de 1974, as terras a que se refere o processo, situadas na localidade de Bocaina, Serra de Jacadigo, Município de Corumbá, Estado de Mato Grosso, as quais sempre pertenceram à União".

Assim, o imóvel não chegou, efetivamente, a ser confiscado. Essa situação, aliás, já foi reconhecida por esta Corte, no julgamento do AI 0084571-35.2007.4.03.0000:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO COMINATÓRIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÃO. ADITAMENTO DA CARTA DE SENTENÇA PARA PROCEDER AO REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEIS CONFISCADOS E NÃO ALIENADOS.

1 - Agravo de instrumento em face de decisão que, em sede de execução de ação cominatória de prestação de contas, deferiu o aditamento de carta de sentença.

(...)

4 - Não obstante o exequente tenha formulado seu requerimento no sentido de que a propriedade do Sítio Bocaína ter-lhe-ia sido "devolvida" pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, vê-se claramente pelo despacho de fls. 488/489 que referido órgão decidiu pela restauração dos direitos minerários cuja caducidade havia sido declarada pelo Decreto nº 74.393/1974.

5 - O Decreto nº 74.478/1974 expressamente inclui no acervo da Companhia os direitos minerários que lhe foram concedidos, e cuja cessão à empresa SOCAL S.A. era considerada nula pelo artigo 1º.

6 - Contudo, não consta do rol do artigo 1º do Decreto nº 72.523/1973 que as terras onde as jazidas seriam exploradas pertenciam ao acervo da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus.

7 - Portanto, não foram as terras confiscadas, mas tão somente os direitos de lavra das jazidas nelas situadas.

8 - Tratando-se de terras situadas sobre a faixa de fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul com a Bolívia, caracterizam-se como terras devolutas, sendo nula a transferência do domínio operada pelo então Presidente do Estado de Mato Grosso a Maria Feliciana Corrêa, em maio de 1905 (fl. 29), bem como todas as alienações subsequentes.

9 - Ainda que assim não fosse, o aditamento da Carta de Sentença nº 2001.61.00.024056-9 não poderia ter ocorrido, por já se ter consumado, no caso, a preclusão.

10 - Os autores concordaram integralmente com a relação dos bens apresentada pela CEIPN, com a ressalva, apenas, de que reivindicavam também a propriedade do Sítio Bocaína, bem como a devolução de outro imóvel à Fábrica de Papel Carioca S.A., que não está em discussão.

11 - Se o exequente desejava a inclusão de bens outros no rol daqueles a serem restituídos, além dos relacionados, deveria ter se insurgido oportunamente contra a listagem apresentada, quando teve ciência do ofício encaminhado pela CEIPN.

12 - Agravo provido.                                   

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 308091 - 0084571-35.2007.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 29/03/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2016)

A análise das cópias dos autos do procedimento CGJ-MS nº 054/80 revelam que a determinação de cancelamento da matrícula não se baseou no ato de confisco, do qual o imóvel foi excluído, mas justamente no fato de que este sempre foi de propriedade da União.

Observe-se, por exemplo, trecho do requerimento dirigido pela União ao Corregedor Geral de Justiça:

“4. Assim, em face da transcrição nº 6.776 e das averbações e ela relativas, o imóvel, em sua totalidade, coube à promissária compradora Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, a qual teve seu acervo ou patrimônio liquido confiscado pelo citado Decreto nº 74.728/74.

(...)

6. Constatou-se, em seguida, que o imóvel se situa na faixa de fronteira, que é do domínio indiscutível da União, histórica e juridicamente, e somente a União poderia transferi-lo a particulares. Em face disso, estar-se-ia ressarcindo danos causados ao patrimônio público com imóvel que sempre pertenceu ao próprio patrimônio público, a União.

7. Por isso, tendo em vista que o imóvel sempre integrou o domínio da União, não podendo ser alienado como bem integrante do acervo confiscado, o Senhor Ministro da Fazenda, aprovando parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, determinou que se excluíssem

‘... do acervo ou patrimônio líquido da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, para efeito de execução do confisco de bens determinados pelo Decreto n9 74.728, de 18 de outubro de 1974, as terras a que se refere o processo, situadas na localidade de Bocaiana, Serra de Jacadigo, Município de Corumbá, Estado do Mato Grosso, as quais sempre pertenceram à União.’”

Tem-se, na realidade, que a matrícula nº 6.776 foi cancelada porque vinculada a título nulo de pleno direito.

Assim, afastada a alegação de que o cancelamento da matrícula se fundamentou em ato ilegal do Poder Público.

 

DA PROPRIEDADE DA UNIÃO SOBRE O IMÓVEL

Segundo consta do documento acostado à id 308189344, em 09/05/1905, o Presidente do Estado do Mato Grosso expediu título de domínio da área em favor de Maria Feliciana Corrêa. O negócio se deu sob a égide da Constituição de 1891 então vigente, a qual já dispunha serem bens não dos Estados, mas da União Federal, dentre outros, “porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais” (Art. 64).

Ora, no caso, é incontroverso entre as partes que o imóvel objeto da presente ação se localiza na faixa de fronteira, fazendo divisa com a Bolívia. A faixa de fronteira, de 150 km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, é considerada área indispensável à segurança nacional (art. 1º da Lei nº 6.634/79). Nos termos do art. 20, II, da Constituição Federal de 1988, as terras devolutas nela localizadas são bens da União:

“Art. 20. São bens da União:
(...)
II -
as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
(...)
§ 2º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.”

Desta forma, a propriedade em Corumbá/MS, situada na fronteira com a Bolívia, na qualidade de bem imóvel da União, não podia ter sido objeto de transferência ao patrimônio de particulares por Estado-membro.

Tendo em vista que o Estado de Mato Grosso não possuía qualquer legitimação para a transferência do imóvel a terceiros, o negócio jurídico celebrado com o apelante se caracteriza como alienação a non domino. O contrato em referência é, portanto, nulo, por impossibilidade jurídica do objeto (CC, art. 166, II).

Neste mesmo sentido, cito o seguinte precedente:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE TÍTULO DE DOMÍNIO DE TERRAS EM FAIXA DE FRONTEIRA. VENDA FEITA PELO ESTADO DO MATO GROSSO A PARTICULAR. APELAÇÕES DOS HERDEIROS E DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE NULIDADE LEVANTADAS PELO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL REJEITADAS. TERRAS DE DOMÍNIO DA UNIÃO FEDERAL. VENDA A NON DOMINO. CONSTITUIÇÃO DE 1946. CONSTITUIÇÃO DE 1988. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RATIFICAÇÃO (Decreto-Lei nº1.414/75).

1.         O Estado do Mato Grosso do Sul sucedeu a partir de sua criação o Estado do Mato Grosso, no tocante a direitos e obrigações derivados de seu território (Art.2º da LC nº31/77) dentre os quais, por versar sobre terras nele inseridas, o objeto da presente ação - daí exsurgindo que, na qualidade de sucumbente, deverá arcar com o respectivo ônus.

2.         Incabível a presença na lide do Estado do Mato Grosso, vez que a Lei Complementar nº31/77 não fez qualquer ressalva aos poderes e deveres sucessórios do Estado do Mato Grosso do Sul dentro do seu território - daí ausente nulidade da sentença pela falta de intimação do atual Estado do Mato Grosso.

3.         É da União Federal o domínio da porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, nos termos do Art.34, inciso II, da Constituição de 1946 - fato este que não se infirma pelo teor do Art.8º, caput, do ADCT desta Carta. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

4.         Os 7.662 hectares de terra em Corumbá/MS de que se cuida estão inseridos na faixa de fronteira com a Bolívia (quer consideradas as 10 léguas estabelecidas pelo Art.1º da Lei nº601/1850, quer os 150 Km lindeiros fixados pelo DL 1968/40), sendo assim domínio da União Federal. Súmula nº477/STF e Decreto-Lei nº9.760/40.

5.         Esta área não podia ter sido objeto de venda a particular pelo Estado do Mato Grosso no ano de 1954, vez que este não detinha seu domínio de modo a transferi-lo a outrem, considerado que ninguém transfere mais direitos do que tem. À luz do Código Civil então vigente, é nulo o negócio jurídico, vez que a venda a non domino traduz a impossibilidade do objeto do ato (Art.145, II do Código Civil, e Art.104, II do atual Código Civil).

6.         E uma vez que tais terras são bens públicos, sujeitas a regime de direito público, não se cogita em conservação de negócio em homenagem à boa-fé do adquirente (à época o Sr. Carlos de Castro Brasil), vez que a tal interesse se sobrepõe o interesse público configurado pela defesa do território nacional na região de fronteira, razão de ser do domínio da União Federal de tais áreas (Art.20, I e II da CF/88), valendo lembrar que compete à União, dentre outras funções "assegurar a defesa nacional" (Art.21, III da CF/88). Precedentes.

7.         O procedimento administrativo visando à ratificação pelo INCRA da alienação original poderia ter sido instaurado pela própria parte interessada (Art.2º do DL nº1.414/75) - o que não se deu. Face o princípio constitucionalmente consagrado da divisão de poderes (Art.2º, CF/88), não incumbe ao Poder Judiciário se substituir às autoridades administrativas em mister que lhes é próprio. Precedente.

8.         Preliminares rejeitadas. Apelações dos herdeiros de Carlos de Castro Brasil e Lucinda Christóvão Brasil e do Estado do Mato Grosso do Sul improvidas. Remessa oficial improvida.

9.         Sentença mantida.                                   

(TRF 3ª Região, TURMA SUPLEMENTAR DA PRIMEIRA SEÇÃO, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 32555 - 0008881-04.1991.4.03.6000, Rel. JUÍZA CONVOCADA LISA TAUBEMBLATT, julgado em 20/08/2008, DJF3 DATA:10/09/2008)

Nos termos da Súmula 447 do Supremo Tribunal Federal, "As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores".

Assim, a apelante não é, nem nunca foi, proprietária do imóvel, que sempre pertenceu à União.

 

DA INEXISTÊNCIA DE RATIFICAÇÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO

Alega a apelante, ainda, que a sua posse é legítima, pois o Decreto-Lei nº 1.414/75 e a Lei nº 13.178/2015 ratificaram o registro dos imóveis vendidos pelos Estados em áreas de fronteira.

O Decreto-Lei nº 1.414/75 dispunha, até a sua revogação pela Lei nº 13.178/2015, sobre a possibilidade de ratificação das alienações e concessões de terras devolutas  feitas pelos Estados na faixa de fronteiras (art. 1º). Contudo, a ratificação não se dava de forma automática, sendo necessária a apresentação de requerimento neste sentido para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, então competente para efetivar a ratificação (art. 2º) caso esta se coadunasse com os objetivos do Estatuto da Terra (art. 5º,  § 1º, da Lei nº 4.947/96). Era necessária a observância de procedimento próprio, com oitiva do Conselho de Segurança Nacional, e ainda o atendimento dos requisitos elencados no art. 4º daquele diploma legal:

“Art. 4º - A ratificação será precedida de processo administrativo, através do qual o INCRA examinará: 
I - quando se tratar de imóvel rural:
a) se foram cumpridas as cláusulas constantes do título de alienação ou concessão;
b) se, no caso do § 2º do artigo anterior, as frações não são inferiores ao módulo de exploração indefinida, previsto para a região, salvo se o parcelamento antecedeu a 1º de janeiro de 1967;
c) se o imóvel está sendo explorado, não se exigindo a condição de morada habitual;”

Ocorre que a apelante não promoveu, em momento algum, prévio procedimento administrativo perante o INCRA, a fim de obter a ratificação do ato de alienação efetivado pelo Estado do Mato Grosso em 1905.

Durante a vigência do DL nº 1.414/75, cabia ao INCRA efetuar a verificação do atendimento das condições necessárias à ratificação do registro, não sendo dado ao Poder Judiciário substituir-se nesta atribuição sem que tenha havido prévio procedimento administrativo, sob pena de ofensa ao princípio da Separação de Poderes.

É verdade que, com o advento da Lei nº 13.178/15, houve significativa alteração deste procedimento, tendo deixado de ser necessária a participação do INCRA e a prévia oitiva do Conselho de Segurança Nacional. A ratificação foi, em certa medida, simplificada.

Contudo, o imóvel em análise não atende as condições necessárias à ratificação prevista na Lei nº13.178/15. Isso porque, na data de publicação da Lei nº 13.178/15, o imóvel se encontrava registrado em nome da União (matrícula nº 5.888), e não da apelante. Ademais, o seu domínio vem sendo questionado nas esferas administrativa e judicial há muitos anos, de forma que se enquadra na exceção prevista no inciso I do art. 1º daquela Lei:

“Art. 1º São ratificados pelos efeitos desta Lei os registros imobiliários referentes a imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos Estados em faixa de fronteira, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, devidamente inscritos no Registro de Imóveis até a data de publicação desta Lei, desde que a área de cada registro não exceda ao limite de quinze módulos fiscais, exceto os registros imobiliários referentes a imóveis rurais:  (Vide ADI 5623)

I – cujo domínio esteja sendo questionado nas esferas administrativa ou judicial por órgão ou entidade da administração federal direta e indireta até a data de publicação da alteração deste inciso;

Não há, portanto, como se reconhecer a ratificação do registro imobiliário em favor da apelante, seja antes ou depois da Lei nº 13.178/15.

 

DA INEXISTÊNCIA DE SERVIDÃO MINERÁRIA

Alega a apelante, finalmente, que tem direito a permanecer na posse do imóvel porque, enquanto detentora do direito de lavra de minérios na região, tem direito de instituir servidão minerária que assegure a exploração mineral.

A instituição de servidões minerais “autoriza o titular do direito minerário a impor, sobre a propriedade de terceiros, limitações excepcionais, desde que essenciais à viabilidade da exploração mineral. Correto afirmar que a servidão se institui em favor do aproveitamento da jazida mineral, aderindo, portanto, à jazida e não ao seu titular”. (FEIGELSON, Bruno. Curso de Direito Minerário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 246.)

Elas se encontram previstas nos artigos 59 e seguintes do Decreto-Lei nº 227/67, os quais dispõem:

Art. 59. Ficam sujeitas a servidões de solo e subsolo, para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade onde se localiza a jazida, como as limítrofes.

Parágrafo único. Instituem-se Servidões para:
a) construção de oficinas, instalações, obras acessórias e moradias;
b) abertura de vias de transporte e linhas de comunicações;
c) captação e adução de água necessária aos serviços de mineração e ao pessoal;
d) transmissão de energia elétrica;
e) escoamento das águas da mina e do engenho de beneficiamento;
f) abertura de passagem de pessoal e material, de conduto de ventilação e de energia elétrica;
g) utilização das aguadas sem prejuízo das atividades pre-existentes; e,
h) bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho.

Art. 60. Instituem-se as Servidões mediante indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação.

§ 1º Não havendo acordo entre as partes, o pagemento será feito mediante depósito judicial da importância fixada para indenização, através de vistoria ou perícia com arbitramento, inclusive da renda pela ocupação, seguindo-se o competente mandado de imissão de posse na área, se necessário.

§ 2º O cálculo da indenização e dos danos a serem pagos pelo titular da autorização de pesquisas ou concessão de lavra, ao proprietário do solo ou ao dono das benfeitorias, obedecerá às prescrições contidas no Artigo 27 deste Código, e seguirá o rito estabelecido em Decreto do Governo Federal.”

Existem duas formas possíveis para a instituição de servidões minerárias: a negociação entre as partes, ou a propositura de ação judicial, a qual deverá seguir o rito próprio, previsto no art. 27 do Decreto-Lei nº 227/67.

Relevante esclarecer, de pronto, que no caso em questão não existe servidão mineral instituída em favor das jazidas minerais localizadas no imóvel. Não há qualquer registro neste sentido em nenhuma das matrículas de que foi objeto o imóvel, nem tampouco foram trazidos aos autos documentos que comprovem a servidão foi instituída, por acordo entre as partes ou por ação judicial anterior, de forma a autorizar o seu reconhecimento como estado de fato.

Conforme ensina Arnaldo Rizzardo (Servidões. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 20), a servidão precisa ser expressa, não podendo ser presumida. Em caso de existência de dúvida, deve-se privilegiar o domínio pleno do imóvel.

Assim sendo, não nos parece possível acatar que a apelante alegue a questão como matéria de defesa em ação possessória, de forma a impedir que a proprietária do imóvel dele tome posse. Ademais, há, no caso, diversos elementos que impediriam, no momento, a instituição da servidão mineral.

Em primeiro lugar, a apelante nem mesmo juntou aos autos cópia do alvará de concessão da lavra mineral, mas apenas documentos que a ele fazem referência, como decisões judiciais e o despacho proferido pelo Ministro de Minas e Energia em 13 de março de 2006 (ID 308187987, pág. 8). Nesse sentido, menciono precedentes do TJMG, nos quais se destaca a essencialidade de tal documento:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO MINERÁRIA COM IMISSÃO NA POSSE - CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEITADA - DECRETO-LEI Nº 227/1967 - DIREITO NÃO COMPROVADO - ÔNUS DA PROVA - ART. 373 DO CPC - SENTENÇA MANTIDA.
- Nos termos do art. 370 do CPC, cabe ao julgador, no exercício do seu poder instrutório, avaliar a necessidade de produção de cada um dos meios probatórios postulados pelas partes, indeferindo aqueles que se revelarem desnecessários, sob pena de se atentar contra os princípios da celeridade e economia processual, onerando, injustificadamente, o trâmite processual.
- O direito à servidão minerária decorre do título minerário que é outorgado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), após os procedimentos estabelecidos no Código de Mineração, o que não pode ser suprido pelo Poder Judiciário, ao qual, apenas incumbe o controle de legalidade do ato e a promoção de sua execução forçada, se necessário.
- A apelante não se desincumbiu de provar que detém os direitos de exploração da área sub judice, o que antecede o pedido judicial de imissão na posse, sendo de rigor a manutenção da sentença de improcedência.
 (TJMG -  Apelação Cível  1.0000.23.127887-0/003, Relator(a): Des.(a) Sérgio André da Fonseca Xavier , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2024, publicação da súmula em 03/07/2024)


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO MINERÁRIA - IMISSÃO NA POSSE - REQUISITOS PREENCHIDOS - NÃO APRESENTAÇÃO DA LICENÇA AMBIENTAL - IRRELEVÂNCIA NO CASO CONCRETO - LICENCIAMENTO CONDICIONADO À POSSE DO EXPROPRIANTE - AVALIAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA - DESNECESSIDADE.
- Para a concessão da tutela de urgência, necessária a demonstração dos elementos previstos no art. 300 do CPC, quais sejam: a) a plausibilidade do direito invocado; b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; c) e a reversibilidade dos efeitos da decisão.
- A imissão na posse em ações de instituição de servidão minerária exige a verificação dos pressupostos constantes do Decreto-Lei nº 227/97, quais sejam, o título minerário, a alegação de urgência e o prévio depósito judicial.
- Não se exige a obtenção do licenciamento ambiental prévio se o órgão responsável condiciona a sua concessão à comprovação de justa posse pelo expropriante, sendo necessário deferir a imissão liminar no bem para suprir a falta de anuência do superficiário.
- Inexiste risco de irreversibilidade ou de ocorrência de dano ambiental, na medida em que a imissão liminar na posse não permite que o expropriante dê início aos trabalhos de lavra, que apenas serão permitidos após autorização do órgão competente.
- Considerando a natureza liminar da medida, mostra-se desnecessária a prévia realização de prova pericial, até mesmo porque eventual diferença entre o valor depositado e o apurado judicialmente poderá ser complementada.  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.22.215934-5/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/07/2023, publicação da súmula em 26/07/2023)

Da mesma forma, não comprovou ter obtido as licenças ambientais necessárias à exploração da atividade, o que igualmente obsta a instituição de servidão:


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÕES MINERÁRIAS E LAVRA. PESQUISA MINERÁRIA. ART. 14 DO CÓDIGO DE MINERAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ALVARÁ VIGENTE. REQUERIMENTO DE LAVRA. LICENÇA AMBIENTAL. NECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nos termos do art. 14 do Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227), entende-se por pesquisa mineral a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico.
2. Ao final do requerimento da pesquisa minerária, o Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM - emitirá um alvará que autoriza o interessado a pesquisar a área requerida, pelo prazo de 03 (três) anos.
3. Para a obtenção da concessão de lavra, materializada pelo o título denominado "Portaria de Lavra", emitido pelo Ministério das Minas e Energia, é necessário o atendimento a certas condições, como, por exemplo, a obtenção da licença ambiental.
4. A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.
5. Conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o licenciamento para exploração de atividade potencialmente danosa, como é o caso da lavra de recursos minerais, insere-se no Poder de Polícia Ambiental, cujo exercício é atividade administrativa de competência do Poder Executivo e, portanto, submetida à reserva de administração (art. 61, § 1º, II, e, c/c art. 84, II e VI, "a", da CF).
6. Inexistindo nos autos a devida comprovação da prévia obtenção de licença ambiental para atividades de mineração, bem como as devidas autorizações dos órgãos competentes para a realização de pesquisas e operações de extração mineral, torna-se incontestável a inviabilidade de deferimento definitivo da permissão de lavra, o que consequentemente culmina na impossibilidade de imissão na posse do imóvel almejado.
7. Recurso conhecido e não provido.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0000.21.129147-1/002, Relator(a): Des.(a) Fausto Bawden de Castro Silva (JD 2G) , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/10/2023, publicação da súmula em 30/10/2023)

Tampouco foi requerida a emissão de declaração de utilidade pública para fins de instituição de servidão mineral, como exige o art. 41 do Decreto 9.406/18, à Agência Nacional de Mineração, a quem compete tal atribuição, nos termos do art. 2º, XXI, da Lei n. 13.575/17:

“Art. 2º. A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração) , em legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe:
(...)
XXI - aprovar a delimitação de áreas e declarar a utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão mineral
”.

Observo que, a respeito, o TJMG já decidiu que "O juízo sobre a necessidade da servidão é de utilidade pública das terras, ato administrativo típico, que não pode ser exercido substitutivamente pelo Poder Judiciário" e que "Não havendo declaração do direito do titular da concessão de lavra à servidão pretendida, não tem ele interesse na ação judicial para a instituição do gravame, que se presta a dar efetividade ao ato administrativo"  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0120.13.001682-3/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/06/2014, publicação da súmula em 13/06/2014). No mesmo sentido:

APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEIÇÃO - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DESPEJO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - ARRENDAMENTO RURAL - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO MINERÁRIO - APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CÓDIGO MINERÁRIO - DESCUMPRIMENTO DO DISPOSITIVO DE LEI - DEVERES DO ARRENDATÁRIO - PAGAMENTO DE RENDA POR OCUPAÇÃO - RECONSTITUIÇÃO DA ÁREA DEGRADADA - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL POR PARTE DA EMPRESA ARRENDATÁRIA - ÁREA ABANDONADA - AUSÊNCIA DE ADIMPLEMENTO DA RENDA DEVIDA - APLICAÇÃO POR ANALOGIA DO ESTATUTO DA TERRA - POSSIBILIDADE - RESCISÃO CONTRATUAL - DESPEJO DA EMPRESA RÉ - OBRIGAÇÃO DE RECONSTITUIR A ÁREA DEGRADADA - RECURSOS NÃO PROVIDOS.
- Verificado que a parte recorrente cumpriu com seu ônus de impugnação específica (art. 932, III e 1.010, II e III, ambos do CPC), sendo possível extrair de suas alegações a suposta ocorrência de error in judicando no provimento hostilizado, não há que se falar em vulneração ao princípio da dialeticidade recursal.
- A instauração da servidão minerária depende de processo administrativo perante o órgão competente e de ato administrativo que reconhece a relevância da atividade na área para a União a fim de permitir a instauração da servidão.
- A permissão concedida para pesquisa em área com potencial para mineração não se confunde com a servidão minerária, que permeia o interesse público e só é reconhecida após o trâmite do respectivo processo administrativo
.
- Apesar de o arrendatário não ter a autorização para instituir servidão minerária em relação à propriedade rural, é titular de permissão de pesquisa minerária, a atrair a incidência do Código de Mineração.
- Ao que se extrai do art. 27, caput, do Código de Mineração, o proprietário da terra explorada tem direito a uma renda pela ocupação do terreno e respectiva indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa.
- À míngua de legislação específica que estabeleça a forma pela qual o proprietário poderá reaver o seu imóvel diante do descumprimento de obrigações legais por parte do arrendatário e do comprovado abandono da área, há que se aplicar, por analogia, as disposições constantes do Estatuto da Terra e do Decreto 59.566/1966.
- O mero inadimplemento contratual não enseja danos morais, sendo necessária a prova de sua ocorrência, ônus do qual a parte autora/apelante não se desincumbiu.
- Sentença mantida.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0000.24.270772-7/001, Relator(a): Des.(a) Lílian Maciel , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/11/2024, publicação da súmula em 12/11/2024)

Observo, finalmente, que não foi paga qualquer indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação, como exige o art. 60 do Del 227/67:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL - AÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO MINERÁRIA - TUTELA DE URGÊNCIA - IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE DO IMÓVEL - DESCABIMENTO - PRÉVIA INDENIZAÇÃO - DIVERGÊNCIA NO VALOR - INSUFICIÊNCIA DO LAUDO PERICIAL UNILATERLAMENTE PRODUZIDO - PERÍCIA OU AVALIAÇÃO - NECESSIDADE. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo. Ausentes tais requisitos, o indeferimento do pleito é medida impositiva. Na instituição de servidão minerária, é necessária a existência de indenização prévia. Havendo divergências no valor da indenização a ser concedida, a norma do art. 60, § 1º do Decreto-Lei nº 227/67 orienta a realização de perícia ou de vistoria do bem sub judice. Mostrando-se indispensável a avaliação judicial da área para fixação do valor indenizatório, a tutela de urgência de imissão na posse não pode ser deferida.  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.23.028715-3/001, Relator(a): Des.(a) Jaqueline Calábria Albuquerque , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2023, publicação da súmula em 15/05/2023)

É relevante destacar, ainda, que o caso dos autos é de extrema complexidade, impondo a necessidade de cuidadosa análise administrativa quanto ao interesse público a ser privilegiado no caso, tendo em vista que, além de se tratarem de terrenos indispensáveis à defesa das fronteiras, há nos autos notícia do estabelecimento de projeto de assentamento pelo INCRA no imóvel (ID 308188031, pág. 3), e de diversos conflitos fundiários na região.

Nesse sentido, é necessário permitir à União que analise, em âmbito administrativo, o uso a ser dado ao imóvel, considerando os distintos interesses públicos em conflito. Nesse sentido, Bruno Feigelson e Gerson Ferreira do Rêgo já destacaram:

"O art. 42 do Código de Mineração estabelece que a autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do governo.
(...)
Trata-se, portanto, de observar que, em que pesem as características inerentes da mineração, especialmente, a da rigidez locacional, que inviabiliza que a atividade seja executada em área distinta, e mesmo do interesse nacional que encampa a atividade, certo é que em determinadas hipóteses a mineração poderá ser inviabilizada.
Nesse contexto, há que se compreender o valor não absoluto da mineração, que comporta, em algumas hipóteses, ponderação com outras atividades, de interesse público, restando a mitigação da atividade mineral.
(...)
... quando determinada atividade de interesse público fosse incompatível com a mineração e superasse a utilidade do aproveitamento mineral, seria possível a utilização do instrumento do bloqueio minerário".

(Estudos Avançados de direito imobiliário. Coord. José Roberto Neves Amorim, Rubens Carmo Elias Filho. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 172)

 

Diante de todo o exposto, não nos parece possível acatar direito que a apelante possui em tese, não constituído nem comprovado, como matéria de defesa em ação possessória, de forma a obstar que a União seja imitida na posse do imóvel do qual comprovou ser proprietária.

Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação.

Incide ao presente caso a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC, que determinam a majoração dos honorários de advogado em instância recursal. Majoro o percentual fixado em 2%  (dois por cento), observada a base de cálculo estabelecida na sentença. 

Saliento que eventuais embargos de declaração opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC.

Por último, de forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados meramente ao prequestionamento e de modo a viabilizar o acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconstitucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este Colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário ademais incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, §2º do CPC.

É O VOTO.

 



E M E N T A

 

Ementa: DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA RAZÕES FINAIS. PRECLUSÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. IMÓVEL SITUADO EM FAIXA DE FRONTEIRA. BEM DA UNIÃO. VALIDADE DO ATO DE CANCELAMENTO DA MATRÍCULA ANTERIOR. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE SERVIDÃO MINERÁRIA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

I. Caso em exame
1. Recurso de apelação interposto por SOCAL S/A MINERAÇÃO E INTERCÂMBIO COMERCIAL E INDUSTRIAL contra sentença que, em ação de reintegração de posse ajuizada pela União, determinou a desocupação de imóvel situado em faixa de fronteira. A parte apelante alegou cerceamento de defesa, nulidade do cancelamento da matrícula do imóvel, titularidade do domínio, e, subsidiariamente, o direito de permanecer na posse em razão de servidão minerária.

II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em analisar:
(i) se houve cerceamento de defesa em razão da ausência de intimação para razões finais e indeferimento de produção probatória;
(ii) a validade do ato administrativo de cancelamento da matrícula nº 6.776 do CRI de Corumbá;
(iii) a titularidade da propriedade do imóvel situado em faixa de fronteira;
(iv) a existência de ratificação do registro imobiliário; e
(v) a existência de eventual direito de servidão minerária no local.

III. Razões de decidir
3. Constatada a preclusão para alegação de nulidade processual decorrente da ausência de intimação para razões finais, nos termos do art. 278 do CPC/2015, por ausência de manifestação oportuna da apelante. Não demonstrado prejuízo à defesa da apelante. Preliminar rejeitada.
4. O cancelamento da matrícula nº 6.776 foi realizado em conformidade com o poder de autotutela administrativa, e não foi decorrente do ato de confisco. Eventual ausência de prévia notificação pessoal não é suficiente para macular a validade do ato, pois atendido o procedimento previsto na Lei nº 6.739/1979.
5. A ausência de comprovação de prejuízo decorrente do indeferimento de provas pela decisão de origem inviabiliza o acolhimento da preliminar de cerceamento de defesa.
6. O imóvel integra o domínio público da União, por situar-se em faixa de fronteira, conforme art. 20, II, da CF/1988, sendo nula a alienação promovida pelo Estado de Mato Grosso.
7. Não houve requerimento para ratificação do registro imobiliário na vigência do Decreto-Lei nº 1.414/75.
8. Não é possível a ratificação nos termos da Lei nº 13.178/2015, pois o imóvel está  registrado em nome da União e é objeto de litígios administrativos e judiciais.
9. A apelante não possui servidão minerária instituída, nem comprovou o cumprimento dos requisitos legais para a instituição. Cabe à União decidir, em âmbito administrativo, o uso a ser dado ao imóvel, considerando os distintos interesses públicos em conflito

IV. Dispositivo e tese
10. Preliminares rejeitadas. Apelação desprovida.

Tese de julgamento:
"1. A preclusão impede a análise de nulidades não arguidas oportunamente, nos termos do art. 278 do CPC/2015.
2. As terras devolutas localizadas nas faixas de fronteira integram o patrimônio da União, sendo nula a sua alienação por Estado membro.
3. A ratificação do registro imobiliário depende de procedimento administrativo prévio, e não é cabível quando o imóvel é objeto de litígio judicial ou administrativo.
4. O direito à servidão minerária depende do cumprimento de requisitos legais, não sendo admissível sua instituição como forma de obstar a procedência de ação possessória."


Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 20, II; CPC/2015, art. 278; CC/2002, art. 166, II; Lei nº 6.739/1979, arts. 1º e 3º; Decreto-Lei nº 227/1967, arts. 59 e 60; Lei nº 13.178/2015, art. 1º, I.

Jurisprudência relevante citada: STF, ADPF nº 1056, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 27.11.2023; STJ, REsp 1.809.043/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 10.02.2021; TJMG, Apelação Cível nº 1.0000.23.127887-0/003, Rel. Des. Sérgio André da Fonseca Xavier, j. 02.07.2024.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, rejeitou as preliminares e, no mérito, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
DAVID DANTAS
DESEMBARGADOR FEDERAL