APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002594-80.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) APELANTE: DIEGO MARTIGNONI - RS65244-A, MARCOS RIGONY MENEZES COSTA - SP479821-A
APELADO: KLEBER MOREIRA FERNANDES
Advogado do(a) APELADO: SAMUEL MOREIRA GOUVEIA - SP254678-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002594-80.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: DIEGO MARTIGNONI - RS65244-A, MARCOS RIGONY MENEZES COSTA - SP479821-A APELADO: KLEBER MOREIRA FERNANDES Advogado do(a) APELADO: SAMUEL MOREIRA GOUVEIA - SP254678-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF contra sentença proferida em ação pelo procedimento comum ajuizada por KLEBER MOREIRA FERNANDES com pedidos de condenação da ré à devolução em dobro do valor indevidamente retirado da conta corrente do autor e ao pagamento da indenização por dano moral. Narra o autor em sua inicial que, em 22/01/2010, uma empresa da qual o autor é sócio emitiu uma Cédula de Crédito Bancário - CCB, na qual o demandante figurou como avalista. Afirma que, em razão do inadimplemento, em 30/08/2011 a CEF ajuizou a execução de título extrajudicial de nº 0015449-26.2011.403.6100 em face da empresa e dos avalistas. Diz que a dívida foi paga no curso daquela demanda, o que levou à sua extinção com resolução do mérito em 22/03/2016. Alega que, mesmo assim, em 06/12/2017 veio a ser surpreendido pelo desconto da importância de R$ 86.004,02 de sua conta bancária, sem qualquer aviso prévio, e que veio a descobrir que isso corresponderia à liquidação do contrato nº 21.0255.555.0000028-14, que fora objeto da execução de título extrajudicial nº 0015449-26.2011.403.6100 e que já havia sido liquidado (ID 271898399). Em sentença, o Juízo de Origem julgou parcialmente procedente o pedido para 1) declarar a nulidade do lançamento a débito pelo valor de R$ 86.004,02, realizado na conta corrente nº 0255.013.00011412-9 em 08.12.2017, condenando a CEF a ressarcir o valor, corrigido monetariamente e acrescido de juros remuneratórios aplicáveis às cadernetas de poupança, desde a data do ato ilícito, bem como acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, desde a data de citação (09.02.2018) e 2) condenar a CEF em multa civil, pelo mesmo valor cobrado indevidamente (R$ 86.004,02), corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do ato ilícito (08.12.2017), e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação (09.02.2018), e rejeitou o pedido de dano moral. Reconheceu a sucumbência mínima do autor no pedido e condenou exclusivamente a CEF ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado em fase de cumprimento de sentença. Condenou a ré, ainda, a ressarcir as custas adiantadas pela parte autora, atualizadas pela Taxa Selic desde o desembolso (30.01.2018) (ID 271898659). Em suas razões recursais, a CEF sustenta que o CDC é inaplicável ao caso por se tratar de uma relação comercial, na qual foi concedido capital de giro destinado à atividade produtiva da empresa, que o débito administrativo decorreu de engano justificável e que a cobrança é anterior a 30/03/2021, data da modulação de efeitos determinada pelo STJ no EREsp 1.413.542/RS, devendo ser aplicado o entendimento de que a restituição em dobro pressupõe má-fé, inexistente no caso concreto. Subsidiariamente, defende que o valor da multa civil é excessivo e é fonte de enriquecimento sem causa para o autor (ID 271898674). Contrarrazões pelo autor (ID 271898697). É o relatório. dpuga
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002594-80.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) APELANTE: DIEGO MARTIGNONI - RS65244-A, MARCOS RIGONY MENEZES COSTA - SP479821-A APELADO: KLEBER MOREIRA FERNANDES Advogado do(a) APELADO: SAMUEL MOREIRA GOUVEIA - SP254678-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF contra sentença proferida em ação pelo procedimento comum ajuizada por KLEBER MOREIRA FERNANDES com pedidos de condenação da ré à devolução em dobro do valor indevidamente retirado da conta corrente do autor e ao pagamento da indenização por dano moral. Narra o autor em sua inicial que, em 22/01/2010, uma empresa da qual o autor é sócio emitiu uma Cédula de Crédito Bancário - CCB, na qual o demandante figurou como avalista. Afirma que, em razão do inadimplemento, em 30/08/2011 a CEF ajuizou a execução de título extrajudicial de nº 0015449-26.2011.403.6100 em face da empresa e dos avalistas. Diz que a dívida foi paga no curso daquela demanda, o que levou à sua extinção com resolução do mérito em 22/03/2016. Alega que, mesmo assim, em 06/12/2017 veio a ser surpreendido pelo desconto da importância de R$ 86.004,02 de sua conta bancária, sem qualquer aviso prévio, e que veio a descobrir que isso corresponderia à liquidação do contrato nº 21.0255.555.0000028-14, que fora objeto da execução de título extrajudicial nº 0015449-26.2011.403.6100 e que já havia sido liquidado (ID 271898399). A CEF não controverte os fatos, mas sustenta que o CDC é inaplicável ao caso concreto por se tratar de operação de capital de giro, que agiu de boa-fé, mediante engano justificável e que deve ser aplicado o entendimento firmado pelo STJ no EREsp 1.413.542/RS, inclusive no que se refere à modulação de efeitos. Caso mantida a multa civil, pede a redução de seu valor por entendê-lo excessivo e fonte de enriquecimento sem causa para o autor. É firme na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é inaplicável o CDC à contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço, como é o caso do empréstimo bancário para obtenção de capital de giro: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO. PESSOA JURÍDICA. MÚTUO PARA FOMENTO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. EMPRESA NÃO DESTINATÁRIA FINAL DO SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE NÃO PRESUMIDA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. No caso concreto, a dívida funda-se em contrato de empréstimo concedido pela CEF à empresa Sima Engenharia LTDA., com garantia do Fundo de Garantia de Operações - FGO (ID 271898417). Conforme alegado pela CEF em razões recursais e não impugnado pela parte adversa, entendo que se trata de dinheiro destinado às atividades empresariais da mutuante, hipótese à qual não se aplica o CDC. Cabe analisar se a restituição de valores em dobro se justifica, ou não, com base no art. 940 do Código Civil. Entendo que, ao utilizar o termo “demandar”, o legislador deixou claro que o art. 940 do Código Civil aplica-se às hipóteses de cobrança indevida por meio judicial: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COBRANÇA JUDICIAL. INDEVIDA. DÍVIDA PAGA. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MÁ-FÉ. DEMONSTRAÇÃO. ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. PRESSUPOSTOS PREENCHIDOS. COEXISTÊNCIA DE NORMAS. CONVERGÊNCIA. MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. Além disso, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado sumular nº 159, segundo o qual a cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 940 do Código Civil de 2002, atualmente em vigor. No caso concreto, houve uma primeira cobrança dos valores pela CEF, nos autos da execução de título extrajudicial nº 0015449-26.2011.403.6100. Após o pagamento dos valores naqueles autos, o banco réu efetuou nova cobrança extrajudicial, por meio de desconto direto de valores na conta bancária do autor. Como visto até aqui, a cobrança extrajudicial de valores, mediante desconto em conta bancária, não atrai a aplicação do art. 940 do Código Civil, independentemente da boa-fé da instituição financeira. Dos honorários advocatícios É de se reconhecer que os litigantes passam a ser, respectivamente, vencedor e vencido, em parte, o que impõe a aplicação do disposto no artigo 86 do Código de Processo Civil/2015. Condeno o autor e a ré ao pagamento de metade das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, a ser rateado entre as partes, a ser apurado em fase de cumprimento de sentença, vedada a compensação (art. 85, § 14, do CPC). Sem honorários recursais em razão do parcial provimento do recurso. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para afastar a condenação da ré à restituição em dobro dos valores discutidos nos autos, mantida sua condenação à restituição de forma simples, nos termos da fundamentação. Consigno que a oposição de embargos declaratórios infundados pode ensejar aplicação de multa nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. É como voto.
1. Ação revisional de contrato bancário ajuizada em 24/08/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 23/02/2022 e concluso ao gabinete em 01/06/2022.
2. O propósito recursal consiste em dizer se o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica firmada entre as litigantes, oriunda de contratação de empréstimo para fomento de atividade empresarial.
3. Nos termos da jurisprudência do STJ, é inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Precedentes. Não há que se falar, portanto, em aplicação do CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro.
4. Dessa maneira, inexistindo relação de consumo entre as partes, mas sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (art. 6º, inc. VIII, do CDC).
5. A aplicação da Teoria Finalista Mitigada exige a comprovação de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional, a qual não pode ser meramente presumida. Nesta sede, porém, não se pode realizar referida análise, porquanto exigiria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 7/STJ).
6. Afasta-se a aplicação de multa, uma vez que não configura intuito protelatório ou litigância de má-fé a mera interposição de recurso legalmente previsto.
7. Recurso especial conhecido e provido” (destaquei).
(STJ, REsp nº 2.001.086/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe: 30/09/2022).
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a discutir a possibilidade de se aplicar a sanção do art. 940 do Código Civil - pagamento da repetição do indébito em dobro - na hipótese de cobrança indevida de dívida oriunda de relação de consumo.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
4. Os artigos 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor possuem pressupostos de aplicação diferentes e incidem em hipóteses distintas.
5. A aplicação da pena prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC apenas é possível diante da presença de engano justificável do credor em proceder com a cobrança, da cobrança extrajudicial de dívida de consumo e de pagamento de quantia indevida pelo consumidor.
6. O artigo 940 do CC somente pode ser aplicado quando a cobrança se dá por meio judicial e fica comprovada a má-fé do demandante, independentemente de prova do prejuízo.
7. No caso, embora não estejam preenchidos os requisitos para a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, visto que a cobrança não ensejou novo pagamento da dívida, todos os pressupostos para a aplicação do art. 940 do CC estão presentes.
8. Mesmo diante de uma relação de consumo, se inexistentes os pressupostos de aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, deve ser aplicado o sistema geral do Código Civil, no que couber.
9. O art. 940 do CC é norma complementar ao art. 42, parágrafo único, do CDC e, no caso, sua aplicação está alinhada ao cumprimento do mandamento constitucional de proteção do consumidor.
10. Recurso especial não provido” (destaquei).
(STJ, REsp nº 1.645.589/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgamento em 04/02/2020).
E M E N T A
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. INAPLICABILIDADE DO CDC. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL INDEVIDA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta pela Caixa Econômica Federal - CEF contra sentença proferida em ação pelo procedimento comum ajuizada por Kleber Moreira Fernandes. O autor pleiteou a devolução em dobro de valores indevidamente retirados de sua conta corrente, bem como indenização por danos morais. Alegou que, embora extinta a execução judicial da dívida, houve desconto indevido pela ré. A sentença acolheu parcialmente os pedidos, condenando a ré à devolução em dobro dos valores e ao pagamento de indenização.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão:
(i) saber se é aplicável o art. 42, parágrafo único, do CDC ao caso concreto;
(ii) saber se é aplicável o art. 940 do Código Civil à cobrança extrajudicial indevida realizada pela instituição financeira; e
(iii) se a condenação à restituição de valores em dobro seria legítima, ou se caberia apenas a restituição simples.
III. Razões de decidir
3. É firme na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é inaplicável o CDC à contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço, como é o caso do empréstimo bancário para obtenção de capital de giro.
4. Conforme jurisprudência do STJ, o art. 940 do Código Civil é aplicável apenas a hipóteses de cobrança indevida realizada por meio judicial, o que não se verifica no presente caso, em que a cobrança ocorreu de forma extrajudicial, mediante desconto em conta corrente.
5. Reconhecimento de que os litigantes obtiveram êxito parcial, impondo-se a divisão proporcional das custas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 86 do CPC/2015.
IV. Dispositivo e tese
6. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento: “1. O CDC não se aplica a empréstimos para fomento da atividade empresarial. 2. O art. 940 do Código Civil não se aplica às hipóteses de cobrança extrajudicial indevida, ainda que realizada sem justa causa. 3. A restituição de valores indevidamente cobrados em tais casos deve ocorrer de forma simples.”
Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor. Código Civil, art. 940; CPC/2015, arts. 85, § 14, e 86.
Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula nº 159; STJ, REsp nº 1.645.589/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 04.02.2020.