HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5034359-26.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
IMPETRANTE E PACIENTE: MORTEZA HAJI POUR
IMPETRADO: 2ª VARA FEDERAL DE GUARULHOS
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5034359-26.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES IMPETRANTE E PACIENTE: MORTEZA HAJI POUR IMPETRADO: 2ª VARA FEDERAL DE GUARULHOS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de MORTEZA HAJI POUR contra o ato do Juízo Federal Plantonista da Subseção Judiciária de Guarulhos/SP, nos autos do processo nº 5009972-20.2024.4.03.6119. Narra que o paciente é iraniano e foi preso em flagrante dia 26/12/2024, no aeroporto internacional de Guarulhos, em razão da suposta prática do delito de uso de documento falso. O paciente portava um passaporte iraniano, apontado pelas autoridades policiais como aparentemente verdadeiro, e dois passaportes falsos (francês e brasileiro), impressos com jato de tinta, o preso alegou à autoridade policial correr risco de vida em seu país de origem. Aduz que aplica-se ao caso dos autos o art. 10 do Estatuto do Refugiado para suspensão dos procedimentos relacionados ao ingresso irregular de solicitantes de refúgio, havendo o uso de documento falso como medida para resguardar a vida. Argumenta que é comum que o estrangeiro utilize de meios alternativos, a exemplo de embarque clandestino em navios, utilização de documentos falsos, dentre outros, para salvaguardar a sua liberdade, a integridade física e a vida, o paciente fugiu de seu país de origem por motivos de perseguição religiosa, pois optou por se converter ao cristianismo, sofrendo grave perseguição no Irã, país de maioria mulçumana, não cabendo ao magistrado supor a má-fé, uma vez que compete ao CONARE a análise quanto ao cabimento ou não do refúgio. Afirma que, com a prisão, estão violados os princípios e garantias de proteção dos direitos do refugiado. E considerando que o réu não possui maus antecedentes, a manutenção da custódia viola o princípio da proporcionalidade, não podendo se mostrar mais severa do que eventual reprimenda que o réu poderá receber ao final da ação penal. Discorre sobre sua tese e requer: (i) A concessão da medida liminar, a fim de que seja relaxada a prisão em flagrante e, consequentemente, revogada a prisão preventiva do paciente pelos motivos expostos; (ii) Subsidiariamente, também em caráter liminar, a concessão da liberdade provisória em favor do paciente. (iii) A concessão da ordem de habeas corpus, confirmando a liminar acima pleiteada. Vistos em plantão judicial, a liminar foi indeferida (ID 310700234). Vistos em substituição regimental, a decisão liminar foi ratificada (ID 310769855). A autoridade impetrada prestou suas informações (ID 310978599). O Exmo. Procurador Regional da República, Luís Roberto Gomes, manifestou-se pela concessão da ordem (ID 311303831). É o relatório.
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5034359-26.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES IMPETRANTE E PACIENTE: MORTEZA HAJI POUR IMPETRADO: 2ª VARA FEDERAL DE GUARULHOS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal. É sob esse prisma, pois, que se analisa a presente impetração. Em breve resumo, o paciente é iraniano e foi preso em flagrante dia 26/12/2024, no aeroporto internacional de Guarulhos, em razão da suposta prática do delito de uso de documento falso. Ele portava um passaporte iraniano, aparentemente verdadeiro, e dois passaportes falsos (francês e brasileiro), impressos com jato de tinta. O paciente alegou à autoridade policial correr risco de vida em seu país de origem em virtude de escolha religiosa. Na decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva está assim fundamentada (ID 310699054, fls. 59/64): (...) No caso em tela, tenho que a prisão preventiva se justifica para garantir a ordem pública, bem como a instrução processual e a aplicação da lei penal. A prisão deu-se nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, porque, segundo relatos do condutor e testemunhas, o custodiado foi surpreendido ao tentar embarcar em voo internacional portando passaporte falso. Ademais, o custodiado é estrangeiro, sem qualquer vínculo com o Brasil ou indicação de local onde poderia permanecer no país durante o curso do processo e, assim, de endereço onde poderia ser localizado para comunicações processuais, o que torna, neste momento, a prisão preventiva também necessária para viabilizar a instrução processual e a aplicação da lei penal. Dessa forma, há risco concreto de que o custodiado possa fugir ou ocultar-se caso seja colocado em liberdade, inviabilizando a prática dos necessários atos de instrução processual e, ao final, a aplicação da lei penal. Também não foram verificados os antecedentes criminais em nome do custodiado. A questão do refúgio não suspende automaticamente os trâmites burocráticos para repatriação, especialmente quando há indícios de que o pedido de refúgio pode não ser legítimo, de modo que o fato de alguém pedir refúgio em outro país não é um salvo-conduto para evitar a repatriação, devendo essas questões serem analisadas pelo Conare. Há jurisprudência pacífica da 1 Vara de Guarulhos sobre a possibilidade de o judiciário analisar, ainda que perfunctoriamente, a legalidade do pedido de refúgio. Todavia, o pedido de refúgio não impede a prisão de alguém que esteja utilizando documentos falsos, de modo que a materialidade dos documentos falsos (passaportes francês e brasileiro) está presente. No que tange à comunicação com o consulado iraniano, entendo que é caso de sua realização, pois o Brasil tem a obrigação de dar andamento ao pedido de refúgio e à prisão, sem presumir perseguição por parte do consulado. Nesse contexto, revela-se necessária e adequada a manutenção da custódia cautelar do investigado, não sendo possível vislumbrar qualquer outra medida cautelar diversa (CPP, art. 319) que possa afastar os riscos acima apontados. Postas estas razões, HOMOLOGO A PRISÃO EM FLAGRANTE de MORTEZA HAJI POUR e, presentes os requisitos e pressupostos do art. 312 do CPP, bem como configurada hipótese prevista no art. 313 do CPP, CONVERTO-A em PRISÃO PREVENTIVA. (...)” No caso dos autos, em que pese a fundamentação indicada pela autoridade impetrada, a Lei n.º 9.474/97 confere especial atenção ao indivíduo qualificado como refugiado (art. 1º desta lei), ou seja, que sofre perseguição grave de qualquer tipo no seu País de origem. Por determinação do art. 8º da mencionada Lei n.º 9.474/97, o ingresso irregular do estrangeiro no território nacional não impede que ele faça o requerimento de refúgio às autoridades competentes, o que demonstra que, salvo raras exceções (arts. 7º, § 2º c.c art. 3º, III, desta mesma lei), sua entrada irregular (ilegal ou ilícita), em território nacional, não obsta que alcance a qualidade jurídica de refugiado. Por sua vez, o paciente se identificou como refugiado e portava passaportes falsos com a intenção de conseguir efetivar sua entrada em território nacional, estando a suposta conduta ilicíta, em tese, relacionada com a intenção de pedir refúgio. Ademais, o delito ora imputado foi praticado sem violência ou grave ameaça e não verifico, ao menos por ora, indícios de que o paciente possua antecedentes criminais. O fundamento de ser estrangeiro não se afigura, nesse momento, motivação suficiente para a manutenção da segregação. Apesar de não haver comprovação de residência fixa no Brasil, não vislumbro indicativos de que o paciente irá se furtar à aplicação da lei penal ou de que irá tentar atrapalhar o andamento do feito. Nesse sentido, deve-se destacar o caráter excepcional do encarceramento antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. Frisa-se que, por ora, a concessão da liberdade provisória é possível, desde que aliada a algumas medidas cautelares, que se mostram, no caso, adequadas e suficientes, nos termos do que dispõe o artigo 282, § 6º do Código de Processo Penal. Ressalte-se que, caso as medidas alternativas não se mostrem suficientes, ou, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas, poderá ser decretada novamente a prisão do paciente, de acordo com o artigo 282, § 4º, do Código de Processo Penal. Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS, para revogar a prisão preventiva de MORTEZA HAJI POUR, mediante a imposição das seguintes medidas cautelares: a) compromisso de comunicar ao juízo, no prazo de 10 dias, o endereço correto em que poderá ser encontrado no Brasil e qualquer mudança deste endereço; b) comparecimento a todos os atos do processo; c) não se ausentar do distrito de residência sem autorização do juízo; d) comparecer mensalmente em juízo para comprovar suas atividades; e) inclusão nos bancos de dados da Polícia Federal do impedimento de saída do território nacional. É o voto.
E M E N T A
HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. PEDIDO DE REFÚGIO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSENCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSAO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O paciente é iraniano e foi preso em flagrante dia 26/12/2024, no aeroporto internacional de Guarulhos, em razão da suposta prática do delito de uso de documento falso. Ele portava um passaporte iraniano, aparentemente verdadeiro, e dois passaportes falsos (francês e brasileiro), impressos com jato de tinta. O paciente alegou à autoridade policial correr risco de vida em seu país de origem em virtude de escolha religiosa. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva.
2. A Lei n.º 9.474/97 confere especial atenção ao indivíduo qualificado como refugiado (art. 1º desta lei), ou seja, que sofre perseguição grave de qualquer tipo no seu País de origem.
3. Por determinação do art. 8º da mencionada Lei n.º 9.474/97, o ingresso irregular do estrangeiro no território nacional não impede que ele faça o requerimento de refúgio às autoridades competentes, o que demonstra que, salvo raras exceções (arts. 7º, § 2º c.c art. 3º, III, desta mesma lei), sua entrada irregular (ilegal ou ilícita), em território nacional, não obsta que alcance a qualidade jurídica de refugiado.
4. O paciente se identificou como refugiado e portava passaportes falsos com a intenção de conseguir efetivar sua entrada em território nacional, estando a suposta conduta ilicíta, em tese, relacionada com a intenção de pedir refúgio.
5. O delito ora imputado foi praticado sem violência ou grave ameaça e não se verifica, ao menos por ora, indícios de que o paciente possua antecedentes criminais.
6. O fundamento de ser estrangeiro não se afigura, nesse momento, motivação suficiente para a manutenção da segregação.
7. Apesar de não haver comprovação de residência fixa no Brasil, não vislumbro indicativos de que o paciente irá se furtar à aplicação da lei penal ou de que irá tentar atrapalhar o andamento do feito.
8. Deve-se destacar o caráter excepcional do encarceramento antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
9. A concessão da liberdade provisória é possível, desde que aliada a algumas medidas cautelares, que se mostram, no caso, adequadas e suficientes, nos termos do que dispõe o artigo 282, § 6º do Código de Processo Penal.
10. Caso as medidas alternativas não se mostrem suficientes, ou, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas, poderá ser decretada novamente a prisão do paciente, de acordo com o artigo 282, § 4º, do Código de Processo Penal.
11. Ordem concedida.