Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (11555) Nº 5030643-88.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE BARUERI/SP - 2ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: PLINTRON DO BRASIL PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS LTDA.
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GUSTAVO BINENBOJM - RJ83152-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: ANDRE CHATEAUBRIAND PEREIRA DINIZ MARTINS - RJ118663-S

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 
 

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (11555) Nº 5030643-88.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE BARUERI/SP - 2ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: PLINTRON DO BRASIL PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS LTDA.
 ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GUSTAVO BINENBOJM - RJ83152-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: ANDRE CHATEAUBRIAND PEREIRA DINIZ MARTINS - RJ118663-S

 

  

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo interno interposto pela PLINTRON DO BRASIL PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA à decisão da Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, nos termos do artigo 4º da Lei 8.437/1992 e artigo 15 da Lei 12.016/2009, deferiu a suspensão da sentença concessiva proferida no mandado de segurança 5001170-55.2024.4.03.6144, que havia determinado à ANATEL a expedição de ato de “Anuência Prévia” à operação de assunção pela PLINTRON do controle da SURF TELECOM S/A, empresa prestadora de serviços de telecomunicações de regime privado.

Alegou a agravante que: (1) houve grave desvirtuamento do instituto da suspensão de segurança, uma vez que não restaram preenchidos os requisitos delimitados nos artigos 4º da Lei 8.437/1992 c/c 15 da Lei 12.016/2009; (2) a concessão de Anuência Prévia não envolve mérito administrativo, mas sim corresponde a ato vinculado, devendo igual tratamento ser reconhecido à transferência de controle acionário de empresa detentora da outorga; (3) ainda que se considere ato discricionário, quando a ANATEL declinou motivo específico para o ato, tornou esse pressuposto de fato e de direito passível de controle pelo Judiciário, por força da teoria dos motivos determinantes; (4) uma vez eliminado o motivo inválido apresentado pela agência reguladora – e em atenção ao princípio utile per inutile non vitiatur –, a consequência lógica seria a afirmação do direito da PLINTRON à Anuência Prévia, dado que todos os demais requisitos para tal operação foram atendidos, conforme decisão do próprio Conselho Diretor da ANATEL; (5) o serviço de telecomunicações não ostenta natureza pública, mas privada, sendo prestado mediante autorização, razão pela qual deve ser regido pelos princípios constitucionais da atividade econômica previstos no artigo 129 da CF; (6) inexiste risco efetivo ao serviço público, porquanto ultrapassado sete meses desde a decisão que concedeu a anuência prévia, bem como diante da falta de comprovação concreta por parte da ANATEL; (7) há, no caso concreto, periculum in mora reverso, seja pela prolongação da frustração do direito em assumir o controle da SURF TELECOM S/A, seja porque, quando a ANATEL proferiu os acórdãos que negaram a anuência prévia, a controladora da SURF (Maresias) passou a adotar medidas para se valer disso como justificativa para esvaziar a tutela concedida em sede arbitral; e (8) a decisão agravada representa risco à ordem pública, à segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito, uma vez que ressuscita decisão da ANATEL completamente alheia aos direitos básicos do devido processo legal, além de afrontar a coisa julgada formada em procedimentos arbitrais.

Houve contrarrazões pela ANATEL (ID 313460481).

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (ID 315481011). 

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Órgão Especial
 

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (11555) Nº 5030643-88.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES

REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE BARUERI/SP - 2ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: PLINTRON DO BRASIL PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS LTDA.

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GUSTAVO BINENBOJM - RJ83152-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: ANDRE CHATEAUBRIAND PEREIRA DINIZ MARTINS - RJ118663-S

 

 

 

V O T O

 

Senhores Desembargadores, conforme já consignado na decisão ora recorrida, a suspensão de execução de decisão judicial proferida contra o Poder Público é medida excepcional, que extrapola a recorribilidade ordinária, exigindo requisitos específicos a partir da comprovação do manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade da decisão, associada à demonstração da concorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública, nos termos dos artigos 4º da Lei 8.437/1992 e 15 da Lei 12.016/2009. O pedido suspensivo tem caráter autônomo e, portanto, não é prejudicado pela interposição ou não de recurso, nem por eventual decisão de indeferimento da tutela requerida.

A excepcionalidade da medida, por gerar a competência do Presidente do Tribunal para sua apreciação, ainda que a decisão judicial tenha sido impugnada pela via recursal própria, e por envolver juízos específicos, não é autorizada apenas por se tratar de pretensão deduzida pelo Poder Público nem se houver mera ilegalidade contrastada por fundamento jurídico relevante, e for somente arguido provável risco de ineficácia da medida suspensiva ou irreversibilidade da situação jurídica derivada da decisão impugnada.

A avaliação de fundamento jurídico relevante ou probabilidade do direito e da urgência para suspender a decisão agravada envolve cognição ordinária sujeita, segundo regras do devido processo legal, à competência do órgão recursal próprio, Relator e Turma no âmbito do Tribunal e, portanto, não se trata, nesta especialíssima sede processual, de promover substituição do juízo cognitivo proferido na origem com incursão, ainda que perfunctória, no mérito, ou em temas afetos estritamente à probabilidade do direito ou relevância da fundamentação jurídica do pedido.

A excepcional competência do Presidente do Tribunal exige notabilizadas qualificações jurídicas tanto da pretensão como da situação gerada pela decisão impugnada se mantida eficaz: manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, capaz de gerar grave lesão não a qualquer bem jurídico, mas à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública.

É firme a jurisprudência em destacar a excepcionalidade da competência suspensiva de decisão judicial pelo Presidente do Tribunal ao qual couber o exame do recurso próprio (SL 1.496 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 21/06/2022; e AgInt na SLS 3.090, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 27/03/2023).

Por tais razões, ressalte-se, de início, que as alegações acerca do caráter discricionário ou vinculado do ato de anuência prévia, da eventual ofensa à coisa julgada de sentenças arbitrais, bem como da natureza pública ou privada dos serviços de telecomunicações – e da correspondente aquisição de sociedades empresárias deste ramo – sequer merecem ser conhecidas nesta excepcional via, pois, conforme já decidiu a Presidência em outra ocasião, “eventuais questões de mérito pertinentes à ação originária não são passíveis de análise no presente incidente, devendo ser suscitadas e debatidas por meio da via recursal adequada” (SLS 5029706-83.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Pres. MAIRAN MAIA, Dje 02/12/2021).

No caso concreto, a sentença concessiva no mandado de segurança 5001170-55.2024.4.03.6144 impôs "ao PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) o cumprimento de obrigação de fazer consubstanciada na expedição de ato autorizativo à impetrante PLINTRON DO BRASIL PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA. para assunção de controle de empresa prestadora de serviços de telecomunicações do regime privado – SURF TELECOM S/A, nos termos pactuados no Acordo de Investimento de ID 322186593 – Pág. 80-110".

Ocorre, contudo, que consoante entendimento da Corte Superior "o Poder Judiciário, quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos estreitos limites da legalidade, mormente em se tratando de questões concernentes a atos administrativos de agências reguladoras, cujo âmbito de atuação se dá com fulcro em legislação com ampla especificidade técnica sobre o mercado regulado" (AgRg na SS 2.727, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 16/10/2014).

Nesta linha de raciocínio, prossegue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "o tema em questão está sujeito à tutela do Poder Judiciário, mas a cautela recomenda que eventual afastamento dos atos de agências reguladoras se dê por motivo de ilegalidade e após instrução completa do feito, sob pena de ofensa à separação de Poderes. Não se trata da aplicação genérica do princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, como alega a agravante, mas do entendimento de que o setor em questão é disciplinado por regras de elevada especificidade técnica e de enorme impacto financeiro, já previamente definidas em atos da agência reguladora, de modo que a interferência na aplicação de tais regras pelo Poder Judiciário por meio de liminar configura grave lesão à ordem e à economia públicas" (v. voto condutor no AgInt na SLS 2.988, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 25/04/2023; e no AgInt na SLS 2.162, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 07/06/2022).

Cotejando tal entendimento com o caso em tela, verifica-se que a segurança concedida no mandamus desbordou dos limites de atuação do Poder Judiciário no controle de legalidade dos atos proferidos pela agência reguladora, uma vez que, ao invés de anular o ato administrativo e impor nova análise da operação pela autarquia especial, determinou desde logo a concessão da anuência prévia pretendida pela impetrante, ora agravante.

Nestes termos, destacou a decisão ora agravada que a outorga da anuência prévia pelo Poder Judiciário configura situação de efetivo risco ao interesse público, na medida em que, para além do exercício do regular controle de legalidade do ato administrativo, avançou sensivelmente sobre a válida margem discricionária da ANATEL para aprovar ou rejeitar a operação societária em questão.

Não cabe ao Judiciário avocar o poder regulatório da ANATEL para, após eventualmente afastar erro de procedimento ou determinado argumento meritório, prosseguir por si e originariamente na conclusão da apreciação do pedido de anuência, tendo em vista que, assim procedendo, incorre, ele próprio, em violação à separação de poderes e indevida incursão nas atribuições conferidas pela legislação de regência à agência reguladora, responsável por mercado de elevada especificidade técnica.

Da mesma forma, consoante observado pela agravada em contrarrazões, inviável suscitar o princípio “utile non inutile per vitiatum (o que é útil não deve ser prejudicado pelo viciado)” como fundamento para ultrapassar competências constitucionalmente estabelecidas.

Restou configurado, portanto, risco de grave lesão à ordem pública, consubstanciado na ofensa à separação dos poderes pelo provimento judicial que proferiu ato administrativo de anuência, cuja competência – tanto do ponto de vista técnico, como do ponto de vista legal – reside na aludida agência reguladora federal, como reconhecido pela decisão suspensiva, ora agravada.

Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência deste Tribunal: 

 

SLS 5025280-23.2024.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Pres. CARLOS MUTA, DJe de 17/12/2024: "[...] 3. A decisão agravada apoiou-se em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que destaca a necessidade do "Poder Judiciário, quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos estreitos limites da legalidade, mormente em se tratando de questões concernentes a atos administrativos de agências reguladoras, cujo âmbito de atuação se dá com fulcro em legislação com ampla especificidade técnica sobre o mercado regulado". [...] 5. Compete à ANATEL a regulação e fiscalização da comercialização de produtos de telecomunicações, bem como a certificação de produtos para telecomunicações. Havendo competência para referida fiscalização, há, consequentemente, para a imposição de obrigações àqueles que descumprirem os regramentos e disposições regulamentares. Este foi, também, o entendimento esposado pelo Ministério Público Federal em parecer apresentado na ação originária."

 

Outrossim, conforme delimitado na decisão agravada, eventual aplicabilidade da teoria dos motivos determinantes não tem o condão de afastar a conclusão supra, na medida em que não se afirma a validade do ato administrativo contestado a partir de fundamento não declinado, mas sim que mesmo que se entenda pela ilegalidade do entendimento da ANATEL a solução decorrente seria a ordem de nova apreciação, e não a obrigatória anuência à operação de fundo.

Já em relação ao argumento de delonga na propositura do pedido suspensivo, tal circunstância não pode ser valorada contrariamente à autarquia federal requerente, ora agravada, uma vez que o decurso do tempo, por si, não afasta o risco à ordem pública ensejador da suspensão, o qual decorre da ordem judicial substitutiva da apreciação técnica da ANATEL.

Ressalte-se, ainda, que foi manejado recurso em face da decisão liminar concedida (AI 5011695-98.2024.4.03.0000), o qual teve sua apreciação prejudicada pela superveniência do julgamento da demanda principal (mandado de segurança originário), tendo a suspensão sido pleiteada tempestivamente em face da sentença confirmatória do mandamus (ID 308637723).

De igual modo, não assiste razão à agravante em suas alegações de periculum in mora reverso e de pretenso risco à ordem pública, à segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito, haja vista que tais alegações subvertem o estado de coisas do presente caso, a saber: sobrepõe interesse privado da sociedade empresária impetrante em face do inegável interesse público decorrente da manutenção da competência da ANATEL e do princípio da separação dos poderes.

Nesse ponto, convém destacar trecho da decisão que indeferiu pedido da agravante para atribuição de efeito suspensivo à apelação interposta (SuspApel 5033722-75.2024.4.03.0000, ID 310535993), com julgamento previsto para 02/04/2025 (ID 315690301):

 

"Ora, a decisão da Presidência desta Corte Regional no SLS n. 5030643-88.2024.4.03.0000 apenas determinou a suspensão dos efeitos da liminar confirmada na sentença prolatada no Mandado de Segurança n. 5001170-55.2024.4.03.6144, e não a cassação da Anuência Prévia anteriormente deferida à requerente, conforme se infere do seu dispositivo, in verbis: 

[...] 

No que diz respeito aos efeitos da decisão no incidente de Suspensão de Liminar, instaurado diretamente junto à Presidência trago as lições do ilustre jurista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

 

“1. A suspensão cautelar dos efeitos da segurança é hoje disciplinada pelo art. 15 da Lei nº 12.016/2009, que a autoriza “para evitar grave lesão à ordem pública, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Deve ser requerida por pessoa jurídica de direito público ou pelo Ministério Público, cabendo sua concessão ao Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso contra a decisão concessiva da segurança (Lei nº 12.016, art. 15, caput).

Com tal provimento de urgência, não se anula nem se cassa a ordem de segurança. Apenas se consegue, excepcionalmente, uma suspensão dos efeitos da segurança, até que se chegue a uma solução definitiva com a autoridade de coisa julgada.” (g.n.) in THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei do Mandado de Segurança comentada: artigo por artigo. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, Ebook, p.320)."  (SuspApel 5033722-75.2024.4.03.0000)

 

Além disso, cumpre reconhecer que a produção de efeitos da sentença do writ permitiria a concretização da aquisição de controle societário pela impetrante (PLINTRON DO BRASIL PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA), sem a devida reapreciação pela ANATEL dos demais requisitos legais para tal operação – situação apta a gerar novos conflitos judiciais, alegações de nulidade e profunda insegurança, sobretudo aos consumidores usuários da empresa de telecomunicação que se pretende adquirir (SURF TELECOM S/A).

A propósito, constou do parecer da Procuradoria Regional da República que “uma vez consumada a alteração contratual, os atos praticados sob a égide da nova composição societária poderão produzir efeitos permanentes com graves riscos aos consumidores e à ordem pública” (ID 315481011).

Assim, ponderando-se os interesses envolvidos, é de rigor a manutenção da suspensão, ao menos até o julgamento do mandado de segurança de origem no âmbito deste Tribunal, sem prejuízo de que os interessados busquem, eventual e oportunamente, reconsideração da decisão da agência via novo pleito administrativo.

Frente a tal contexto é que se deve observar a margem decisória cabível em sede de suspensão de segurança, que não se trata, por definição, de exame de mérito, mas, sim, de salvaguarda incidental e temporária sobre externalidades potencialmente negativas, do ponto de vista público, do estado de processamento de demandas judiciais envolvendo a Administração.

Resta, ademais, caracterizado o risco de efeito multiplicador impeditivo da atuação fiscalizatória regular e legítima da ANATEL, ao se permitir que prevaleça decisão que substitua, em termos práticos, o juízo de anuência prévia da agência reguladora em relação a operações de aquisição de controle de outras empresas do setor, com evidente prejuízo ao interesse público e aos consumidores.

Configurada, pois, neste contexto, a flagrante ilegitimidade da sentença concessiva da segurança, concomitante ao risco de lesão grave à ordem pública, afigura-se, de rigor, a manutenção da contracautela deferida, nos termos dos artigos 4º da Lei 8.437/1992 e 15 da Lei 12.016/2009, a vigorar até análise do mérito, na ação principal, pelo órgão colegiado competente desta Corte (SLAT 5001511-93.2018.4.03.0000, Rel. Des. Fed. THEREZINHA CAZERTA, DJe de 04/06/2019).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. ANATEL. CONTROLE JUDICIAL DE ATOS DE AGÊNCIA REGULADORA. ANUÊNCIA PRÉVIA PARA AQUISIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. SEPARAÇÃO DE PODERES. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO .

1. A suspensão de execução de decisão judicial proferida contra o Poder Público é medida excepcional, que extrapola a recorribilidade ordinária, exigindo requisitos específicos a partir da comprovação do manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade da decisão, associada à demonstração da concorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública, nos termos dos artigos 4º da Lei 8.437/1992 e 15 da Lei 12.016/2009. O pedido suspensivo tem caráter autônomo e, portanto, não é prejudicado pela interposição ou não de recurso, nem por eventual decisão de indeferimento da tutela requerida.

2. A excepcionalidade da medida, por gerar a competência do Presidente do Tribunal para sua apreciação, ainda que a decisão judicial tenha sido impugnada pela via recursal própria, e por envolver juízos específicos, não é autorizada apenas por se tratar de pretensão deduzida pelo Poder Público nem se houver mera ilegalidade contrastada por fundamento jurídico relevante, e for somente arguido provável risco de ineficácia da medida suspensiva ou irreversibilidade da situação jurídica derivada da decisão impugnada.

3. A avaliação de fundamento jurídico relevante ou probabilidade do direito e da urgência para suspender a decisão agravada envolve cognição ordinária sujeita, segundo regras do devido processo legal, à competência do órgão recursal próprio, Relator e Turma no âmbito do Tribunal e, portanto, não se trata, nesta especialíssima sede processual, de promover substituição do juízo cognitivo proferido na origem com incursão, ainda que perfunctória no mérito, ou em temas afetos estritamente à probabilidade do direito ou relevância da fundamentação jurídica do pedido.

4. A excepcional competência do presidente do tribunal exige notabilizadas qualificações jurídicas tanto da pretensão como da situação gerada pela decisão impugnada se mantida eficaz: manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, capaz de gerar grave lesão não a qualquer bem jurídico, mas à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública.

5. À luz da jurisprudência dos tribunais superiores, não é esse o meio próprio à apreciação de temáticas indissociáveis do mérito da ação principal, tais como a arguição de ofensa à coisa julgada de sentenças arbitrais e as alegações acerca do caráter discricionário ou vinculado do ato de anuência prévia, bem como sobre a natureza pública ou privada dos serviços de telecomunicações.

6. O Superior Tribunal de Justiça assentou que "o Poder Judiciário, quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos estreitos limites da legalidade, mormente em se tratando de questões concernentes a atos administrativos de agências reguladoras, cujo âmbito de atuação se dá com fulcro em legislação com ampla especificidade técnica sobre o mercado regulado" (AgRg na SS 2.727, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 16/10/2014), de modo que "o tema em questão está sujeito à tutela do Poder Judiciário, mas a cautela recomenda que eventual afastamento dos atos de agências reguladoras se dê por motivo de ilegalidade e após instrução completa do feito, sob pena de ofensa à separação de Poderes. Não se trata da aplicação genérica do princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, como alega a agravante, mas do entendimento de que o setor em questão é disciplinado por regras de elevada especificidade técnica e de enorme impacto financeiro, já previamente definidas em atos da agência reguladora, de modo que a interferência na aplicação de tais regras pelo Poder Judiciário por meio de liminar configura grave lesão à ordem e à economia públicas" (v. voto condutor no AgInt na SLS 2.988, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 25/04/2023; e no AgInt na SLS 2.162, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 07/06/2022).

7. A segurança concedida no mandamus de origem desbordou dos limites de atuação do Poder Judiciário no controle de legalidade dos atos proferidos pelas agências reguladoras, uma vez que, ao invés de impor nova análise da operação pela autarquia especial, determinou desde logo a concessão da anuência prévia pretendida pela impetrante, ora agravante, avançando sensivelmente sobre a válida margem discricionária da ANATEL para aprovar ou rejeitar a operação societária em questão.

8. Não cabe ao Judiciário avocar o poder regulatório da ANATEL para, após eventualmente afastar erro de procedimento ou determinado argumento meritório, prosseguir por si e originariamente na conclusão da apreciação do pedido de anuência, tendo em vista que, assim procedendo, incorre, ele próprio, em violação à separação de poderes e indevida incursão nas atribuições conferidas pela legislação de regência à agência reguladora, responsável por mercado de elevada especificidade técnica.

9. Restou configurado, portanto, risco de grave lesão à ordem pública, consubstanciado na ofensa à separação dos poderes pelo provimento judicial que proferiu ato administrativo de anuência, cuja competência – tanto do ponto de vista técnico, como do ponto de vista legal – reside na aludida agência reguladora federal, como reconhecido pela decisão suspensiva, ora agravada.

10. Eventual aplicabilidade da teoria dos motivos determinantes não tem o condão de afastar a conclusão supra, na medida em que não se afirma a validade do ato administrativo contestado a partir de fundamento não declinado, mas sim que mesmo que se entenda pela ilegalidade do entendimento da ANATEL a solução decorrente seria a ordem de nova apreciação, e não a obrigatória anuência à operação de fundo.

11. A alegação de delonga na propositura do pedido suspensivo não pode ser valorada contrariamente à autarquia federal agravada, uma vez que o decurso do tempo, por si, não afasta o risco à ordem pública ensejador da suspensão, o qual decorre da ordem judicial substitutiva da apreciação técnica da agência reguladora.

12. Inexistente periculum in mora reverso da contracautela deferida, tampouco risco à segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito, haja vista a supremacia do interesse público, sobretudo a proteção aos consumidores da empresa de telecomunicação que se pretende adquirir (SURF TELECOM S/A). De rigor, portanto, a manutenção da suspensão, ao menos até o julgamento do mandado de segurança de origem no âmbito deste Tribunal.

13. Há, ainda, risco de efeito multiplicador impeditivo da atuação fiscalizatória regular e legítima da ANATEL, ao se permitir que prevaleça decisão que substitua, em termos práticos, o juízo de anuência prévia da referida agência reguladora em relação a operações de aquisição de controle de outras sociedades empresárias do setor.

14. Agravo interno desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Desembargador Federal Presidente CARLOS MUTA (Relator). Votaram os Desembargadores Federais BAPTISTA PEREIRA, MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, CONSUELO YOSHIDA, CARLOS DELGADO, LEILA PAIVA, MARCELO SARAIVA, MÔNICA NOBRE, GISELLE FRANÇA, NELTON DOS SANTOS, MARCELO VIEIRA, ADRIANA PILEGGI, ANDRÉ NEKATSCHALOW (convocado para compor quórum), NINO TOLDO (convocado para compor quórum) e NELSON PORFÍRIO (convocado para compor quórum). Declarou suspeição o Desembargador Federal WILSON ZAUHY (convocado para compor quórum). Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais ANDRÉ NABARRETE, THEREZINHA CAZERTA, MARISA SANTOS, JOHONSOM DI SALVO e ANA IUCKER. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS MUTA
DESEMBARGADOR FEDERAL