Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009337-16.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: WANESSA ISABELLE RAMOS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009337-16.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: WANESSA ISABELLE RAMOS

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de WANESSA ISABELLE RAMOS, qualificada nos autos, nascida aos 19/09/1972, como incursa nas penas do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I da Lei nº 11.343/06 (id 268826474, p. 3/5). Consta da denúncia:

“WANESSA ISABELLE RAMOS, fazendo-se passar por ADRIANA DE OLIVEIRA RODRIGUES, em 14 de junho de 2017, em um posto de coleta da empresa FEDEX, na cidade de São Paulo, de maneira livre e consciente, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, uma encomenda contendo 517,8g de cocaína em seu interior (fls. 27/32).

Na data e local dos fatos, WANESSA, fazendo uso de identidade em nome de ADRIANA DE OLIVEIRA RODRIGUES, realizou postagem que continha brinquedos e quatro envelopes com destino à Tailândia, a qual foi apreendida pela Alfândega do Aeroporto de Viracopos, e em cujo interior foi encontrada substância que aparentava ser droga.

O laudo pericial nº 543/2018 – NUTEC/DPF/CAS/SP (fls. 27/32) resultou positivo para a substância cocaína, que se encontrava na forma salina, com massa de 517,8g (quinhentos e dezessete gramas e oito decigramas). Destacou que a substância analisada se encontra relacionada na ‘Lista de Substâncias Entorpecentes de Uso Proscrito’ no Brasil, constante na Portaria S.V.S/MS nº 344, de 12.05.1998, republicada no D.O.U. de 01.02.1999 e suas listas atualizadas, sendo considerada capaz de causar dependência física e/ou psíquica nos termos da norma supramencionada.

WANESSA foi presa em flagrante em 17 de janeiro de 2018 quando postava encomenda contendo cocaína para a Zâmbia, na agência dos Correios Adolfina de Pinheiros (autos nº 0000900-15.2018.4.03.6181). Naquela oportunidade, a denunciada confessou que realizava postagens de encomendas com drogas camufladas em seu interior, mediante o recebimento de US$ 200,00 (duzentos dólares) ou US$ 250,00 (duzentos e cinquenta dólares) por envio.

Ouvida pela autoridade policial nos autos dos IPLs nº 0577/2017-2 e 0017/2018-2 (fls. 55/63), WANESSA afirmou que fazia as postagens de cocaína para o exterior, reconheceu que as assinaturas eram suas e que foi a autora de todas as postagens.

Ainda, conforme consta no termo de reinquirição (fls. 60/63), WANESSA informou que não se recordava do número exato, mas que acreditava ter realizado aproximadamente 30 postagens nos últimos 12 meses.

Diante disso, tem-se a demonstração da materialidade delitiva por intermédio do laudo de fls. 27/32, que restou positivo para a substância cocaína, além da declaração da empresa FEDEX de entrega da encomenda às autoridades aduaneiras (fls. 05).

A autoria delitiva restou comprovada por meio das declarações de WANESSA nos autos do IPLs nº 0577/2017-2 e 0017/2018 (fls. 55/63), das informações nº 31/2018 e 04/2018 do Projeto Faro Fino de fls. 38/48, do relatório de Investigação nº 01/2018 (fls. 49/54) e da cópia do documento de identidade falsa apresentado por ela por ocasião da remessa da droga (fls. 07).

A transnacionalidade da conduta, por seu turno, é comprovada pelo endereçamento constante da encomenda (fls. 08)”.

Nos termos da decisão de ID 268826478, foi determinada a tramitação conjunta dos feitos representados pelos autos nºs 0009619-83.2018.403.6181, 0012803-47.2018.403.6181, 0001008-10.2019.403.6181 e 0010112-60.2018.403.6181, os quais têm em comum a apuração da prática, em tese, do delito de tráfico internacional de drogas por WANESSA ISABELLE RAMOS mediante remessa postal com falsa identificação do remetente.

Consoante denúncia nos autos nº 0009619-83.2018.403.6181, no dia 06.07.2017, nas dependências da agência dos Correios Capela do Socorro, nesta Capital, WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Lucia Martins, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,301 kg de cocaína.

Consoante denúncia nos autos nº 0012803-47.2018.403.6181, no dia 16.06.2017, na agência dos Correios AC Francisco Morato, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Isadora Garcia Gouveia, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,376 kg de cocaína.

Consoante denúncia nos autos nº 0001008-10.2019.403.6181, no dia 14.03.2017, na agência dos Correios AC Taboão, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS , de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Andrea Gaverio Biaziollo, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,260 kg de cocaína.

Consoante denúncia nos autos nº 0010112-60.2018.403.6181, no dia 15.05.2017, na agência dos Correios Bairro da Providência, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Adriana de Oliveira Rodrigues, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,479 kg de cocaína.

As denúncias relativas a esta ação penal e aos feitos reunidos foram recebidas em 06/08/2021 (id 268826565).

Após a instrução, sobreveio sentença, da lavra da MMa. Juíza Federal MARIA ISABEL DO PRADO e publicada em 27/10/2022 (Id. 268826830), que julgou procedente a denúncia para condenar a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, pela prática do crime previsto no art. 33 c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006 (tráfico internacional de drogas), por 5 (cinco) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, à pena de 16 (dezesseis) anos, 2 (dois) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo mensal vigente à época dos fatos.

O Ministério Público Federal tomou ciência da sentença (id 268826882) e não recorreu.

Apela a ré, representada pela Defensoria Pública da União (ID 268826885), requerendo a reforma da sentença, pelos seguintes argumentos: (i) absolvição da ré em virtude da ilicitude das provas colhidas, pois os pacotes teriam sido abertos pela autoridade policial em desrespeito ao direito constitucional à inviolabilidade de correspondência, acarretando a nulidade da prova decorrente; (ii) redução da pena-base ao mínimo legal; (iii) a redução da pena de multa ao mínimo legal (500 dias-multa) por ser a Apelante pessoa hipossuficiente econômica, em situação de vulnerabilidade social; (iv) aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06, em seu patamar máximo; (v) afastamento da causa de aumento referente à transnacionalidade do crime prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas ou a redução da fração aplicada; (vi) fixação de regime inicial menos gravoso; e vi) substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos; (vii) a concessão dos benefícios da assistência judiciária.

Contrarrazões do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso da defesa (Id. 268826888).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Procurador Regional da República, Dr. LVARO LUIZ DE MATTOS STIPP, opinou pelo parcial provimento do recurso defensivo, apenas para readequar a fração da causa de aumento relativa à transnacionalidade do delito, com a consequente redução do quantum de dias-multa, em atenção ao critério trifásico que norteia a dosimetria da pena, mantendo-se, no mais, o restante da sentença condenatória, nos termos em que proferida (Id. 268865901).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.

 

 


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V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Da Nulidade da Prova

A defesa aponta preliminar nulidade da apreensão da droga, consistente na violação do princípio constitucional da inviolabilidade da correspondência, uma vez que a abertura da encomenda pela autoridade policial ocorreu sem autorização judicial e fora das hipóteses legais.

O artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal assinala serem inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito, norma repetida pelo art. 157 do Código Processo Penal, que considera ilícitas as provas obtidas com violação de normas constitucionais ou legais.

E, no inciso XII, garante a inviolabilidade do sigilo da correspondência, nos seguintes termos:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento do RE 1.116.949, com repercussão geral, firmou o Tema 1041, no sentido de que "Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo”.

E em 30 de novembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos do RE 1.116.949, alterou a redação do Tema 1041 nos seguintes termos: “(1) Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, salvo se ocorrida em estabelecimento penitenciário, quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas; (2) Em relação a abertura de encomenda postada nos Correios, a prova obtida somente será lícita quando houver fundados indícios da prática de atividade ilícita, formalizando-se as providências adotadas para fins de controle administrativo ou judicial”.

E ao analisar o inteiro teor do julgado (RE 1.116.949/PR) há expressa menção à hipótese legal que regulamenta a atividade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na hipótese, qual seja, a Lei nº 6.538/1978, que prevê:

“Art. 10 - Não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta:

I - endereçada a homônimo, no mesmo endereço;

II - que apresente indícios de conter objeto sujeito a pagamento de tributos;

III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos;

IV - que deva ser inutilizada, na forma prevista em regulamento, em virtude de impossibilidade de sua entrega e restituição.

Parágrafo único - Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário.”

E o art. 13 da referida lei estabelece que a cocaína é uma substância de entrega proscrita pelos serviços postais:

“Art. 13 - Não é aceito nem entregue:

I - objeto com peso, dimensões, volume, formato, endereçamento, franqueamento ou acondicionamento em desacordo com as normas regulamentares ou com as previstas em convenções e acordos internacionais aprovados pelo Brasil;

II - substância explosiva, deteriorável, fétida, corrosiva ou facilmente inflamável, cujo transporte constitua perigo ou possa danificar outro objeto;

III - cocaína, ópio, morfina, demais estupefacientes e outras substâncias de uso proibido;

IV - objeto com endereço, dizeres ou desenho injuriosos, Ameaçadores, ofensivos a moral ou ainda contrários a ordem pública ou aos interesses do País;

V - animal vivo, exceto os admitidos em convenção internacional ratificada pelo Brasil;

VI - planta viva;

VII - animal morto;

VIII - objeto cujas indicações de endereçamento não permitam assegurar a correta entrega ao destinatário;

IX - objeto cuja circulação no País, exportação ou importação, estejam proibidos por ato de autoridade competente.

§ 1º - A infringência a qualquer dos dispositivos de que trata este artigo acarretará a apreensão ou retenção do objeto, conforme disposto em regulamento, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.”

No caso dos autos, conforme mencionado na r. sentença apelada, “a abertura dos cinco pacotes contendo cocaína postados pela ré encontra amparo no art. 10, III, da Lei 6.538/1978, segundo o qual não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos, sendo certo que, nos termos do art. 13, III, da mesma lei, a cocaína é substância de entrega proscrita pelos serviços postais”.

Consta do presente auto n. 0009337-16.2017.403.6105 que a empresa FEDEX entregou a encomenda amparada pelo conhecimento de carga n. 724592226235, com destino a Tailândia, em que figuram como remetente Adriana de Oliveira Rodrigues e destinatário Manuel Forest, às autoridades aduaneiras/policiais, por suspeita de conteúdo ilícito (id 268826473, p. 12). Consoante apurado, a encomenda foi interceptada em ato de conferência aduaneira na Alfândega do Aeroporto de Viracopos, em Campinas/SP (p. 23 do id 268826473).

Quanto ao feito n. 0010112-60.2018.403.6181, consta do Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins nº 451/17, oriundo da Alfândega da Receita Federal do Brasil em São Paulo - Serviço de Remessas Postais Internacionais, a apreensão de substancia com característica assemelhada  a cocaína, com massa bruta 2,340kg, que tinha como remetente Adriana de Oliveira Rodrigues e destinatário Paul Boris, na Austrália (id 268826481, p. 15/16).

Quanto ao feito n. 0009619-83.2018.403.6181, consta do Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins nº 638/17, oriundo da Alfândega da Receita Federal do Brasil em São Paulo - Serviço de Remessas Postais Internacionais, a apreensão de substância com característica assemelhada  a cocaína, com massa liquida 0,3340 kg, que tinha como remetente Lucia Martins e destinatário Jimmy Anderson Wlaker, no Reino Unido (id 268826555, p. 12/13).

Quanto ao feito n. 0012803-47.2018.403.6181, consta do Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins nº 547/17, oriundo da Alfândega da Receita Federal do Brasil em São Paulo - Serviço de Remessas Postais Internacionais, a apreensão de substância com característica assemelhada  a cocaína, com peso bruto 1,990 kg, que tinha como remetente Isadora Garcia Gouveia e destinatário Vikram Hishovik, na Tailândia (id 268826557, p. 12/13).

Quanto ao feito n. 0001008-10.2019.403.6181, consta do Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins nº 247/17, oriundo da Alfândega da Receita Federal do Brasil em São Paulo - Serviço de Remessas Postais Internacionais, a apreensão de substância com característica assemelhada  a cocaína, com peso liquido 0,260 kg, que tinha como remetente Andrea Gaverio Biaziollo a e destinatário Rejoice Kibuta, no Reino Unido (id 268826560, p. 13/14).

Como se observa, após a encomenda ser recebida pelos Correios/Fedex e encaminhada à Alfandega da Receita Federal, realizando fiscalização de rotina nas embalagens, os agentes da Receita Federal suspeitaram dos pacotes enviados pela ré, razão pela qual abriram os pacotes e constataram a existência de substância suspeita, aparentemente cocaína.

No caso, não há violação ao sigilo de correspondência, porquanto foi interceptada, pela Receita Federal, na conferência para trânsito, vale dizer, no exercício de seus deveres legais da receita Federal, conforme Regulamento Aduaneiro da Receita do Brasil (art. 331, §2º do Decreto 6.759/09):

“Art. 331.  A conferência para trânsito tem por finalidade identificar o beneficiário, verificar a mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza e quantificação, e confirmar o cumprimento do disposto no art. 328. 

(...)

§ 2o  Na conferência para trânsito, poderão ser adotados critérios de seleção e amostragem, de conformidade com o estabelecido em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.”

Alega a defesa que as encomendas deveriam ter sido abertas obrigatoriamente na presença do remetente ou destinatário, nos termos do parágrafo único do art. 10 da Lei n. 6.538/78.

Não procede a alegação. O art. 13, III, da Lei n. 6.538/78 determina que não será entregue cocaína, ópio, morfina, demais estupefacientes e outras substâncias de uso proibido, determinando o parágrafo único que a infringência a qualquer dos dispositivos de que trata o artigo acarretará a apreensão ou retenção do objeto, conforme disposto em regulamento, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Ademais, conforme manifestado na r. sentença apelada, “no caso concreto, a denunciada, ao fazer as postagens, identificou-se com nome e endereço falsos, inviabilizando o chamamento da remetente, pela autoridade policial, para a abertura dos pacotes na sua presença. O mesmo se diga com relação aos destinatários, pois residentes no estrangeiro (Inglaterra, Austrália e Tailândia). Por tais razões, reputo ter sido legítima a abertura das cinco encomendas contendo entorpecentes, não vislumbrando violação ao direito à inviolabilidade do sigilo da correspondência, de modo que afasto a nulidade aventada”.

Como se observa, a abertura do pacote pela autoridade alfandegária estava respaldada em normativo permissivo e, portanto, a prova não padece de ilicitude.

Da materialidade e autoria delitiva

Não obstante a ausência de insurgência das partes em relação à materialidade e autoria delitivas, verifico que restaram devidamente comprovadas nos autos.

Como descrito na r. sentença apelada, de acordo com as denúncias oferecidas nestes autos e nas ações penais conexas de nº 0009619-83.2018.403.6181, 0012803-47.2018.403.6181, 0001008-10.2019.403.6181 e 0010112-60.2018.403.6181, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS teria praticado os fatos delituosos a seguir sintetizados:

- Fato nº 1 (denúncia oferecida nestes autos nº 0009337-16.2017.4.03.6105): no dia 14 de junho de 2017, em posto de coleta da empresa FEDEX, na cidade de São Paulo, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Adriana de Oliveira Rodrigues, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,517 kg de cocaína.

- Fato nº 2 (denúncia oferecida originariamente nos autos nº 0009619-83.2018.403.6181): no dia 6 de julho de 2017, nas dependências da agência dos Correios Capela do Socorro, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Lucia Martins, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,301 kg de cocaína.

- Fato nº 3 (autos nº 0012803-47.2018.403.6181): no dia 16 de junho de 2017, na agência dos Correios AC Francisco Morato, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Isadora Garcia Gouveia, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,376 kg de cocaína.

- Fato nº 4 (autos nº 0001008-10.2019.403.6181): no dia 14 de março de 2017, na agência dos Correios AC Taboão, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Andrea Gaverio Biaziollo, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,260 kg de cocaína.

- Fato nº 5 (autos nº 0010112-60.2018.403.6181): no dia 15 de maio de 2017, na agência dos Correios Bairro da Providência, nesta Capital, a ré WANESSA ISABELLE RAMOS, de maneira livre e consciente, fazendo-se passar por Adriana de Oliveira Rodrigues, trouxe consigo e remeteu para o exterior, sem autorização legal ou regulamentar, encomenda contendo 0,479 kg de cocaína.

Quanto ao mérito, a tese defensiva de negativa de autoria não se sustenta.

Realmente, a materialidade do delito foi cabalmente demonstrada pelos autos de apreensão respectivos (Ids 268826473- p. 12; 268826555- pp. 12-13 e 16; 268826557 - pp. 9-10 e 16; 268826554- pp. 131-132 e 135; e 268826481- pp. 15-16 e 19) e pelos laudos de perícia criminal federal (IPL 543/2018 - ID 268826473- pp. 41-46; IPL 766/2017-2 - 268826555- pp. 36-40; IPL 625/2017-2 – 268826557 - pp. 92-96; IPL 311/2017-2 – 268826560 - pp. 45-48; e IPL 0577/2017-2 - 268826481- pp. 53-57), os quais atestaram ser cocaína a substância encontrada no interior das encomendas.

A transnacionalidade das condutas restou comprovada, pois as encomendas contendo cocaína seriam remetidas para localidades diversas no exterior, conforme se depreende dos documentos ID 268826473- p. 15 (remessa para a Tailândia), 268826555- p. 14 (Inglaterra), 268826557 - pp. 11-14 (Tailândia), 268826554 - p. 133 (Inglaterra) e 268826481- p. 17 (Austrália).

A autoria delitiva é comprovada pela Informação 31/2018 da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (p. 53/55, ID 268826473); Informação 04/2018 da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (p. 56/63, ID 268826473); Relatório de investigação 01/2018 da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (p. 64/69, ID 268826473), e pelo interrogatório da própria acusada, que apesar de afirmar em interrogatório que não se recorda especificamente das datas das postagens, a ré assumiu ter realizado as postagens das encomendas apreendidas nos autos, uma vez que é sua a caligrafia aposta em tais postais, realizando ainda as postagens utilizando documento falso em nome de terceiro. Aduziu que, embora recebesse do aliciador o pacote já pronto, sabia que continha drogas. A sua função no esquema criminoso consistia tão somente em ir à agência dos Correios ou Fedex e realizar o envio, preenchendo os dados do remetente e destinatário.

Ademais, a acusada foi identificada pelas câmeras de segurança, em dias distintos, no momento em que realizava as remessas ilegais de entorpecentes, sendo as imagens gravadas também reconhecidas pela própria acusada

Demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo, deve ser mantida a condenação da ré.

Passo à análise da dosimetria da pena.

Quanto à fixação da pena-base, na primeira fase da dosimetria, a Magistrada a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão, considerando como circunstâncias judiciais desfavoráveis a culpabilidade, as circunstâncias do delito e a quantidade e natureza da droga, nos seguintes termos:

A pena prevista para a infração capitulada no art. 33 da Lei 11.343/2006 está compreendida entre 5 (cinco) e 15 (quinze) anos de reclusão, e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Na primeira fase de aplicação da pena, as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal devem ser examinadas conjuntamente com as do art. 42 da Lei 11.343/2006.

Nesse sentido, a norma especial considera como circunstâncias judiciais específicas, preponderantes sobre aquelas do artigo 59 do CP: a) a qualidade e a quantidade do produto ou substância; b) a personalidade; e c) a conduta social.

1ª fase. Quanto à culpabilidade, verifico que a acusada agiu de forma premeditada, planejando antecipadamente a ação criminosa, o que, ao contrário do dolo de ímpeto, torna mais reprovável a conduta. Por tais motivos, a elevada censurabilidade de seu comportamento, face ao intenso grau de dolo demonstrado na prática delitiva, que extrapola a normalidade do tipo penal, justifica a exasperação da pena-base. Quanto aos antecedentes, constato a existência de outros inquéritos e processos instaurados em desfavor da ré, não havendo nos autos, contudo, informação sobre eventual condenação transitada em julgado, motivo pelo qual tal circunstância não será valorada, em respeito à Súmula 444 do STJ ("É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base"). Não existem elementos que desabonem a conduta social ou a personalidade da acusada, sendo certo que "condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente" (Tema 1077 STJ, REsp 1794854/DF, j. 23/06/2021). Os motivos do crime são usuais à espécie. Relativamente às circunstâncias do delito, observo que foi praticado de modo bastante sofisticado, tendo em vista que a acusada, ao postar a droga nas cinco ocasiões, fez-se passar por outras pessoas, apresentando cédulas de identidade falsas em nome de terceiros, com o claro intuito de dificultar a identificação da real autora da remessa. As consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão da droga. Nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. No que diz respeito às circunstâncias previstas no art. 42 da Lei 11.343/2006, observo que foram apreendidos aproximadamente 1,933 kg da substância entorpecente cocaína, qualidade e quantidade de droga que devem ser consideradas como desfavoráveis à parte ré, por representar uma violação ao bem jurídico tutelado, a saúde pública, acima dos níveis de menor expressividade do tráfico de drogas. Por tais razões, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão. 

A defesa pede a redução da pena-base ao mínimo legal.

Assiste em parte razão à defesa.

Com relação à fixação da pena-base, na primeira fase da dosimetria, afere-se dos Laudos Definitivos que as substâncias apreendidas possuíam massa líquida total de 1,933 kg de cocaína nas cinco encomendas apreendidas.

De acordo com os critérios adotados por esta E. Décima Primeira Turma, a quantidade de 1,933 kg (um quilo, novecentos e trinta e três gramas) de cocaína é insuficiente para majorar a pena-base, devendo esta ser mantida no mínimo legal por esta circunstância.

Também não é possível manter a exasperação da pena-base realizada na sentença com fundamento na maior culpabilidade da ré por se tratar de crime premeditado e, portanto, com um grau maior de dolo, tampouco em virtude dos motivos determinantes do crime, por terem sido praticados por ganância e torpeza.

Por outro lado, deve ser mantida a valoração negativa e o aumento da pena base em razão das circunstancias do crime, por ter a acusada apresentando cédulas de identidade falsas em nome de terceiros, com o claro intuito de dificultar a identificação da real autora da remessa.

Dessa forma, presente uma circunstância judicial negativa, majoro a pena em 1/6 (um sexto), de modo que a pena-base resta fixada em 05 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa.

Na segunda fase, foi reconhecida a atenuante de confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, sendo a pena reduzida em 1/6 (um sexto).

Com efeito, a confissão também foi usada como fundamento do decreto condenatório, conforme se verifica da sentença vergastada, no ponto em que analisou a autoria delitiva.

E o E. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 545, sobre o tema: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal".

Por outro lado, inviável a minoração da pena aquém do mínimo, nos termos do entendimento sumulado nº 231 do E. Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Referido enunciado tem amparo legal, pois se o tipo tem previsão de pena mínima, esta deve ser respeitada. As circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem no Código Penal um balizamento do quantum que é possível ser diminuído ou aumentado. O entendimento sustentando pela Defesa implicaria admitir a possibilidade de aplicação de pena "igual a zero", o que se afigura absurdo. Dessa forma, o entendimento não afronta o princípio constitucional da legalidade, ao contrário, está exatamente de acordo com o mesmo.

Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário.

No mesmo sentido do entendimento consubstanciado na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral:

AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

STF, RE 597270 QO-RG/RS, Rel.Min. Cezar Peluso, j. 26/03/2009, DJe 04/06/2009.

Observa-se, ainda, que, em recente decisão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça procedeu à conclusão do julgamento de três recursos especiais (REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14/08/2024), cujo objeto consistia na revisão do entendimento firmado na Súmula nº 231, havendo o Tribunal Superior deliberado por rejeitar a proposta de cancelamento do referido enunciado sumular, mantendo, assim, sua consolidada orientação no sentido da impossibilidade de redução da pena abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria.

Assim, na segunda fase da dosimetria da pena, reduzo a pena para o mínimo legal, resultando na pena de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa.

Na terceira fase, quanto à fração da transnacionalidade, verifica-se que a Magistrada a quo aumentou em 1/4 (um quarto), considerando a quantidade de circunstâncias reprováveis.

Pede a defesa o afastamento da causa de aumento ou a aplicação no patamar mínimo.

Observo que deve ser mantida a causa de aumento em decorrência da internacionalidade do delito.

Isso porque a transnacionalidade prevista pelo art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 não requer, para sua caracterização, a efetiva transposição de fronteiras entre os países, nos termos do enunciado nº 607 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:

"A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras".

No caso dos autos, a transnacionalidade do crime de tráfico de drogas está cabalmente demonstrada, pois foi comprovado que a droga seria remetida para o exterior.

Com efeito, a acusada postou as encomendas contendo a droga, tendo como destino a Tailândia (id 268826473, p. 15), Austrália (id 268826481, p. 17), Inglaterra (id 268826555, p. 14), Tailândia (id 268826557, p. 11), Inglaterra (id 268826560, p. 15).

Nesse sentido, de fato, é a jurisprudência do STJ e a deste Tribunal:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. INDÍCIOS ACERCA DA ORIGEM ESTRANGEIRA DO ENTORPECENTE. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES.

1. É competência da Justiça Federal processar e julgar os crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei n. 11.343/2006, se caracterizada a transnacionalidade do delito.

2. Na espécie, evidencia-se a transnacionalidade do delito de tráfico de drogas, em face das circunstâncias do evento, do local da prisão do acusado, do relato dos policiais responsáveis pelo flagrante delito e do depoimento do acusado às autoridades policiais.

3. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO FEDERAL DA VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PONTA PORÃ - SJ/MS, ora suscitado.

(CC 132133/MS, Reg. nº 201400069271, Terceira Seção, v.u, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 28.05.2014; DJe 02.06.2014)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.

1. Para a configuração da transnacionalidade do delito, não é necessário que o agente ou o entorpecente ultrapasse as fronteiras do País. O delito, com essa causa de aumento, pode ocorrer no território nacional, desde que haja elementos indicativos de que o fato se relacione com o estrangeiro.

2. Recurso em sentido estrito provido.

(TRF3, RSE 0003287-61.2014.4.03.6110, Quinta Turma, Rel. Des. Federal André Nekatschalow, j. 23.02.2015, DJF 3 Judicial 1 03.03.2015)

Por outro lado, não se pode adotar como critério de aumento da pena as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, seja porque já utilizado na primeira fase, na fixação da pena-base, seja porque não possuem qualquer relação com o caráter transnacional do delito.

Dessa forma, deve ser aplicado a patamar de 1/6 (um sexto), resultando na pena de 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa.

Em relação à fração da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, não assiste razão à defesa de aplicação da causa de diminuição.

A causa de diminuição estipulada pela Lei 11.343/06, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, deve ser aplicada nas hipóteses em que um indivíduo, no mais das vezes em dificuldades financeiras, concorda em realizar o transporte da droga mediante pagamento, porém de forma ocasional. Tanto assim que os requisitos legais para a aplicação do privilégio são: ser o agente primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e nem integrar organização criminosa.

No entanto, no caso em tela não se verifica que a acusada praticou o delito de forma ocasional.

De fato, cumpre ressaltar: quanto ao tráfico privilegiado, o conjunto probatório presente nos autos permite concluir que a ré se dedica a atividades criminosas, mais especificamente ao tráfico internacional de drogas, como meio habitual de vida.

Nesse sentido, consta dos autos, em especial da Informação n. 31/2018 (id 268826473, p. 53/55), Informação n. 04/2018 (id 268826473, p. 56/63) e do relatório de investigação n. 01/2018 do Projeto Faro Fino (id 268826473, p. 64/69), que WANESSA RAMOS é ré em outras ações penais e investigada em outros inquéritos instaurados pela Polícia Federal, em decorrência de ao menos 56 (cinquenta e seis) crimes da mesma espécie e modus operandi, isto é, a postagem de encomendas contendo drogas ao exterior, mediante a utilização de documentos de identidade falsos em nome de diversas pessoas. Portanto, por dedicar-se a atividades criminosas relacionadas ao tráfico de drogas, a ré não faz jus à benesse em comento.

Acrescente-se que a própria acusada afirmou na fase policial que, desde aproximadamente março ou abril de 2017, a interrogada vem efetuando postagens nos Correios a pedido de nigerianos; QUE para cada postagem, a interrogada recebe a quantia de duzentos dólares, QUE não tem nenhuma estimativa de quantas postagens efetuou nos Correios a pedido de nigerianos; QUE acredita que foram mais de trinta postagens, QUE já efetuou postagens a pedido de diversos nigerianos, cerca de dez a doze indivíduos diferente (id 268826473, p. 73).

Portanto, não há que se falar em aplicação da causa de diminuição da pena tráfico privilegiado.

No tocante à natureza do concurso de crimes, extrai-se dos autos que a ré praticou cinco crimes da mesma espécie, em condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, isto é, enviou nos dias 14/03/2017, 15/05/2017, 14/06/2017, 16/06/2017, 06/07/2017, droga para o exterior pelos Correios ou Fedex, ocultando-a nos pacotes, que continham também sapatos, brinquedos para disfarçar a prática do delito e despistar a fiscalização.

Assim, deve ser reconhecida a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal:

“Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”

Quanto à fração de aumento, o Superior Tribunal de Justiça pacificou que o critério deve ser o número de delitos cometidos, de modo que, tratando-se de cinco delitos, deve ser aplicada a exasperação de 1/3 (um terço), nos termos da Súmula nº 659:

“Súmula 659-STJ: A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações. (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/9/2023).”

Portanto, aplicando-se a exasperação de 1/3, fixo a pena final em 07 anos, 09 meses e 10 dias de reclusão e 777 dias-multa.

A alegação da defesa de que pena de multa deve ser reduzida ao mínimo legal (500 dias-multa) em razão da hipossuficiência econômica da ré não encontra respaldo legal.

Não procede o pleito da defesa.

Registro que a aplicação da pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros de fixação da pena privativa.

Quanto ao valor de cada dia-multa, A fixação do valor do dia-multa deve levar em consideração a condição econômica do réu. Nesse sentido é a orientação legal do artigo 60 do Código Penal:

"Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária."

No caso em tela, o Juízo a quo estabeleceu o valor de cada dia-multa no mínimo legal (1/30 do valor do salário mínimo), o que torna atendida a determinação legal de consideração da situação econômica/financeira da Apelante.

Tendo em vista a quantidade de pena aplicada, deve ser fixado o regime inicial de cumprimento da pena semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal.

Não é possível substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos do art. 44, caput, do Código Penal.

Dessa forma, a sentença deve ser reformada a fim de retificar a dosimetria das penas para (i) reduzir a pena-base, (ii) reduzir a fração da causa de aumento da transnacionalidade para 1/6 e (iii) fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, condenando a ré à pena final de 07 anos, 09 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 777 dias-multa, mantido o valor de cada dia-multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

Da assistência judiciária gratuita

A defesa requer a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, em razão da hipossuficiência da ré.

Deve ser concedido o pedido de gratuidade de Justiça, na forma do art. 98 da Lei n. 13.105/2015.

Nada obstante, esclareça-se que a mera concessão de gratuidade da Justiça não exclui a condenação dos réus nas custas do processo nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o art. 98, § 3º, do novo Código de Processo Civil.

Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do art. 98, §§ 2º e 4º, também da Lei n.º 13.105/2015.

Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade do apelante deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira da condenada.

Por fim, a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, não implica em provimento, ainda que parcial, do recurso porque não foi demonstrado que isso tenha sido negado pelo juízo de primeiro grau.

Dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação da defesa a fim de retificar a dosimetria da pena para (i) reduzir a pena-base, (ii) reduzir a fração da causa de aumento da transnacionalidade para 1/6 e (iii) fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, condenando a ré à pena final de 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 777 (setecentos e setenta e sete) dias-multa, mantido o valor de cada dia-multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

Concedido os benefícios da justiça gratuita.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. PRIVILÉGIO. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ. TERCEIRA FASE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Apelação da defesa contra sentença que condenou a ré pela prática do crime previsto no art. 33 c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006 (tráfico internacional de drogas), por 5 (cinco) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, à pena de 16 (dezesseis) anos, 2 (dois) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo mensal vigente à época dos fatos.
2. STF. Tema 1041. “(1) Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo, salvo se ocorrida em estabelecimento penitenciário, quando houver fundados indícios da prática de atividades ilícitas; (2) Em relação a abertura de encomenda postada nos Correios, a prova obtida somente será lícita quando houver fundados indícios da prática de atividade ilícita, formalizando-se as providências adotadas para fins de controle administrativo ou judicial”.
3. No caso, a abertura dos cinco pacotes contendo cocaína postados pela ré encontra amparo no art. 10, III, da Lei 6.538/1978, segundo o qual não constitui violação de sigilo da correspondência postal a abertura de carta que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos, sendo certo que, nos termos do art. 13, III, da mesma lei, a cocaína é substância de entrega proscrita pelos serviços postais. Não há violação ao sigilo de correspondência, porquanto foi interceptada, pela Receita Federal, na conferência para trânsito, vale dizer, no exercício de seus deveres legais da receita Federal, conforme Regulamento Aduaneiro da Receita do Brasil (art. 331, §2º do Decreto 6.759/09):
4. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
5. Dosimetria da pena. De acordo com os critérios adotados por esta E. Décima Primeira Turma, a quantidade de 1,933 kg (um quilo, novecentos e trinta e três gramas) de cocaína de cocaína é insuficiente para majorar a pena-base, devendo esta ser mantida no mínimo legal. Pena-base reduzida para 05 anos de reclusão e 500 dias-multa, por esta circunstância.
6. Também não é possível manter a exasperação da pena-base realizada na sentença com fundamento na maior culpabilidade da ré por se tratar de crime premeditado e, portanto, com um grau maior de dolo, tampouco em virtude dos motivos determinantes do crime, por terem sido praticados por ganância e torpeza.
7. Deve ser mantida a valoração negativa e o aumento da pena base em razão das circunstancias do crime, por ter a acusada apresentando cédulas de identidade falsas em nome de terceiros, com o claro intuito de dificultar a identificação da real autora da remessa
8. Inviável a minoração da pena aquém do mínimo, nos termos do entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
9. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça procedeu à conclusão do julgamento de três recursos especiais (REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14/08/2024), cujo objeto consistia na revisão do entendimento firmado na Súmula nº 231, havendo o Tribunal Superior deliberado por rejeitar a proposta de cancelamento do referido enunciado sumular, mantendo, assim, sua consolidada orientação no sentido da impossibilidade de redução da pena abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria.
10. A transnacionalidade prevista pelo art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 não requer, para sua caracterização, a efetiva transposição de fronteiras entre os países, nos termos do enunciado nº 607 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
11. Quanto à fração da transnacionalidade, reconhecida na terceira fase da dosimetria, deve ser aplicado a patamar de 1/6 (um sexto).
12. A Lei 11.343/06 prevê uma causa de diminuição de pena que, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, deve ser aplicada nas hipóteses em que um indivíduo, no mais das vezes em dificuldades financeiras, concorda em realizar o transporte da droga mediante pagamento, porém de forma ocasional. Tanto assim que os requisitos legais para a aplicação do privilégio são: ser o agente primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e nem integrar organização criminosa.
13. No caso, o conjunto probatório presente nos autos permite concluir que a ré se dedica a atividades criminosas, mais especificamente ao tráfico internacional de drogas, como meio habitual de vida.
14. No tocante à natureza do concurso de crimes, extrai-se dos autos que a ré praticou cinco crimes da mesma espécie, em condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, isto é, enviou nos dias 14/03/2017, 15/05/2017, 14/06/2017, 16/06/2017, 06/07/2017, droga para o exterior pelos Correios ou Fedex, ocultando-a nos pacotes, que continham também sapatos, brinquedos para disfarçar a prática do delito e despistar a fiscalização. Assim, deve ser reconhecida a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal. Quanto à fração de aumento, o Superior Tribunal de Justiça pacificou que o critério deve ser o número de delitos cometidos, de modo que, tratando-se de dois delitos, deve ser aplicada a exasperação de 1/6, nos termos da Súmula nº 659.
15. A aplicação da pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros de fixação da pena privativa.
16. A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo que, para a estipulação do valor da pena de multa, deve ser observada a situação do réu, conforme o artigo 60 Código Penal.
17. Em razão da quantidade de pena, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b”, do CP.
18. Não é possível substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos do art. 44, caput, do Código Penal.
19. Apelação defensiva parcialmente provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa a fim de retificar a dosimetria da pena para reduzir a pena-base, reduzir a fração da causa de aumento da transnacionalidade para 1/6 e fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, condenando a ré à pena final de 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 777 (setecentos e setenta e sete) dias-multa, mantido o valor de cada dia-multa 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato. Concedido os benefícios da justiça gratuita, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
HÉLIO NOGUEIRA
DESEMBARGADOR FEDERAL