Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000123-75.2024.4.03.6005

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: LUIZ GUSTAVO GONCALVES FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: KARINA LUCAS CARDOSO PINTO - MG157212-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000123-75.2024.4.03.6005

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: LUIZ GUSTAVO GONCALVES FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: KARINA LUCAS CARDOSO PINTO - MG157212-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: 

 

Trata-se de recurso de Apelação interposto pela Defesa de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA (nascido aos 13.07.1998), em face da r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Vitor Figueiredo de Oliveira (2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS – ID 293690238), publicada em 09.05.2024, que julgou PROCEDENTE o pedido formulado pela r. denúncia para CONDENAR o acusado como incurso no artigo 304 (com a pena do art. 299), do Código Penal, por 7 vezes, em concurso material de crimes, à pena de 13 anos, 1 mês e 13 dias reclusão, em regime inicial FECHADO, acrescida do pagamento de 382 dias-multa, cada um destes arbitrados em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (a serem atualizados tempestivamente). 

 

Consta da r. denúncia, em breve síntese (ID. 293690077): 

 

“(...)  

FATO 01: No dia 24/01/2024, por volta das 11h40min, no KM 68 da rodovia BR-463, no Município de Ponta Porã/MS, LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, dolosamente e ciente quanto à ilicitude de suas condutas, fez uso de documento ideologicamente falso (carteira nacional de habilitação - CNH) perante policiais rodoviários federais. 

FATO 02: Em data que não se pode determinar, mas anterior e próxima ao dia 24/01/2024, LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, dolosamente e ciente quanto à ilicitude de suas condutas, fez inserir declaração falsa, em documento público (por três vezes) e particular (por quatro vezes), com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, a saber, sua identidade. 

Consta dos autos que, nas circunstâncias acima narradas, agentes da Polícia Rodoviária Federal, em abordagem de rotina, deram ordem de parada ao veículo FIAT/Toro, placas PPP9G74, cor vermelha, conduzido pelo denunciado, solicitando a apresentação do documento do condutor. 

Nesta oportunidade, o denunciado entregou a CNH registrada em nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, CPF n. 711.420.132-00. Na averiguação dos dados, os policiais perceberam que o denunciado possuía duas CNHs válidas, sendo a primeira expedida dia 05/07/2018 e renovada dia 11/02/2020, em nome de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, CPF 131.822.676-71 e a segunda, a qual foi entregue aos PRFs, foi expedida em 16/01/2023 sob o nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, CPF n. 711.420.132-00. 

Os policiais rodoviários federais narraram que o denunciado se apresentou como GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA durante toda a abordagem, negando ser LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA e dizendo ter nascido na Bahia e morado em Vitória/ES e no Rio de Janeiro. Todavia, em face da falsidade documental aparente, os policiais encaminharam o denunciado à Delegacia de Polícia Federal. 

Quando questionado, o denunciado negou ter residido em Minas Gerais, porém, os policiais, quando em checagem da sua identidade, verificaram que ele é natural de Governador Valadares/MG, que sua sogra reside nesta cidade e que ele tinha processos judiciais criminais em Minas Gerais, tratando-se, portanto de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, não de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA. Tal constatação foi corroborada pelo Laudo de Perícia Papiloscópica n. 39/2024 (ID n. 314123992 - fls. 93-98). 

Ademais, além da CNH falsa, os policiais ainda apreenderam, em posse do denunciado, 4 (quatro) cartões de crédito e débito, dos bancos "Cora", "Nubank", "Stone" e "Bradesco", todos registrados em nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, comprovando que o denunciado criou uma identidade falsa a si, a qual era usada perante instituições públicas, como o DETRAN e Receita Federal, bem como perante bancos privados. 

Ressalta-se que a CNH falsa foi construída com base no documento de CPF igualmente falso, sob o nome GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, tendo a fraude ocorrido no cadastro junto à Receita Federal do Brasil, ao gerar o número 711.420.132-00, e posteriormente, perante o DETRAN. Da mesma forma, o CPF falso foi realizado por meio da falsificação de documento de identidade 4624905 SSP ES (Espírito Santo), cf. cópia da CNH falsa, às fl. 38 do ID n. 314123992, tendo ocorrido, portanto, a falsificação de três documentos públicos. 

Por fim, cumpre destacar não ser caso de aplicação do princípio da consunção, nos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, pois ficou demonstrado que o denunciado usava da sua falsa identificação para diversos fins, inclusive com criação de conta bancária, de modo que o falso não se exauriu na abordagem policial, até porque na medida em que ele falsificava um documento, usava tal número para gerar novo documento falso, o que enseja a punição pelos delitos de maneira autônoma. 

(...) 

Destarte, ausentes causas excludentes de antijuridicidade ou culpabilidade, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece denúncia em face de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA pela prática dos delitos previstos nos arts. 299 (falsidade ideológica), por sete vezes (três documentos públicos e quatro documentos particulares), e 304 (uso de documento falso), na forma do art. 69, todos do Código Penal. 

(...)” 

 

A r. denúncia foi recebida em 05.03.2024 (ID 293690079). 

 

Apela a Defesa de LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA (ID. 307026723), requerendo, em síntese: sua absolvição, aduzindo nulidade das provas produzidas; seja reconhecida a ocorrência de crime único e redimensionada a pena. Por fim requer a restituição dos bens apreendidos. 

 

Contrarrazões pelo Ministério Público Federal (ID. 293690272). 

 

A Procuradoria Regional da República ofertou parecer (ID 307026723) manifestando-se pelo desprovimento da apelação da Defesa. 

 

É o relatório. 

 

À revisão. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000123-75.2024.4.03.6005

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: LUIZ GUSTAVO GONCALVES FERREIRA

Advogado do(a) APELANTE: KARINA LUCAS CARDOSO PINTO - MG157212-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Cuida-se de ação penal pública que julgou PROCEDENTE o pedido formulado pela r. denúncia para CONDENAR o acusado LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA como incurso nas sanções do artigo 304 (com a pena do art. 299), do Código Penal, por 7 vezes, em concurso material de crimes, à pena de 13 anos, 1 mês e 13 dias reclusão, em regime inicial FECHADO, acrescida do pagamento de 382 dias-multa, cada um arbitrado em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (a serem atualizados tempestivamente) (ID 293690235). 

 

Irresignada, Apela a Defesa, requerendo, em síntese: a absolvição, aduzindo nulidade das provas, o reconhecimento de ocorrência de crime único, redimensionando-se a pena, bem ainda requer a restituição dos bens apreendidos  (ID. 293690264). 

 

DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA BUSCA VEICULAR E DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELOS POLICIAIS NA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE

 

Considera a Defesa, em suas razões de Apelação, haver nulidade probatória, em razão de vício por ausência de fundadas razões para a busca veicular. Aduz, ainda, que: “o próprio procedimento de lavratura do flagrante está contaminado, considerando que o condutor e a testemunha do flagrante prestaram declarações conjuntamente, o que não é permitido pela legislação processual”. Por fim, entende que “há clara violação ao art. 244 [CPP]  já citado ante a ausência de fundada suspeita, motivo pelo qual deve ser reconhecida a nulidade das provas e absolvido o Recorrente” (ID 293690262).

 

O r. juízo de origem já analisou a tese defensiva, nos seguintes termos (ID 293690235):

 

“(...)

PRELIMINARES: NULIDADE DA BUSCA VEICULAR E DAS OITIVAS DOS POLICIAIS, EM SEDE POLICIAL

Nesta, a defesa reiterou arguição de ilicitude de prova colhida quando do flagrante, alegando ausência de “fundada suspeita”.

Tal tema já foi expressamente enfrentado na audiência de custódia e na decisão que afastou a possibilidade de absolvição sumária.

Como já dito, em relação a busca pessoal/veicular, verifico que não há nulidade.

Isso porque, no caso dos autos, foi realizada apenas a inspeção de segurança, sendo procedimento regular de região de fronteira para garantir a segurança nacional.

Durante a abordagem do réu, os policiais solicitaram o documento de habilitação de porte obrigatório, quando LUÍS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA apresentou o documento falso (v. Tópico materialidade).

A constatação da falsidade deu-se após a análise nos sistemas da Polícia Rodoviária Federal.

Somente depois da constatação da falsidade do documento, os policiais procederam à abordagem veicular, quando se constatou que o réu trazia consigo outros documentos falsos, os quais constam na denúncia.

Isto se coaduna com o visto no AgRg no AREsp n.º 2.478.214/GO, STJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 23/4/2024: 6. A revista pessoal sem autorização judicial prévia somente pode ser realizada diante de fundadas suspeitas de que a pessoa abordada esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou, ainda, quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar, na forma do § 2º do art. 240 e do art. 244, ambos do Código de Processo Penal. 7. A busca veicular, ressalvados os casos em que o veículo é utilizado para fins de habitação, se equipara à busca pessoal, sem exigência de mandado judicial, mostrando-se suficiente para justificar a diligência a existência de fundada suspeita de crime.

Na sequência, em que pese a defesa ter afirmado que os policiais depuseram juntos, isto não ocorreu.

Segundo claro nos documentos que formam o auto de prisão em flagrante, os policiais prestaram os depoimentos individualmente perante a autoridade policial, nos exatos termos do CPP.

Quando os agentes disseram, em suas oitivas judiciais, que depuseram juntos, é evidente que os policiais narram que os depoimentos foram prestados no mesmo contexto fático.

Sendo assim, afasto as teses de nulidade e passo ao mérito.

(...)”

 

(a) No que se relaciona às buscas pessoalveicular, a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que ambas exigem a presença de fundada suspeita de que a pessoa abordada esteja na posse de objeto ilícito. Nesse sentido: STJ - AgRg no RHC: 190445 MG 2023/0425595-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 04/03/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2024.

 

No caso concreto, em primeiro lugar, esclareça-se que o veículo que o réu dirigia foi  parado em uma fiscalização rodoviária em região de fronteira no dia 24.01.2024, momento em que apresentou o documento pessoal de porte obrigatório (CNH) aos policiais rodoviários federais.

 

No que se relaciona à busca veicular, não há falar em ilegalidade. Os policiais rodoviários federais Assis Júnior e Vinicius Costa Moraes, regularmente inquiridos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, asseveraram que estavam realizando uma operação na estrada, oportunidade em que o veículo do réu foi parado para fiscalização de rotina. Informaram que ele  apresentou-se como "Gustavo Rodrigues Ferreira", fornecendo-lhes uma Carteira Nacional de Habilitação no referido nome e, ao procederem à verificação do documento no sistema policial, descobriram, pela similaridade de fotografias, que o acusado possuía duas CNH’s em nomes distintos, e que, na realidade, "Gustavo Rodrigues Ferreira" se tratava de LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, utilizando-se de documento de conteúdo falso.

 

As declarações prestadas pelos policiais quando da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante reforçam a percepção da fundada suspeita ocorrida no caso dos autos. Confira-se transcrição r. sentença (ID 293690235): “(...) Durante o flagrante, foram ouvidos somente os policiais rodoviários Assis Junior e Vinicius Costa Moraes. O acautelado exerceu parcialmente o direito ao silêncio. Resumidamente, os agentes declinaram: que, no dia 24/01/2024, por volta das 11h40min, no km 68, da rodovia BR-463, em Ponta Porã/MS, LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA foi flagrado ao fazer uso de documento ideologicamente falso (carteira nacional de habilitação - CNH) perante policiais rodoviários federais; que, em abordagem de rotina, deram ordem de parada ao veículo Fiat/Toro, placas PPP9G74, cor vermelha, conduzido por aquele, solicitando a apresentação do documento do condutor; que o condutor entregou a CNH registrada em nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, CPF 711.420.132-00; que, na averiguação dos dados, perceberam que o denunciado possuía duas CNHs válidas, sendo a primeira expedida dia 05/07/2018 e renovada dia 11/02/2020, em nome de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA, CPF 131.822.676-71 e a segunda, a qual foi entregue aos PRFs, foi expedida em 16/01/2023 sob o nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, CPF 711.420.132-00; que o réu se apresentou como GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA durante toda a abordagem, negando ser LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA e dizendo ter nascido na Bahia e morado em Vitória/ES e no Rio de Janeiro; que o ora acusado negou ter residido em Minas Gerais, porém, quando em checagem à sua identidade, verificaram que ele é natural de Governador Valadares/MG, que sua sogra reside nesta cidade e que ele tinha processos judiciais criminais em Minas Gerais, tratando-se, portanto de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA e não de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA; que apreenderam, em posse do denunciado, 4 cartões de crédito e débito, dos bancos ‘Cora’, ‘Nubank’, ‘Stone’ e ‘Bradesco’, todos registrados em nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA.(...)”

 

A fundada suspeita é um conceito legal que avalia as circunstâncias específicas para determinar se há motivos razoáveis de envolvimento em atividades criminosas, sendo certo que essa avaliação considera fatores como comportamento suspeito, informações recebidas e características do indivíduo ou veículo (STJ - AgRg no AgRg nos EDcl no AgRg no HC: 791510 SP 2022/0396747-6, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 13/06/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2023).

 

Como se vê, frise-se, a fundada suspeita avalia as circunstâncias para determinar se há motivos razoáveis de envolvimento em atividades criminosas, a partir da aferição de situações concretas que justifiquem a abordagem e a busca.

 

Ademais, o réu foi abordado em fiscalização de rotina realizada por Policiais Rodoviários Federais, abordagem permitida de forma a velar pela ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio público, nos termos do art. 144 da Constituição Federal, in verbis:

 

“Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

(...).”

 

No caso dos autos, portanto, restou evidenciada a existência de fundada suspeita apta a autorizar a busca no veículo, diante da entrega de documentação pessoal (de porte obrigatório) contrafeita aos policiais que realizavam a fiscalização de rotina em região de fronteira. Na ocasião, foram localizados no interior do veículo 4 (quatro) cartões de crédito e débito, dos bancos "Cora", "Nubank", "Stone" e "Bradesco", todos registrados em nome de GUSTAVO RODRIGUES FERREIRA, portanto, falsos, e a certidão de nascimento da filha do réu constando seu nome correto.

 

(b) De outro turno, no que tange aos depoimentos prestados pelos policiais na lavratura da prisão em flagrante, aduz a Defesa haver nulidade, afirmando que o condutor e a testemunha do flagrante teriam prestado declarações conjuntamente.

 

Contudo, sem razão a Defesa nesse ponto.

 

Verifica-se, da análise do auto de prisão em flagrante, que as declarações prestadas pelos policiais foram tomadas individualmente e em termos próprios, sendo que o PRF Assis Júnior foi ouvido na condição de condutor (testemunha) no Termo de Depoimento n.º 309914/2024 (ID 293689825, p 10/11) ao passo que o PRF Vinícius Costa Moraes foi ouvido como testemunha no Termo de Depoimento n.º 309932/2024 (ID 293689825, p 12/13).

 

Conforme acertadamente fundamentado pelo r. juízo de origem: “Quando os agentes disseram, em suas oitivas judiciais, que depuseram juntos, é evidente que os policiais narram que os depoimentos foram prestados no mesmo contexto fático” (ID 293690238)

 

Ademais, após manifestação das partes em audiência de custódia, o magistrado fundamentou a regularidade formal do flagrante, homologando-o, pois que a prisão e a lavratura do respectivo auto ocorreram em obediência às determinações legais, nos termos dos artigos 301 a 309 do Código de Processo Penal e, in casu, especialmente em cumprimento à norma contida no artigo 304 do referido Diploma Legal.

 

Portanto, ficam afastadas as preliminares aventadas pela Defesa.

 

MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS          

 

Ressalte-se que não houve impugnação quanto à materialidade e autoria do delito. O recurso de Apelação manejado pela parte devolveu a este E. Tribunal Regional Federal apenas questões concernentes às preliminares (conforme acima fundamentadas) e aos consectários da condenação.

 

Cite-se que o réu foi abordado por policiais rodoviários federais que, em fiscalização de rotina solicitaram a apresentação do documento de porte obrigatório (CNH). No curso das averiguações de praxe os milicianos constataram que o réu possuía duas CNH’s válidas, sendo uma em nome de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA e outra em nome de Gustavo Rodrigues Ferreira. Ainda, durante a busca veicular os policiais verificaram que o acusado possuía 04 (quatro) cartões bancários (dos bancos privados Cora, Nubank, Stone e Bradesco), todos no nome falso de Gustavo Rodrigues Ferreira.

 

A r. sentença apontou a cronologia dos atos (ID 293690238 p. 07): “(...) Outrossim com base no relato da autoridade policial confirmado pelos laudos e apreensões feitos: a) Primeiramente, LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA criou o documento de identidade 4624905/SSP-ES falso, em nome de ‘Gustavo Rodrigues Ferreira’; b) Após isso, o réu gerou, junto à Receita Federal do Brasil, o CPF 131.822.676-71 (sic), utilizando o mesmo nome e documento de identidade falso; c) Em seguida, sob posse desses documentos, o acusado emitiu CNH falsa com o nome de ‘Gustavo Rodrigues Ferreira’, a qual foi apresentada aos policiais rodoviários federais na ocorrência em tela; e d) Por fim, com todos esses documentos, LUIZ GUSTAVO conseguiu emitir 4 cartões de crédito e débito, sob o nome de ‘Gustavo Rodrigues Ferreira’, junto às instituições bancárias ‘Stone’, ‘Nubank’, ‘Core’ e ‘Bradesco’.”

 

Verifica-se que o Ministério Público Federal denunciou o acusado nos seguintes termos: “Destarte, ausentes causas excludentes de antijuridicidade ou culpabilidade, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece denúncia em face de LUIS GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA pela prática dos delitos previstos nos arts. 299 (falsidade ideológica), por sete vezes (três documentos públicos e quatro documentos particulares), e 304 (uso de documento falso), na forma do art. 69, todos do Código Penal.” (ID 293690077). 

 

De outro turno, a r. sentença condenou o acusado como incurso no artigo 304, c.c. art. 299, por 7 vezes, na forma do artigo 69 (concurso material de crimes), todos do Código Penal (ID 293690238).

 

Contudo, por meio  da narrativa fática contida nos autos, verifica-se que deve prevalecer ao acusado apenas a condenação em razão do uso da CNH falsa perante os policiais rodoviários federais.

 

Senão, vejamos.

 

Do documento de identidade (462.490-5/SSP-ES) e do CPF (711.420.132-00) falsos.

 

Inicialmente, quanto ao demais documentos públicos  falsos apontados  (CPF n.º 711.420.132-00 e RG n.º 462.490-5/SSP-ES), impende registrar que não constam dos autos suas respectivas apreensões, bem ainda verifica-se que não constam eventuais informações fornecidas pelos órgãos de controle dos referidos documentos (in casu, Receita Federal e Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo-SSP/ES), apesar de devidamente requeridas pela Autoridade Policial (ID. 293690073, p. 99).

 

Disso se depreende que, diante da carência de dados constantes da instrução probatória, não se pode concluir com segurança se os referidos documentos públicos (CPF e RG) guardariam potencialidade lesiva autônoma ou se apenas foram utilizados para a confecção da CNH falsa apreendida com o acusado quando de sua prisão em flagrante decorrente da apresentação aos Policiais Rodoviários Federais, o que, nesta última hipótese, acarretaria a aplicação do princípio da consunção em relação aos mesmos.

 

Desta feita, não tendo prova nos autos da produção destes documentos, de rigor a absolvição do acusado LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA pela prática do delito previsto no artigo 304, c.c. 299, ambos do Código Penal, em relação ao CPF n.º 711.420.132-00 e Documento de Identidade n.º 462.490-5/SSP-ES, nos termos do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. 

 

Dos 04 (quatro) cartões bancários falsos (“Stone”, “Nubank”, “Core” e “Bradesco”).

 

De outro turno, quanto aos documentos particulares (os quatro cartões dos bancos privados: “Stone”, “Nubank”, “Core” e “Bradesco”) apreendidos com o acusado em sua prisão em flagrante, inicialmente, não restou comprovada sua eventual utilização pelo réu, de forma que apenas estaria configurada a eventual falsidade ideológica, nos termos do artigo 299 do Código Penal.

 

Contudo, quanto aos referidos documentos particulares, também carecem os autos de informações suficientes para a aferição da falsidade, não se podendo dizer com segurança que tenham sido confeccionados a partir do CPF falso (711.420.132-00).

 

A despeito da apreensão e juntada dos cartões aos autos (ID. 293690073, p. 67/68), ausentes análises periciais ou quaisquer outras informações, sejam advindas do Banco Central, sejam das referidas instituições financeiras supostamente emitentes, apesar de devidamente solicitadas pela Autoridade Policial (ID. 293690073, p. 99).

 

A ausência de tais informações retira a certeza acerca da emissão dos cartões (suporte físico) pelas referidas instituições financeiras, e mesmo de sua real funcionalidade, de forma que incerta sua aptidão para uso no sistema bancário.

 

Dessa feita, fica o acusado LUIZ GUSTAVO GONÇALVES FERREIRA absolvido pela prática do delito previsto no artigo 304, c.c. 299, ambos do Código Penal, em relação aos cartões bancários (04 cartões dos bancos privados: “Stone”, “Nubank”, “Core” e “Bradesco”) nos termos do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. 

 

Remanesce ao acusado apenas a condenação pela prática do delito de uso de documento público ideologicamente falso, em relação à CNH falsa apresentada perante os Policiais Rodoviários Federias, nos termos do artigo 304, c.c. o artigo, 299, ambos do Código Penal, por uma única vez.

 

DA DOSIMETRIA DA PENA NO CASO CONCRETO

 

O r. juízo a quo efetuou a dosimetria da pena nos seguintes termos (ID.  293690238):

 

“(...)

DOSIMETRIAS

(...)

Pela CNH falsa com o nome de "Gustavo Rodrigues Ferreira", a qual foi apresentada aos policiais rodoviários federais

a) Circunstâncias judiciais – art. 59 do Código Penal - na primeira fase de fixação da pena serão analisadas as circunstâncias judiciais aplicáveis ao caso, as quais nortearão a individualização da pena e a fixação da pena-base, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime.

No que tange a tais diretivas, não vislumbro a existência de elementos nos autos que desabonem a conduta do acusado a ponto de justificar a exasperação da pena-base.

Assim, fixo a pena-base em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.

b) Circunstâncias agravantes: reconheço a reincidência (ref. anotação nº 056527664201781301052001 - Num. 312634390 - Pág. 60), no patamar de 1/6, e a incidência do artigo 61, II, b, do Código Penal, no patamar de 1/8, porquanto o documento foi utilizado para garantir a impunidade de crime anterior.

Circunstâncias atenuantes: não há.

Assim, fixo a pena provisória em 2 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão e 62 dias-multa.

c) Por fim, na terceira fase, não concorrem causas de aumento, nem de diminuição.

Por todo exposto, fixo a pena definitiva em 2 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão e 62 dias-multa.

(...)

Quanto à sanção pecuniária, estabeleço o valor unitário de cada dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente, ao tempo do crime, nos termos do artigo 60 do Código Penal, devendo haver a atualização monetária quando da execução.

Observando-se os critérios do art. 33, §2º, do Código Penal, dada a quantidade de pena e a reincidência, o regime inicial deverá ser o fechado.

Consigno que o período de prisão cautelar não altera o regime de pena (preso desde 24/01/2024).

Ante as circunstâncias fáticas dos delitos, reputo não preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, principalmente, pela reincidência e pela quantidade de pena.

Pelo mesmo fundamento, incabível o sursis.

(...)”

 

Quanto ao delito de uso de documento público ideologicamente falso, o magistrado sentenciante aplicou a dosimetria a partir da pena mínima de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, ao passo que o preceito secundário cominado à prática do delito previsto no artigo 304, c.c. 299, ambos do Código Penal (cominada a pena da respectiva falsificação), parte da pena mínima de 01 (um) ano de reclusão, de forma que merece reparo, DE OFÍCIO, a dosimetria calculada na origem. Confira-se:

 

Uso de documento falso

        Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

        Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

 

Falsidade ideológica

        Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

        Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.  

 

 

Constata-se, ainda, que o magistrado sentenciante aplicou o sistema proporcional para o cálculo das penas de multa. Contudo, conforme entendimento predominante na 11ª Turma Julgadora, DE OFÍCIO, fica a pena de multa recalculada através do sistema trifásico de dosimetria.

 

 Dessa feita, mantendo-se as frações de aumento, conforme aplicadas na r. sentença, DE OFÍCIO, recalculada a pena nos termos acima fundamentados ([i] pena mínima de 01 ano de reclusão ao delito de uso de documento público ideologicamente falso e [ii] pena de multa recalculada pelo sistema trifásico) resulta ao réu a reprimenda: pena de 01 (um) ano, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, e 12 (doze) dias-multa.

 

Do regime inicial de cumprimento de pena.

 

O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º e § 3º, do Código Penal, restando desnecessária a imposição de regime mais gravoso, pois, apesar da reincidência, as circunstâncias judiciais mostram-se majoritariamente favoráveis ao acusado, atraindo a aplicação do Enunciado nº 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: 

 

É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. (Súmula 269, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2002, DJ 29/05/2002 p. 135) 

 

Da impossibilidade de substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

 

Verifica-se que o acusado é reincidente em crime doloso (homicídio qualificado – ID 293689825, p. 60) e a medida não se mostra socialmente recomendável (inteligência do art. 44, §3º, do CP), tendo em vista que se utilizava de documento falso para facilitar/assegurar a ocultação de inúmeros outros crimes (cf. pesquisa de antecedentes - ID. 293690078).

 

Dessa feita, fica mantida a vedação de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

 

DA PENA DEFINITIVA

 

Fixada a pena definitiva do réu em 01 (um) ano, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, acrescida do pagamento de 12 (doze) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime, atualizado monetariamente na execução.

 

DA MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR

 

Por ocasião da sentença (ID 293690238, p. 13) o r. juízo a quo consignou justificada a manutenção da prisão preventiva eis “que demonstrou propensão à evasão, tendo permanecido vários meses se furtando à persecução penal, além da dedicação a práticas delitivas”.

 

A medida constritiva foi devidamente fundamentada pelo r. juízo a quo (ID 293690034) para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal eis que o réu adota conduta criminosa reiterada (tráficos de droga, homicídio qualificado, porte de arma de fogo de uso permitido) e fez uso da CNH falsa a fim de se esquivar das persecuções penais de crimes anteriores a que responde. Ademais ressaltou-se que a decretação de medidas cautelares diferentes da prisão não era suficiente, sendo a prisão preventiva a única medida capaz de afastar, in casu, risco provocado pela liberdade do agente.

 

Seguem presentes as condições que ensejaram sua decretação, tendo o réu permanecido em custódia cautelar durante toda a instrução probatória, assim mostrar-se-ia um contrassenso, após sua condenação em segunda instância, a concessão de seu direito de aguardar em liberdade.

 

Nesse sentido já se manifestou reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I - A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a preservação da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do paciente, verificada pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Precedentes. II - Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que, permanecendo os fundamentos da custódia cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação. Precedentes. III - Ordem denegada (HC n. 138.120, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 16.12.2016).

 

Portanto, de rigor a manutenção da custódia cautelar preventiva imposta ao réu, devendo ser oficiado ao r. Juízo das Execuções Penais para adequação do regime.
 

 

DO REQUERIMENTO DE RESTITUIÇÃO DOS BENS APREENDIDOS

 

Em suas razões de Apelação, requer a Defesa a restituição dos bens apreendidos nos seguintes termos: “Em tempo, requer sejam restituídos os bens apreendidos, porque não guardarem qualquer relação com os fatos e serem de propriedade de possuidor de boa fé, conforme exaustivamente demonstrado nos autos e, determinada a restituição, inclusive, pelo Douto Delegado de Polícia, conforme documento anexo ao processo” (ID 293690264).

 

Verifica-se dos autos que o veículo Modelo/Marca FIAT/TORO FREEDOM AT, placas PPP- 9G74, cor vermelha, ano 2016/2017, em nome de Leticia Karoline Nunes foi apreendido em decorrência da prisão em flagrante do acusado (Auto de Apreensão - ID. 293689825, p. 17).

 

A r. sentença, acerca da destinação do referido veículo, assim decidiu (ID 293690235):

 

“(...)

Como não houve prova de vínculo entre os celulares apreendidos com os fatos aqui tratados, libero-os. Aqueles serão restituídos ao ora sentenciado. Intime-se a autoridade policial disto.

Caso inerte do ora condenado, em 10 dias, ficam estes bens perdidos, em favor da União, autorizada sua destruição, mediante certidão nos autos.

Sem prova de haver terceiro de boa-fé vinculado ao veículo apreendido - LETÍCIA KAROLINE NUNES figura como cônjuge/convivente do réu, tendo uma filha com ele - sendo que o ora sentenciado exercia a plena posse do bem, decreto seu perdimento em favor da União, já que

instrumento do crime de uso de documento falso (CNH em nome de Gustavo Rodrigues Ferreira).

(...)”

 

 Conforme pesquisas realizadas pela Autoridade Policial, referido veículo é de propriedade de Letícia Karoline Nunes, CPF n.º 140.023.606-10 (ID. 293689825, p. 35 ).

 

Dessa feita, não sendo o proprietário do automóvel apreendido, carece ao apelante legitimidade ativa para o requerimento de restituição do veículo pertencente a pessoa diversa.  Nesse sentido:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE BEM APRENDIDO. VEÍCULO DE TERCEIRO UTILIZADO EM SUPOSTA PRÁTICA DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. NÃO COMPROVAÇÃO DA LEGÍTIMA PROPRIEDADE DO BEM. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM CONHECIMENTO DE MÉRITO, EM RELAÇÃO A UM DOS POSTULANTES E INDEFERIMENTO DO PLEITO QUANTO AO OUTRO. 1. Os requerentes Alcides Alves da Silva e Ademir Marinho Rodrigues Junior pretendem a restituição da motocicleta HONDA NXR 150 BROS ES, cor preta, ano 2009, placas ASF-7105, de Guaíra/PR, apreendida em investigação policial de crime contrabando ou descaminho, alegando serem seus legítimos proprietários, além de terceiros de boa-fé. 2. No caso, o primeiro postulante não trouxe aos autos qualquer documento que comprovasse ser proprietário do citado veículo, o qual se encontra registrado em nome do segundo requerente, conforme cópia do Certificado de Registro de Veículo, do ano de 2009, juntada ao feito. Alegação de transação comercial de venda e compra entre ambos, não demonstrada. Reconhecida a ilegitimidade ativa de Alcides, por carência de ação. 3. A devolução de bens apreendidos a terceiros exige a comprovação simultânea dos seguintes pressupostos: propriedade do bem, licitude da origem do valor do bem, boa-fé do requerente e desvinculação com os fatos em apuração na ação penal. Inteligência dos arts. 118, 119 e 120, do Código de Processo Penal. (...) 9. Havendo dúvida acerca da propriedade da referida motocicleta, inviável o acolhimento do pleito de restituição, devendo o bem permanecer apreendido, nos termos do art. 118, do Código de Processo Penal. 10. Não demonstrada a propriedade do bem, torna-se despicienda a incursão dos demais pressupostos necessários ao deferimento do pedido (boa-fé do requerente e desvinculação do bem com os fatos ensejadores da apreensão). 11. Não conhecimento da apelação em relação a Alcides Alves da Silva, por ilegitimidade ativa. Apelo interposto por Ademir Marinho Rodrigues Junior desprovido. (TRF, ApeCrim 0001394-27.2012.403.6006, Rel. Desembargador Federal Souza Ribeiro, 2ª Turma, e-DJF3 de 09.06.2016)

 

PENAL. PROCESSO. TRÁFICO INTERNO DE ENTORPECENTES E RESISTÊNCIA CONTRA ATO DE EXECUÇÃO DE POLICIAL FEDERAL. CONEXÃO: SUMULA N.122 DO S.T.J. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, PRISÃO EM FLAGRANTE POR POLICIAL RODOVIÁRIO: LEGALIDADE: ART.301 DO C.P.P. LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE: LOCAL DIVERSO: MERA IRREGULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO PROCESSUAL. PRELIMINARES REJEITADAS. CRIME DE RESISTÊNCIA: AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. TRÁFICO: PROPRIEDADE DA DROGA: IRRELEVÂNCIA. ALEGAÇÃO DE TORTURAS POR PARTE DOS POLICIAIS: NÃO COMPROVAÇÃO. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO ALHEIO: ILEGITIMIDADE ATIVA.

(...) 8 - INVIÁVEL A PRETENSÃO DO APELANTE EM REQUERER A RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO CUJA PERDA FOI DECRETADA PELO "DECISUM", UMA VEZ QUE, POR NÃO SER SEU LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO, NÃO TEM LEGITIMIDADE ATIVA PARA TANTO, PELO QUE, QUANTO A ESSA PARTE, NÃO SE CONHECE DO APELO. 9 - APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E IMPROVIDA. (TRF, ApeCrim 0005626-96.1995.403.6000 (Processo Antigo 96030132110), Rel. Desembargador Federal Theotonio Costa, 1ª Turma, publicação 29.04.1997)

 

PROCESSO PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE AUTOMÓVEL APREENDIDO. TERCEIRO INTERESSADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1- A legitimidade recursal da recorrente, uma vez que a sentença de improcedência de pedido do qual é ela autora, coloca-a em posição sucumbencial passível de reforma. O questionável, in casu, é sua legitimidade para a propositura do incidente, haja vista que o MM. Juiz sentenciante decidiu pela não comprovação da propriedade do bem. (...) 9- Descabida a liberação do veículo apreendido, pois restou comprovado que a apelante não detém sua propriedade, razão pela qual é parte ilegítima para pleitear a restituição do veículo. (TRF, ApeCrim 0001197-56.2004.403.6005, Rel. Desembargador Federal Baptista Pereira, 5ª Turma, e-DJF3 07.07.2009).

 

Dessa forma, diante da ausência de legitimidade ativa para o pedido de restituição por parte do acusado, fica rejeitado o requerimento.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação Defensiva e DE OFÍCIO, recalcular a dosimetria da pena do crime de uso de documento público ideologicamente falso e aplicar o sistema trifásico para o cálculo da pena de multa, assim reduzindo-se a pena definitiva do réu para 01 (um) ano, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial SEMABERTO, acrescido do pagamento de 12 (doze) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime, atualizado monetariamente na execução, nos termos do relatório e voto, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

 

É o voto.

 

Comunique-se ao E. Juízo das Execuções Criminais para adequação do regime de cumprimento de pena.



E M E N T A

 

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 304, CC. 297, AMBOS DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO. busca veicular. fundadas razões. DECLARAÇÕES PRESTADAS PELOS POLICIAIS NA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. REGULARIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA DA PENA. reparada de ofício. pena de multa. sistema trifásico. regime inicial de cumprimento de pena. semiaberto. SÚMULA 269 DO STJ. CUSTÓDIA CAUTELAR. MANTIDA. RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS. ILEGITIMIDADE ATIVA.

- Preliminar da Defesa. No que se relaciona às buscas pessoal e veicular, a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que ambas exigem a presença de fundada suspeita de que a pessoa abordada esteja na posse de objeto ilícito. Nesse sentido: STJ - AgRg no RHC: 190445 MG 2023/0425595-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 04/03/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2024. No caso concreto, em primeiro lugar, o veículo que o réu dirigia foi parado em uma fiscalização rodoviária em região de fronteira, momento em que apresentou o documento pessoal de porte obrigatório (CNH) aos policiais rodoviários federais. No que se relaciona à busca veicular, não há falar em ilegalidade. Os policiais rodoviários federais, regularmente inquiridos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, asseveraram que estavam realizando uma operação na estrada, oportunidade em que o veículo do réu foi parado para fiscalização de rotina. Informaram que ele o réu apresentou Carteira Nacional de Habilitação de conteúdo falso. – Preliminar da Defesa. Depoimentos prestados pelos policiais na lavratura da prisão em flagrante. Verificada da análise do auto de prisão em flagrante, que as declarações prestadas pelos policiais foram tomadas individualmente e em termos próprios. Quando os agentes disseram, em suas oitivas judiciais, que depuseram juntos, é evidente que os policiais narram que os depoimentos foram prestados no mesmo contexto fático. Ademais, após manifestação das partes em audiência de custódia, o magistrado fundamentou a regularidade formal do flagrante, homologando-o, pois que a prisão e a lavratura do respectivo auto ocorreram em obediência às determinações legais, nos termos dos artigos 301 a 309 do Código de Processo Penal e, in casu, especialmente em cumprimento à norma contida no artigo 304 do referido Diploma Legal.

- Materialidade e autoria delitivas. Prevalece ao acusado apenas a condenação em razão do uso da CNH falsa perante os policiais rodoviários federais.

- Quanto ao demais documentos públicos falsos apontados (CPF e RG), impende registrar que não constam dos autos suas respectivas apreensões, bem ainda não constam eventuais informações fornecidas pelos órgãos de controle dos referidos documentos (Receita Federal e Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo-SSP/ES), apesar de devidamente requeridas pela Autoridade Policial. Diante da carência de dados constantes da instrução probatória, não se pode concluir com segurança se os referidos documentos públicos (CPF e RG) guardariam potencialidade lesiva autônoma ou se apenas foram utilizados para a confecção da CNH falsa apreendida com o acusado quando de sua prisão em flagrante decorrente da apresentação aos Policiais Rodoviários Federais, o que, nesta última hipótese, acarretaria a aplicação do princípio da consunção em relação aos mesmos. Ausente prova nos autos da produção destes documentos, de rigor a absolvição do acusado.

- Quanto aos documentos particulares (quatro cartões dos bancos privados) apreendidos com o acusado em sua prisão em flagrante, não restou comprovada sua eventual utilização pelo réu, de forma que apenas estaria configurada a eventual falsidade ideológica, nos termos do artigo 299 do Código Penal. Contudo, também carecem informações suficientes para a aferição da falsidade, não se podendo dizer com segurança que tenham sido confeccionados a partir do CPF falso. A despeito da apreensão e juntada dos cartões aos autos, ausentes análises periciais ou quaisquer outras informações, sejam advindas do Banco Central, sejam das referidas instituições financeiras supostamente emitentes, apesar de devidamente solicitadas pela Autoridade Policial. A ausência de tais informações retira a certeza acerca da emissão dos cartões (suporte físico) pelas referidas instituições financeiras, e mesmo de sua real funcionalidade, de forma que incerta sua aptidão para uso no sistema bancário, ocasionando a absolvição do acusado.

- Remanesce ao acusado apenas a condenação pela prática do delito de uso de documento público ideologicamente falso, em relação à CNH falsa apresentada perante os Policiais Rodoviários Federias, nos termos do artigo 304, c.c. o artigo, 299, ambos do Código Penal, por uma única vez.

- Dosimetria da pena. Quanto ao delito de uso de documento público ideologicamente falso, o magistrado sentenciante aplicou a dosimetria a partir da pena mínima de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, ao passo que o preceito secundário cominado à prática do delito previsto no artigo 304, c.c. 299, ambos do Código Penal (cominada a pena da respectiva falsificação), parte da pena mínima de 01 (um) ano de reclusão, de forma que merece reparo, DE OFÍCIO, a dosimetria calculada na origem.

- Conforme entendimento predominante na 11ª Turma Julgadora, DE OFÍCIO, fica a pena de multa recalculada através do sistema trifásico de dosimetria.

- Regime inicial de cumprimento de pena. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º e § 3º, do Código Penal, restando desnecessária a imposição de regime mais gravoso, pois, apesar da reincidência, as circunstâncias judiciais mostram-se majoritariamente favoráveis ao acusado, atraindo a aplicação do Enunciado nº 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbisÉ admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. (Súmula 269, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2002, DJ 29/05/2002 p. 135).

- Fixada a pena definitiva do réu em 01 (um) ano, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, acrescida do pagamento de 12 (doze) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime, atualizado monetariamente na execução.

- Manutenção da custódia cautelar. A medida constritiva foi devidamente fundamentada pelo r. juízo a quo para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal eis que o réu adota conduta criminosa reiterada (tráficos de droga, homicídio qualificado, porte de arma de fogo de uso permitido) e fez uso da CNH falsa a fim de se esquivar das persecuções penais de crimes anteriores a que responde. Ademais ressaltou-se que a decretação de medidas cautelares diferentes da prisão não era suficiente, sendo a prisão preventiva a única medida capaz de afastar, in casu, risco provocado pela liberdade do agente. Seguem presentes as condições que ensejaram sua decretação, tendo o réu permanecido em custódia cautelar durante toda a instrução probatória, assim mostrar-se-ia um contrassenso, após sua condenação em segunda instância, a concessão de seu direito de aguardar em liberdade. Mantida a custódia cautelar preventiva imposta ao réu.

- Requerimento de restituição de bens apreendidos. Verifica-se dos autos que o veículo, em nome de terceira pessoa, foi apreendido em decorrência da prisão em flagrante do acusado. Não sendo o proprietário do automóvel apreendido, carece ao apelante legitimidade ativa para o requerimento de restituição do veículo pertencente a pessoa diversa. 

- Apelação da Defesa parcialmente provida.

- De ofício recalculada a dosimetria da pena do crime de uso de documento público ideologicamente falso e aplicado o sistema trifásico para o cálculo da pena de multa.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação Defensiva e DE OFÍCIO, recalcular a dosimetria da pena do crime de uso de documento público ideologicamente falso e aplicar o sistema trifásico para o cálculo da pena de multa, assim reduzindo-se a pena definitiva do réu para 01 (um) ano, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial SEMABERTO, acrescido do pagamento de 12 (doze) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime, atualizado monetariamente na execução, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
FAUSTO DE SANCTIS
DESEMBARGADOR FEDERAL