Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002334-25.2022.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: NIL-TUR TRANSPORTES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: JAD RAYMOND EL HAGE - MS18080-A, SERGIO AUGUSTO ALVES DE ASSIS - SP150233-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002334-25.2022.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: NIL-TUR TRANSPORTES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: JAD RAYMOND EL HAGE - MS18080-A, SERGIO AUGUSTO ALVES DE ASSIS - SP150233-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de recurso de apelação interposto pela requerente - Nil Tur Transportes Ltda.- ora apelante, em face de decisão proferida pelo  r. Juízo da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP (da lavra do Exmo. Juiz Federal Newton José Falcão), que indeferiu a restituição do bem: veículo ônibus SCANIA modelo MPOLO PARADISO LD placas OOM8D67, cor prata, à empresa requerente.

Nas razões recursais, a empresa apelante alega, sinteticamente,  que não restou demonstrado que teria concorrido para a prática do crime investigado,  não lhe foi imputado indícios de autoria e seria terceiro de boa-fé. 

Pleiteia a reforma da decisão para determinar a restituição do bem cuja propriedade restou comprovada pela documentação acostada aos autos, CRLV.

Contrarrazões apresentadas pelo órgão do Ministério Público Federal, oficiante em primeira instância (ID 308936679 - pág. 1/5).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (ID 310586115- p. 1/13).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002334-25.2022.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: NIL-TUR TRANSPORTES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: JAD RAYMOND EL HAGE - MS18080-A, SERGIO AUGUSTO ALVES DE ASSIS - SP150233-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de recurso de apelação interposto em face de decisão que  indeferiu a restituição do bem: veículo ônibus SCANIA modelo MPOLO PARADISO LD placas OOM8D67, cor prata, à empresa requerente.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS

A apreensão de objetos que guardem relação com o fato criminoso, sejam estes de origem lícita ou ilícita, consiste em uma das várias diligências que podem ser realizadas no curso de uma investigação. É medida empregada, sobretudo, para preservar provas, mas também para garantir o futuro retorno da coisa ao legítimo dono e/ou sua eventual perda em favor da União (confisco).

Tem-se que, no processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358).

Nesse sentido, os objetos e/ou coisas apreendidas devem, em princípio, ficar sob a custódia da autoridade policial durante toda a investigação e, após a sua conclusão, deverão ser encaminhados, juntamente com os autos do inquérito, à autoridade judiciária, nos termos do art. 11 do CPP.

A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé.

Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Destaque-se que os dispositivos aos quais o art. 119 do CPP faz referência, quais sejam, os artigos 74 e 100 do Código Penal, tratam-se, na realidade, de disposições anteriores à reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei n.° 7.209/1984), as quais, atualmente, correspondem ao art. 91, II, do Código Penal (referente aos efeitos da condenação), in verbis:

Art. 91. São efeitos da condenação:

(…)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

 

Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse.

Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal:

 Art. 123.  Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso.

Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído.

Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP.

Em outras palavras, tem-se que instrumentos e produtos do crime não devem ser restituídos em qualquer hipótese, bem como que outras coisas apreendidas apenas poderão ser restituídas a partir do momento em que não mais interessarem ao processo, sempre mediante comprovação de sua origem lícita.

A propósito, acerca do tema ora tratado, vide os julgados que seguem:

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017)

INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017)

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017)

 

Importante salientar, nesse ponto, que a apreensão, a qual pode recair tanto sobre instrumentos do crime quanto sobre outros objetos que interessem à prova e/ou tenham sido obtidos por meios criminosos, não é a única espécie de medida de constrição de bens prevista no ordenamento pátrio.

Entre os artigos 125 e 144-A do Código de Processo Penal, estão previstas medidas assecuratórias patrimoniais (diversas da apreensão), as quais consistem em providências cautelares (de caráter provisório) que demandam, para a sua decretação, a presença de fumus boni iuris (probabilidade de existência do direito invocado pelo autor) e de periculum in mora (fundado receio de que haja um dano jurídico irreparável ou de difícil reparação durante o curso do processo principal). Podem ser decretadas ora para se assegurar a devolução do proveito do crime ao final da ação penal ora para se garantir o ressarcimento do prejuízo causado pela conduta delitiva e/ou o futuro pagamento das custas processuais e da pena pecuniária.

A legislação processual penal prevê, grosso modo, três espécies de providências assecuratórias, quais sejam:

1.                  O “sequestro de bens móveis e/ou imóveis” (inteligência dos artigos 125 e 132 do CPP), que consiste na apropriação judicial de bem específico (certo e determinado) que caracterize provento da infração, a fim de se assegurar sua entrega ao final da ação penal principal, caso o réu venha a ser condenado. Desde que existam indícios veementes da proveniência ilícita do bem (inteligência do art. 126 do CPP), o sequestro pode ser decretado em qualquer fase da persecução penal e se caracteriza por tornar o bem sequestrado indisponível, isto é, sem possibilidade de ser comercializado, além de não se submeter à regra da impenhorabilidade (art. 3°, VI, da Lei n.° 8009/1990). É medida importante para se mitigar a vantagem econômica adquirida com a prática do crime e, em alguns casos, contribuir com a colheita da prova, podendo ser aplicada ainda que o bem proveito do crime esteja em poder de terceiros. Na hipótese de ser decretado o sequestro de um bem imóvel, incumbirá ao juiz ordenar a sua inscrição no Registro de Imóveis;

2.                 A “hipoteca legal” (inteligência do art. 134 do CPP), que consiste em direito real de garantia (inscrição em registro público de um gravame de intransferibilidade) e que, em princípio, apenas pode ser promovida após a instauração da ação penal (e não na fase de inquérito). Esta, diferentemente do “sequestro de bens imóveis”, recai sobre quaisquer bens imóveis, além de aeronaves ou embarcações do(s) autor(es) da infração (exceto aqueles bens insuscetíveis de penhora), independentemente de terem sido adquiridos com proventos da infração, sem, contudo, retirá-los da posse do acusado. Destina-se a assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes da conduta criminosa, bem como o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária (sendo facultado ao réu oferecer caução);

3.                 O “arresto de bens móveis e/ou imóveis” - (inteligência dos artigos 136 e 137 do CPP). Consiste na apropriação judicial de quaisquer bens do(s) autor(es) da infração (exceto aqueles insuscetíveis de penhora), independentemente de terem sido adquiridos com proventos da infração, a fim de se assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes da conduta criminosa, bem como o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária (sendo facultado ao réu oferecer caução). Quanto ao “arresto de bens imóveis”, trata-se de medida assecuratória que recai sobre bens imóveis de origem lícita a serem submetidos, em momento ulterior, à hipoteca legal (caráter preparatório para uma hipoteca legal superveniente). Este arresto prévio destina-se a evitar a dilapidação do patrimônio, tornando indisponível o bem até que seja possível a efetivação da medida de hipoteca legal. Quanto “arresto de bens móveis”, este recai, também, sobre patrimônio lícito do agente, porém tem caráter residual, uma vez que ocorrerá se o responsável não possuir bens imóveis de valor suficiente. Nesse caso, os bens arrestados são retirados da posse do acusado, sendo que os bens fungíveis e deterioráveis podem ser avaliados e levados a leilão público antecipadamente, ficando depositado o dinheiro apurado.

Ademais, a partir das alterações promovidas pela Lei nº 12.694/2012, foi instituído o chamado “sequestro subsidiário” ou “medida assecuratória pelo equivalente”, conforme prevê a atual redação do art. 91, § 2º, do Código Penal.

                                                                                                           

Os parágrafos 1° e 2° do art. 91 do Código Penal assim dispõem:

Art. 91 - São efeitos da condenação:

(...)    

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

(…)

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior  (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012).

§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012).

 

Destaque-se que a alteração legislativa promovida pela Lei nº 12.694/2012 decorreu das disposições sobre o tratamento de bens delineadas nas Convenções da Organização das Nações Unidas – ONU sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (Viena, promulgada pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991), sobre o Crime Organizado Transnacional (Palermo, de 15 de novembro de 2000, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de setembro de 2003), e sobre Corrupção (Mérida, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), sendo tais consideradas marcos globais referenciais sobre o tema.

Nesse diapasão, o art. 5º, item 01, "a", da Convenção de Viena, esclarece que cada parte adotará as medidas necessárias para autorizar o confisco: a) do produto derivado de delitos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, ou de bens cujo valor seja equivalente ao desse produto, bem como o seu item 2 testifica que cada Parte adotará também as medidas necessárias para permitir que suas autoridades competentes identifiquem, detectem e decretem a apreensão preventiva ou confisco do produto, dos bens, dos instrumentos ou de quaisquer outros elementos a que se refere o parágrafo 1 deste Artigo, com o objetivo de seu eventual confisco.

Por sua vez, os itens 02, 03 e 04 do art. 12 da Convenção de Palermo deixam assentado, respectivamente, que: os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, para efeitos de eventual confisco; se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do referido produto e se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão, ser confiscados até ao valor calculado do produto com que foram misturados.

A seu turno, o art. 31, item 05, da Convenção de Mérida, bem elucida que quando esse produto do delito se houver mesclado com bens adquiridos de fontes lícitas, esses bens serão objeto de confisco até o valor estimado do produto mesclado, sem menosprezo de qualquer outra faculdade de embargo preventivo ou apreensão.

Também dentre as conhecidas Quarenta Recomendações do Grupo de Ação Financeira (Groupe d'Action Financière sur le Blanchiment de Capitanx - GAFI ou Financial Action Task Force on Money Laundering - FATF), do qual o Brasil é integrante desde setembro de 1999, há expressa determinação da perda visando adotar medidas para prevenir ou evitar atos que prejudiquem a capacidade do Estado para recuperar bens sujeitos à perda, obstando-se a transferência em cessão dos referidos bens apreendidos e alcançando, inclusive, valores correspondentes ao montante lavado. A Recomendação n.º 04 deixa clara a não exigência de condenação criminal prévia para a perda de bens, cabendo a inversão do ônus da prova.

Nesse contexto, infere-se a plena possibilidade, com supedâneo tanto em convenções internalizadas no país como no próprio ordenamento pátrio, de que constrição destinada a fazer frente à obrigação de perda, em favor da União Federal, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso recaia sobre patrimônio até mesmo preexistente ao marco temporal tido como de perpetração da infração penal, o que é comumente conhecido como sendo medida assecuratória pelo equivalente, expediente que encontra o beneplácito da jurisprudência tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INSTRUMENTO DE DEFESA. EMBARGOS. CONTUMÁCIA DO RECORRENTE. DECISÃO ACERCA DO SEQUESTRO. NATUREZA DEFINITIVA. AJUIZAMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVO DO MEIO DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL. PRAZO DA APELAÇÃO DECORRIDO IN ALBIS. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO APELO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO. INÉRCIA. TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA/STF 267. VEDAÇÃO LEGAL À UTILIZAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA (LEI 12.016, ART. 5º, III). AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EXAME DO ARCABOUÇO FÁTICO. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O RITO DO MANDADO DE SEGURANÇA. CAPÍTULO DO MÉRITO DO SEQUESTRO. DECADÊNCIA DO MANDAMUS. RECURSO DESPROVIDO. (...) Ademais, a Lei 12.694/2012 alargou o espectro de incidência das medidas cautelares assecuratórias, ao inserir os §§ 1º e 2º do art. 91 do CP. Desse modo, o sequestro pode abranger, igualmente, bens ou valores de origem lícita, equivalentes ao produto ou proveito da infração, se estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior. (...) (STJ, RMS 49.540/RS, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017)

PENAL. PROCESSO PENAL. DELITOS DOS ARTS. 19 E 20, AMBOS DA LEI N. 7.492/86, 171, DO CÓDIGO PENAL E 1º DA LEI N. 9.613/98. LAVAGEM DE DINHEIRO, BENS E VALORES. DESBLOQUEIO DE VALORES. ORIGEM LÍCITA. PROVA. INEXISTÊNCIA DE PERICULUM IN MORA. EXCESSO DE PRAZO E EXCESSO DA MEDIDA. INDISPONIBILIDADE DE VALORES NAS CONTAS BANCÁRIAS DA PESSOA JURÍDICA. (...) 4. É possível que o sequestro abranja bens ou valores lícitos do criminoso, como forma de compensação, quando não for possível localizar os bens ou valores desviados com a prática do ilícito, a teor do art. 91, §§ 1º e 2º, do Código Penal. (...) (TRF3, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 60509 - 0013288-86.2014.4.03.6181, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 08/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/06/2015)

 

Cumpre consignar que, embora o denominado “sequestro subsidiário” (inteligência do art. 91, §1° e §2° do CP, com redação dada pela Lei n.°12.694/2012) seja providência admitida pelo ordenamento, não há que se cogitar de decretação da indisponibilidade (e, oportunamente, da perda) de bens ou valores lícitos equivalentes ao produto ou proveito do crime sem que, antes, se estime e persiga (previamente) patrimônio ilicitamente adquirido (art. 91, II, b, §1° do CP).

Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: 

Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

§ 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: 

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. 

§ 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.

§ 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.

§ 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.

§ 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. 

 

Quanto à apreensão, trata-se de medida que não se confunde com o "sequestro de bens móveis e/ou imóveis”, a “hipoteca legal” ou o “arresto de bens móveis e/ou imóveis”, pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado).

Em suma, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão. Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão.

A respeito desse tema, ensina Renato Brasileiro de Lima:

Diversamente do que se dá com o produto direto do crime (v. g. carro furtado), que pode ser apreendido, o produto indireto da infração penal é passível de sequestro, nos termos dos arts. 125 a 132 do CPP. Assim, enquanto o dinheiro subtraído da vítima pode ser objeto de apreensão, a motocicleta comprada com essa quantia será objeto de sequestro (CPP, art. 132). Não obstante, na hipótese de haver indevida apreensão do produto indireto da infração penal, nada impede que o juiz faça a conversão desta medida em sequestro. Portanto, apesar de o art. 121 do CPP fazer menção à apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, é tecnicamente incorreto dizer que a coisa adquirida com o provento da infração possa ser objeto de apreensão, já que o CPP prevê, em tal hipótese, o sequestro (art. 132)” -  (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.071).

Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado.

Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. É relevante dizer que, tendo-se em vista que a decretação de uma apreensão (tanto quanto a decretação de um sequestro) pressupõe a presença de fumus boni iuris e periculum in mora, é certo que o ônus da prova quanto à presença dos três requisitos que ensejam a restituição da coisa apreendida (dentre os quais a comprovação da origem lícita do bem) incumbirá à parte interessada. Saliente-se, ainda, que, “aos olhos dos Tribunais Superiores, devido à simplicidade do procedimento incidental de Restituição de Coisas Apreendidas regulamentado pelo art.  120 §§ 1° e 2°, não é possível sua utilização quando a complexidade da questão demandar ampla dilação probatória. Nessa linha, como já se pronunciou a 5ª Turma do STJ, caso a complexidade da questão acerca da propriedade de bem apreendido demande ampla dilação probatória, deve o juízo criminal se abster de decidir o processo incidental de restituição, remetendo as partes ao Juízo Cível” (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.075). Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de “decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito”, caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo).

Em relação à medida cautelar de sequestro, o Código de Processo Penal determina seja esta, desde o início, autuada em apartado, bem como prevê Embargos (ao invés do Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas) como sendo o meio adequado para impugnar a decretação de sequestro (inteligência dos artigos 129 e 130, ambos do CPP), não havendo, contudo, disciplina expressa quanto ao procedimento a ser adotado em tais Embargos. Dispõe o parágrafo único do art. 130 que “não poderá ser pronunciada decisão nesses Embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória”, o que posterga a discussão acerca da validade do sequestro para a fase final do processo penal.

Nesse contexto, tem prevalecido na jurisprudência o entendimento de que, a par da faculdade de manejo dos Embargos, eventual decisão que, no curso de um inquérito ou ação penal, determine ou indefira o levantamento de Sequestro, possuirá força de definitiva e poderá ser, nos termos do art. 593, II, do CPP, atacada por meio de Apelação. 

Importante mencionar que se, por um lado, não há dúvida de que o mecanismo processual adequado para se impugnar decisão que decreta apreensão é o pedido de instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, assim como não há dúvida de que o mecanismo processual adequado para se impugnar decisão que decreta sequestro é a oposição de Embargos, por outro, a jurisprudência tem admitido a possibilidade de a parte requerer instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas (ao invés de opor os Embargos previstos no art. 130, I, do CPP)  também na hipótese de sequestro de bens. Não se deve perder de vista a corriqueira dificuldade de se identificar, de imediato, se determinados bens caracterizam produto direto ou indireto de crime, de modo que é comum ocorrerem apreensões quando deveriam ocorrer sequestros e vice-versa. Na prática forense, observa-se, por vezes, a instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas para impugnar decretos de sequestro (e não apenas de apreensão) – (vide, p. ex., julgado proferido no âmbito da Operação “Lava Jato” - TRF4, 8ª Turma, Apelação Criminal n.° 5028833-81.2016.4.04.7000/PR, Rel. João Pedro Gebran Neto, Julg. em 15.02.2017 – em que aquela Corte conheceu de Apelação interposta no bojo de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, o qual havia sido instaurado em primeiro grau, a pedido do interessado, para impugnar decreto de sequestro de valores).

Inclusive, há quem defenda que, antes de interpor Apelação em face de um decreto de sequestro, a parte interessada, deve, necessariamente, formular pedido prévio de restituição ao r. juízo de primeiro grau, (tal como se exige quando a hipótese é de decreto de apreensão). De qualquer sorte, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela possibilidade de, diante de um decreto de sequestro, a parte interessada apelar diretamente à instância superior.

Nesse sentido, menciona-se o que foi decidido no bojo do Resp n.° 1585781, relacionado à Operação “Lava Jato”: 

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO "LAVA JATO". CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL DETERMINADA À GUISA DE MEDIDA CAUTELAR. DENEGAÇÃO DE SEGUIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO PELA CORTE FEDERAL. DESNECESSIDADE DE VINCULAR-SE A INTERPOSIÇÃO DO APELO AO PRÉVIO MANEJO DE IRRESIGNAÇÃO PERANTE O JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE DECRETOU A MEDIDA. RECURSO PROVIDO.  I - Se o Código de Processo Penal estatui, para as cautelares patrimoniais, mecanismos de impugnação a serem veiculados perante o juízo de primeiro grau, que decretou a medida constritiva, e, não obstante, a jurisprudência vem admitindo que se valha o interessado do recurso de apelação, não há razão idônea conducente ao afastamento do mesmo alvitre no âmbito específico da Lei de Lavagem de Dinheiro.  II - Apesar da possibilidade conferida ao acusado, ou à interposta pessoa, sobre quem recaia a medida assecuratória de bens prevista na Lei 9613/98, de postularem diretamente ao juiz a liberação total ou parcial dos bens, direitos ou valores constritos, atendidos os demais pressupostos legais, isto não elide a possibilidade de manejo de apelação, na forma do art. 593, II, do Código de Processo Penal. Recurso especial provido, para determinar que o eg. Tribunal Regional Federal julgue a apelação como for de direito; declarado o prejuízo quanto à pretensão de anulação do acórdão de desprovimento dos embargos declaratórios. (STJ, QUINTA TURMA, RECURSO ESPECIAL N.° 1585781 2016.00.43842-7, JULG. EM 28.06.2016, REL. FELIX FISCHER, DJE DE 01.08.2016) 

Ressalte-se, por fim, que inexiste previsão de prazo limite para eficácia de um decreto de apreensão. A esse respeito, ensina Renato Brasileiro de Lima:

Ao contrário do sequestro e do arresto subsidiário, que, se adotados no curso do inquérito, têm sua eficácia temporalmente limitada, cessando caso a denúncia não seja oferecida em 60 (sessenta) dias, no caso de sequestro (CPP, art. 131, I), e em 15 (quinze) dias, no caso do arresto subsidiário (CPP, art. 136), não há previsão legal de prazo de eficácia para a apreensão. No entanto, a despeito do silêncio da Lei, a jurisprudência entende que a medida não pode se prolongar indefinidamente no tempo. Por isso, em caso concreto no qual a apreensão havia sido realizada há mais de 7 (sete) anos, sem que sequer tivesse havido o oferecimento da denúncia, concluiu o STJ que esse excesso seria incompatível com o princípio da razoabilidade, daí porque determinou o levantamento da medida (STJ, 5ª Turma, RMS 21.453/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/04/2007, DJ 04/06/2007, p. 381)” – grifo nosso -  (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, páginas 1.075-1.076).

 

Já em relação ao sequestro, a legislação é expressa no sentido de que, se a ação penal não for intentada no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data em que ficar concluída a diligência, a constrição deverá ser levantada, com fundamento no excesso de prazo (inteligência do art. 131, I, do CPP). Não obstante, prevalece o entendimento de que este prazo não tem natureza peremptória, não havendo óbice a que, à luz do princípio da razoabilidade e em face da complexidade dos fatos, o prazo de vigência do sequestro seja dilatado, podendo se estender mais ou menos, a depender do caso concreto.

Nesse sentido, confiram-se:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MEDIDA CAUTELAR. DESBLOQUEIO DE VALORES. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. COMPLEXIDADE DOS FATOS. APELO MINISTERIAL PROVIDO. 1.A apreensão de bens no processo penal é medida que preserva os bens tidos como produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória. 2.A perda desses bens, desde que sejam comprovadamente instrumentos ou produtos do crime, constitui um dos efeitos da condenação, nos termos do artigo 91 do Código Penal.3.Assim, conforme estabelece o artigo 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. 4.A questão posta nos autos, além de se referir normativos que cuidam da restituição de bens, diz respeito, em especial, ao apontado excesso de prazo na mantença da constrição, da medida cautelar de bloqueio de valores. 5.Os fundamentos indicativos do excesso de prazo não se sustentam, ante a complexidade dos fatos em apuração pela autoridade policial. 6. Ausência de clareza no que se refere à origem lícita do montante, porquanto a empresa está sendo apontada como instrumento para o cometimento dos crimes de lavagem de capitais e de sonegação de tributos. 7. Apelação ministerial provida.(TRF3, 5ª Turma, Apelação Criminal n.° 5006832-25.2020.4.03.6181, Rel. Paulo Gustavo Guedes Fontes, Julg. em 29.06.2021, DJe de 02.07.2021)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INDISPONIBILIDADE DE BENS. FAZENDAS. CRIMES DIVERSOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SONEGAÇÃO FISCAL, CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Apelação interposta por Michel Hermes dos Santos, Selma Ribeiro dos Santos e Kratos Solutions Ltda contra decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora/MG que indeferiu seu pedido de levantamento de sequestro de 3 (três) imóveis rurais localizados no município de Rio Preto/MG.  2. Consta dos autos que a medida constritiva foi determinada no bojo do Inquérito Policial nº 13817-29.2011.4.01.3801 que apurava a existência de quadrilha especializada em praticar os crimes de falsificação de documentos, falsidade ideológica, supressão de encargos sociais, supressão de tributos, fraude a licitações, entre outros. 3. Sustentam o excesso de prazo para a apresentação da denúncia, alegando, por consequência, a ilegalidade na manutenção da medida de indisponibilidade dos bens. 4. A restituição de coisas apreendidas no curso do inquérito ou da persecução penal condiciona-se à demonstração cabal da propriedade dos bens pelo requerente (art. 120, caput, do CPP), ao desinteresse inquisitorial ou processual na manutenção da apreensão (art. 118 do CPP) e a não classificação dos bens apreendidos nas hipóteses elencadas no art. 91, inciso II, do Código Penal, requisitos que devem ser analisados cumulativamente. 5. O art. 131 do Código de Processo Penal estabelece o prazo de 60 dias para que a ação penal seja proposta, sob pena de cessar a ordem de sequestro. Todavia, o lapso temporal para o oferecimento de denúncia, em hipótese de prévio sequestro, não é absoluto. Em face do princípio da razoabilidade, admite-se dilação de prazos nos casos em que há complexidade e/ou pluralidade de acusados. Nesse sentido: TRF1, Incidente 00275711920164010000, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro, e-DJF1 de 07/12/2016. 6. Na hipótese dos autos, a complexidade do caso, no que tange à quantidade de diligências e análises documentais para a apuração dos crimes, justificam a manutenção das medidas constritivas por prazo superior ao determinado na Lei Processual. 7. importa registrar que, apesar de os requerentes Selma Ribeiro dos Santos e Michael Hermes dos Santos não terem, no caso presente legitimidade para requerer a restituição dos bens, pois, como visto não são proprietários de qualquer dos bens em litígio, ambos estão envolvidos na investigação que redundou no sequestro dos bens e há muito tramita Ação Penal contra os requerentes em razão dos delitos que ensejaram a medida de indisponibilidade dos bens, pois foi recebida a denúncia apresentada no inquérito policial nº 0013817-29.2011.4.01.3801, em 14/12/2017, dando origem à ação penal nº 0000491-55.2018.4.01.3801. 8. Além disso, pelo que consta dos autos Selma Ribeiro dos Santos seria empregada doméstica de Michael Hermes dos Santos, ex-sócio da empresa Kratos e teria vendido os imóveis em comento para a Kratos Solutions Ltda. 9. Por outro lado, a permanência da requerente Kratos Solutions Ltda. na posse e uso dos imóveis não retira a garantia da medida de sequestro. E, em harmonização com o interesse público da medida, melhor se apresenta que fique responsável pela manutenção dos bens, até decisão final na ação penal. 10. O sequestro, no processo penal, é medida assecuratória que visa tornar indisponíveis aos acusados ou indiciados os bens móveis e imóveis, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com proveito do crime, para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, a fim de garantir a indenização da parte lesada e impedir a obtenção de lucro proveniente da prática de infração penal. 11. Em se tratando de bem imóvel, não se vislumbra perigo de desfazimento ou mesmo venda, considerando que o art. 128 do CPP, determina a inscrição no registro de imóveis. 12. Apelação parcialmente provida para nomear a requerente Kratos Solutions Ltda., por meio de seu representante legal, mediante assinatura de termo de compromisso e relatório de vistoria, como fiel depositário, mantendo a restrição ao bem, devendo apresentar ao juízo de origem, relatório trimestral sobre os imóveis, não podendo alienar nenhum bem móvel ou semovente existente nos imóveis, sem autorização do juízo.(TRF1, Quarta Turma, Apelação Criminal n.° 0005280-68.2016.4.01.3801, Rel. Néviton Guedes, Julg. em 10.02.2020, DJF1 de 19.02.2020)

ANÁLISE DO CASO CONCRETO

Objetiva-se nos presentes autos a restituição do veículo ônibus SCANIA modelo MPOLO PARADISO LD placas OOM8D67, cor prata, apreendido em 29.06.2022, por volta das 19 horas, na base da PRM, na cidade de Presidente Prudente/SP, transportando em compartimento destinado a dificultar a atividade policial na sua localização, uma carga de 97.700g de cocaína.

A apelante sustenta que não restou demonstrado que teria concorrido para a prática do crime investigado,  não lhe foi imputado indícios de autoria e seria terceiro de boa-fé.

O pedido de restituição foi indeferido, em decisão vazada nos seguintes termos (ID 308936663 - p. 1/4):

(...)

DECIDO.

A restituição de coisas apreendidas no curso do inquérito ou da ação penal é condicionada à comprovação de três requisitos simultâneos: da propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, do Código de Processo Penal), ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 do Código de Processo Penal) e não estar o bem sujeito à pena de perdimento (art. 91, II, do Código Penal).

Assim, a restituição de bens apreendidos é possível quando o requerente é comprovadamente o seu proprietário, o bem não interessar mais ao processo, não tiver sido adquirido com provento da infração penal nem tenha sido usado para a prática do delito.

No entanto, como bem observou o órgão ministerial, o regime jurídico relativo ao perdimento de bens possui contornos diferenciados no tocante ao tráfico de drogas, a teor do disposto no parágrafo único do artigo 243 da Constituição da República.

Por outro lado, conforme consta dos autos, já houve anterior pedido de restituição do referido veículo, que foi indeferido na mesma decisão que decretou sua indisponibilidade, em caráter provisório, e deferiu sua utilização pela Polícia Federal, nomeando o Superintendente da Polícia Federal em São Paulo como depositário do bem (ID 265190968).

O requerente deixou de interpor o recurso cabível e a decisão denegatória do pedido de restituição do veículo se tornou definitiva.

Pois bem.

Denota-se que a D. Autoridade Policial relatou e finalizou as diligências no presente Inquérito sem indiciar qualquer dos investigados, remetendo os autos ao Ministério Público Federal para manifestação (ID 323066044, fls. 47/61).

Com vista dos autos, o ente Ministerial promoveu o arquivamento do feito, consignando que: “(...)Malgrado a probabilidade das hipóteses investigatórias cogitadas pela autoridade policial, constantes no trecho do relatório reproduzido acima, as diligências realizadas não foram capazes de confirmar e elucidar a eventual participação dos nominados ou de outros pessoas no transporte das drogas apreendidas no ônibus da NILTUR. Inexistem, assim, elementos probatórios suficientes para o ajuizamento de ação penal. Enfatize-se que, conforme informado pela Polícia, os aparelhos celulares apreendidos foram encaminhados para a perícia para a extração de dados que pudessem auxiliar nas investigações e, em decorrência, foi elaborado Laudo de Perícia Criminal Federal (Informática). Os dados extraídos foram analisados, mas não foram encontrados elementos relevantes para a investigação (id. 297675280 - p. 2/3 - fls. 73/74). No mais, este órgão ministerial não vislumbra outras diligências úteis a serem realizadas para a identificação da autoria delitiva, que permanece incerta. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL promove o arquivamento do inquérito policial, com a ressalva do artigo 18 do Código de Processo Penal.” (ID 323840901).

Acolhido o parecer ministerial, foi determinado o arquivamento do feito, com a ressalva do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal (ID 324476986).

Contudo, não obstante o inquérito policial tenha sido arquivado por insuficiência de comprovação da autoria delitiva, o veículo utilizado para o transporte da droga, no qual foi efetuada preparação de compartimento escamoteado a fim de dificultar a atuação policial, que somente localizou a droga com o auxílio de cão farejador, não pode ser restituído, conforme parecer ministerial do ID 327256252, o qual adoto como razão de decidir, como também a teor do disposto na LEI Nº 14.322/2022, que veda a restituição de veículo utilizado no transporte de droga ilícita, independentemente da habitualidade da prática criminosa.

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. REJEIÇÃO. DISCUSSÃO SOBRE A PROPRIEDADE DO BEM E LEGITIMIDADE DA AQUISIÇÃO. MATÉRIA DE MÉRITO. AUTOMÓVEL UTILIZADO PARA A TRAFICÂNCIA APREENDIDO COM DROGA. PERDIMENTO DO BEM. PREVISÃO LEGAL E JURISPRUDENCIAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. Compete ao legítimo proprietário a reivindicação da restituição do veículo, com prova de sua aquisição lícita e de não ter sido o bem utilizado na prática de crime de tráfico de drogas (Precedentes). 2. Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade recursal por ausência de interesse, ventilada pelo Ministério Público, se a discussão posta nos autos cuida da propriedade do bem e da ilicitude de sua aquisição, devendo a questão ser apreciada como matéria de mérito. 3. O perdimento de bens e valores utilizados na prática do crime de tráfico de drogas é efeito decorrente da condenação, previsto no parágrafo único do art. 243, da CF, e no art. 63, da Lei Antidrogas, sendo desnecessária a demonstração de habitualidade e reiteração no uso do bem, em tráfico de drogas, para que seja efetuado o confisco. 4 O STF, em repercussão geral, firmou a tese de que "É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal" ( RE 638491). 5. A simples comprovação da propriedade do bem não tem o condão, por si só, de demonstrar a origem lícita ou de afastar o uso do bem para o cometimento de crimes, mormente quando comprovado que o veículo foi utilizado para a prática do crime de tráfico de drogas, apurado nestes autos. 6. Preliminar rejeitada. Recurso desprovido. (TJ-DF 07276276520208070001 1650156, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 07/12/2022, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 10/01/2023)

Do exposto, diante da impossibilidade legal, INDEFIRO a restituição do veículo ônibus SCANIA modelo MPOLO PARADISO LD placas OOM8D67, cor prata, à empresa NIL-TUR TRANSPORTES LTDA.

(...)

In casu, a apelação não merece prosperar.

Constou do inquérito policial que os 95 tijolos apreendidos da substância  "cocaína" estavam armazenados em um compartimento oculto no veículo apreendido,  confeccionado no acabamento do plástico original do veículo que se encontrava em perfeito estado, o qual teve que ser desparafusado e retirado, para posterior acesso ao local onde estavam os tabletes e que a droga não teria sido localizada sem o auxílio do cachorro (cão farejador de drogas).

Apurou-se ainda que um dos motorista do ônibus apreendido já fora preso pelo crime de tráfico de drogas, mas não fora condenado; o outro motorista declarou que dois "carros" da empresa já teriam sido apreendidos com drogas;  que a pessoa que atuava excepcionalmente como guia no dia dos fatos, cuja função na empresa seria de secretária, também já fora presa e condenada pelos crimes de tráfico e associação ao tráfico, cuja pena já teria cumprido; e, que a proprietária da empresa requerente, Elisangela Martinez,  foi casada com Uderson Itrio Fernandes de Araújo, ex-presidiário, condenado por tráfico de drogas, e assassinado em frente a sua casa em 2020, e declarou nunca ter sido presa nem processada, todavia, sua folha de antecedentes criminais teria apontado seu indiciamento e condenação por tráfico de drogas entre os anos de 2006 e 2008. 

 Pois bem, correta a decisão que indeferiu a restituição do veículo apreendido.

Como já enfatizado nos autos, o regime jurídico relativo ao perdimento de bens possui contornos diferenciados no tocante ao tráfico de drogas, nos termos do artigo 243, da Constituição Federal, que permite o confisco, ou seja, o perdimento do bem.

Nessa linha, segue a Lei de Drogas ao tratar do tema em seu artigo 62 e seguintes, determinando sejam apreendidos os veículos utilizados para a prática do tráfico de drogas.

Some-se a isso o fato de que a perícia realizada no veículo identificou no painel frontal da cabine de passageiros um recorte feito do mesmo material do plástico do ônibus, muito bem aparafusado,  que permitiria a acomodação dissimulado de produtos, substâncias e/ou mercadorias e que seria de difícil localização, que, no caso dos autos, restaram apreendidos, somente mediante a utilização de cães farejadores.

Dessa forma, há evidências concretas de que o veículo fora preparado para ser utilizado como instrumento para prática criminosa de tráfico de drogas, visando ainda dificultar a atuação policial, restando afastada a tese de que a requerente seria terceiro de boa-fé.

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO à Apelação interposta, mantendo-se a r.  decisão que indeferiu o pedido de restituição.

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. ART. 593, II, DO CPP. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS. IMPOSSIBILIDADE LEGAL. TRÁFICO DE DROGAS. VEÍCULO PREPARADO PARA A PRÁTICA ILÍCITA. MATERIALIDADE COMPROVADA. INSTRUMENTO DE CRIME. PERDIMENTO DO BEM.  ARTIGO 62 E SEGUINTES DA LEI N° 11.343/2006 . APELAÇÃO DESPROVIDA.

- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé. Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, a inteligência do artigo 123 do CPP determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído.

- Em suma, tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP.

- Note-se que a apreensão é medida que não se confunde com o “sequestro de bens móveis e/ou imóveis”, a “hipoteca legal” ou o “arresto de bens móveis e/ou imóveis”, pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado). Portanto, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão.  Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão.

- Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado. Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de “decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito”, caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo).

- Indeferimento do pedido. 

-  O regime jurídico relativo ao perdimento de bens possui contornos diferenciados no tocante ao tráfico de drogas, nos termos do artigo 243, da Constituição Federal, que permite o confisco, ou seja, o perdimento do bem.

- A Lei de Drogas ao tratar do tema em seu artigo 62 e seguintes, determina que sejam apreendidos os veículos utilizados para a prática do tráfico de drogas.

- Há evidências concretas de que o veículo fora preparado para ser utilizado como instrumento para prática criminosa de tráfico de drogas, visando ainda dificultar a atuação policial, restando afastada a tese de que a requerente seria terceiro de boa-fé.

- Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à Apelação interposta, mantendo-se a r. decisão que indeferiu o pedido de restituição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
FAUSTO DE SANCTIS
DESEMBARGADOR FEDERAL