Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5031191-26.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AUTOR: UNIÃO FEDERAL

REU: PAULO CESAR LANCA, MARIA APARECIDA DO MONTE LANCA

Advogados do(a) REU: ADEMIR SCABELLO JUNIOR - SP144300-A, VINICIUS NICOLAU GORI - SP280846

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5031191-26.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AUTOR: UNIÃO FEDERAL

 

REU: PAULO CESAR LANCA, MARIA APARECIDA DO MONTE LANCA

Advogados do(a) REU: ADEMIR SCABELLO JUNIOR - SP144300-A, VINICIUS NICOLAU GORI - SP280846

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada pela UNIÃO FEDERAL com fulcro no art. 966, V do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de julgado proferido nos autos da ação de usucapião n. 1008536-72.2016.8.26.0664, ajuizada por Paulo César Lança e Maria Aparecida do Monte Lança.

Ressalta a autora, de início, a irregularidade de sua citação nos autos de origem, que ocorreu através dos Correios, não se atendendo, assim, o comando do art. 183 do CPC e art. 35 da Lei Complementar nº 73/1993, que estabelecem a necessidade de citação pessoal da União. Após, expediu-se ofício à Secretaria de Patrimônio da União a fim de consultar o órgão técnico acerca de eventual interesse do ente público federal na referida demanda. De outro lado, a FEPASA, ré no processo, foi citada equivocadamente por edital, e o feito prosseguiu na irregularidade, com a nomeação de defensor e apresentação de defesa por negativa geral. Esclarece que a FEPASA foi sucedida pela Rede Ferroviária Federal – RFFSA que, após sua extinção, foi sucedida pela União. Assim, o polo passivo da ação deveria ser composto pela União, e não pela FEPASA. Após a prolação de sentença e trânsito em julgado, sobreveio o Ofício nº 94783/82018-MP, de 25/10/2018, da Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, certificando acerca da natureza pública do imóvel objeto da usucapião em comento, por tratar-se de bem imóvel da União, transferido através dos Termos de Transferência nº 1501/2013 e 7039/2010. Trata-se, assim, de imóvel insuscetível de usucapião.  A sentença deixou, ainda, de observar o disposto nos artigos 475, I, § 1º do CPC/1973 e 496, I do CPC/2015. A sentença rescindenda, enfim, violou uma série de dispositivos constitucionais e legais, que excluem expressamente os imóveis públicos da possibilidade de usucapião: §3º do art. 183, e § único do art. 191 da CF/88, art. 105, III, “a”, da CF/88, art. 1º, 71, 198 e 200 do Decreto lei n. 9.760/1943; artigo 4° da Lei n° 3.115/1946;   artigo 85, do Decreto nº 2.089/19634, artigo 1º da Lei n° 6.428/775;   art. 109 do Decreto nº 90.959/85,   arts. 102 e 1208 do CCB; arts. 405 e 560 do CPC/2015 (artigos 364 e 926 do CPC/1973). Afirma que a ocupação do imóvel pelos autores da ação originária, mesmo antes da reincorporação do patrimônio da RFFSA, constitui detenção, que, segundo a jurisprudência do E. STJ, impede a constituição de prescrição aquisitiva. Se os ora réus tivessem interesse em ser os proprietários legais do imóvel objeto da lide, deveriam se submeter aos termos da alienação permitida pelo disposto na Medida Provisória nº 852/2018, que substituiu o artigo 10 e seguintes da Lei nº 11.483/2007. Requer, enfim, a rescisão da sentença em questão, para que uma nova seja proferida, assentando que o imóvel em questão é bem público, proferindo-se sentença de improcedência.

Inicialmente, esta Corte declinou da competência para o julgamento do feito, em favor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Interposto agravo interno, a decisão foi mantida. Interposto Recurso  Extraordinário, determinou-se, em 12/02/2020, o sobrestamento do feito até decisão do STF no tema 775 . Solvida a questão, o agravo interno retornou para Retratação, acabando por ser provido em 04/04/2024, deferindo-se o processamento da presente rescisória nesta Corte.

Citados, os réus apresentaram contestação (id. 292906795). Sustentam, em síntese, a inércia da União Federal  e a regularidade de sua citação, por AR e edital. Acrescentam que, nos autos de origem, comprovaram documentalmente o início da ocupação no ano de 1972 e completaram o prazo de prescrição aquisitiva em 1987, ou seja, 15 anos depois, em momento anterior ao da sucessão da FEPASA pela União Federal, ocorrida em 2007. Naquele momento, enfim, tratava-se se sociedade de economia mista, sendo viável a usucapião, diante do regime jurídico privado aplicável. Ressalta a competência da Justiça Comum para o julgamento de causas envolvendo sociedade de economia mista (Súmula 556 do STF). Discorre, no mais, acerca da segurança jurídica e boa-fé dos requeridos e dos adquirentes do imóvel, vendido em 2020. Subsidiariamente, sustentam a possibilidade de usucapião sobre imóvel pertencente à União Federal, no caso dos autos, pois a sucessão da RFFSA pela União não seria suficiente para que tal bem passasse a ser considerado público. Este apenas se tornaria insuscetível de aquisição por meio de prescrição aquisitiva em caso de utilização do imóvel à prestação de serviço público, mas a destinação da área em que situado vem sendo, há quarenta anos, a moradia.

Manifestação à contestação no Id. 300373843.

Foi concedida antecipação de tutela, com o fim de determinar ao Ofício de Registro de Imóveis de Votuporanga a anotação, na matrícula do imóvel em discussão nos autos (antiga matrícula n. 25.465), da existência da presente ação rescisória. 

No id. 306599817, o feito foi saneado, indeferindo-se pedido de denunciação da lide aos atuais proprietários do imóvel e encerrando-se a instrução processual.

Apenas a parte autora apresentou alegações finais.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela ausência de justificativa para intervenção ministerial.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5031191-26.2018.4.03.0000

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V O T O

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Verifico que a ação rescisória foi ajuizada em 11/12/2018, dentro do prazo decadencial previsto no art. 975 do CPC, já que a decisão atacada transitou em julgado em 17/08/2018.

A coisa julgada é garantia fundamental que ampara a segurança jurídica (art. 5º, XXXI da Constituição), e sua preservação é a regra geral no Estado de Direito brasileiro, de modo que sua rescisão é exceção subordinada a hipóteses legais interpretadas restritivamente. Contudo, a coisa julgada não é um fim em si mesmo ao ponto de ser defendida a qualquer custo (especialmente se formada com irregularidades), mesmo porque a segurança jurídica se projeta para a preservação dos efeitos jurídicos de atos passados, bem como para certeza possível do presente e para previsibilidade elementar do futuro.

Previstas no art. 966 do CPC/2015, as hipóteses que permitem a ação rescisória envolvem vícios, erros e conflitos que colocam determinada coisa julgada em conflito com o funcionamento lógico-racional do sistema jurídico. Sendo o caso de rescindir a decisão transitada em julgado (juízo rescindendo), o feito originário deve ser rejulgando para sanar a irregularidade em sua extensão (juízo rescisório), mostrando que a ação rescisória é inconfundível com as vias recursais.

A parte autora formula pedido com base no art. 966, inciso V do CPC/2015, in verbis:

 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

V - violar manifestamente norma jurídica;

(...)

§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)

§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)”

Nos moldes do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC/2015, a violação manifesta de norma jurídica se materializa quando o julgado se apoiar em entendimento jurídico inaceitável pelo sistema jurídico, compreendendo tanto omissão sobre a existência de preceito normativo (constituições, leis, etc., bem como súmulas vinculantes e demais decisões obrigatórias derivadas do mecanismo de precedentes) quanto interpretação claramente incoerente, má ou teratológica. Não caberá ação rescisória como sucedâneo recursal para rever coisa julgada fundamentada em uma dentre várias interpretações aceitáveis (ainda que não seja a predominante). A esse respeito, há ampla jurisprudência no e.STJ, como se nota nos seguintes casos: AgInt na AR n. 6.839/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 13/12/2022, DJe de 15/12/2022; AR n. 6.335/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 14/12/2022, DJe de 20/12/2022; AgInt no REsp n. 1.960.713/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 31/3/2022; e AgInt no AREsp n. 1.238.929/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 21/6/2022). Por isso, a Súmula 343 do c.STF é categórica ao rejeitar a rescisão baseada em interpretação controvertida ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais").

O marco temporal para a demonstração da interpretação controvertida que impede o juízo rescindendo é momento no qual foi lançada a decisão que transitou em julgado, mas se a coisa julgada transgrediu (de modo evidente, direto e manifesto) a compreensão jurídica que já vinha sendo dada, que era empregada quando o julgamento foi feito e que permaneceu aplicável, há manifesta violação de norma jurídica (compreendida pela combinação de texto e de interpretação). A esse respeito, no e.STF, cito como exemplos: AgInt na AR 2990 / SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 17/10/2017; AgRg na AR n. 5.300/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, CORTE ESPECIAL, DJe de 5/3/2014; e AgInt na AR n. 4.821/RN, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 13/3/2019, DJe de 18/3/2019. Diversa é a situação da coisa julgada que contraria julgado vinculante ou obrigatório do c.STF ou do e.STJ, pois nesse caso é inexigível esse marco temporal em favor da unificação dos pronunciamentos judiciais e da isonomia.

No caso dos autos, o julgado rescindendo foi proferido em 23/05/2018, nos seguintes termos:

“Vistos.

Trata-se de ação de usucapião especial urbana ajuizada por PAULOCÉSAR LANÇA e MARIA APARECIDA DO MONTE LANÇA em face de FEPASA –FERROVIA PAULISTA S/A. Alega, em síntese, que possui um imóvel urbano, desde 1972, ou seja, há mais de 45 anos, sendo que o referido imóvel tem 600 metros de extensão, que é possuidora do domínio e posse mansa, pacífica e sem interrupções, motivo pelo qual requer a procedência da ação (pgs.01/09). Juntou documentos (pgs.10/51).

Custas recolhidas (43/48).

Houve emenda à inicial (pg.68).

A FEPASA e os ausentes, incertos e desconhecidos foram citados por edital (pg.98/99), apresentando contestação por negativa geral (pg.133/134).

A Prefeitura, Fazenda e a Procuradoria foram citadas (pgs.100/102), e manifestaram-se que não têm interesse na lide (pgs. 103, 104), bem como decorreu o prazo para União se manifestar (pg.113).

Citados requeridos Adimilson e Maria, Adevaldo e Tereza (pg.108), decorreu o prazo para os requeridos à pg.114.Os autos me vieram conclusos.

É o relatório.

Fundamento e decido.

 A usucapião é modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais.

De forma que, como urge a presente ação, conforme dispõe o artigo1.207 do Código Civil: “O sucessor universal continua de direito a posse de seu antecessor: e ao seu sucessor singular é facultado unir a posse à do antecessor, para fins legais”.

Tendo em vista que os imóvel é urbano e a possibilidade que aduz o Código Civil, qual seja, a soma da posse contemporânea com as antecedentes, desde que todos sejam de forma mansa, pacífica e sem interrupções, cabível o pedido na formado "artigo 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".

Considerando que os requisitos da accessio possessionis estão presentes, quais sejam, continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico entre as posses, de forma contínua (sem interrupções) e pacífica (sem que houvesse reivindicação ou oposição de terceiros), não havendo qualquer impugnação ao pedido do autor, em que pese todos os interessados, sucessores, herdeiros e confrontantes terem sido devidamente citados para contestar a ação e da mesma forma, não houve por parte das Fazendas Públicas, em qualquer de suas esferas, oposição ao pedido inaugural. Assim, o deferimento do pedido é a medida de rigor.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido fundado no art.1.240,caput, do Código Civil e DECLARO a aquisição pelos autores PAULO CÉSAR LANÇA e MARIA APARECIDA DO MONTE LANÇA qualificados nos autos, do imóvel devidamente descrito e caracterizado no memorial descritivo e mapa de pgs.71/73,peças que passam a integrar a presente decisão.

Fixo os honorários em 100% sobre o teto da tabela, expedindo-se a respectiva certidão.

Transitada esta em julgado, expeça-se mandado ao Cartório de Registro de Imóveis para abertura de nova matrícula, com menção da antiga denº25.465, observando-se as cautelas usuais. Oportunamente, ao arquivo.

P.I.C”

A autora sustenta que foi violado o teor dos seguintes dispositivos legais: art. 183 do CPC, art. 35 da Lei Complementar nº 73/1993, arts. 475, I, § 1º do CPC/1973 e 496, I do CPC/2015, : §3º do Art. 183, e § único do Art. 191 da CF/88, art. 105, III, “a”, da CF/88, art. 1º, 71, 198 e 200 do Decreto lei n. 9.760/463; artigo 4° da Lei n° 3.115/57;   artigo 85, do Decreto nº 2.089/19634, artigo 1º da Lei n° 6.428/775;   art. 109 do Decreto nº 90.959/85,   arts. 102 e 1208 do CCB; arts. 405 e 560 do CPC/2015 (arts. 364 e 926 do CPC/1973). Estatui o art. 183 do CPC/2015 que:

 Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.

De outro lado, o art. 35 da Lei Complementar n. 73/1993 estatui que:

“Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa:

 I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência do Supremo Tribunal Federal;

II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos tribunais superiores;

III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos demais tribunais;

IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses de competência dos juízos de primeiro grau.”

Acrescente-se que o art. 38 da Lei Complementar nº 73/1993 e o art. 183, § 1º, do CPC/2015, conferem aos procuradores públicos a prerrogativa de notificação e intimação pessoal, mediante carga, remessa ou meio eletrônico. O art. 20 da Lei nº 11.033/2004, por sua vez, é expresso no sentido de que a intimação e a notificação dos Procuradores da Fazenda Nacional, inclusive aquelas pertinentes a processos administrativos, dar-se-ão pessoalmente mediante a entrega dos autos com vista. 

Desse modo, o prazo para a prática de atos processuais pelo Procurador da Fazenda Nacional deve ser contado a partir de sua intimação pessoal. Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados desta E. Corte:

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS POR INSTÂNCIA SUPERIOR. FUNDAMENTO REMANESCENTE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTIMAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL. NECESSIDADE DE TERMO DE CARGA DO PROCESSO. PRERROGATIVA. IMPORTÂNCIA PARA A TEMPESTIVIDADE DE ATOS DA EXEQUENTE. RECURSO PROVIDO. I. Com a inviabilidade de reunião das causas por conexão, subsiste o exame do outro fundamento do agravo, especificamente a necessidade de termo de abertura para futuras intimações. II. A Fazenda Pública possui a prerrogativa de ciência pessoal, que deve ser operacionalizada através de certidão de carga do processo (artigo 25 da Lei n° 6.830/1980 e artigo 20 da Lei n° 11.033/2004). A medida atesta a entrega dele ao procurador e garante a aferição da tempestividade de eventual recurso. III. Sem a formalização, a intimação fica destituída de representatividade nos autos, dificultando a análise temporal dos atos da exequente. IV. A ausência é particularmente grave no agravo de instrumento, porquanto a Fazenda Nacional extrai cópia integral das peças de origem, da qual não irá constar o termo de abertura. V. O relator não poderá avaliar a tempestividade, em prejuízo ao devido processo legal e às prerrogativas da Advocacia Pública. VI. A ciência da decisão que reuniu a execução fiscal e a ação anulatória é paradigmática: não se certificou a carga dos autos, o que impossibilitaria a União de instruir completamente o recurso. VII. Embora haja a informação de que o procurador promoveu a retirada, ela foi formalizada em 29/03/2005, depois do prazo de interposição do agravo de instrumento (de 17/02/2005 a 07/03/2005). A instrução adequada seria inviável. VIII. Agravo de instrumento a que se dá provimento.

(AGRAVO DE INSTRUMENTO - 235853 ..SIGLA_CLASSE: AI 0034725-20.2005.4.03.0000 ..PROCESSO_ANTIGO: 200503000347251 ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO: 2005.03.00.034725-1, ..RELATORC:, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2016 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)

No caso dos autos, a ação de origem foi proposta apenas em face da FEPASA, em 11/10/2016.

Por ocasião do despacho citatório, foi determinada a ciência, por carta, das Fazendas Públicas (Município, Estado, União para que manifestassem eventual interesse na causa (Id. 10309919 - Pág. 74 – fls. 92 da versão em PDF). Em cumprimento, foi expedida carta de intimação para a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional de São Jose do Rio Preto, recebida por pessoa física em 13/07/2017 (Id. 10309920 - Pág. 17). Esta respondeu à Carta informando que a questão era de responsabilidade da PSU – Procuradoria Seccional da União em São José do Rio Preto. Informou o endereço para a adoção das medidas cabíveis pelo Juízo de origem (Id. 10309920 - Pág. 24). Foi expedida nova carta de intimação, recebida por pessoa física (Id. 10309920 - Pág. 27). Não houve manifestação. O feito teve regular seguimento sem participação da União Federal.

Quanto à FEPASA e demais interessados ausentes, incertos e desconhecidos, este foram citados por Edital e defendidos por curador especial, que apresentou contestação por negativa geral.

Deve-se considerar, no caso dos autos, que, em 1996, o Governo de São Paulo foi autorizado a transferir a totalidade das ações ordinárias nominativas representativas do capital social da FEPASA - Ferrovia Paulista S/A, de propriedade da Fazenda do Estado, para a RFFSA - Rede Ferroviária Federal S/A, nos termos art. 3 º da Lei  Paulista nº 9.343/1996.  Em 1997, a RFFSA firmou com o Estado de São Paulo contrato de promessa de compra e venda de ações da FEPASA, conforme  o Contrato de Promessa de Compra e Venda de Ações Representativas do Capital Social da FEPASA e seus Aditivos e o Protocolo de Justificação da Incorporação da Ferrovia Paulista S/A - FEPASA à Rede Ferroviária Federal S/A, estabelecendo a  responsabilidade do Estado de São Paulo em relação a qualquer passivo que tenha como causa fatos ocorridos anteriormente a dezembro de 1997, e pelo ônus financeiro relativo à liquidação de processos judiciais promovidos, a qualquer tempo, por inativos da FEPASA e pensionistas. Em 18/02/1998, sobreveio o Decreto nº 2.502, que autorizou a  incorporação da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA pela Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA.

Em 2007, a RFFSA foi extinta, tendo a Lei 11.483/2007 encerrado a liquidação da companhia e estabelecido que a União sucederia os direitos e obrigações e ações judiciais em que a RFFSA fosse parte, nos seguintes termos:

"Art. 1o  Fica encerrado o processo de liquidação e extinta a Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, sociedade de economia mista instituída com base na autorização contida na Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957.

Parágrafo único.  Ficam encerrados os mandatos do Liquidante e dos membros do Conselho Fiscal da extinta RFFSA.

Art. 2o  A partir de 22 de janeiro de 2007:

I - a União sucederá a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada, ressalvadas as ações de que trata o inciso II do caput do art. 17 desta Lei; e

II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União, ressalvado o disposto no inciso I do art. 8o desta Lei.

II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União, ressalvado o disposto nos incisos I e IV do caput do art. 8o desta Lei."

 

De todo o exposto, conclui-se que, na época do ajuizamento a ação (11/10/2016), a FEPASA não mais existia, nem sua sucessora, a RFFSA. O polo passivo da ação deveria ter sido integrado pela União Federal, na qualidade de sucessora de direitos e obrigações e ações judiciais. Afinal, o imóvel urbano objeto da ação está inserido em área do antigo leito da Rede Ferroviária Federal S/A e faz parte do acervo não-operacional transferido para a administração da Superintendência do Patrimônio da União.

Registre-se, por oportuno, que a parte autora chegou a ser intimada (Id. 10309920 - Pág. 40) para informar acerca de eventual eventual sucessão da extinta FEPASA para posterior citação, mas permaneceu inerte.    

Dessa maneira, o processo de origem teve tramitação absolutamente irregular. Foram flagrantemente violados, no caso os autos, o art. 35 da Lei Complementar nº 73/1993, o art. 183 do CPC e o art. 109, I, da CF.

Nesse sentido:

 

“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA. ARTIGO 38 DA LEI COMPLEMENTAR 73/93 E ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA UNIÃO. MANIFESTADO INTERESSE DA UNIÃO EM AÇÃO DE USUCAPIÃO PROPOSTA NO JUÍZO ESTADUAL. ÁREA USUCAPIENDA QUE COMPREENDE, EM PARTE, IMÓVEL ALEGADAMENTE PÚBLICO. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RESCISÓRIA PROCEDENTE.

1. Ação Rescisória ajuizada pela União em face de Adelaide Yvone Campagnoli de Souza e Odair Pereira de Souza, visando a rescisão da “r. sentença de fls. 235 do Processo nº 0001301-19.2014.8.26.0219, proferida pelo D. Juízo da Foro Distrital de Guararema – Comarca de Mogi das Cruzes, na parte em que declarou o domínio dos autores da ação originária de usucapião sobre a parte do imóvel que margeia rio federal pertencente à União”, “requerendo que outra sentença seja proferida em substituição, para que, restando plenamente constatado que o imóvel em questão confronta com terreno marginal do Rio Paraíba do Sul, exclua do registro da matrícula do imóvel em questão, a área pública de propriedade da União”.

2. A questão da competência dos Tribunais Regionais Federais vem sendo reafirmada para a ação rescisória proposta por um dos entes descritos no art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, como no caso dos autos, ainda que a decisão rescindenda seja proferida por Tribunal Estadual, considerada a alegação de incompetência absoluta do Juízo prolator do decisum na ação adjacente.

3. O prazo decadencial de dois anos, previsto no art. 975 do CPC/2015, para o ajuizamento da rescisória restou observado, tendo-se em vista o trânsito em julgado da sentença em 01.09.2016 (consoante certidão de trânsito em julgado no feito adjacente) e a propositura da ação em 29.08.2018.

4. Observa-se do processamento da ação de usucapião nº 0001301-19.2014.8.26.0219, perante o Juízo Estadual do Foro Distrital de Guararema – Comarca de Mogi das Cruzes/SP, que a intimação da União para manifestar interesse na causa deu-se por carta, a contrariar disposição legal sobre intimação pessoal do ente público.

5. A declaração da União pelo interesse na intervenção do feito adjacente, ao entendimento de que a pretensão à usucapião esbarra em bem de sua titularidade, leva ao deslocamento da competência para a Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988.

6. Ação Rescisória procedente.”

(TRF3. Ação Rescisória n. 5021097-19.2018.4.03.0000. Primeira Seção. Relator: Desembargador Federal Helio Nogueira. J. 05/12/2019).

 

Demais questões envolvidas no mérito da lide, como a discussão acerca da possibilidade de usucapião de bem originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União e a alegação de que foi completamente preenchido o prazo  para prescrição aquisitiva em momento anterior ao da sucessão da FEPASA pela União Federal, ficam prejudicadas pela nulidade processual constatada e deverão ser enfrentadas oportunamente, em novo julgamento da lide.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação rescisória, com o fim de desconstituir a decisão rescindenda e determinar a inclusão da União Federal no polo passivo da lide de origem, que deverá prosseguir com sua regular citação e participação no processo.

Nos termos do art. 85, §§3º do CPC/2015, condeno a parte sucumbente ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído a esta causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É como voto.

 



E M E N T A

 

 

AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. OBSERVÂNCIA. FEPASA. RFFSA. UNIÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE CITAÇÃO PESSOAL. INEXISTÊNCIA. NULIDADE. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA. ART. 35 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 73/1993. ART. 183 DO CPC. ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO.

- A ação rescisória foi ajuizada em 11/12/2018, dentro do prazo decadencial previsto no art. 975 do CPC, já que a decisão atacada transitou em julgado em 17/08/2018.

-  Nos moldes do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC/2015, a violação manifesta de norma jurídica se materializa quando o julgado se apoiar em entendimento jurídico inaceitável pelo sistema jurídico, compreendendo tanto omissão sobre a existência de preceito normativo (constituições, leis, etc., bem como súmulas vinculantes e demais decisões obrigatórias derivadas do mecanismo de precedentes) quanto interpretação claramente incoerente, má ou teratológica. Não caberá ação rescisória como sucedâneo recursal para rever coisa julgada fundamentada em uma dentre várias interpretações aceitáveis (ainda que não seja a predominante). Nesse sentido, a Súmula 343/STF.

- O marco temporal para a demonstração da interpretação controvertida que impede o juízo rescindendo é momento no qual foi lançada a decisão que transitou em julgado, mas se a coisa julgada transgrediu (de modo evidente, direto e manifesto) a compreensão jurídica que já vinha sendo dada, que era empregada quando o julgamento foi feito e que permaneceu aplicável, há manifesta violação de norma jurídica (compreendida pela combinação de texto e de interpretação). Diversa é a situação da coisa julgada que contraria julgado vinculante ou obrigatório do c.STF ou do e.STJ, pois nesse caso é inexigível esse marco temporal em favor da unificação dos pronunciamentos judiciais e da isonomia.

- Na época do ajuizamento a ação (11/10/2016), a FEPASA não mais existia, nem sua sucessora, a RFFSA. O polo passivo da ação deveria ter sido integrado pela União Federal, na qualidade de sucessora de direitos e obrigações e ações judiciais. Afinal, o imóvel urbano objeto da ação está inserido em área do antigo leito da Rede Ferroviária Federal S/A e faz parte do acervo não-operacional transferido para a administração da Superintendência do Patrimônio da União.

- Registre-se que a parte autora chegou a ser intimada (Id. 10309920 - Pág. 40) para informar acerca de eventual sucessão da extinta FEPASA para posterior citação, mas permaneceu inerte.          

- O processo de origem teve tramitação absolutamente irregular. Foram flagrantemente violados, no caso os autos, o art. 35 da Lei Complementar nº 73/1993, o art. 183 do CPC e o art. 109, I, da CF.

- Demais questões envolvidas no mérito da lide, como a discussão acerca da possibilidade de usucapião de bem originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União e a alegação de que foi completamente preenchido o prazo para prescrição aquisitiva em momento anterior ao da sucessão da FEPASA pela União Federal, ficam prejudicadas pela nulidade processual constatada e deverão ser enfrentadas oportunamente, em novo julgamento da lide.

- E caso de procedência do pedido formulado na ação rescisória, com o fim de desconstituir a decisão rescindenda e determinar a inclusão da União Federal no polo passivo da lide de origem, que deverá prosseguir com sua regular citação e participação no processo.

- Ação rescisória com pedido procedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu JULGAR PROCEDENTE a presente ação rescisória, com o fim de desconstituir a decisão rescindenda e determinar a inclusão da União Federal no polo passivo da lide de origem, que deverá prosseguir com sua regular citação e participação no processo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL