APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001744-30.2004.4.03.6124
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA
APELADO: LINDALVA HEITOR DE MENDONCA, PAULO ROBERTO DIAS WESTIN
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO MAFFIA QUEIROZ NOBRE - SP184958-A, FILLIPE GEORGE LAMBALOT - SP318608-A, PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES - SP98709-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001744-30.2004.4.03.6124 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA APELADO: LINDALVA HEITOR DE MENDONCA, PAULO ROBERTO DIAS WESTIN Advogados do(a) APELADO: EDUARDO MAFFIA QUEIROZ NOBRE - SP184958-A, PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES - SP98709-A R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA e de reexame necessário em face de sentença que, em sede de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, assim decidiu: 3. DISPOSITIVO Diante destes quadros, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil e da Lei Complementar nº 76/1993, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de desapropriação e, assim o faço para adjudicar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA a área de terras rurais denominada Fazenda Progresso, até então pertencente aos réus-expropriados, com área de 1.172,6635 hectares (um mil, cento e setenta e dois hectares, sessenta e seis ares e trinta e cinco centiares), objeto do registro e matrícula nº R-5-101, ficha 02, livro 02; R-4-13.717, ficha 02, livro 02 e R-7-3.050, ficha 03, livro 02, do Cartório de Registro de Imóveis de Pereira Barreto/SP, conforme anteriormente discriminado, mediante a indenização no importe total de R$ R$ 15.944.309,87 (quinze milhões, novecentos e quarenta e quatro mil, trezentos e nove reais e oitenta e sete centavos) (fls. 957, 1209 e 1211). Deste valor serão descontados 10% (dez por cento) em razão da desvalorização do imóvel em face à servidão de passagem de rede de energia na propriedade, nos termos da fundamentação.O valor da terra nua foi fixado no importe de R$ 14.769.197,01 - já descontado o custo da recuperação ambiental -, que será pago com Títulos da Dívida Agrária acrescido da correção monetária a partir da data da entrega do laudo pericial (19/12/2011 - fl. 929) e acrescida dos juros compensatórios de 12% a.a. durante a vigência da medida liminar concedida na ADI nº 2332 e pela cifra de 6% a.a. nos demais períodos, a partir da imissão na posse (28/01/2005), calculados sobre a diferença entre os 80% (oitenta por cento) da oferta inicial, que o expropriado já levantou e o quanto fixado na presente sentença e, após, sobre o valor corrigido monetariamente com dedução do tempo decorrido a partir da imissão na posse a fim de que o resgate não ultrapasse o prazo constitucional máximo de vinte anos, respeitando-se, todavia, o prazo mínimo (um biênio) para início do resgate, observando-se o disposto no art. 5º, 3º da Lei n. 8.629/1993 quanto à fixação exata deste prazo em razão da extensão, em módulos fiscais, da área desapropriada, o que corresponde a quinze anos, nos termos da fundamentação.A diferença de valores verificada entre a oferta inicial do INCRA e os valores fixados em sentença para a indenização da terra-nua deve ser integralizada mediante a emissão de Títulos da Dívida Agrária (TDA) Complementares, os quais devem ser emitidos com dedução do tempo decorrido a partir da imissão na posse, a fim de que o resgate não ultrapasse o prazo constitucional máximo de vinte anos, respeitando-se, todavia, o prazo mínimo (um biênio) para início do resgate, observando-se o prazo máximo de resgate.Eventual procrastinação da expropriante acerca da expedição das TDAs complementares após o trânsito em julgado pode ensejar a aplicação de multa diária, mediante provocação dos réus (art. 536 do CPC/2015).A averbação das áreas de preservação permanente e reserva legal identificadas pela perícia, caso não regularizadas até a presente data, compete ao expropriante, vez que já previstos os custos decorrentes de tal ato e deduzidos do montante indenizatório que cabe aos réus.Nos termos da fundamentação, 10% (dez por cento) do valor da indenização relativos à terra nua ficarão reservados para fins computação da desvalorização do imóvel decorrente da passagem de linhas de energia pela propriedade, condicionado seu levantamento à comprovação pelos réus, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado, de recebimento prévio de indenização pela CESP para fins de encontro de contas ou majoração de tal percentual, ou inexistência de tal indenização, o que pode ser promovido diretamente perante a CESP. No silêncio, tais valores serão revertidos à expropriante sem prejuízo de averbação da faixa de servidão indicada pela concessionária de energia elétrica e sua averbação no CRI responsável, se o caso, ficando tal providência a cargo do INCRA. Os juros compensatórios e correção monetária, em relação à indenização pela desapropriação da terra-nua, se circunscrevem aos valores definidos na presente sentença retroativamente à data da imissão na posse, compreendendo a diferença de datas entre ambas. Após os cálculos e devidas atualizações dos valores e emissão das respectivas TDAs, o que ocorrerá com o trânsito em julgado, deixa de incidir tal cifra em face aos mecanismos próprios destes títulos para fins de indexação de seus valores.Quanto ao prazo de resgate dos Títulos da Dívida Agrária, originários e complementares, possuindo a Fazenda Progresso área de 1.172,6635 has (um mil, cento e setenta e dois hectares, sessenta e seis ares e trinta e cinco centiares), considerando a extensão da propriedade ser equivalente a 33 módulos fiscais, o prazo máximo de resgate dos Títulos da Dívida Agrária, indenizatórios do valor da terra-nua, nos termos do disposto no art. 5º, 3º, inciso I, da Lei n. 8.629/1993, será de quinze anos, observado o biênio após a sua emissão, nos termos da fundamentação, tendo como termo inicial a data da imissão provisória do INCRA na posse da propriedade.Fixado o termo a quo para o pagamento das TDAs, existindo TDA já vencida no momento do cumprimento da sentença, seu valor deverá ser pago mediante emissão de precatório. Devida também a indenização dos valores das benfeitorias não reprodutivas no patamar de R$ 577.345,86 (fl. 1209) (quinhentos e setenta e sete mil, trezentos e quarenta e cinco reais e oitenta e seis centavos) e benfeitorias reprodutivas no patamar de R$ 597.767,00 (quinhentos e noventa e sete mil, setecentos e sessenta e sete reais), a serem pagas mediante precatórios, descontados os valores já depositados pelo INCRA e noticiados à fl. 169 dos autos, indenização esta igualmente acrescida da correção monetária a partir da data da entrega do laudo pericial (19/12/2011 - fl. 929) e acrescida dos juros compensatórios de 12% a.a. durante a vigência da medida liminar concedida na ADI nº 2332 e pela cifra de 6% a.a. nos demais períodos, se o caso, a partir da imissão na posse (28/01/2005), calculados sobre a diferença entre os 80% (oitenta por cento) da oferta inicial, que o expropriado pode levantar, e aquele fixado no laudo pericial e, após ele, sobre o valor corrigido monetariamente.Os juros compensatórios referentes às indenizações por benfeitorias calculam-se a partir da imissão do expropriante na posse e são vigentes até a expedição do precatório correspondente e incidirão sobre a diferença entre os 80% da oferta inicial feita pelo expropriante e o valor efetivamente fixado na sentença. Após emissão do precatório, se este não for pago no prazo normativo, passam a incidir juros moratórios. Entre a emissão do precatório e o prazo de seu pagamento não incidem juros moratórios nem juros compensatórios.Em relação à diferença de valores verificada entre a oferta inicial do INCRA e os valores fixados em sentença para indenização das benfeitorias, esta deve ser integralizada mediante precatório, nos termos da fundamentação.Observo ser "vedada a incidência continuada dos juros compensatórios durante a moratória constitucional, sendo devidos os juros moratórios somente se o precatório não for pago dentro do prazo constitucional" (AgRg no AREsp 158.999/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 24/09/2013).A correção monetária dos valores devidos pelo expropriante será indexada pelo IPCA-E. O termo inicial da correção monetária será a data de entrega do laudo pericial judicial e o termo final será a data do efetivo pagamento. Os juros de mora são devidos a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao vencimento do prazo do pagamento mediante precatório, estipulados nos termos do artigo 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/1941 à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, ou seja, são devidos e cumuláveis com os juros compensatórios. Não sendo aplicável o quanto decido pelo STF no RE 579.431, visto que pertinente apenas a juros de mora entre a realização dos cálculos e expedição do precatório, em face ao regramento especial incidente no caso.Ressalte-se que os juros moratórios devem incidir somente sobre o valor a ser pago em dinheiro, dado que os títulos da dívida agrária têm prazo de resgate próprio (APELREEX 00013215320014036002, Desembargador Federal Luiz Stefanini, TRF3 - Quinta Turma - 1a. Seção, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 11/07/2014).Honorários advocatícios a serem pagos pelo INCRA aos patronos dos réus-expropriados, fixados em 2,5% (dois e meio por cento) calculados sobre a diferença entre a oferta inicial feita pelo expropriante e o efetivo valor da desapropriação objeto de estipulação judicial, fixação que obedece ao disposto no 1º do art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/41, com a ressalva do quanto determinado na ADI-MC nº 2.332 em relação à inexistência de teto valorativo para tal cifra (STF, ADI 2332, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Plenário, 17.5.2018. ATA Nº 15, de 17/05/2018. DJE nº 103, divulgado em 25/05/2018), com as considerações advindas da Súmula nº 131 do STJ e nº 617 do STF sobre a inclusão dos juros moratórios e compensatórios, devidamente corrigidos. Pagamento este a se efetivar em dinheiro (precatório).Sem condenação ao pagamento de honorários periciais pelo INCRA ante a fixação do montante definitivo em quantitativo já levantado pelo Perito Judicial, conforme fundamentação.Sem condenação ao ressarcimento dos honorários do assistente técnico indicado pelos expropriados, Sr. EDMILSON PIZÁPIO, nos termos da fundamentação.Autarquia isenta de custas (art. 4º, inc. I da Lei 9.289/96).Inexistem valores residuais acerca do levantamento de 80% (oitenta por cento) sobre o montante depositado pelo INCRA a título de indenização pelas benfeitorias, bem como do montante de 80% (oitenta por cento) sobre o montante depositado pelo INCRA a título de indenização pela terra-nua, procedido em Títulos da Dívida Agrária, tendo em vista seu prévio levantamento pelos expropriados.DEFIRO, após o trânsito em julgado e mediante pedido dos expropriados, o levantamento do restante da indenização (os vinte por cento retidos dos depósitos originais feitos pelo INCRA), deduzidos o valor de tributos e multas incidentes sobre o imóvel, exigíveis até a data da imissão na posse pelo expropriante, nos termos do art. 16 da Lei Complementar nº 76/93, se o caso, devendo a Secretaria providenciar o necessário, com as cautelas de praxe. Sobre tal cifra incidirão juros compensatórios de 12% a.a. durante a vigência da medida liminar concedida na ADI nº 2332 e pela cifra de 6% a.a. nos demais períodos, se o caso, a contar da imissão provisória na posse (28/01/2005) até a data de seu efetivo levantamento.A prova da inexistência de débitos onerando o imóvel, nesta etapa processual, compete ao expropriante, sob pena de arcar com tal obrigação posteriormente.Paga a integralidade da verba indenizatória e após o trânsito em julgado, EXPEÇA-SE carta de adjudicação em favor do expropriante (art. 29 do Decreto-Lei nº 3.365/41 e art. 17, Lei Complementar n. 76/1993).Ciência ao Ministério Público Federal (art. 18, 2º, Lei Complementar n. 76/1993).Traslade-se cópia desta sentença para os autos da exceção de suspeição n. 0001534-32.2011.403.6124, certificando-se em ambos.OFICIE-SE aos relatores dos recursos interpostos na exceção de suspeição n. 0001534-32.2011.403.6124, especificamente o AI n. 0017939-51.2012.4.03.0000 e o AREsp n. 948392/SP (2016/0178339-9), com cópia desta sentença.Sentença sujeita a reexame necessário (art. 13, 1º, Lei Complementar nº 76/1993).Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Opostos embargos declaratórios pelos expropriados (LINDALVA HEITOR DE MENDONÇA e PAULO ROBERTO DIAS WESTIN), foram eles acolhidos pelo MM Juízo de primeiro grau, nos seguintes termos: “3. DISPOSITIVO Nestes termos, CONHEÇO os presentes Embargos de Declaração porquanto tempestivos e, no mérito, DOU-LHES provimento para considerar comprovado o recebimento de NCZ$ 1,00 (um cruzado novo) por cada servidão administrativa da CESP averbada em matrícula da propriedade. Em consequência determino a liberação dos 10% (dez por cento) reservados sobre a indenização a ser paga pela terra nua, a qual deverá ser paga em valor e modo já estipulados na sentença de mérito. Não há modificação acerca do pagamento das benfeitorias. Promovam-se as necessárias anotações na sentença de mérito registrada no Livro de Registro nº 0001/2019 sob nº 00123, às fls. 249 acerca do provimento dos presentes embargos de declaração, certificando-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se”. Apelação interposta pelo INCRA, alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença proferida nos embargos de declaração, por ausência de intimação para contrarrazões, nos termos do art. 1.023 do CPC. A seguir, reitera as razões do agravo retido anteriormente interposto. Quanto ao mérito, discute o valor da indenização, a avaliação do imóvel, o valor da indenização atribuído às pastagens, a divergência entre as áreas registrada e medida, a servidão administrativa existente no imóvel, o descabimento da emissão de TDA’s complementares, o percentual de juros compensatórios e a redução dos honorários advocatícios. Contrarrazões oferecidas pelos réus, alegando, como matéria preliminar, a intempestividade da apelação. Acórdão proferido por esta C. Corte deu provimento ao recurso do INCRA e ao reexame necessário para anular a sentença proferida nos embargos declaratórios, determinando, como consequência, a baixa dos autos à Vara de origem, a fim de que outra seja oportunamente proferida, depois da regular intimação do ora apelante para contrarrazões. Embargos de declaração opostos pelos expropriados foram acolhidos em parte tão somente para retificação do dispositivo da decisão embargada, sem modificação de conteúdo. Baixados os autos à origem, o INCRA apresentou suas contrarrazões aos embargos declaratórios. Nova sentença proferida nos embargos de declaração assim concluiu: Ante o exposto, CONHEÇO dos presentes embargos de declaração e, no mérito, DOU-LHES PROVIMENTO, com efeitos infringentes, para considerar comprovado o recebimento de indenização pelas servidões administrativas da CESP, conforme constante das matrículas dos imóveis expropriados, e, diante da irrisoriedade de tal valor, determinar a liberação desde logo (sem necessidade de se esperar o cumprimento de sentença, tendo em vista que já cumprido o requisito outrora estabelecido), do montante de 10% reservados sobre a indenização a ser paga pela terra-nua, a qual deverá ser paga em valor e modo já estipulados na sentença proferida no feito. Apelação interposta pelo INCRA alegando, preliminarmente, a reiteração do agravo retido, relativo ao critério temporal para aferição do valor do imóvel, na medida em que os expropriados contribuíram para o atraso na prolação da sentença. No mérito, discute o valor da indenização fixado pela sentença com base na perícia judicial, a qual supervaloriza o imóvel. Insurge-se quanto à indenização de pastagens localizadas em área de reserva legal, bem como quanto ao real estado das pastagens. Aponta, na sequência, divergência entre as áreas registrada e medida. Defende que não se pode descartar a depreciação do valor do imóvel por conta da existência de servidão administrativa no local. Aponta a existência de alteração legislativa, representada pela Lei 13.465/2017, com o consequente descabimento da emissão de TDAs complementares para o pagamento da complementação da indenização pela terra-nua. Impugna o percentual fixado para incidência dos juros compensatórios e sua base de cálculo, argumentando com o decidido na ADI 2332 e legislação superveniente. Defende a obrigatoriedade da expedição do mandado translativo de domínio independentemente do pagamento da integralidade da verba indenizatória. Pugna pelo provimento do recurso para obter a reforma da sentença nos pontos acima mencionados. Foram oferecidas contrarrazões. Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da remessa necessária, a fim de que seja determinada a complementação do laudo pericial para identificação e quantificação do passivo ambiental, e, caso assim não se entenda, opina pelo parcial provimento do recurso do INCRA, para que a sentença seja reformada apenas no tocante à forma de pagamento da indenização, que deve ser feita via precatório, aos juros compensatórios, para que sejam fixados em 6% ao ano durante todo o período de imissão na posse; e aos honorários advocatícios, para que sejam fixados no mínimo legal. Memoriais apresentados pela parte-apelante. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001744-30.2004.4.03.6124 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA APELADO: LINDALVA HEITOR DE MENDONCA, PAULO ROBERTO DIAS WESTIN Advogados do(a) APELADO: EDUARDO MAFFIA QUEIROZ NOBRE - SP184958-A, PAULO GUILHERME DE MENDONCA LOPES - SP98709-A V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): É certo que o direito de propriedade se encontra assegurado pela Constituição Federal que, no entanto, o condicionou ao atendimento de sua função social (art. 5º, incisos XXII e XXIII, da CF/88).Não se trata, portanto, de um direito absoluto, admitindo-se, com igual amparo constitucional, e sob o fundamento da supremacia do interesse público sobre o privado, a intervenção do Estado na propriedade particular, de modo a atender ao pressuposto de sua função social, elencado no art. 170, III, da CF/88, como um dos princípios que regem a ordem econômica. A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de duas formas básicas: a) restritiva, que sem retirar a propriedade de seu titular, impõe condições ao seu uso (servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento); b) supressiva, que transfere, compulsoriamente, para si a propriedade até então pertencente a terceiros, por meio da modalidade única da desapropriação. No que concerne especificamente à desapropriação, trata-se de um procedimento de direito público, com fundamento no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, por meio do qual será possível a transferência compulsória da propriedade de terceiros ao Poder Público, por razões de utilidade pública, necessidade pública, ou interesse social, mediante justa e prévia indenização. A regulamentação da desapropriação está contida, essencialmente, em dois diplomas normativos principais: o Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que dispõe sobre casos de desapropriação por utilidade pública, e a Lei nº 4.132/1962, que trata dos casos de desapropriação por interesse social, embora outros dispositivos legais e constitucionais versem sobre a matéria (art. 182, § 4º, III, art. 184 e art. 243, da CF; art. 8º, da Lei nº. 10.257/2001; Lei nº 8.629/1993; Lei Complementar nº 76/1993; entre outros).A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação. São competentes para declarar a utilidade pública ou o interesse social de um determinado bem, para fins de desapropriação, os chefes do poder executivo (Prefeitos, Governadores, Presidente da República), mediante Decreto, e o Poder Legislativo, mediante Lei ou Decreto Legislativo. Embora a administração indireta (autarquias, empresas estatais e fundações públicas) não possa, em regra, declarar a desapropriação de um bem, essa atribuição poderá ser delegada, a exemplo do que ocorre com o DNIT (art. 82, IX, da Lei nº. 10.233/2001), ou com a ANEEL (art. 10, da Lei nº. 9074/1995). Já para executar a desapropriação (legitimatio ad causam), terão competência a Administração direta (União, Estados, municípios e Distrito Federal), a Administração indireta (se a lei que criou o ente assim autorizar), e ainda as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, desde que autorizadas por lei ou pelo respectivo contrato, conforme dispõe o art. 3º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941.Ainda que objeto de alguma controvérsia, vale registrar, que o art. 9º, do Decreto-lei no 3.365/1941 veda ao Poder Judiciário, decidir, na própria ação de desapropriação, sobre a existência ou não da utilidade pública invocada pela Administração. Nada impede, todavia, que essa verificação seja submetida a ação autônoma. Ajuizada a ação expropriatória, caberá ao expropriado, em contestação, tão somente a discussão sobre eventuais vícios do processo judicial, ou a impugnação do valor oferecido, consoante disciplina do art. 20, do Decreto-lei no 3.365/1941, sendo vedada, portanto, o oferecimento de reconvenção, dada a limitação da matéria impugnável. É certo que a transferência da propriedade terá lugar mediante o pagamento da indenização. Admite-se, porém, a imissão provisória na posse pelo expropriante, que será deferida, independentemente da citação do réu, se atendidos os requisitos previstos no art. 15, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, ou seja, a alegação de urgência e o depósito do preço oferecido, exceção feita às desapropriações de prédios residenciais urbanos, em que a imissão provisória na posse do bem observará as disposições do Decreto-lei no 1.075/1970.O art. 33, §2º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, faculta ao expropriado o levantamento de até 80% do valor inicialmente oferecido. Porém, com a inclusão do art. 34-A, no referido Decreto, pela Lei nº. 13.465/2017, abriu-se a possibilidade de levantamento de 100% do depósito, nos seguintes termos: Art. 34-A. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel.§ 1º A concordância escrita do expropriado não implica renúncia ao seu direito de questionar o preço ofertado em juízo.§ 2º Na hipótese deste artigo, o expropriado poderá levantar 100% (cem por cento) do depósito de que trata o art. 33 deste Decreto-Lei.§ 3º Do valor a ser levantado pelo expropriado devem ser deduzidos os valores dispostos nos §§ 1o e 2o do art. 32 deste Decreto-Lei, bem como, a critério do juiz, aqueles tidos como necessários para o custeio das despesas processuais. De qualquer forma, o levantamento deverá ser precedido do atendimento, por parte do expropriado, do disposto no art. 34, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que exige, prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros. Estabelecida a controvérsia sobre o valor da indenização, impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, para que então sobrevenha decisão acerca da lide. Sendo a perícia parte inerente ao procedimento, pacífico o entendimento segundo o qual o ônus da antecipação dos respectivos honorários recai sobre o ente expropriante. A propósito da indenização devida à parte expropriada, deve ser observada a regra fundamental prevista no art. 5º, XXIV, da CF, segundo a qual, a indenização tem que ser prévia, justa e em dinheiro. Será prévia a indenização paga antes da transferência do bem. Será justa a indenização suficiente à preservação do patrimônio do titular do bem atingido, devendo compreender o valor venal do imóvel, e a reparação por eventuais danos, além dos consectários previstos em lei. A indenização será, em regra, na moeda corrente no país, admitindo-se o pagamento por precatório, de eventual diferença acolhida em sentença judicial. Excepcionalmente, no entanto, a indenização não será paga em dinheiro. São hipóteses normalmente associadas ao não atendimento da função social da propriedade, como na desapropriação especial urbana (art. 182, §4º, III, da CF), cujo pagamento se dará mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, ou ainda na desapropriação especial rural (art. 184, da CF), em que o pagamento ocorrerá por meio de títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Voltando à questão relativa à justa indenização, segundo o C. STJ, “A indenização da desapropriação não é justa por uma questão de justiça, mas sim porque deve apresentar justeza, vale dizer, exatidão e precisão, de maneira que a Administração Pública deve pagar ao particular desapropriado exatamente aquilo que representar a este a sua perda patrimonial, nem mais, nem menos” (AgInt no AREsp n. 998.611/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/3/2017, DJe de 3/4/2017.). Nessa linha, a fim de que seja pago ao expropriado um montante que efetivamente reflita o conceito de justa indenização, é imperioso que o custo de eventual passivo ambiental verificado na propriedade expropriada seja abatido do preço a ser pago, sob pena de ocorrer o enriquecimento ilícito do particular, em detrimento daquele que terá a obrigação de reparar a degradação ao meio ambiente, com base no art. 225, § 3º, da CF/1988. Esse o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. VALOR INDENIZATÓRIO. LAUDO PERICIAL. CONTEMPORANEIDADE. EXCLUSÃO DA DEDUÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO INATACADA. SÚMULA 283/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE TEXTO ARGUMENTATIVO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PASSIVO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO. CASO CONCRETO. (...) 3. Relativamente ao passivo ambiental, com base na premissa de que a indenização "justa" deve expressar não um sentimento de "justiça" mas o de "justeza", isto é, o de conformidade exata para que o ente desapropriador não pague mais do que vale o imóvel e que o desapropriado não receba menos do que aquilo a que tem direito, é razoável afirmar que a desapropriação de bem imóvel com esse tipo de ônus importará a sua transferência ao Poder Público, motivo por que o custo dele não pode deixar de ser abatido no preço pago, pena de ocorrer um enriquecimento ilegal do particular-desapropriado. 4. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dar-lhe provimento. (AREsp n. 1.273.135/BA, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 18/5/2018.) De fato, verifica-se que o C. STJ tem decidido que a responsabilidade pela recuperação de danos ambientais verificados em área de preservação permanente e de reserva legal recai sobre o proprietário do imóvel, ainda que não seja ele seu causador, dada a natureza “propter rem” da obrigação. Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "A" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. CONCLUSÕES DA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA ATUAL. (...) 5. No que tange à apontada divergência jurisprudencial, não há como se falar em divergência atual, o que torna possível aplicar ao caso a Súmula n. 83/STJ. Em verdade, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a obrigação de recuperar a degradação ambiental ocorrida na faixa da reserva legal ou área de preservação permanente abrange aquele que é titular da propriedade do imóvel, mesmo que não seja de sua autoria a deflagração do dano, tendo em consideração a sua natureza propter rem. (...) (REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, 22/11/2011) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO (“RANCHOS”). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. (...) 5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. (...) (REsp 1.245.149/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, 13/06/2013) AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. (...) 5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada. (...) 13. Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental - e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois). (...) (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, 17/04/2012) Justamente por isso é que prevalece o entendimento já referido acima, no sentido de que, na hipótese de constatação da existência de passivo ambiental em imóvel objeto de desapropriação, deverá ocorrer o abatimento do valor correspondente, sob pena de enriquecimento ilícito do particular, em detrimento daquele que terá de reparar a degradação ao meio ambiente, conforme determina o art. 225, § 3º, da Constituição. Sobre o tema, trago à colação mais um julgado do C. STJ: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. INTERESSE SOCIAL. REFORMA AGRÁRIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. IMÓVEL IMPRODUTIVO. INCIDÊNCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. SÚMULA 102/STJ. IMÓVEL EXPROPRIADO. DIVERGÊNCIA. ÁREA REGISTRADA E ÁREA MEDIDA. RETENÇÃO. DIFERENÇA. PASSIVO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DEDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. 1. Trata-se de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária, bem como de pedido de retenção de valores referentes à recomposição de passivo ambiental. (...) 6. A jurisprudência do STJ está firmada, pelo menos desde 2002, no sentido de que a recuperação da Área de Preservação Permanente e da Reserva Legal, assim como outras incumbências incidentes sobre o imóvel e decorrentes da função ecológica da propriedade, constitui obrigação propter rem; portanto, parte inseparável do título imobiliário, inexistindo, no ordenamento jurídico brasileiro, direito adquirido a degradar ou poluir, ou a desmatamento realizado. Precedentes: REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012; EDcl nos EDcl no Ag 1.323.337/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; EREsp 218.781/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 23.2.2012; AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12.3.2014; AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 26.8.2013; AgRg no REsp 1.137.478/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21.10.2011; REsp 1.240.122/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.9.2012; REsp 343.741/PR, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; REsp 926.750/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; REsp 1.179.316/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011. Sendo assim, nada mais justo do que realizar o desconto decorrente de passivos ambientais do valor da indenização. 7. Recurso Especial parcialmente provido. (REsp n. 1.307.026/BA, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/6/2015, DJe de 17/11/2015.) No caso dos autos, assim se pronunciou a sentença acerca do tema relativo ao passivo ambiental: “(...) No caso concreto, há notícia de passivo ambiental na propriedade, ocorrido em momento anterior à imissão de posse, porém o perito judicial não aferiu a extensão deste, embora admitisse que houvesse irregularidades no imóvel (fl. 958, quesito 4 e fl. 960, quesito 8). Posteriormente esclareceu que diriam respeito a 10% da propriedade (fl. 1262, quesito 3). Por sua vez, o INCRA noticia à fl. 1276 que a propriedade se insere num bioma específico para o qual a reserva legal é normativamente prevista em 20%, além das áreas de preservação permanente, requerendo a homologação de suas conclusões constantes à fl. 71. Porém, da mesma forma, não quantifica o valor bastante para tal recuperação ambiental. Desta forma, evidente o erro das conclusões periciais, as quais sequer mencionam qualquer área de reserva legal ou área de preservação permanente, de modo que deverá prevalecer a mensuração feita pela perícia administrativa do INCRA, a qual definiu como área de preservação permanente o total de 54,2835 has, ou 4,63% da área total da propriedade, enquanto para a reserva legal estimou o total de 234,5327 has ou 20% da área total da propriedade, o que implica em 24,63% da área total da propriedade ou 288,8162 hectares. Contudo, em termos de valores, há que se proceder a uma hermenêutica teleológica para fins de sua aferição, uma vez que nenhuma das partes quantifica o montante necessário para a recuperação ambiental, limitando-se o INCRA unicamente a esclarecer a extensão métrica de tais áreas e os réus omitem-se peremptoriamente acerca deste ponto. Assim, há que se entender a informação do perito judicial, de que o passivo ambiental "corresponde a 10% da propriedade", apenas se harmoniza com a extensão das áreas protegidas aferidas pelo INCRA, quando tal cifra é entendida como a expressão monetária das despesas necessárias à recuperação ambiental, as quais onerariam 10% do montante indenizatório a ser pago pela propriedade. Isso porque o passivo ambiental constitui ônus do proprietário, como já salientado, mas a RL e a APP também se constituem em bens indenizáveis ao proprietário, porquanto se constituíam em limitações legais ao pleno uso de sua propriedade. Malgrado estejam tais áreas degradadas, após sua recuperação nada mais será oposto no quesito do descumprimento das obrigações ambientais, de modo que a recomposição ambiental e entrega de tais áreas ao INCRA, já com a destinação acertada, sem a correspondente indenização aos réus implicaria em enriquecimento ilícito para o INCRA, de modo que arbitro o montante necessário à recuperação do passivo ambiental em 10% sobre a indenização cabível aos réus. (...)” À luz das considerações até aqui expostas, conclui-se que a sentença efetivamente reconheceu a existência de passivo ambiental na propriedade desapropriada, ocorrido em momento anterior à imissão do ente público na posse, de sorte que os custos com sua reparação devem ser imputados aos particulares-desapropriados. Ocorre, porém, que o perito judicial não aferiu a extensão desse passivo ambiental, nem, tampouco, os custos de sua reparação. Nessa linha, diante de tais omissões da prova pericial, o julgador adotou a mensuração feita pelo INCRA em sede de perícia administrativa (ID 143385824, fls. 129/216), que definiu como APP o total de 54.2835 has, ou 4,63% da área total da propriedade, enquanto para a Reserva Legal estimou o total de 234,5327 has ou 20% da área total da propriedade, o que implica em 24,63% da área total da propriedade ou 288.8162 hectares. É importante salientar, contudo, que em que pese tenha sido adotada a avaliação administrativa efetuada pelo INCRA, especificamente quanto à medição das áreas especialmente protegidas existentes na propriedade, inclusive, as áreas de pastagem existentes na APP e na Reserva Legal, não foi apontado o custo da recomposição do dano causado ao meio ambiente tanto na APP quanto na Reserva Legal. Assim, como bem pontuou a Procuradoria Regional da República em seu parecer, o que se tem é uma verdadeira omissão do laudo pericial em relação ao ponto (custo da recomposição do dano ambiental), sendo certo que o perito, ao responder ao quesito n. 4 do INCRA, afirmou que se tratava de matéria jurídica que não se encontrava saneada no processo e que demandaria uma avaliação separada e com custos adicionais (ID 143385829, fls. 15/16). Após insistência das partes, o perito judicial acabou por abordar a questão da seguinte forma, incompleta e desprovida de fundamentação técnica: 2- Quanto à área de pastagens avaliada, o laudo pericial indicou 1.055,38 hectares de pastagem, enquanto a avaliação do INCRA indicou 704, 11 hectares de pastagem fl. 1. 055): (i) Qual a razão desta divergência? R: Consideramos a ÁREA MEDIDA. (ii) No laudo elaborado pelo perito judicial, houve sobreposição entre a área de pastagem e área destinada à Reserva Legal? R: Foi utilizado o valor de 90% (noventa por cento) da área. 3- Quanto ao passivo ambiental da propriedade: (i) A propriedade avaliada apresenta passivo ambiental? R: Sim, 10% da área do imóvel. (ii) Se positiva a resposta ao item i, os custos para a recuperação ambiental da propriedade foram subtraídos do valor total da avaliação? R- Não, pois, a princípio, o simples isolamento é suficiente para a formação ambiental. Na verdade, as conclusões a que chegou a sentença, com base nos “esclarecimentos” acima, sequer se sustentam, na medida em que nem mesmo foi explicada, de forma técnica, a discrepância entre a área de pastagem indicada no laudo pericial e aquela apurada na avaliação técnica do INCRA. Não foi tecnicamente demonstrado, outrossim, por que foi utilizado o percentual de 90% da área para fins de sobreposição entre a área de pastagem e a destinada à Reserva Legal, de forma que não há prova técnica que confirme, além de qualquer dúvida razoável, que 10% do imóvel apresenta passivo ambiental. Perceba-se que, se 20% da área total da propriedade são destinados à Reserva Legal, e, segundo a manifestação do perito, se houve sobreposição de pastagem em 90% dessa área, isso significaria dizer que 18% da área total da propriedade apresentaria passivo ambiental, não sendo compreensível o motivo pelo qual a sentença adotou o percentual de 10% a esse título, número este que se revela aleatório e desprovido da indispensável fundamentação. Acrescente-se, ainda, que nada foi mencionado acerca da aventada sobreposição de pastagem sobre Área de Preservação Permanente (APP). Diante desse quadro, a anulação da sentença é medida que se impõe, porquanto ocorreu violação ao conceito de justa indenização (art. 5º, XXIV, da CF/1988), na medida em que não se pode afirmar, com a necessária certeza e exatidão proveniente de perícia técnica, qual o valor a ser descontado da indenização devida aos expropriados a título de passivo ambiental. Acrescente-se, ainda, que ao responder a quesito sobre os custos para a recuperação ambiental da propriedade, ou seja, para fazer frente à degradação ambiental ocorrida antes da imissão na posse, limitou-se o “expert” a mencionar que tais custos sequer precisariam ser descontados do valor da indenização, haja vista que “(...) a princípio, o simples isolamento é suficiente para a formação ambiental”. Tal opinião, contudo, viola pacífica jurisprudência do C. STJ, tal como acima assinalado. Em outras palavras, verifica-se a ausência de perícia técnica sobre questão fática fundamental para o cálculo da justa indenização, circunstância que conduz à própria ausência de fundamentação da sentença sobre o tema, em violação aos arts. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, 9º da Lei Complementar nº 76/1993 e 489, caput, II, do CPC. Com base nessas considerações, torna-se necessária a realização de perícia complementar, tendo por objeto a identificação e quantificação do passivo ambiental da propriedade desapropriada, a ser realizada por outro profissional a ser designado pelo MM Juízo de 1º Grau. Nessa perícia complementar deverá ser efetuada, também, a avaliação da APP correspondente a 4,63% da área total da propriedade, de modo a verificar a eventual existência de passivo ambiental e sua quantificação. Diante do exposto, DE OFÍCIO, decreto a NULIDADE da sentença e determino o retorno dos autos à Vara de origem, para que seja realizada perícia complementar, na forma da fundamentação supra, seguindo-se a prolação de nova sentença. PREJUDICADA a apelação interposta e a remessa oficial. Recomenda-se, por fim, que se imprima ao presente feito a prioridade devida, tendo em vista se tratar de ação ajuizada ainda no ano de 2004, sem que tenha sido possível, até esta data, a entrega da prestação jurisdicional, malgrado estar inserido entre os feitos compreendidos na Meta Permanente nº 2, do CNJ. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. JUSTA INDENIZAÇÃO. PASSIVO AMBIENTAL. PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE QUANTIFICAÇÃO. NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PREJUDICADAS.
- Estabelecida a controvérsia sobre o valor da indenização, impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, para que então sobrevenha decisão acerca da lide. Sendo a perícia parte inerente ao procedimento, pacífico o entendimento segundo o qual o ônus da antecipação dos respectivos honorários recai sobre o ente expropriante.
- O C. STJ tem decidido que a responsabilidade pela recuperação de danos ambientais verificados em área de preservação permanente e de reserva legal recai sobre o proprietário do imóvel, ainda que não seja ele seu causador, dada a natureza “propter rem” da obrigação.
- Justamente por isso é que prevalece o entendimento de que, na hipótese de constatação da existência de passivo ambiental em imóvel objeto de desapropriação, deverá ocorrer o abatimento do valor correspondente, sob pena de enriquecimento ilícito do particular, em detrimento daquele que terá de reparar a degradação ao meio ambiente, conforme determina o art. 225, § 3º, da Constituição.
- A sentença efetivamente reconheceu a existência de passivo ambiental na propriedade desapropriada, ocorrido em momento anterior à imissão do ente público na posse, de sorte que os custos com sua reparação devem ser imputados aos particulares-desapropriados. Ocorre, porém, que o perito judicial não aferiu a extensão desse passivo ambiental, nem, tampouco, os custos de sua reparação.
- Diante de tais omissões da prova pericial, o julgador adotou a mensuração feita pelo INCRA em sede de perícia administrativa, que definiu como APP o total de 54.2835 has, ou 4,63% da área total da propriedade, enquanto para a Reserva Legal estimou o total de 234,5327 has ou 20% da área total da propriedade, o que implica em 24,63% da área total da propriedade ou 288.8162 hectares.
- Em que pese tenha sido adotada a avaliação administrativa efetuada pelo INCRA, especificamente quanto à medição das áreas especialmente protegidas existentes na propriedade, especificando, inclusive, as áreas de pastagem existentes na APP e na Reserva Legal, não foi apontado o custo da recomposição do dano causado ao meio ambiente tanto na APP quanto na Reserva Legal.
- O que se tem é uma verdadeira omissão do laudo pericial em relação ao ponto (custo da recomposição do dano ambiental), sendo certo que o perito, ao responder ao quesito n. 4 do INCRA, afirmou que se tratava de matéria jurídica que não se encontrava saneada no processo e que demandaria uma avaliação separada e com custos adicionais.
- Na verdade, as conclusões a que chegou a sentença sequer se sustentam, na medida em que nem mesmo foi explicada, de forma técnica, a discrepância entre a área de pastagem indicada no laudo pericial e aquela apurada na avaliação técnica do INCRA.
- Diante desse quadro, a anulação da sentença é medida que se impõe, porquanto ocorreu violação ao conceito de justa indenização (art. 5º, XXIV, da CF/1988), na medida em que não se pode afirmar, com a necessária certeza e exatidão proveniente de perícia técnica, qual o valor a ser descontado da indenização devida aos expropriados a título de passivo ambiental.
- Em outras palavras, verifica-se a ausência de perícia técnica sobre questão fática fundamental para o cálculo da justa indenização, circunstância que conduz à própria ausência de fundamentação da sentença sobre o tema, em violação aos arts. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, 9º da Lei Complementar nº 76/1993 e 489, caput, II, do CPC.
- Decretada, de ofício, a nulidade da sentença e determinado o retorno dos autos à Vara de origem, para que seja realizada perícia complementar, seguindo-se a prolação de nova sentença. Prejudicada a apelação interposta e a remessa oficial.