AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5026426-02.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
AGRAVANTE: PETROPOLIS TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA
Advogado do(a) AGRAVANTE: FRANCINE GERMANO MARTINS - SP195202
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5026426-02.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: PETROPOLIS TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: FRANCINE GERMANO MARTINS - SP195202 AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento, interposto em face da r. decisão que, em sede de tutela cautelar requerida em caráter antecedente, indeferiu pedido de tutela de urgência, no sentido de que a agravada se abstivesse de: "(i) de divulgar os dados das autoras através do relatório de transparência; (ii) exigir das autoras a reprodução do relatório da transparência elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego através de seu site e/ou suas redes sociais ou qualquer meio de publicidade; (iii) impor qualquer penalidade as autoras pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas no Decreto n° 11.795/2023 e na Portaria MTE n° 3.714/2023; (iv) exigir a participação dos sindicatos profissionais na elaboração de eventual plano de ação para a mitigação da desigualdade e de comissão de empregados; (v) exigir o depósito de cópia do plano de ação na entidade sindical representativa da categoria profissional". Insurge-se a agravante contra a decisão do MM Juízo "a quo", sustentando em síntese que: (i) o Decreto n. 11.795/2023 e a Portaria MTE n. 3.714/2023 desrespeitam os limites do poder regulamentar e, (ii) a divulgação do relatório implica em violação à Lei Geral de Proteção de Dados e ao princípio da livre concorrência. O requerimento de antecipação dos efeitos da tutela recursal foi em parte deferido. Com contraminuta. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5026426-02.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: PETROPOLIS TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: FRANCINE GERMANO MARTINS - SP195202 AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Lei nº 14.611/2023 dispõe sobre a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Assim determinam os artigos 5º e 6º da Lei nº 14.611/2023: “Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). § 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico. § 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho. § 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. § 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas. Art. 6º Ato do Poder Executivo instituirá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens”. (g.n.) O Decreto nº 11.975/2023 regulamentou a Lei nº 14.611/2023, nos seguintes termos: “Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, para dispor sobre: I - o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios; e II - o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens. Parágrafo único. As medidas previstas neste Decreto aplicam-se às pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito. Art. 2º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações: I - o cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, com as respectivas atribuições; e II - o valor: a) do salário contratual; b) do décimo terceiro salário; c) das gratificações; d) das comissões; e) das horas extras; f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; g) do terço de férias; h) do aviso prévio trabalhado; i) relativo ao descanso semanal remunerado; j) das gorjetas; e k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador. § 1º Ato do Ministério do Trabalho e Emprego estabelecerá as informações que deverão constar do Relatório de que trata o caput e disporá sobre o formato e o procedimento para o seu envio. § 2º Os dados e as informações constantes dos Relatórios deverão ser: I - anonimizados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018; e II - enviados por meio de ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. § 3º O Relatório de que trata o caput deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral. § 4º A publicação dos Relatórios deverá ocorrer nos meses de março e setembro, conforme detalhado em ato do Ministério do Trabalho e Emprego. § 5º Para fins de fiscalização ou averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego poderá solicitar às empresas informações complementares às contidas no Relatório. Art. 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer: I - as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e II - a criação de programas relacionados à: a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho; b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. § 1º Na elaboração e na implementação do Plano de Ação de que trata o caput, deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho. § 2º Na ausência de previsão específica em norma coletiva de trabalho, a participação referida no § 1º se dará, preferencialmente, por meio da comissão de empregados estabelecida nos termos dos art. 510-A a art. 510-D da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. § 3º Na hipótese do § 2º, a empresa que tiver entre cem e duzentos empregados poderá promover procedimento eleitoral específico para instituir uma comissão que garanta a participação efetiva de representantes dos empregados. Art. 4º Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego: I - disponibilizar ferramenta informatizada para: a) o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e b) a divulgação dos Relatórios e de outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres; II - notificar, quando verificada desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, as empresas para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens; III - disponibilizar canal específico para recebimento de denúncias relacionadas à discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; IV - fiscalizar o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e V - analisar as informações contidas nos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. (....)” – g.n. A Portaria MTE nº 3.714/2023 estabeleceu procedimentos administrativos para a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios de que trata o artigo 1º do Decreto nº 11.795/2023 (artigo 1º). Os artigos 4º a 7º da Portaria MTE º 3.714/2023, cujo afastamento a agravante pretende, dispõem que: “Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral. Art. 5º O Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares por eles prestadas e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho. Parágrafo único. As informações complementares a que se refere o caput serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente. Art. 6º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será obrigatória após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil”. “Art. 7º Após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos termos do Decreto nº 11.795, de 2023, verificada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados, pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens. § 1º A notificação a que se refere o caput será realizada a partir da implementação do Domicílio Eletrônico Trabalhista, nos termos do artigo 628-A da Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, ressalvados os procedimentos administrativos de fiscalização previstos ou iniciados nos termos da Instrução Normativa MTP nº 2, de 8 de novembro de 2021. § 2º O prazo para apresentação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios correrá a partir da primeira notificação, nos termos do inciso II do art. 4º do Decreto nº 11.795, de 2023. § 3º O Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens de que trata o caput poderá ser elaborado e armazenado em meio digital com certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). § 4º Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional." O artigo 5º, caput, da Lei nº 14.611/2023 determinou a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado, com cem empregados ou mais, e o parágrafo 3º do mesmo artigo estabeleceu a aplicação de multa administrativa, em caso de descumprimento do disposto no caput. De acordo com o artigo 2º da Portaria MTE nº 3.714/2023, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base nas informações prestadas pelos empregadores ao Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas - eSocial e nas informações complementares coletadas na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil. O artigo 2º, parágrafo 3º, do Decreto nº 11.795/2023 dispõe que o Relatório deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral. A determinação de publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos sítios eletrônicos e redes sociais das empresas, sem a possibilidade de prévia manifestação da pessoa jurídica acerca do relatório preparado pelo órgão público e sob imposição de penalidades, viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados no artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, o qual estabelece o respeito ao devido processo legal e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A Constituição garante o direito ao contraditório e à ampla defesa que deve ter seu exercício oportunizado à empresa agravante, por meio de manifestação prévia, apresentação de defesa e recursos, nos termos da Lei do Processo Administrativo Federal Lei nº 9.784/99, a respeito do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, cuja elaboração é atribuída ao Ministério do Trabalho e Emprego pela Lei 14.611/2023. Ademais, embora o artigo 2º, parágrafo 2º, inciso I, do Decreto nº 11.795/2023 defina que os dados e as informações constantes do Relatório deverão ser anonimizados, a publicação do Relatório no sítio eletrônico e nas redes sociais da própria empresa contraria o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, uma vez que os dados mínimos previstos no artigo 2º, incisos I e II, do Decreto nº 11.795/2023 e no artigo 3º da Portaria MTE nº 3.714/2023 possibilitam a identificação de determinados trabalhadores e de suas respectivas remunerações, principalmente em empresas e/ou estabelecimentos com número reduzido de empregados em determinados setores, atividades ou funções/cargos. A publicação do Relatório no sítio eletrônico e nas redes sociais da empresa, conforme determinado no Decreto nº 11.795/2023 e na Portaria MTE nº 3.714/2023, infringe também o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) e o artigo 12, caput, da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), o qual determina que “Os dados anonimizados não serão considerados dados pessoais para os fins desta Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual foram submetidos for revertido, utilizando exclusivamente meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido” (g.n.). O artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei nº 14.611/2023 determina que “Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho” (g.n.). Nos termos do artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. A respeito da matéria, a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe o seguinte: “Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. § 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) § 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial. (Incluído pela Lei nº 5.798, de 31.8.1972) § 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) § 6º Na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto. (Redação dada pela Lei nº 14.611, de 2023) § 7º Sem prejuízo do disposto no § 6º, no caso de infração ao previsto neste artigo, a multa de que trata o art. 510 desta Consolidação corresponderá a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais. (Incluído pela Lei nº 14.611, de 2023)” “Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. (...) § 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional." “Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho." Quanto às normas coletivas de trabalho (art. 611, CLT), referidas no §1º, do artigo 3º, do Decreto nº 11.795/2023, faz-se necessário consignar que configuram o meio pelo qual as categorias de empregados e empregadores criam direitos aplicados a eles especificamente, adaptando a lei existente, por meio de transação de direitos que podem, inclusive, valer mais que a lei (art. 611-A, CLT), por possuírem ampla abrangência e sujeitar a todos os integrantes da categoria às suas cláusulas, independentemente de serem ou não sindicalizados. Ao determinar que, no plano de ação para mitigar eventual desigualdade constatada pelo MTE, "deverá ser garantida a participação dos representantes das entidades sindicais e dos empregados, mas, preferencialmente, em forma definida em norma coletiva", o §1º, do artigo 3º, do Decreto nº 11.795/2023 incluiu relevante inovação não prevista no rito determinado pela Lei 14.611/2023, pois a norma legal determinou, tão-somente, que deve ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho, nada mencionando a respeito de criação e aplicabilidade de normas coletivas de trabalho e depósito do Relatório nos estabelecimentos sindicais. Deveras, segundo o artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Direito Administrativo. 36 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, página 265.) leciona que “Resolução e portaria são formas de que se revestem os atos, gerais ou individuais, emanados de autoridades outras que não o Chefe do Executivo”. Ou seja, a regulamentação da lei, tem a função exclusiva de possibilitar a sua execução e é atribuição direta do Chefe do Poder Executivo, em conjunto com os respectivos ministros, por meio de decretos e regulamentos, ficando demais espécies normativas infralegais resguardadas à orientação e disciplina interna dos órgãos e dos agentes públicos das áreas correspondentes. Portanto, a Lei nº 14.611/2023, ao disciplinar o plano de ação para mitigar a desigualdade, estabeleceu a participação de representantes das entidades sindicais e representantes dos empregados nos locais de trabalho. Todavia, o artigo 3º, parágrafos 1º a 3º e o artigo 4º, inciso II do Decreto nº 11.795/2023, bem como o artigo 7º da Portaria MTE nº 3.714/2023, ao estipularem o prazo de noventa dias para elaboração do plano; o depósito de cópia na entidade sindical representativa da categoria profissional e a participação das entidades sindicais, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho, extrapolaram a função regulamentar, em evidente violação aos princípios da legalidade e da hierarquia das leis. Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para conceder a tutela provisória de urgência, para determinar: a) a suspensão da publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios da parte agravante no sítio eletrônico, nas redes sociais ou em instrumento similares da própria empresa; b) a suspensão da exigibilidade das obrigações previstas no Decreto nº 11.795/2023, bem como na Portaria MTE nº 3.714/2023. É o voto.
O Desembargador Federal MAIRAN MAIA:
Vênia devida ao entendimento adotado pela e. Relatora, ouso divergir.
A Lei 14.611, de 03 de julho de 2023, a qual trata da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, estabeleceu as seguintes regras:
Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
§ 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.
§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
§ 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.
Com vistas a regulamentar referida Lei, foi publicado o Decreto 11.795/2023, o qual assim dispôs:
Art. 2º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações:
(...)
§ 1º Ato do Ministério do Trabalho e Emprego estabelecerá as informações que deverão constar do Relatório de que trata o caput e disporá sobre o formato e o procedimento para o seu envio.
(...)
§ 3º O Relatório de que trata o caput deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.
§ 4º A publicação dos Relatórios deverá ocorrer nos meses de março e setembro, conforme detalhado em ato do Ministério do Trabalho e Emprego.
§ 5º Para fins de fiscalização ou averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego poderá solicitar às empresas informações complementares às contidas no Relatório.
Art. 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer:
(...)
§ 1º Na elaboração e na implementação do Plano de Ação de que trata o caput, deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho.
§ 2º Na ausência de previsão específica em norma coletiva de trabalho, a participação referida no § 1º se dará, preferencialmente, por meio da comissão de empregados estabelecida nos termos dos art. 510-A a art. 510-D da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
§ 3º Na hipótese do § 2º, a empresa que tiver entre cem e duzentos empregados poderá promover procedimento eleitoral específico para instituir uma comissão que garanta a participação efetiva de representantes dos empregados.
Art. 4º Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego:
I - disponibilizar ferramenta informatizada para:
a) o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e
b) a divulgação dos Relatórios e de outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres;
II - notificar, quando verificada desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, as empresas para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens;
Por fim, a Portaria MTE 3.714/2023, com o propósito de regulamentar o Decreto 11.795/2023, foi editada com a seguinte redação:
Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.
Art. 5º O Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares por eles prestadas e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho.
Parágrafo único. As informações complementares a que se refere o caput serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente.
Art. 6º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será obrigatória após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil.
(...)
Art. 7º Após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos termos do Decreto nº 11.795, de 2023, verificada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados, pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.
(...)
§ 4º Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.
Adveio, então, a Portaria MTE nº 3.714/2023, a dispor:
Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.
Art. 5º O Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares por eles prestadas e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho.
Parágrafo único. As informações complementares a que se refere o caput serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente.
Art. 6º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será obrigatória após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil.
DO PLANO DE AÇÃO PARA MITIGAÇÃO DA DESIGUALDADE SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS ENTRE MULHERES E HOMENS
Art. 7º Após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos termos do Decreto nº 11.795, de 2023, verificada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados, pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.
§ 1º A notificação a que se refere o caput será realizada a partir da implementação do Domicílio Eletrônico Trabalhista, nos termos do artigo 628-A da Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, ressalvados os procedimentos administrativos de fiscalização previstos ou iniciados nos termos da Instrução Normativa MTP nº 2, de 8 de novembro de 2021.
§ 2º O prazo para apresentação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios correrá a partir da primeira notificação, nos termos do inciso II do art. 4º do Decreto nº 11.795, de 2023.
§ 3º O Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens de que trata o caput poderá ser elaborado e armazenado em meio digital com certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
§ 4º Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.
Traçado o panorama normativo da questão ora abordada, não verifico elementos a revelar terem referidas normas extrapolado o poder regulamentar de que são dotadas.
Convém ressaltar que a Lei é expressa, no seu artigo 2º, no sentido de que a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens é obrigatória para a “realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função”.
Uma vez que a comparação é efetuada para os trabalhos de igual valor ou no exercício da mesma função, inexiste contrariedade ao princípio constitucional da igualdade.
Assim, não se há cogitar de violação ao art. 3º, IV (princípio da não discriminação), e do art. 5º, I (princípio da igualdade entre homens e mulheres). Com efeito, a doutrina constitucional contemporânea reconhece que o princípio da igualdade importa mais do que uma mera igualdade formal perante a lei, significando uma verdadeira igualdade material, a objetivar um tratamento proporcional às situações provenientes de fatos desiguais.
Quer dizer, são lícitos os tratamentos normativos diferenciados que busquem atribuir um tratamento isonômico aos desiguais (discriminações positivas).
Dessarte, diante da notória situação de desigualdade salarial vivenciada pelas mulheres em nosso país, o sistema constitucional fornece o arcabouço principiológico adequado para a adoção de tratamentos normativos diferenciados a fim de incrementar a igualdade material entre gêneros no mercado de trabalho.
Não se verifica, ainda, violação ao art. 5º, V e LV, da Constituição, ao argumento de que não foram previstos mecanismos para o exercício do direito de resposta e da ampla defesa.
Deve-se considerar a aplicabilidade geral da lei reguladora do processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99) e, ainda, a faculdade dos empregadores divulgarem nota explicativa acerca do relatório, já que não há vedação legal nesse sentido. E, caso seja constatada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, o empregador será notificado para elaborar Plano de Ação.
Por outro lado, tem-se que os Relatórios de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios são elaborados com base em dados objetivos, sendo certo, ademais, que as informações coletadas são aquelas prestadas pelo próprio empregador, seja dos dados extraídos do eSocial, seja daqueles obtidos pelo Portal Emprega Brasil (art. 3º, I e II e art. 5º da Portaria MTE nº 3.714/2023).
Também não se vislumbra afronta aos princípios da liberdade econômica e livre iniciativa (artigo 170 da CF), visto que tais princípios devem ser interpretados à luz dos fundamentos e objetivos da ordem econômica, sobretudo no que diz respeito à valorização do trabalho humano e da garantia a todos de existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Em tal perspectiva, a política pública ora debatida está de acordo com os fundamentos e objetivos da ordem econômica constitucional, certo que a liberdade econômica não é ilimitada e nem incondicionada, inclusive no que diz respeito à proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX da Constituição).
Quanto aos vícios de legalidade, é oportuno ressaltar a Lei nº 14.611/2023 e os atos administrativos atacados não vedam a diferenciação salarial acaso existente, nos moldes em que é autorizada pelo artigo 461 da CLT, propondo somente um plano de ação para mitigar a eventual desigualdade entre homens e mulheres.
Não se verifica a alegada exorbitância do poder regulamentar em relação ao o Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria MTE nº 3.714/2023, ao criar a obrigação de publicar o relatório de transparência no site e nas redes sociais da própria empregadora, uma vez que a determinação decorre diretamente da lei, cujo propósito é o de garantir transparência salarial e de critérios remuneratórios.
Ora, não há desrespeito ao princípio da legalidade, tendo em vista que o artigo 4º, I e II, da Lei nº 14.611/2023 determina que a igualdade salarial deverá ser garantida por meio do estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de incremento da fiscalização. Nesse sentido, foi conferido ao Poder Normativo da Administração Pública e à sua atividade de polícia para a implementação da referida política pública, visando ao atingimento da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.
Os atos infralegais apenas instituíram os meios necessários a fim do atendimento das disposições legais, de modo que não se constata excesso de poder, abuso de poder ou desvio de finalidade na sua elaboração e aplicação.
Vale sublinhar no ponto que, no âmbito das leis, não é possível detalhar e pormenorizar todos os procedimentos necessários a, diante das situações fáticas que se apresentam e se renovam no tempo, atingir efetivamente a finalidade perquirida pelo legislador. Isso é objeto da competência regulamentar, a exemplo do sucede com o Regulamento do Imposto Renda e Proventos de Qualquer Natureza, o qual, longe de desbordar do comando legal que lhe serve de supedâneo, tem por escopo justamente o fiel cumprimento das leis e a acomodação das funções e do aparelho administrativo necessários para tanto.
É, pois, nítido o prestígio princípio da supremacia do interesse público sobre o privado na sua mais pura acepção, não havendo máculas no postulado da reserva legal.
Quanto ao afastamento da participação dos sindicatos profissionais na elaboração de eventual plano de ação, bem como do depósito de cópia do plano na entidade sindical, igualmente não se verifica ilegalidade, visto que tais entidades gozam de mandato constitucional para defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8º, III, da Constituição Federal).
Entendo, ademais, que a publicidade, na espécie, é benéfica e devida, porquanto constitui medida indispensável à implementação de política pública relacionada à garantia de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, o que atende, em última instância, ao comando insculpido nos artigos 5º, caput, e 7º, XX, da Constituição Federal.
Não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar Tema 483 de Repercussão Geral (ARE 652.777), reconheceu a legitimidade da publicação de informações de vencimentos e vantagens pecuniárias de servidores públicos - municipais, estaduais e federais -, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, inexistindo afronta aos princípios privacidade e da intimidade, tampouco às regras LGPD.
Nesse sentido, considerando que as informações cuja publicidade se pretende, ontologicamente, são as mesmas, seja na esfera privada ou administrativa, não há substrato para afastar, na presente hipótese, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.
À toda evidência, não sendo constatadas inconstitucionalidades nem ilegalidades, não é lícito ao Poder Judiciário interferir na formulação e execução das políticas públicas adotadas, de forma legítima, pelo Executivo.
Na mesma senda, trago à colação julgados desta E. Corte:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O DECRETO Nº. 11.795/2023 E A PORTARIA MTE Nº. 3.714/2023, QUE REGULAMENTARAM A LEI DE IGUALDADE SALARIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REGULARIDADE DA NORMAÇÃO.
- Em atenção aos princípios da colegialidade e da instrumentalidade processual, ressalvo entendimento pessoal para reconhecer a competência federal para julgamento da matéria na esteira do entendimento majoritário desta Corte Regional.
- Verifica-se que a Portaria foi editada no exercício do poder regulamentar, pelo órgão competente. Não há, portanto, vício de competência.
- No que diz respeito ao sigilo de dados pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP - Lei Federal nº. 13.709/18), desde sua edição, já autorizava o uso de informações pessoais pela Administração Pública “para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos” (artigo 7º, inciso III). É exatamente a hipótese dos autos.
- Importante consignar, no ponto, que a Política Pública diz com o mérito administrativo, o qual não é passível de revisão pelo Judiciário em atenção ao princípio constitucional da separação dos poderes. É nesse sentido, inclusive, a Súmula nº. 473 do Supremo Tribunal Federal.
- De outro lado, verifica-se que as informações são prestadas pelos próprios empregadores ao Poder Público, quem providenciará a disponibilização no portal. Nesse quadro, não se identifica irregularidade na regulamentação, tampouco se antevê, em análise abstrata, que a apresentação de dados referentes aos empregados possa implicar ofensa ao planejamento empresarial sigiloso. Precedente desta Corte Regional.
- Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno Prejudicado.
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5011809-37.2024.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 17/12/2024, Intimação via sistema DATA: 29/12/2024)
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS. DECRETO N. 11.795/2023 E PORTARIA MTE N. 3.714/2023. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. REGULAMENTAÇÃO DA LEI N. 14.611/2023. RECURSO PROVIDO.
1 - A controvérsia gira em torno, fundamentalmente, das alegadas ilegalidade e inconstitucionalidade das exigências constantes no Decreto n. 11.795/2023 e na Portaria MTE n. 3.714/2023, que versam sobre questões de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, com impactos em possíveis e eventuais autuações e multas em inspeções por Auditores-Fiscais do Trabalho.
2 - Com efeito, trata-se de determinação legislativa o dever de publicação semestral dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, consoante previsão expressa do art. 5º da Lei n. 14.611/2023. Nesse sentido, o Decreto n. 11.795/2023 sobreveio com intuito de regulamentar o texto legislativo. Por sua vez, sobreveio a Portaria MTE n. 3.714/2023.
3 - Destarte, não há que se falar em ilegalidade no Decreto n. 11.795/2023 e na Portaria MTE n. 3.714/2023, dado que tais normas não extrapolam o poder regulamentar decorrente de lei.
4 - Ademais, cumpre ressaltar que os deveres de publicidade e de igualdade de gênero decorrem tanto do diploma legal citado quanto do próprio texto constitucional, tornando devida a observância da transparência na situação em exame.
5 - No que tange ao questionamento acerca da aplicabilidade da Lei n. 14.611/2023, tal somente poderia ocorrer em decorrência de alegação de interpretação divergente – que não se faz presente no caso em apreço – ou por inconstitucionalidade, a qual, no entanto, não pode ser analisada por decisão monocrática, diante da existência de cláusula de reserva de plenário em relação a essa questão, consoante o disposto na Súmula vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal.
6 - Impende, contudo, salientar que é descabida a alegação de inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa por parte do texto legal mencionado e de seus respectivos decreto e portaria regulamentadores, dado que os dados utilizados para a elaboração do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios por parte Ministério do Trabalho e Emprego serão extraídos das informações prestadas pelos próprios empregadores.
7 - Por fim, não há que se falar em violação ao disposto na Lei n. 13.709/2018, dado que a própria Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais mencionada autoriza o tratamento de dados pessoais pela administração pública.
8 – Agravo interno provido para negar provimento ao agravo de instrumento.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5013870-65.2024.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 10/02/2025, Intimação via sistema DATA: 11/02/2025)
Em síntese, não demonstrada inovação no ordenamento jurídico ou violação a princípios ou regras constitucionais, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.
Ante o exposto voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PUBLICAÇÃO DE RELATÓRIOS DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL E CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS. LEI 14.611/2023. PORTARIA MTE 3.714/2023. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. RECURSO PROVIDO.
I. A publicação do Relatório no sítio eletrônico e nas redes sociais da própria empresa contraria o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, uma vez que os dados mínimos previstos no artigo 2º, incisos I e II, do Decreto nº 11.795/2023 e no artigo 3º da Portaria MTE nº 3.714/2023 possibilitam a identificação de determinados trabalhadores e de suas respectivas remunerações, principalmente em empresas e/ou estabelecimentos com número reduzido de empregados em determinados setores, atividades ou funções/cargos.
II. A publicação do Relatório no sítio eletrônico e nas redes sociais da empresa, conforme determinado no Decreto nº 11.795/2023 e na Portaria MTE nº 3.714/2023, infringe também o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) e o artigo 12, caput, da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), o qual determina que “Os dados anonimizados não serão considerados dados pessoais para os fins desta Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual foram submetidos for revertido, utilizando exclusivamente meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido”.
III. A Lei nº 14.611/2023, ao disciplinar o plano de ação para mitigar a desigualdade, estabeleceu a participação de representantes das entidades sindicais e representantes dos empregados nos locais de trabalho. Todavia, o artigo 3º, parágrafos 1º a 3º e o artigo 4º, inciso II do Decreto nº 11.795/2023, bem como o artigo 7º da Portaria MTE nº 3.714/2023, ao estipularem o prazo de noventa dias para elaboração do plano; o depósito de cópia na entidade sindical representativa da categoria profissional e a participação das entidades sindicais, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho, extrapolaram a função regulamentar, em evidente violação aos princípios da legalidade e da hierarquia das leis.
IV. Agravo de instrumento provido.