APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006007-37.2018.4.03.6182
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: MAREMAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA. - ME
Advogados do(a) APELANTE: CESAR APARECIDO DE CARVALHO HORVATH - SP227601-A, JOAO CARLOS SILVEIRA - SP52052-A
APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DO BANCO CENTRAL NA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006007-37.2018.4.03.6182 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: MAREMAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA. - ME Advogados do(a) APELANTE: CESAR APARECIDO DE CARVALHO HORVATH - SP227601-A, JOAO CARLOS SILVEIRA - SP52052-A APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de Embargos à Execução Fiscal opostos pela Massa Falida de Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. em face do Banco Central do Brasil, impugnando cobrança de multa decorrente de prestação de declarações falsas no tocante ao destino dos valores internalizados no Brasil objeto de contratos de câmbio celebrados no interregno entre 04/09/1996 a 05/08/2004, levada a efeito no bojo do executivo fiscal processo nº 0014414-71.2014.4.03.6182, 3ª Vara Federal de Execuções Fiscais da Capital/SP. Alega: i) incidência da prescrição da lei nº 9.873/1999 sobre os contratos celebrados até 22/03/2001, diante da instauração do processo administrativo de investigação em 04/2006; ii) incompetência do BACEN para apurar o destino dado aos valores objeto dos contratos de câmbio celebrados; iii) nulidade da multa imposta por ausência de fundamento legal em sua fixação; iv) violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e não confisco em razão do exorbitante valor fixado a título de multa; v) não incidência de juros moratórios sobre o valor da multa diante da decretação de falência; vi) não incidência de multa moratória sobre a multa fixada, sob pena de caracterização de vedado bis in idem. Determinada a emenda da exordial (fl. 30 do id nº 253749936), cumprida pela manifestação de fls. 32/42 do id nº 253749936. O BACEN apresentou impugnação (fls. 45/61 do id nº 253749936) afastando as alegações da parte embargante. Anexou documentos de fls. 62/163 do id nº 253749936. Apresentada réplica pela embargante (fls. 167/172 do id nº 253749936). Proferida r. sentença (fls. 176/187 do id nº 253749936) rechaçando a alegação de prescrição, bem como afastando os argumentos de mérito trazidos pela embargante, julgando improcedentes os embargos opostos. A embargante interpôs recurso de apelação (fls. 191/212 do id nº 253749936) reiterando as alegações da exordial. Apresentadas contrarrazões pelo BACEN (fls. 218/229 do id nº 253749936). É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DO BANCO CENTRAL NA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006007-37.2018.4.03.6182 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: MAREMAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA. - ME Advogados do(a) APELANTE: CESAR APARECIDO DE CARVALHO HORVATH - SP227601-A, JOAO CARLOS SILVEIRA - SP52052-A APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Recebo o recurso de apelação interposto, posto que cumpridos os requisitos legais de admissibilidade. Passo a analisar cada ponto trazido pela parte recorrente. Afasto a alegação de prescrição, pois, conforme muito bem observado na r. sentença proferida, os fatos apurados pelo BACEN e caracterizados como infração administrativa posto que enquadradas no artigo 23, §2º, da Lei nº 4.131/1962 também caracterizam crime contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 21, da Lei nº 7.492/1986). É de se aplicar, pois, a regra do artigo 1º, §2º, da Lei nº 9.873/1999, segundo a qual “Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.” E, conforme muito bem observado na r. sentença, o prazo prescricional, no presente caso, é de oito anos, a conferir: “(...) No caso dos autos, a embargante teve contra si imposta multa de caráter punitivo pela conduta de prestar declarações falsas em contratos de câmbio por ela celebrados, num total de 122 avenças, pactuadas entre 04.09.1996 e 05.08.2004, como se pode observar pela tabela de fls. 05/07 do Processo Administrativo (anexado, na íntegra, na mídia de fl. 27). Tal conduta constitui, outrossim, crime previsto no artigo 21, parágrafo único, da Lei n° 7.492/86, nos seguintes termos: "Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio: Pena - Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa". Em assim sendo, aplica-se o prazo de prescrição previsto no artigo 109, inciso IV, do Código Penal, por força do quanto disposto no artigo 1°, §2°, da Lei n° 9.873/99, acima reproduzido. (...)” Quanto à alegação de que não caberia ao BACEN analisar o destino dos recursos objeto dos contratos de câmbio, não resiste a uma mera leitura do artigo 23, da Lei nº 4.131/1962 (redação vigente na data dos ilícitos apurados), que traz, como hipótese de ilícito administrativo, exatamente a figura da falsidade na declaração do destino dos valores, a conferir: Art. 23. As operações cambiais no mercado de taxa livre serão efetuadas através de estabelecimentos autorizados a operar em câmbio, com a intervenção de corretor oficial quando previsto em lei ou regulamento, respondendo ambos pela identidade do cliente, assim como pela correta classificação das informações por este prestadas, segundo normas fixadas pela Superintendência da Moeda e do Crédito. (Revogado pela Lei nº 14.286, de 2021) § 1º As operações que não se enquadrem claramente nos itens específicos do Código de Classificação adotado pela SUMOC, ou sejam classificáveis em rubricas residuais, como "Outros" e "Diversos", só poderão ser realizadas através do Banco do Brasil S.A. (Revogado pela Lei nº 14.286, de 2021) § 2º Constitui infração imputável ao estabelecimento bancário, ao corretor e ao cliente, punível com multa de 50 (cinqüenta) a 300% (trezentos por cento) do valor da operação para cada um dos infratores, a declaração de falsa identidade no formulário que, em número de vias e segundo o modelo determinado pelo Banco Central do Brasil, será exigido em cada operação, assinado pelo cliente e visado pelo estabelecimento bancário e pelo corretor que nela intervierem. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 1995) § 3º Constitui infração, de responsabilidade exclusiva do cliente, punível com multa de 5 (cinco) a 100% (cem por cento) do valor da operação, a declaração de informações falsas no formulário a que se refere o § 2º. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 1995) § 4º Constitui infração, imputável ao estabelecimento bancário e ao corretor que intervierem na operação, punível com multa equivalente de 5 (cinco) a 100% (cem por cento) do respectivo valor, para cada um dos infratores, a classificação incorreta, dentro das Superintendência da Moeda e do Crédito, das informações prestadas pelo cliente no formulário a que se refere o § 2º deste artigo. § 5º Em caso de reincidência poderá o Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito cassar a autorização para operar em câmbio aos estabelecimentos bancários que negligenciarem o cumprimento do disposto no presente artigo e propor á autoridade competente igual medida em relação aos corretores. § 6º O texto do presente artigo constará obrigatoriamente do formulário a que se refere o § 2º. (Revogado pela Lei nº 14.286, de 2021) § 7o A utilização do formulário a que se refere o § 2o deste artigo não é obrigatória nas operações de compra e de venda de moeda estrangeira de até US$ 3,000.00 (três mil dólares dos Estados Unidos da América), ou do seu equivalente em outras moedas. (Incluído pela Lei nº 11.371, de 2006) Ora, por evidente que a fixação de tal comportamento como ilícito administrativo, por lei, pressupõe a necessária competência do Banco Central do Brasil para a fiscalização, investigação e apuração dos fatos informados, exatamente para se verificar a ocorrência (ou não) de infração legal, punível com multa. Tal é o entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme elucidativo precedente: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO DE CÂMBIO ILEGÍTIMA. PESSOA FÍSICA. MULTA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DO BANCO CENTRAL. POSSIBILIDADE. 1. Na origem, cuida-se Embargos à Execução Fiscal opostos por Sérgio Wainberg na Execução movida pelo Banco Central do Brasil (Bacen), na qual se busca a cobrança de dívida não tributária referente a multa administrativa por prática de operação de câmbio ilegítima, apurada em processo administrativo. 2. A Corte de origem assim consignou (fls. 558-561, e-STJ, grifamos): "Destaco, nesse passo, trecho do Parecer 04/2013 - DESUC/GTPAL, de 15 de janeiro de 2013, através do qual se propôs a instauração do processo administrativo contra o embargante (...): '(...) Como resultado das investigações dessas atividades, foi instaurada a ação penal nº 2007.71.00.030623-9/RS contra o Sr. Sergio Wainberg, tendo em vista que, valendo-se dos serviços da instituição clandestina, remeteu recursos para o exterior, convertendo reais em dólares americanos, conduta tipificada no artigo 22, caput e parágrafo único, da Lei 7.492, de 16 de junho de 1986, combinado com os artigos 69 e 71 do Código Penal. (...) Segundo a denúncia promovida pelo Ministério Público Federal, perícia realizada pela Polícia Federal em sistema informatizado apreendido junto à instituição financeira clandestina demonstrou que, ao movimentar a conta codificada como "SERGIO W" (fls. 27-27v), o Sr. Sergio Wainberg efetuou, entre 09.01.2001 e 02.06.2005, operações de câmbio ilegítimas e remessas de valores ao exterior no montante de US$ 1.173.973,78 (um milhão, cento e setenta e três mil, novecentos e setenta e três dólares americanos e setenta e oito centavos). (...) SERGIO W é uma conta de propriedade de SERGIO WAINBERG, pai de CARLOS WAINBERG, que SERGIO realizava as mais variadas operações, tais como dólar cabo, trocas de cheques, trocas de moedas, porém sem a cobrança de taxa, que o endereço comercial (...)'." 3. Inicialmente, destaque-se que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica o preceituado no enunciado da Súmula 7/STJ no caso de mera revaloração jurídica das provas e dos fatos. "Exige-se, para tanto, que todos os elementos fático-probatórios estejam devidamente descritos no acórdão recorrido, sendo, portanto, desnecessária a incursão nos autos em busca de substrato fático para que seja delineada a nova apreciação jurídica". (AgInt no AREsp 1252262/AL, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 20.11.2018). No caso em questão, toma-se por base apenas o que consta no acórdão recorrido, conforme transcrito acima. 4. Verifica-se que o fato de o recorrente ser pessoa física não retira a competência do Banco Central do Brasil para lhe fiscalizar e aplicar penalidades, tendo em vista que "equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.", conforme o parágrafo único do art. 17, da Lei 4.594/1964, transcrito no acórdão atacado. 5. Assim, o recorrente perde o status de cliente da instituição financeira e passa a ser tratado, para fins da Lei 4.594/1964, como a própria instituição financeira, uma vez que ficou consignado no acórdão de origem que ele realizou operação de câmbio ilegítima, prevista no art. 1º do Decreto 23.258/1933. 6. Portanto, o acórdão recorrido violou o art. 1º do Decreto 23.258/1933 ao interpretar a Lei 4.595/1964 de modo a limitar as competências atribuídas pela legislação anterior, uma vez que a Lei 4.595/1964 não esgota a área de atuação do Bacen. 7. Dessa forma, há de se destacar a plena validade do Decreto 23.258/1933, que foi recepcionado pelo ordenamento constitucional como lei federal (REsp 828.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 3.11.2008), assim revestida de legalidade a incidência de suas diretrizes, cenário no qual a atuação do Banco Central do Brasil repousa em sua competência de fiscalização dos contratos envolvendo operações de câmbio, ainda que praticado por pessoa física. 8. Observa-se que o reexame do decisum recorrido, em confronto com as razões do Agravo Interno, revela que o presente fundamento apresentado na decisão monocrática - de que o recorrente perde o status de cliente da instituição financeira e passa a ser tratado, para fins da Lei 4.594/1964, como a própria instituição financeira - foi utilizado de forma suficiente para manter a decisão atacada e não foi rebatido no Agravo Interno, o que atrai os óbices das Súmulas 283 e 284, ambas do STF. 9. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.952.855/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 16/12/2021.) Competente, pois, o BACEN para analisar a correção das informações prestadas nos contratos de câmbio firmados. E o caráter fraudulento, falso, das informações prestadas no tocante ao destino do numerário internalizado restou patente da robusta fundamentação trazida na decisão administrativa que aplicou a multa ora combatida (fls. 83/107 do id nº 253749936), mantida de forma integral pelo V. Acórdão proferido em sede de recurso administrativo (fls. 113/131 do id nº 253749936). Transcrevo o seguinte e elucidativo trecho da fundamentação da decisão proferida, que muito bem demonstra as falsidades praticadas: “(...) 23. A defesa não contesta os dados apresentados nos anexos à intimação (Anexo 1 — Contratos de câmbio tipo 3, Mercado de Taxas Livres, fls. 2133-2135, e Anexo 2— Destinação dada aos valores em reais relativos aos recursos ingressados como investimentos externos na Maremar, fls. 2136-2138), muito menos questiona a documentação comprobatória. Afirma, entretanto, que o Banco Central não tem competência para fazer juízo de valor sobre o acerto ou desacerto do emprego desses capitais. 24. Importante ressaltar que o que se discute nos presentes autos não é a boa ou a má aplicação dos recursos que aqui ingressaram, mas sim a real intenção dos contratantes ao ingressarem com tais recursos, se desejavam ou não investir na empresa no País, informação declarada no contrato de câmbio. 25. Nesse aspecto, os fatos até aqui apresentados demonstram de forma inequívoca que o intuito das partes ao celebrarem os contratos de câmbio não era o de investir na empresa e sim o de atender interesses outros — como transferir recursos a terceiros, conforme claramente se verifica dos contratos de mútuo relacionados a doações em espécie da ordem de R$267.324.000,00, citados no item 20 deste parecer — não relacionados às atividades da intimada. A proximidade da data do ingresso das divisas para aumento de capital com a da saída dos recursos da Maremar, o grande número de ocorrências, bem como a magnitude dos valores envolvidos atestam essa conclusão. 26. Vem a reforçar tal assertiva a afirmação da intimada, no mesmo expediente de 29.10.2004, de que houve amortizações apenas de valores relacionados a alguns contratos de mútuo celebrados com a Procid, no total de R$3.150.000,00 (fl. 1586, 1762). O total de amortizações até a mencionada data deveria, entretanto, ser bem maior, pois, conforme tabela abaixo, mais de R$135 milhões referentes aos contratos de mútuo encontravam-se vencidos naquela época e, conseqüentemente, não amortizados. (...)” Ora, constatado o caráter falso das declarações apresentadas, é de se aplicar a penalidade de multa fixada no artigo 23, §3º, da Lei nº 4.131/1962, assim prevista na época dos fatos: § 3º Constitui infração, de responsabilidade exclusiva do cliente, punível com multa de 5 (cinco) a 100% (cem por cento) do valor da operação, a declaração de informações falsas no formulário a que se refere o § 2º. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 1995) Já a fundamentação para a fixação da multa em 50% (cinquenta por cento) sobre as operações realizadas foi assim vazada na decisão proferida: “(...) 30. Assim, estando os autos em boa ordem e restando caracterizada a declaração de informações falsas em contratos de câmbio, DECIDO aplicar a pena de MULTA equivalente, em moeda nacional, a US$93.432.634,51 (noventa e três milhões, quatrocentos e trinta e dois mil, seiscentos e trinta e quatro dólares dos Estados Unidos e cinqüenta e um centavos), correspondentes a 50% (cinqüenta por cento) das operações irregulares, conforme item 29, calculada com base na taxa de câmbio de compra disponível no Sistema de Informações Banco Central — Sisbacen, transação PTAX800, opção 5, relativa ao dia útil anterior ao desta decisão, à Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. — Em Falência, com fulcro no artigo 23 da Lei 4.131/62, com as alterações introduzidas pelo artigo 72 da Lei 9.069/95. (...)” Ora, o percentual fixado em lei para a fixação de referida multa varia de 5% (cinco por cento) a 100% (cem por cento) do valor da operação, conforme redação do artigo 23, §3º, da Lei nº 4.131/1962 da época dos ilícitos perpetrados. Assim, para a fixação do percentual da multa acima do mínimo legal deve haver fundamentação concreta, idônea, demonstrando as razões e critérios utilizados para a majoração do percentual. Sucede que não houve a exposição de qualquer critério, não se tendo gastado qualquer palavra na fundamentação da majoração do percentual da multa para 50% (cinquenta por cento), ou seja, dez vezes maior do que o mínimo legal. Assim, não obstante não vislumbre qualquer ofensa aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao confisco no percentual de multa majorado, verifico ofensa ao dever legal de motivação na majoração do percentual da multa. De tal conclusão não decorre, a meu ver, a nulidade da multa imposta, mas sim sua retificação para o mínimo fixado em lei, qual seja, 5% (cinco por cento) incidente sobre o montante total das operações ilícitas. Não cabe, assim, se falar em nulidade da CDA, mas na sua retificação, já que se trata de mera correção de cálculos aritméticos, na esteira de entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a conferir: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA CDA AFASTADA PELA CORTE DE ORIGEM. POSSIBILIDADE DE AJUSTE DO CRÉDITO EXECUTADO. ACÓRDÃO EMBASADO EM PREMISSAS FÁTICAS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. III - Este Superior Tribunal firmou posicionamento segundo o qual a alteração do valor constante da CDA em decorrência da configuração do excesso de execução não macula a liquidez nem a exigibilidade do referido título executivo, quando a quantia devida pode ser aferida por meros cálculos aritméticos, hipótese em que o valor excessivo deve ser decotado do débito cobrado, sem a necessidade de retificação ou substituição da certidão. IV - A Corte de origem compreendeu ser possível ajustar a CDA mediante o mero detalhamento do crédito executado. Rever tal entendimento, para acolher a pretensão recursal de reconhecer a nulidade da CDA demanda necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. V - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VI - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.097.145/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 5/3/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. UTILIZAÇÃO EQUIVOCADA DA TAXA SELIC COMO INDEXADOR DO DÉBITO. POSSIBILIDADE DE REFAZIMENTO DOS CÁLCULOS SEM PREJUÍZO DA LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE. 1. Na origem, cuida-se de exceção de execução fiscal ajuizada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro -CRF/RJ, visando cobrar multa administrativa relacionada ao auto de infração lavrado contra a parte ora agravante. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se posicionou quanto à possibilidade de alteração da CDA pela indicação da Taxa SELIC, sem que isso implique nulidade da referida CDA, pois se trata de mera operação aritmética. 3. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, na hipótese, porquanto a análise da insurgência recursal se faz com base nas premissas expressamente delineadas no acórdão recorrido, sem que seja necessário o reexame do conjunto probatório dos autos. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.056.823/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 19/10/2023.) Rechaço, por outro lado, as alegações de que não caberia a cobrança da multa em razão da decretação da falência, bem como a incidência de juros moratórios, na medida em que expressamente previstas no artigo 83, inc. VII e 124, ambos da Lei nº 11.101/2005, a conferir: Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: (...) VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados. O que ocorre, especificamente no tocante aos juros moratórios, é que sua cobrança somente ocorrerá quando houver patrimônio suficiente para tanto, conforme entendimento pacificado no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a conferir: PROCESSUAL CIVIL. NA ORIGEM. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO E F ALIMENTAR. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE JUROS MORATÓRIOS POSTERIORES À DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA QUANDO O ATIVO ARRECADADO É SUFICIENTE AO PAGAMENTO DOS CREDORES. INTELIGÊNCIA DO ART. 124 DA LEI DE FALÊNCIA (11.101/2005). NESTA CORTE NÃO SE CONHECEU DO RECURSO. AGRAVO INTERNO. ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO. I - Na origem, trata-se de embargos à execução fiscal ajuizada pela Massa Falida SUNSHINE DO BRASIL INDÚSTRIA QUÍMICA E COMÉRCIO LTDA contra o ESTADO DO PARANÁ. Na sentença julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal a sentença foi mantida. II - No STJ, trata-se de agravo interno interposto contra decisão que não conheceu do recurso especial diante da incidência de óbices ao seu conhecimento. Na petição de agravo interno, a parte agravante repisa as alegações que foram objeto de análise na decisão recorrida. III - A Corte de origem analisou a controvérsia principal dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial". IV - O entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que após a decretação de falência os juros moratórios somente incidem se houve ativos suficientes. (AgInt no REsp n. 1.998.963/MG, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022.). V - Dessa forma, aplica-se, à espécie, o enunciado da Súmula n. 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." Ressalte-se que o teor do referido enunciado aplica-se, inclusive, aos recursos especiais interpostos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. VI - Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 2.318.349/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 11/10/2023.) Por fim, também a multa moratória é exigível em se tratando de massa falida, posto sua natureza jurídica absolutamente distinta da multa aplicada em razão de ilícito administrativo, além de contar com fundamento legal próprio e inconfundível (artigo 37, inc. II, da Lei nº 10.522/2002), sendo este o entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a conferir: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ é pacífica no sentido de que "a falência superveniente do devedor não tem o condão de paralisar o processo de execução fiscal, nem de desconstituir a penhora realizada anteriormente à quebra", sendo que "o produto da alienação judicial dos bens penhorados deve ser repassado ao juízo universal da falência para apuração das preferências", ou seja, "o produto arrecadado com a alienação de bem penhorado em Execução Fiscal, antes da decretação da quebra, deve ser entregue ao juízo universal da falência" (AgRg no REsp 914.712/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 24.11.2010). Por outro lado, "com a vigência da Lei 11.101/2005, tornou-se possível a cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que 'as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias' sejam incluídas na classificação dos créditos na falência" (REsp 1.223.792/MS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 26.2.2013). 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 281.169/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 25/6/2013, DJe de 1/7/2013.) Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela parte embargante, unicamente para retificar a CDA de modo a fixar a multa aplicada no percentual mínimo fixado em lei, qual seja, 5% (cinco por cento) incidente sobre o montante das operações de câmbio ilícitas praticadas. Diante da sucumbência recíproca, e tendo em vista que o Banco Central do Brasil é uma autarquia federal, logo, inserida no conceito legal de “Fazenda Pública”, condeno ambas as partes em honorários advocatícios, mediante aplicação dos §§s 3º a 5º, do artigo 85, do CPC, tendo como base de cálculo o novo valor da CDA, após devidamente retificada, incidindo-se os percentuais do §3º. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DO BANCO CENTRAL NA 3ª REGIÃO
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. EMBARGOS A EXECUÇÃO. OPERAÇÕES DE CÂMBIO. INFORMAÇÕES FALSAS. MULTA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DO BANCO CENTRAL. PRESCRIÇÃO. PRAZO DA LEGISLAÇÃO PENAL.
1 - Cuida-se Embargos à Execução Fiscal opostos na Execução movida pelo Banco Central do Brasil (Bacen), na qual se busca a cobrança de dívida não tributária referente a multa administrativa por prática de operação de câmbio irregular, apurada em processo administrativo.
2 - Fatos apurados pelo BACEN como infração administrativa enquadradas no artigo 23 da Lei nº 4.131/1962, também caracterizam crime contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 21, da Lei nº 7.492/1986).
3 - Artigo 1º, §2º, da Lei nº 9.873/1999: “Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.”
4. Pessoa física ou pessoa jurídica, há competência do Banco Central do Brasil para lhe fiscalizar e aplicar penalidades, tendo em vista que "equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.", conforme o parágrafo único do art. 17, da Lei 4.594/1964.
5. A Lei 4.595/1964 não esgota a área de atuação do Bacen. O Decreto 23.258/1933 foi recepcionado pelo ordenamento constitucional como lei federal (REsp 828.362/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 3.11.2008), assim revestida de legalidade a incidência de suas diretrizes, cenário no qual a atuação do Banco Central do Brasil repousa em sua competência de fiscalização dos contratos envolvendo operações de câmbio, ainda que praticado por pessoa física.
6. Constatado o caráter falso das declarações apresentadas, é de se aplicar a penalidade fixada no artigo 23, §3º, da Lei nº 4.131/1962: § 3º Constitui infração, de responsabilidade exclusiva do cliente, punível com multa de 5 (cinco) a 100% (cem por cento) do valor da operação, a declaração de informações falsas no formulário a que se refere o § 2º.
7. Fixação do percentual da multa acima do mínimo legal exige fundamentação concreta, idônea, demonstrando as razões e critérios utilizados, sob pena de ofensa ao dever legal de motivação na majoração do percentual da multa.
8. Entretanto, não se fala em nulidade da CDA, mas na sua retificação, já que se trata de mera correção de cálculos aritméticos.
9. Também não há dúvidas a respeito da cobrança da multa frente a decretação da falência, bem como a incidência de juros moratórios, na medida em que expressamente previstas no artigo 83, inc. VII e 124, ambos da Lei nº 11.101/2005.
9. Especificamente no tocante aos juros moratórios, sua cobrança somente ocorrerá quando houver patrimônio suficiente para tanto, conforme entendimento pacificado no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça
10. A multa moratória é exigível da massa falida, posto sua natureza jurídica absolutamente distinta da multa aplicada em razão de ilícito administrativo, além de contar com fundamento legal próprio e inconfundível (artigo 37, inc. II, da Lei nº 10.522/2002), sendo este o entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça
11. Retificação da CDA de modo a fixar a multa aplicada no percentual mínimo fixado em lei, qual seja, 5% (cinco por cento) incidente sobre o montante das operações de câmbio ilícitas praticadas.
11. Apelação parcialmente provida.