Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000250-08.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HENRIQUE FERNANDES, MANUELA ARRAIS ZAPPACOSTA FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000250-08.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HENRIQUE FERNANDES, MANUELA ARRAIS ZAPPACOSTA FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: 

Trata-se de recurso de apelação interposto por Carlos Henrique Fernandes e outros contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação revisional de contrato de financiamento n. 144440180058-2, firmado com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em 18.12.2012. A sentença ainda condenou o apelante ao pagamento de 10% do valor atualizado da causa, a título de honorários, que restaram suspensos pela concessão da grattuidade de justiça. 

Em suas razões recursais discorre sobre a impossibilidade de capitalização dos juros, alegando ser a prática abusiva. Sustenta a necessidade de produção de prova pericial para demonstrar a onerosidade excessiva e anatocismo decorrente da capitalização dos juros, que, inovando na fase recursal, afirma ser diária, sendo que na peça inicial discorreu sobre a vedação a capitalização mensal dos juros. Sustenta a ilegalidade da cobrança da comissão de permanência.

Contrarrazões recursais nos termos do Id. 279278168. 

É o relatório. 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000250-08.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HENRIQUE FERNANDES, MANUELA ARRAIS ZAPPACOSTA FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

 

 

 

 

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: 

Do cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial

Sustenta o apelante a necessidade de reforma da decisão, já que nula por cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial.

De acordo com o sistema processual vigente, o juiz está autorizado a julgar a demanda que lhe for apresentada de acordo com o seu livre convencimento, apreciando e valorando as provas produzidas pelas partes, assim como indeferindo as provas que entender impertinentes, desde que motive a decisão proferida, sob pena de nulidade (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988). Trata-se do que a doutrina e jurisprudência convencionaram denominar de "princípio do livre convencimento motivado".

Em função do princípio processual do livre convencimento motivado, ao julgador abre-se, inclusive, a possibilidade de julgar a demanda no estado em que ela se encontrar, quando compreender que as provas carreadas são suficientes ao seu pronto desfecho.

No caso dos autos, não se trata de questão que somente poderia ter sido solucionada mediante perícia.

A primeira turma deste Tribunal já firmou o entendimento no sentido de que em se tratando de questão eminentemente de direito, cuja solução se alcança pela aplicação de critérios pré-definidos, porque limita-se a apurar aquilo que cabível à atualização do débito, não há que se falar em produção de prova pericial. Nesse sentido:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO CRÉDITO ROTATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA: DESNECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL CONTÁBIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - DPU - NÃO CONCESSÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. EXCLUÍDA TAXA DE RENTABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.

1. Há de ser afastada a preliminar de cerceamento de defesa , pelo indeferimento de prova pericial contábil. As planilhas e os cálculos juntados à inicial apontam a evolução do débito, e os extratos discriminam de forma completa o histórico da dívida anterior ao inadimplemento. Dessa forma, afigura-se absolutamente desnecessária a produção de prova pericial para a solução da lide. Precedentes.

2. Trata-se de questão eminentemente de direito, cuja solução prescinde da produção de prova pericial , porque limita-se à determinação de quais os critérios aplicáveis à atualização do débito, não havendo se falar em remessa dos cálculos da autora ao contador judicial. Precedentes.

[...]

(TRF3, AC 00002239720104036105, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1862694, Primeira Turma, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2017)

PROCESSO CIVIL - AÇÃO MONITÓRIA AJUIZADA PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL REFERENTE À CONTRATO DE CRÉDITO - PRESENÇA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO - JUROS CAPITALIZADOS - APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - VERBA HONORÁRIA - JUSTIÇA GRATUITA. 1. No que tange à alegação de nulidade da sentença em face da ocorrência de cerceamento de defesa , argüida pela parte ré em suas razões de apelação, entendo que especificamente em relação aos contratos que têm, ou terminam tendo, por objeto o empréstimo ou mútuo, todas as condições ajustadas estão expressas nos instrumentos, possibilitando ao credor calcular o valor da dívida e seus encargos e ao devedor discutir a dívida subseqüente. 2. A prova escrita fornecida pela Caixa Econômica Federal, comprova indubitavelmente a obrigação assumida pelo devedor (conforme contrato assinado às fls. 09/13, acompanhado do demonstrativo de débito de fls. 17/25). 3. Toda a documentação apresentada pela parte autora, fornece elementos suficientes para o ajuizamento da ação monitória, afastando-se inclusive, a necessidade de prova pericial , posto que as matérias controvertidas são de direito, perfeitamente delineadas na lei e no contrato, pelo que rejeito a matéria preliminar arguida [...] (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AC 200561000063811, Rel. Des. Fed. Johonsom di Salvo, j. 19/08/2008, DJe 20/10/2018)

De tal modo, por entender que a solução para a questão discutida nos autos se alcança mediante a aplicação de critérios pré-definidos em contrato, não há que se falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial.  

 

Da revisão

 A controvérsia trata sobre a possibilidade de revisão de contrato de compra e venda de imóvel financiado pela CEF, nos moldes do SFH, em razão de alteração da situação financeira do autor. 

O contrato em questão foi firmado em livre manifestação da vontade, havendo concordância com as cláusulas pactuadas, gerando, assim, obrigação entre as partes. 

Não se verifica alegação de cláusulas abusivas ou, ainda, nulidades ou vícios de vontade. In casu, o motivo trazido pelo apelante como fundamento para a pretendida revisão do contrato foi a impossibilidade financeira superveniente de arcar com o pagamento das parcelas do empréstimo - que teria sido causada por significativa diminuição de sua renda, posterior à formalização da avença, decorrente do desemprego. 

No entanto, uma vez firmado o contrato, não é dado à parte, ainda que por circunstâncias supervenientes graves como o desemprego ou diminuição da renda, descumprir o quanto acordado e propor unilateralmente a modificação das cláusulas contratuais. 

O apelante tinha, desde a assinatura do contrato, a ciência de seus termos e das condições ali estabelecidas, de modo que dificuldade financeira decorrente de diminuição da renda não constitui fato extraordinário superveniente, impossível à parte antever - o que afasta de plano o argumento de onerosidade excessiva da avença. 

Certo é que, tendo o apelante prévia ciência dos valores das parcelas e o modo de seu cálculo, reunia condições de aferir antecipadamente à assinatura do compromisso contratual o comprometimento da sua capacidade financeira. 

E, de acordo com a jurisprudência uníssona do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal, a diminuição de renda ou o desemprego não constituem fatos imprevisíveis e, por conseguinte, não sustentam a revisão, in verbis: 

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. SFH. REVISÃO DAS PARCELAS. REDUÇÃO DA RENDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.  

1. Ação de revisão de contrato de financiamento imobiliário firmado pelo SFH, visando a renegociação do valor das prestações mensais e o alongamento do prazo de liquidação, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor.  

2. O Tribunal de origem, examinando as condições contratuais, concluiu que o recálculo da parcela estabelecida contratualmente não está vinculado ao comprometimento de renda do mutuário, mas sim à readequação da parcela ao valor do saldo devedor atualizado. Nesse contexto, entendeu que, para justificar a revisão contratual, seria necessário fato imprevisível ou extraordinário, que tornasse excessivamente oneroso o contrato, não se configurando como tal eventual desemprego ou redução da renda do contratante. 

3. Efetivamente, a caracterização da onerosidade excessiva pressupõe a existência de vantagem extrema da outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível. Esta Corte já decidiu que tanto a teoria da base objetiva quanto a teoria da imprevisão "demandam fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato" (AgInt no REsp 1.514.093/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe de 7/11/2016), não sendo este o caso dos autos. 

4. Agravo interno não provido.” 

(AgInt no AREsp 1340589/SE, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, Dje 27/05/2019) 

 

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL POR ALEGADA DIMINUIÇÃO DA RENDA FAMILIAR - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO, INSURGÊNCIA DOS AUTORES. 

1. Correta aplicação das súmulas 5 e 7 do STJ. A alteração da conclusão adotada pelo acórdão recorrido a respeito da inexistência de situação anômala que tenha onerado excessivamente o mútuo, demandaria novo exame do acervo fático-probatório dos autos e das cláusulas do contrato de financiamento, o que é vedado em sede de recurso especial. 

2. A teoria da imprevisão - corolário dos princípios da boa-fé e da função social do contrato -, a qual autoriza a revisão das obrigações contratuais, apenas se configura quando há onerosidade excessiva decorrente da superveniência de um evento imprevisível, alterador da base econômica objetiva do contrato, hipótese inocorrente no caso. 

3. A teoria da base objetiva difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade, no entanto, ambas as teorias demandam fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato, circunstâncias não verificadas nesta demanda. 

4. Agravo interno desprovido.” 

(AgInt no REsp 1514093/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 07/11/2016) 

 

“PROCESSO CIVIL. REVISÃO CONTRATUAL. CEF. REDUÇÃO DE RENDA. INDICAÇÃO GENÉRICA DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. SÚMULA 381/STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA. 

1. O autor busca com a presente demanda a revisão do contrato de mútuo habitacional, firmado com a Caixa Econômica Federal, sob o argumento de que a sua situação financeira não é mais a mesma da época da celebração do contrato. 

2. Uma vez firmado o contrato, não é dado à parte, por mera liberalidade, ainda que oriunda de dificuldades financeiras, descumprir o quanto avençado e propor unilateralmente a sua rescisão ou revisão. 

3. Tendo a parte autora a prévia ciência dos valores das parcelas e o modo de seu cálculo, reunia condições de aferir antecipadamente à assinatura do compromisso contratual o comprometimento da sua capacidade financeira. 

4. A simples mudança na renda do contratante ou a mera vontade da parte não é suficiente para caracterizar direito à revisão contratual. 

5. Além disso, o autor alegou a presença de cláusulas abusivas de forma genérica, pleiteando, desta forma, uma revisão geral do contrato, o que não é permitido pela Súmula 381/STJ, que assim prevê: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. 

6. Ora, se o autor obteve junto à CEF a quantia necessária para a aquisição do imóvel pretendido, cabe-lhe, portanto, restituir à instituição financeira o dinheiro emprestado, de acordo com os critérios estipulados no contrato. Logo, o pedido de revisão contratual não encontra fundamento legal e, por isso, deve ser afastado. 

7. Apelação desprovida.” 

(ApCiv 5002315-62.2021.4.03.6109/SP, Relator Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, Primeira Turma – TRF3, j. 29/09/2023, DJEN 03/10/2023) 

De tal modo, não há fundamento legal para que a instituição financeira deixe de ser restituída dos valores emprestados antecipadamente, nos termos das cláusulas avençadas.

Da onerosidade excessiva

Anoto ser firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) pela aplicabilidade dos princípios do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo bancário. O mesmo Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, entende que nos contratos bancários é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas (Súmula nº 381). 

Todavia, disso não decorre automática e imperativamente a nulidade de toda e qualquer cláusula tida como prejudicial ao interesse financeiro do consumidor, que firma livremente um contrato com instituição financeira. Mesmo nos casos em que se verifica o prejuízo financeiro, a nulidade pressupõe que o contrato ou cláusula contratual tenha imposto desvantagem exagerada ao consumidor (artigo 51, IV, do CDC), ofendendo os princípios fundamentais do sistema jurídico, restringindo direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio, ou se mostrando excessivamente onerosa para o consumidor, considerada a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (artigo 51, § 1º, do CDC). 

Também não implica nulidade contratual a natureza adesiva dos ajustes. Com efeito, sendo a elaboração unilateral das cláusulas contratuais inerente ao contrato de adesão e encontrando-se esta espécie contratual expressamente autorizada pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 54), seria ilógico que a unilateralidade pudesse ser tomada, em abstrato, como causa suficiente ao reconhecimento da nulidade ou abusividade do ajuste. 

Cumpre ao mutuário, portanto, demonstrar as causas concretas e específicas do suposto abuso ou nulidade das cláusulas dos contratos em testilha. Cabe ao autor, pretendendo a aplicação da teoria da imprevisão, demonstrar os fatos supervenientes à contratação que teriam tornado excessivamente oneroso o seu cumprimento, conforme o artigo 6º, V, do CDC. A suposta onerosidade excessiva pode decorrer do próprio conteúdo das cláusulas contratuais, não de fatos externos e posteriores à contratação, a autorizar a aplicação do referido dispositivo legal. 

Ressalto, neste ponto, que os contratos de adesão firmados livremente com instituições financeiras não diferem dos contratos de adesão referentes a serviços essenciais, tais como o fornecimento de água, eletricidade, telefonia e outros imprescindíveis à dignidade da vida em ambiente urbano. Trata-se de contratos de empréstimo bancário cujo objeto, embora útil, não se revela imprescindível aos contratantes. Foram firmados, portanto, por vontade própria e não por inexigibilidade de outra conduta, decorrente da essencialidade - inexistente para o caso dos autos - de seu objeto. 

A invocação, apenas na ocasião do cumprimento da obrigação, de suposta nulidade de cláusulas livremente aceitas no momento da celebração do acordo e da tomada do financiamento, viola a boa-fé contratual objetiva, por sua vertente do princípio done venire contra factum proprium. Em matéria de contratos impera o princípio pacta sunt servanda, notadamente quando as cláusulas contratuais observam legislação meticulosa e cogente. Também por essa razão, não se pode olvidar o princípio rebus sic standibus, por definição, requer a demonstração de que não subsistem as circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato e que justificam o pedido de revisão contratual. 

Da capitalização de juros 

Grande controvérsia envolve a interpretação e a aplicação das regras que disciplinam o anatocismo no Brasil. Não raro, defende-se que a legislação pátria proibiria a utilização de juros compostos, juros efetivos ou qualquer mecanismo que envolvesse "capitalização de juros". 

Neste diapasão, estaria configurado o paroxismo de proibir conceitos abstratos de matemática financeira, prestigiando somente a aplicação de juros simples ou nominais, sem necessariamente lograr atingir uma diminuição efetiva dos montantes de juros remuneratórios devidos, já que a maior ou menor dimensão paga a este título guarda relação muito mais estreita com o patamar dos juros contratados que com a frequência com que são "capitalizados". 

Em tempos modernos, a legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática financeira ou a qualquer situação pré-contratual, os quais pressupõem um regular desenvolvimento da relação contratual. 

Como conceito jurídico, as restrições à "capitalização de juros" ou "juros sobre juros" disciplinam as hipóteses em que, já vigente o contrato, diante do inadimplemento, há um montante de juros devidos, vencidos e não pagos que pode ou não ser incorporado ao capital para que incidam novos juros sobre ele. 

Em outras palavras, na data em que vencem os juros, pode haver pagamento e não ocorrerá "capitalização", em sentido jurídico estrito. Na ausência de pagamento, porém, pode haver o cômputo dos juros vencidos e não pagos em separado, ou a sua incorporação ao capital/saldo devedor para que incidam novos juros. Apenas nesta última hipótese se pode falar em "capitalização de juros" ou anatocismo para efeitos legais. 

A ilustrar a exegese, basta analisar o texto do artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura": 

Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. 

Se a redação da primeira parte do dispositivo não é das mais cuidadosas, a segunda parte é suficiente para delimitar o alcance do conceito e afastar teses das mais variadas em relação à proibição do anatocismo. 

Feitas tais considerações, é de se ressaltar que não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta para a "capitalização de juros" (vencidos e não pagos). As normas que disciplinam a matéria, quando muito, restringiram a possibilidade de capitalização de tais juros em prazo inferior a um ano. 

Desde o artigo 253 do Código Comercial já se permitia a capitalização anual, proibindo-se a capitalização em prazo inferior, restrição que deixou de existir no texto do artigo 1.262 do Código Civil de 1916. O citado artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura", retoma o critério da capitalização anual. 

A intenção do art. 4º do Decreto 22.626/33, ao restringir a capitalização nesses termos, é evitar que a dívida aumente em proporções não antevistas pelo devedor em dificuldades ao longo da relação contratual. O dispositivo não guarda qualquer relação com o processo de formação da taxa de juros, como a interpretação meramente literal e isolada de sua primeira parte poderia levar a crer. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Segunda Seção, EREsp. 917.570/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012). 

Desse modo, tem-se o pano de fundo para se interpretar a Súmula 121 do STF: 

É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.(Súmula 121 do STF) 

A súmula veda a capitalização de juros mesmo quando convencionada. Veda a capitalização de juros (vencidos e não pagos), mesmo quando convencionada (em período inferior ao permitido por lei). 

A Súmula 596 do STF, abordando especificamente o caso das instituições financeiras, por sua vez, prevê: 

As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.(Súmula 596 do STF) 

A jurisprudência diverge quanto ao alcance da Súmula 596 do STF no que diz respeito ao anatocismo. De toda sorte, a balizar o quadro normativo exposto, o STJ editou a Súmula 93, segundo a qual a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. 

Em outras palavras, nessas hipóteses admite-se a capitalização de juros vencidos e não pagos em frequência inferior à anual, nos termos da legislação específica. As normas legais que disciplinam cada tipo de financiamento passaram a ser um critério seguro para regular o anatocismo. 

Há que se considerar, ainda, que desde a MP 1.963-17/00, com o seu artigo 5º reeditado pela MP 2.170-36/01, já existia autorização ainda mais ampla para todas as instituições do Sistema Financeiro Nacional. A consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. 

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não há inconstitucionalidade na MP 2.170-36/01 em razão de seus pressupostos: 

CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 
4. Recurso extraordinário provido. 
(STF, RE 592377 / RS - RIO GRANDE DO SUL, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, 04/02/2015) 

Ressalte-se que a legislação do SFN é especial em relação à Lei de Usura e às normas do Código Civil. 

A reforçar todo o entendimento anteriormente exposto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 539, nos seguintes termos: 

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. (Súmula 539 do STJ) 

Em suma, não ocorre anatocismo em contratos de mútuo pela simples adoção de sistema de amortização que se utilize de juros compostos. Tampouco se vislumbra o anatocismo pela utilização de taxa de juros efetiva com capitalização mensal derivada de taxa de juros nominal com capitalização anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Por fim, a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos é permitida nos termos autorizados pela legislação e nos termos pactuados entre as partes. 

Apenas com a verificação de ausência de autorização legislativa especial e de previsão contratual, poderá ser afastada a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos em prazo inferior a um ano. Nessa hipótese, em se verificando o inadimplemento de determinada prestação, a contabilização dos juros remuneratórios não pagos deve ser realizada em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária, destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a conta principal. 

Compulsando os autos, verifica-se que a capitalização de juros foi devidamente pactuada, não havendo que se falar aplicação de juros diversos, já que os critérios constam expressamente das cláusulas quinta, sexta e sétima do contrato ( Id. 279278134), de modo que a sua capitalização se encontra em consonância com o entendimento do C. STJ.  

Da Comissão de Permanência 

Em relação à comissão de permanência, adoto o posicionamento pacificado pela 2ª Turma do C. STJ: 

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 

(...) 

4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.(...) 

(REsp 973827, 2ª Seção do STJ, j. em 08/08/2012, DJe de 24/09/2012, Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão MARIA ISABEL GALLOTTI – grifei) 

A questão foi objeto, inclusive, de fixação de tese quando da afetação do Tema nº 52 do STJ, que tratou da questão “referente à legalidade da cláusula que, em contratos bancários, prevê a cobrança da comissão de permanência na hipótese de inadimplência do consumidor”, que resultou na seguinte tese: 

“A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.” 

Ocorre que o apelante não logrou demonstrar que a CEF fez incidir a comissão de permanência em montante superior à soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, livremente pactuado entre as partes, cumulada com outros encargos remuneratórios, conforme pretende fazer crer.  

Da análise dos documentos apresentados, verifico que foram cobradas as parcelas de acordo com o que foi pactuado entre as partes e dentro dos limites permitidos às instituições financeiras.  

Deixo de apreciar a alegação de capitalização de juros diária, nos termos em que formulada na apelação, por se tratar de inovação recursal.

Dessa forma, imperiosa a manutenção da sentença, nos moldes em que proferida. 

No que tange à verba honorária, em razão do desprovimento do recurso interposto, majoro em 2% os honorários advocatícios fixados na sentença em desfavor da parte autora, em observância ao disposto no art. 85, § 11 do CPC. Suspensa sua exigibilidade em face da concessão do benefício da justiça gratuita.  

Ante o exposto, não conheço de parte da apelação, no que tange a alegação de capitalização de juros diários e, na parte em que conhecida, nego provimento, com majoração da verba honorária. 

É como voto. 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. REVISÃO CONTRATUAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO NA PARTE EM QUE CONHECIDO.

I. Caso em exame

  1. Apelação interposta sob a alegação de nulidade da decisão por cerceamento de defesa, ante o indeferimento da prova pericial. No mérito, discute-se a revisão de contrato de compra e venda de imóvel financiado pela CEF, nos moldes do SFH, alegando-se onerosidade excessiva devido à redução da capacidade financeira do mutuário.

II. Questão em discussão

  1. A controvérsia gira em torno das seguintes questões: (i) se houve cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial; (ii) se a revisão do contrato é cabível ante a alteração da situação financeira do mutuário; (iii) se a capitalização de juros praticada é válida; (iv) se a cobrança da comissão de permanência configura abusividade.

III. Razões de decidir

  1. O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o magistrado fundamenta sua decisão e considera suficientes as provas constantes nos autos, nos termos do princípio do livre convencimento motivado (art. 93, IX, da CF/1988).

  2. A dificuldade financeira do mutuário não constitui evento imprevisível ou extraordinário apto a ensejar revisão contratual, conforme entendimento pacífico do STJ e do STF.

  3. A capitalização de juros é permitida desde que pactuada e prevista em legislação específica aplicável ao contrato, nos termos da Súmula 539 do STJ.

  4. A comissão de permanência somente é válida se não cumulada com outros encargos moratórios, conforme o Tema 52 do STJ.

IV. Dispositivo e tese

  1. Recurso não provido na parte me que conhecido.

Tese de julgamento: "1. O indeferimento de prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o magistrado fundamenta a suficiência das provas constantes nos autos. 2. A diminuição da capacidade financeira do mutuário não é fato imprevisível apto a ensejar revisão contratual. 3. A capitalização de juros é permitida desde que pactuada e prevista em legislação específica. 4. A comissão de permanência é válida se não cumulada com outros encargos moratórios."

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CC, arts. 478, 479 e 480; MP 2.170-36/2001, art. 5º.

Jurisprudência relevante citada: STF, RE 592.377, Rel. Min. Marco Aurélio; STJ, AgInt no REsp 1514093/CE, Rel. Min. Marco Buzzi; STJ, Súmula 539; STJ, Tema 52.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, não conheceu de parte da apelação e, na parte em que conhecida, negou provimento , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATO BECHO
DESEMBARGADOR FEDERAL