APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5019798-64.2023.4.03.6100
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: FRANCIS HELBER POSSARI JULIANO
Advogado do(a) APELANTE: JACSON GIMENES SANTOS - RS124938-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5019798-64.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: FRANCIS HELBER POSSARI JULIANO Advogado do(a) APELANTE: JACSON GIMENES SANTOS - RS124938-A APELADO: COMANDANTE DA 2ª REGIAO MILITAR - CHEFE DO SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADO, UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança, impetrado por FRANCIS HELBER POSSARI JULIANO, em face do COMANDANTE DA 2a REGIÃO MILITAR RESPONSÁVEL PELO SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADOS, objetivando a concessão de ordem judicial para compelir a autoridade impetrada a emitir o Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF), referente ao processo administrativo n.º 02357222217628, sob pena de multa diária. A r. sentença denegou a segurança. Nas razões de apelação, o impetrante afirma que adquiriu arma de fogo (“Rifle RugerCarabina AR556 MPR, with free float, Série 185254206, CAL 5.56, alma raiada, 5 raias sentido direita, 30 tiros, acabamento preto fosco, funcionamento semiautomático, cano de 16 polegadas, de fabricação estadunidense”) conforme autorização para aquisição de nº 2357222210046 SFPC/Cmdo 2ª RM de 19/09/2022, e nota fiscal de uso restrito conforme Portaria nº 1.222/19. Todavia, mesmo após ter autorizado a aquisição, o mesmo Comando do Exército negou-lhe a expedição do respectivo CRAF, com base no julgamento da ADI nº 6139 pelo Supremo Tribunal Federal. Afirma que possui direito líquido e certo à emissão do CRAF. Houve apresentação de contrarrazões. O Ministério Público Federal requereu o prosseguimento do feito. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5019798-64.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: FRANCIS HELBER POSSARI JULIANO Advogado do(a) APELANTE: JACSON GIMENES SANTOS - RS124938-A APELADO: COMANDANTE DA 2ª REGIAO MILITAR - CHEFE DO SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTROLADO, UNIÃO FEDERAL V O T O O recurso não comporta provimento. A r. sentença, em análise pormenorizada do caso, concluiu que, conforme o art. 8º da Portaria COLOG nº 136/2019, a aquisição de armas de fogo de uso restrito por colecionador, atirador desportivo ou caçador é ato administrativo composto que não se exaure com a autorização prévia do Comando do Exército, sendo a obtenção do certificado apenas mais um ato para a conclusão desse processo. E, nos termos da medida cautelar concedida na ADI 6139 em 21/09/2022, a aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente, de modo que a negativa do certificado pelo Comando do Exército apenas consistiu na observância imediata da decisão. Pois bem. O processo de aquisição de arma de fogo de uso restrito depende de ato administrativo composto. São três etapas sujeitas à apreciação do Exército, a saber: i. Autorização de aquisição, ii. Registro no SIGMA iii. Emissão do Certificado de Registro (CRAF) e entrega da arma. Neste sentido, o artigo 8.º da Portaria COLOG n.º 136/2019: “Art. 8º. A aquisição de arma de fogo de uso restrito por colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, dar-se-á da seguinte forma: I - autorização para a aquisição e tratativas da compra: a) a autorização está condicionada ao atendimento do prescrito nos art. 9º ao art. 12 desta portaria e será formalizada pelo despacho da Organização Militar do SisFPC de vinculação do colecionador, atirador desportivo ou caçador, no próprio requerimento (anexo E). b) o requerimento de que trata a alínea “a” deverá ser instruído com o comprovante da taxa de aquisição de PCE. c) no caso de tiro desportivo, é necessária a comprovação de que a arma pleiteada está prevista nas regras de prática, nacionais ou internacionais, da modalidade de tiro indicada pelo adquirente, d) a comprovação de que trata a alínea "c" é feita pela declaração do próprio atirador, conforme o anexo E. e) para as armas de fogo de uso restrito não-portáteis ou portáteis semi-automáticas é necessário demonstrar que a data de projeto do modelo original tenha mais de trinta anos, nos termos do item 2, alínea “b” do Inciso I do Art 45, do Decreto n° 10.030, de 2019. II - registro da arma de fogo e o seu apostilamento: a) a solicitação de registro e de apostilamento da arma de fogo no SIGMA cabe ao adquirente, via requerimento a OM do SisFPC, ao qual está vinculado. b) o requerimento de que trata a alínea “a” deverá ser instruído com os documentos a seguir: 1) nota fiscal da arma; 2) ficha para cadastro de arma de fogo no SIGMA (anexo F1); e 3) comprovante do pagamento das taxas de registro e de apostilamento da arma de fogo. III - emissão do CRAF e entrega da arma: a) somente depois de cadastrada no SIGMA e mediante a apresentação do CRAF a arma de fogo poderá ser entregue ao adquirente, com a guia de tráfego expedida pelo fornecedor. b) o fornecedor deve entregar a arma no local indicado pelo adquirente ou diretamente a ele, desde que apresente o CRAF; c) o recebimento do CRAF e da arma de fogo pelo adquirente caracterizam a conclusão do processo de aquisição.” (o destaque não é original) Assim, a aquisição da arma não garante a concessão do registro, necessitando que o interessado cumpra as demais exigências legais. Por outro lado, a liminar concedida pelo C. Supremo Tribunal Federal na ADI 6139 deu interpretação conforme a Constituição ao art. 27, da Lei n.º 10.826/03, para fixar a teses de que “a aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente”. Ademais, a despeito da irresignação do apelante, o Decreto n.º 11.615/2023, que veio a regulamentar a Lei n.º 10.826/2003 no tocante a, entre outros assuntos, “regras e e procedimentos relativos à aquisição, ao registro, à posse, ao porte, ao cadastro e à comercialização nacional de armas de fogo, munições e acessórios”, deve ser interpretado em conformidade com a decisão do STF, ou seja, apenas armas adquiridas no interesse da segurança pública ou defesa nacional podem ser registradas no SIGMA. A respeito, cito trecho do bem lançado parecer do i. membro do Ministério Público Federal: “Assim, a fim de compatibilizar a decisão liminar da Suprema Corte com o quanto previsto no citado art. 79, §2º do Decreto 11.615/23, impõe-se a interpretação deste no sentido de que apenas podem ser registrados no SIGMA as armas de fogo com autorização de aquisição deferidas “no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional ”, mas não aquelas cuja autorização fora deferida “em razão do interesse pessoal do requerente ”. Recordo, por oportuno, que a citada medida cautelar na ADI 6139 foi confirmada pelo STF ao apreciar o mérito da ação (Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, j. 03/07/2023, DJE 06/09/2023).” (ID 293955687 – pág. 5) A r. sentença deve ser mantida. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o meu voto.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICADO DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO. INDEFERIMENTO. OBSERVÂNCIA DE DECISÃO VINCULANTE DO STF. APELAÇÃO DESPROVIDA.
I. Caso em exame
1. Mandado de segurança impetrado contra ato do Comandante da 2ª Região Militar, visando à emissão de Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) referente a arma adquirida mediante autorização concedida pelo Exército. Sentença denegatória da segurança.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se o impetrante possui direito líquido e certo à emissão do CRAF, diante de decisão cautelar e de mérito proferida pelo STF na ADI nº 6139, que condiciona a autorização de aquisição de armas de uso restrito ao interesse da segurança pública ou da defesa nacional.
III. Razões de decidir
3. Nos termos do art. 8º da Portaria COLOG nº 136/2019, o processo de aquisição de arma de uso restrito é ato administrativo composto, exigindo o cumprimento de etapas adicionais para a obtenção do CRAF, que não se exaurem com a autorização de aquisição.
4. A medida cautelar concedida pelo STF na ADI nº 6139, confirmada no julgamento de mérito, fixou interpretação conforme a Constituição ao art. 27 da Lei nº 10.826/2003, determinando que a aquisição de armas de uso restrito apenas pode ser autorizada no interesse da segurança pública ou defesa nacional, vedando o atendimento de interesses pessoais.
5. O Decreto nº 11.615/2023, que regulamenta a aquisição e o registro de armas de fogo, deve ser aplicado de forma compatível com a decisão do STF, excluindo-se do registro no SIGMA armas cuja autorização se funde em interesses pessoais.
IV. Dispositivo e tese
6. Apelação desprovida.
Tese de julgamento: “1. A aquisição de armas de uso restrito depende de ato administrativo composto, compreendendo etapas sucessivas sujeitas à apreciação do Exército, nos termos da Portaria COLOG nº 136/2019. 2. A autorização para a aquisição de armas de uso restrito somente é válida se pautada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, em conformidade com a interpretação constitucional fixada pelo STF na ADI nº 6139.”
Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 27; Lei nº 10.826/2003, art. 27; Decreto nº 11.615/2023; Portaria COLOG nº 136/2019, art. 8º.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADI nº 6139, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, j. 03/07/2023.