Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018725-07.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: FLORISVAL BARNABE

Advogado do(a) APELANTE: RICHARD FAUSTINO - SP252574

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018725-07.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: FLORISVAL BARNABE

Advogado do(a) APELANTE: RICHARD FAUSTINO - SP252574

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O Senhor Juiz Federal Convocado RAPHAEL DE OLIVEIRA (Relator):

Trata-se de apelação interposta por Florisval Barnabé em face da r. sentença proferida em ação ordinária objetivando o registro profissional como ajudante de despachante aduaneiro perante à 8ª Região Fiscal.

A r. sentença julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos (ID 103304177, p. 31): 

Ante todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial e, em conseqüência extingo o processo com resolução do mérito, de acordo com o artigo 269, 1, do Código de Processo Civil. 1

CONDENO, o autor ao pagamento das despesas processuais, assim como dos honorários advocaticios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, com supedâneo no artigo 20 do Código de Processo Civil.

P.R.l.

Em suas razões recursais, o autor alega, em síntese, que:

- estão preenchidos os requisitos dos artigos 45, inciso IV, e 50 do Decreto n. 646/92, com a comprovação das atividades relativas ao despacho aduaneiro desde 1985, configurando direito adquirido; 

- a inscrição no cadastro de Ajudante de Despachante Aduaneiro foi regularmente deferida, não tendo sido exigida a comprovação da escolaridade.

Prequestiona a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requer, ao final, a tutela antecipada e o provimento de seu recurso “para o fim de determinar à recorrida que cancele a ordem que anulou sua inscrição como Ajudante de Despachante Aduaneiro, sendo expedida imediatamente nova credencial para atuação em áreas restritas”.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.

É o relatório.

rcf

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018725-07.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: FLORISVAL BARNABE

Advogado do(a) APELANTE: RICHARD FAUSTINO - SP252574

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O Senhor Juiz Federal Convocado RAPHAEL DE OLIVEIRA (Relator):

Trata-se de apelação em sentença prolatada nos autos de ação ordinária com o escopo de  assegurar o direito de exercer a função de ajudante de despachante aduaneiro.

No caso vertente, o autor requereu sua inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros, por ter atendido as exigências contidas no artigo 45, inciso IV, do Decreto n. 646/1992. A autoridade administrativa, por sua vez, justificou a impossibilidade de inscrição como Despachante Aduaneiro,  porque o autor apresentou diploma de segundo grau falso (ID 106222720, p. 91/160). Em consequência, foi aberto Processo Administrativo para apurar a nulidade da anterior inscrição como Ajudante de Despachante, concluindo pela declaração de nulidade da inscrição (ID 106222720, p. 181).

Em suas razões recursais, requer a reforma da r. sentença, alegando que "quando do advento do Decreto 646/92, o ora apelante já exercia a atividade de Ajudante de Despachante Aduaneiro, independentemente de sua escolaridade, estava no exercício dessa função desde 1985", configurando direito adquirido ao exercício da atividade.

Dessa forma, cinge-se a controvérsia à possibilidade do autor se manter inscrito no Registro de Ajudante de Despachante Aduaneiro, nos termos no Decreto-lei n. 2.472/1988 e Decreto n. 646/1992, afastando-se cassação administrativa do registro.

Pontue-se, por primeiro, que o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição da República (CR) assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, conforme se reproduz, in verbis: 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

(...) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. 

Trata-se de norma de eficácia contida, que remete a complementação da sua eficácia à lei, cabendo somente ao Poder Legislativo a definição de atributos profissionais mínimos para o exercício de determinadas atividades.

Assim, a identificação de qualificativos especiais para qualquer trabalho, ofício ou profissão fica a cargo do legislador, em observância ao princípio da reserva legal qualificada, competindo exclusivamente à lei formal a imposição de limites à regra do livre ofício, vedada a delegação ou a disciplina por norma infralegal.

Essa máxima encontra os seus fundamentos no interesse público, porquanto os órgãos de fiscalização têm por objetivo a proteção da sociedade contra o exercício indiscriminado de atividades com potencial lesivo.

O Decreto-Lei n. 2.472/1988, ao dispor sobre o tema da legislação aduaneira estabeleceu em seu artigo 5º, §3º, sobre a investidura das funções de despachante aduaneiro e ajudante de despachante aduaneiro:

Art. 5º A designação do representante do importador e do exportador poderá recair em despachante aduaneiro, relativamente ao despacho aduaneiro de mercadorias importadas e exportadas e em toda e qualquer outra operação de comércio exterior, realizada apor qualquer via, inclusive no despacho de bagagem de viajante.

(...)

 3º.  Para a execução das atividades de que trata este artigo, o Poder Executivo disporá sobre a forma de investidura na função de Despachante Aduaneiro, mediante ingresso como Ajudante de Despachante Aduaneiro, e sobre os requisitos que serão exigidos das demais pessoas para serem admitidas como representantes das partes interessadas.

Nesse sentido, o Decreto n. 646/1992,  especificamente no artigo 45 e 47, assim dispôs:

Art. 45. Será assegurada a inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros:

I - dos despachantes credenciados junto às repartições aduaneiras da Região Fiscal;

II - dos sócios, constantes do estatuto ou contrato social das empresas comissárias de despachos aduaneiros existentes e em funcionamento na data da publicação do Decreto-Lei n° 2.472/88.

III - dos ajudantes de despachante aduaneiro credenciados na data da publicação do Decreto-Lei n° 2.472/88.

IV - dos ajudantes de despachante credenciados ou que estejam a exercer atividades relacionadas com o despacho aduaneiro há pelo menos dois anos junto às repartições aduaneiras da Região Fiscal;

V - dos sócios dirigentes ou empregados de comissárias de despachos aduaneiros estabelecidas na Região Fiscal e dos empregados de despachantes aduaneiros nela credenciados, que tenham exercido atividades relacionadas com o despacho aduaneiro por pelo menos dois anos.

§ 1° Serão convocadas por edital as pessoas que satisfaçam quaisquer dos incisos deste artigo, promovendo-se suas inscrições no Registro de Despachantes Aduaneiros.

§ 2° As providências deste artigo, deverão completar-se dentro do prazo de sessenta dias a contar da data de publicação deste Decreto, prorrogável por até igual período pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento.
 

Art. 47. Poderão registrar-se no Registro de Ajudantes de Despachante Aduaneiro os brasileiros maiores ou emancipados, que tenham concluído curso de segundo grau ou equivalente e que estejam quites com as obrigações eleitorais e, se obrigados, com o serviço militar. [Destaquei].
 

Sobre o tema,  manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, "cumpridos os requisitos legais para o exercício das atribuições de despachante, é vedado à Administração formular outras exigências por intermédio de ato administrativo. Outrossim, as comissárias de despacho que vinham exercendo licitamente o desembaraço aduaneiro por mais de dois anos têm direito à inscrição no Registro de Despachantes Aduaneiros". (REsp 392454 / PR RECURSO ESPECIAL 2001/0140777-3, RELATOR Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, ÓRGÃO JULGADOR SEGUNDA TURMA, DATA DO JULGAMENTO 13/03/2006 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJ 29/03/2006 p. 134).

Quanto ao requisito de escolaridade, observa-se, entretanto, que a delegação promovida ao Poder Executivo pelo Decreto-Lei n. 2.472/1988 teve a sua eficácia cessada, nos termos do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, verbis:
 

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

§ 1º Os decretos-lei em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma:

I - se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição, não computado o recesso parlamentar;

II - decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-lei ali mencionados serão considerados rejeitados;

III - nas hipóteses definidas nos incisos I e II, terão plena validade os atos praticados na vigência dos respectivos decretos-lei, podendo o Congresso Nacional, se necessário, legislar sobre os efeitos deles remanescentes.

§ 2º Os decretos-lei editados entre 3 de setembro de 1988 e a promulgação da Constituição serão convertidos, nesta data, em medidas provisórias, aplicando-se-lhes as regras estabelecidas no art. 62, parágrafo único. [destaquei].
 

Assim, decorrido o prazo de cento e oitenta dias a partir da promulgação da Constituição da República, o § 3º do artigo 5º do Decreto-Lei n. 2.472/1988, deixou de produzir efeitos na parte em que delegava ao Poder Executivo a competência para dispor sobre a investidura na função de despachante aduaneiro, mantida, somente, ao que se referia a função regulamentadora.

Desse modo, a regra imposta pelo artigo 47 do Decreto n. 646/1992, que impunha como requisito para o registro dos ajudantes de despachante aduaneiro a conclusão do segundo grau, não tem eficácia.

Nesse sentido é o entendimento desta Turma:

REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA.  EXTINÇÃO SEM MÉRITO REFORMADA. ARTIGO 1.013, §3º, DO CPC. AJUDANTE DE DESPACHANTE ADUANEIRO. REGISTRO. EXIGÊNCIA DO ARTIGO 47 DO DECRETO 646/92. IMPOSSIBILIDADE. NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ARTIGO 25 DO ADCT. REEXAME NÃO CONHECIDO E RECURSO PROVIDO.
- Descabida a remessa oficial, nos termos do artigo 12, parágrafo único, da Lei n. º 1.533/51.
- O julgador de primeira instância entendeu necessária dilação probatória para a comprovação dos requisitos necessários ao registro do impetrante como ajudante de despachante aduaneiro, especialmente em relação à autenticidade do certificado de conclusão do ensino médio, razão pela qual extinguiu o feito sem resolução do mérito, nos termos do artigo 8º da Lei n. º 1.533/51. No entanto, a sentença deve ser reformada, uma vez que a questão posta se refere à legalidade da norma que fundamentou a cassação da inscrição e a documentação acostada aos autos é suficiente para a sua apreciação.
- O artigo 5º, §3º, do Decreto-Lei n. º 2.472/88, delegou ao Poder Executivo a disposição sobre a sobre a investidura das funções de despachante aduaneiro e ajudante de despachante aduaneiro.
-  A delegação promovida ao Poder Executivo pelo Decreto-Lei n. º 2.472/1988 teve a sua eficácia cessada, nos termos do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
- A regra imposta pelo artigo 47 do Decreto n. º 646/1992, que impunha como requisito para o registro dos ajudantes de despachante aduaneiro a conclusão do segundo grau, não tem eficácia. Precedentes desta corte.
- Remessa oficial não conhecida. Apelação provida e ordem concedida, na forma do artigo 1.013, §3°, do CPC. (ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / SP 0001823-23.2000.4.03.6100, Relator(a) Juiz Federal Convocado MARCELO GUERRA MARTINS, Órgão Julgador 4ª Turma, Data do Julgamento 05/03/2020, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 13/03/2020)

 

 Dessa forma, considerando que não é exigido o segundo grau completo para o exercício da função de ajudante de despachante aduaneiro, a alegação de falsidade do diploma de segundo grau apresentado pelo impetrante perde relevância.

Ademais, como demonstram os documentos juntados aos autos, o autor exerce atividade relacionada ao despacho aduaneiro desde 1983 (ID 106222720, p. 29), o que lhe confere o direito de atuar na função de Ajudante de Despachante Aduaneiro.

Dispositivo 

Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação. 

É o voto. 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. REGISTRO PROFISSIONAL. ANTERIOR REGISTRO COMO AJUDANTE DE DESPACHANTE ADUANEIRO. EXIGÊNCIA DE CONCLUSÃO DO SEGUNDO GRAU. REQUISITO NÃO PREVISTO NA LEI. IMPOSSIBILIDADE DO ARTIGO 47 DO DECRETO N. 646/1992 CRIAR OBSTÁCULOS QUE A PRÓPRIA LEI NÃO CRIOU. DIPLOMA DE SEGUNDO GRAU FALSO. DOCUMENTO DISPENSÁVEL. APELAÇÃO PROVIDA.

1. Tendo em vista que a lei que instituiu a profissão não exigiu a conclusão do segundo grau para o exercício da função de ajudante de despachante aduaneiro, não poderia o decreto n. 646/1992, através de seu artigo 47 criar obstáculos que a própria lei não criou.

2. Apresentação de diploma de segundo grau falso perde a relevância em virtude da inexigibilidade de tal requisito para desempenhar a função de ajudante de despachante aduaneiro.

3. Os documentos acostados aos autos comprovam que o autor exerce a atividade de despacho aduaneiro desde o ano de 1983, o que lhe confere o direito de atuar na função de Ajudante de Despachante Aduaneiro.

4. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. RAPHAEL DE OLIVEIRA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY. Declarou seu impedimento a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausentes, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Conv. ROBERTO JEUKEN) e a Des. Fed. LEILA PAIVA (substituída pelo Juiz Fed. Conv. RAPHAEL DE OLIVEIRA) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RAPHAEL JOSE DE OLIVEIRA SILVA
JUIZ FEDERAL