Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5049358-62.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA

APELANTE: PAULO MENEGALI TOLEDO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELANTE: JOSE AFFONSO CARUANO - SP101511-N, THAYS MARYANNY CARUANO FERREIRA DE SOUZA - SP312728-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PAULO MENEGALI TOLEDO

Advogados do(a) APELADO: JOSE AFFONSO CARUANO - SP101511-N, THAYS MARYANNY CARUANO FERREIRA DE SOUZA - SP312728-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5049358-62.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA

APELANTE: PAULO MENEGALI TOLEDO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogados do(a) APELANTE: JOSE AFFONSO CARUANO - SP101511-N, THAYS MARYANNY CARUANO FERREIRA DE SOUZA - SP312728-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PAULO MENEGALI TOLEDO

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelações interpostas em face de sentença com o seguinte dispositivo:

 

“Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a pretensão inicial, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, a fim de reconhecer os períodos de 18/05/1989 a 14/01/1992 (durante a safra), de 20/01/1992 a 07/03/1996, de 16/08/1996 a 05/06/1997, de 08/06/1998 a 31/10/1999, de 01/11/2000 a 16/02/2002 e de 10/06/1997 a 04/06/1998, como laborados em atividades especiais, condenando o INSS a providenciar as devidas averbações.

Diante da sucumbência recíproca, condeno cada parte ao pagamento de metade das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que arbitro em R$ 2.000,00, nos termos do artigo 85, §8º, do Código de Processo Civil, ficando o pagamento condicionado ao quanto disposto no art. 98, §3º, do CPC, quanto ao autor.”

 

Sustenta Paulo Menegali Toledo, em razões recursais, que: 1) a averbação de parte do tempo especial representa sucesso do autor da demanda, em prejuízo da aplicação da sucumbência recíproca; 2) é beneficiário da justiça gratuita, o que impõe suspensão da exigibilidade da condenação proporcional; 3) as atividades rurais exercidas nos períodos de 20/02/1987 a 15/07/1987, de 01/08/1987 a 13/06/1989, de 18/05/1989 a 14/01/1992, de 02/05/2000 a 18/07/2000, de 01/08/2000 a 05/10/2000, de 08/04/2002 a 26/11/2002, de 03/02/2003 a 17/03/2003 e de 01/04/2003 a 31/03/2004 expuseram o segurado a calor, ruído, radiação não-ionizante e agentes químicos, penosos e perigosos, segundo formulários profissiográficos juntados, possibilitando ainda enquadramento por similaridade a empresas agropecuárias; e 4) a função de operador de máquinas agrícolas exercida a partir de 01/04/2004 até o momento atual expôs o trabalhador a agentes nocivos diversos do ruído, como vibrações e hidrocarbonetos aromáticos (óleo e graxa), sendo que a pressão sonora medida não considerou o conjunto da exposição, mas apenas a operação de único equipamento.

 

Alega o INSS, em razões recursais, que: 1) a atividade de lavrador não pode ser enquadrada como tempo especial, seja por falta de previsão legal ou regulamentar, sem possibilidade de equiparação com agropecuária, seja pela inconstância da exposição a raios solares; e 2) não há prova da exposição a ruído e calor acima dos limites regulamentares de tolerância, o que impossibilita a contagem abonada do tempo de serviço.

 

Somente o autor apresentou contrarrazões recursais.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5049358-62.2021.4.03.9999

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V O T O

 

 

1) Aposentadoria especial/Conversão de tempo especial em comum

 

A aposentadoria especial é concedida ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que exerça atividade laborativa em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por determinado período (15, 20 ou 25 anos), conforme relação de agentes nocivos constante de lei ou regulamento, com critérios de avaliação quantitativa (limites de tolerância na exposição ocupacional) e de avaliação qualitativa (natureza da exposição ocupacional).

 

Caso o trabalhador não complete o tempo necessário para a jubilação diferenciada, poderá converter o período de atividade especial em comum com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, devendo fazê-lo até a edição da EC nº 103/2019, que proibiu a conversão para trabalho exercido posteriormente (artigo 25, §2º, parte final).

 

A relação dos agentes físicos, químicos e biológicos nocivos é exemplificativa, segundo a Súmula 198 do extinto TFR e os Temas 534 e 1031 do STJ:

 

Súmula 198. “Atendidos os demais requisitos, é devida aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento.”

 

Tema 534. "As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)".

 

Tema 1031. “"É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado".

 

A forma de comprovação do tempo de atividade especial varia conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço (Temas 422 e 423/STJ): a) enquadramento por categoria profissional ou pelo exercício de atividade cuja nocividade não seja inerente a cada profissão, sem necessidade de permanência e habitualidade na exposição ocupacional (até 29/04/1995 – Lei nº 9.032/1995); b) formulários do INSS, especificamente IS n. SSS-501.19/7, ISS-132, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN-8030, e demonstrações ambientais (até 31/12/2003); e c) Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 01/01/2004).

 

A especificidade dos meios de prova estabelecida no âmbito da aposentadoria especial não prejudica a produção de perícia judicial na resolução de lide previdenciária, seja para invalidar informações contidas naqueles documentos técnicos, seja para suprir a ausência deles, através de aferição indireta de tempo de atividade especial – perícia por similaridade. Atuam como fundamentos o direito de ação, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da persuasão racional (AgInt no Resp 2022883, Segunda Turma, DJ 06/03/2023).

 

2) Exposição ocupacional a agentes químicos

 

Os defensivos agrícolas fosforados e organofosforados vêm catalogados expressamente pela legislação previdenciária e trabalhista como agentes químicos prejudiciais à saúde e integridade física do trabalhador, sendo avaliados pelo critério qualitativo, sem previsão de limites de tolerância.

 

A NR-15 do MTE, adotada pelo artigo 297 da IN INSS nº 128/2022, descreve, no Anexo 13, os agentes químicos cuja nocividade decorre da simples exposição ocupacional, do contato com a substância, incluindo na categoria os defensivos fosforados e organofosforados:

 

Anexo 13

1. Relação das atividades e operações envolvendo agentes químicos, consideradas, insalubres em decorrência de inspeção realizada no local de trabalho. Excluam-se cesta relação as atividades ou operações com os agentes químicos constantes dos Anexos 11 e 12.

(...)

 

FÓSFORO

Insalubridade de grau máximo

Extração e preparação de fósforo branco e seus compostos.

Fabricação de defensivos fosforados e organofosforados.

Fabricação de projéteis incendiários, explosivos e gases asfixiantes à base de fósforo branco.

Insalubridade de grau médio

Emprego de defensivos organofosforados.

Fabricação de bronze fosforado.

Fabricação de mechas fosforadas para lâmpadas de mineiros.

 

Ademais, o fósforo e seus compostos tóxicos se qualificam como agentes cancerígenos, cuja insalubridade, da mesma forma, segue o critério qualitativo de avaliação, sem previsão de limites de tolerância (artigo 68, §4º, do Decreto nº 3.048/1999, artigo 298 da IN INSS nº 128/2022 e Portaria Interministerial 9/2014).

 

3) Exposição ocupacional a ruído

 

A exposição ocupacional a ruído, enquanto agente nocivo à integridade física e saúde do trabalhador, autoriza o enquadramento do tempo de serviço como especial, se estiverem presentes os seguintes requisitos (artigo 292 da IN INSS nº 128/2022, Anexo I da NR-15 do MTE e NHO-01 da Fundacentro): 1) quanto ao limite de tolerância – 80, 90 ou 85 decibéis, para medições feitas, respectivamente, até 05/03/1997, até 18/11/2003 e a partir de 19/11/2003; 2) quanto à forma de comprovação – laudo técnico ou demonstração ambiental substituta, como anexo dos formulários de reconhecimento de atividade especial e do Perfil Profissiográfico Previdenciário; e 3) quanto ao método de comprovação na hipótese de variação de pressão sonora durante a jornada de trabalho – pico de ruído ou o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN),  para medições posteriores a janeiro de 2004 (Tema 1083/STJ).

 

4) Exposição ocupacional a temperaturas anormais

 

O calor vem previsto pela legislação previdenciária e trabalhista como agente nocivo à saúde e integridade física do trabalhador (artigo 293 da IN INSS nº 128/2022, Anexo 3 da NR-15 do MTE e NHO-06 da Fundacentro), justificando o enquadramento da exposição ocupacional como tempo especial nas seguintes condições: 1) quanto ao limite de tolerância – 28ºC graus Celsius até 5 de março de 1997 e, a partir dessa data, resultado da relação entre a taxa metabólica da atividade e o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo - IBUTG; e 2) quanto à forma de comprovação - laudo técnico ou demonstração ambiental substituta, como anexo dos formulários de reconhecimento de atividade especial e do Perfil Profissiográfico Previdenciário. 

 

Embora a regulamentação faça referência apenas aos ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor (Decretos 83.080/1979, 2.172/1997 e 3.048/1999 e artigo 293 da IN INSS 128/2022), a fonte natural de calor no trabalho a céu aberto pode configurar também agente nocivo como fruto da exposição permanente e duradoura do segurado aos raios solares, com base na natureza exemplificativa da relação normativa de insalubridade. O fundamento científico pode ser extraído da Norma Regulamentadora 15 do MTE, Anexo 7, que considera a radiação não-ionizante (ultravioleta) como agente insalubre, sujeito ao critério qualitativo de avaliação, e da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, especificamente do grupo que elenca os agentes confirmados para carcinogenicidade, como a radiação solar e a ultravioleta (Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014):

 

ANEXO N.º 7

 RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES

1. Para os efeitos desta norma, são radiações não-ionizantes as microondas, ultravioletas e laser.

2. As operações ou atividades que exponham os trabalhadores às radiações não-ionizantes, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres, em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho. 

3. As atividades ou operações que exponham os trabalhadores às radiações da luz negra (ultravioleta na faixa - 400- 320 nanômetros) não serão consideradas insalubres.

 

Após a contextualização da matéria, cabe a análise do preenchimento dos requisitos da averbação do tempo especial ou da aposentadoria pelo autor.

 

5) Empregado rural no período de 20/01/1992 a 07/03/1996, de 16/08/1996 a 05/06/1997, de 08/06/1998 a 31/10/1999 e de 01/11/2000 a 16/02/2002

 

O laudo pericial, baseado no funcionamento de trator similar operado pelo autor, apurou a exposição a níveis de ruído de 97,6 decibéis, acima do limite de tolerância previsto pelos sucessivos regulamentos – 80, 90 e 85 decibéis. O perito empregou o método do Nível de Exposição Normalizado - NEN para ruídos variáveis, chegando a uma média ponderada presumidamente prejudicial à audição e a outras funções vitais do organismo humano.

 

O laudo pericial apurou também que o segurado esteve exposto a temperaturas médias de 30,4ºC graus Celsius na execução do trabalho, acima do limite de tolerância decorrente da relação entre a taxa metabólica da atividade e o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – IBUTG (25,0ºC), e à contaminação por defensivos agrícolas, como organofosforados. Trata-se de agentes cuja nocividade é presumida, seja pela ultrapassagem do limite de tolerância, seja pelo potencial carcinogênico – radiação ultravioleta e fósforo.

 

Não há prova de que o uso de equipamento de proteção individual - EPI tenha eliminado ou neutralizado a nocividade dos defensivos organofosforados, do ruído e do calor. O STF, conquanto haja decidido, no Tema 555, que a adoção do EPI pode neutralizar o agente nocivo e prejudicar a concessão de aposentadoria especial, ressalvou que a existência de dúvida na literatura científica sobre a eliminação/neutralização deve conspirar em favor do trabalhador e que o ruído, pelos danos sistêmicos que causa, além da perda/deterioração da audição, não é neutralizado pelo estado da técnica atual:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

(...)

11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.

 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.

13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.

14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.

 

Trata-se de razão determinante aplicável aos demais agentes nocivos, seja porque o empregador não comprovou a eficácia plena dos equipamentos – sequer consta informação de uso de protetor solar, protetor facial e óculos, enquanto equipamentos de proteção individual voltados ao trabalho a céu aberto, nos termos da NR nº 06 e 31 do MTE -, seja porque não se nota consenso científico a respeito da eliminação – a medida envolve variáveis pouco controláveis, como o uso correto do EPI pelo trabalhador a todo momento e a fiscalização implacável do empregador, tanto que a legislação dá preferência ao Equipamento de Proteção Coletiva (artigo 166 da CLT e artigo 291, I, da IN INSS nº 128/2022).

 

As dúvidas se tornam particularmente marcantes no campo do ruído, pelos danos sistêmicos que causa, e dos agentes cancerígenos, pela alta disseminação da doença na população.

 

6) Empregado rural no período de 20/02/1987 a 15/07/1987, de 01/08/1987 a 13/06/1989, de 18/05/1989 a 14/01/1992, de 01/08/2000 a 05/10/2000, de 08/04/2002 a 26/11/2002 e de 03/02/2003 a 17/03/2003

 

O laudo pericial, baseado em Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP dos empregadores e em condições de trabalho similares de outra empresa, sob o ponto de vista climático (perícia por similaridade), apurou que o segurado esteve exposto a temperaturas médias de 30,4ºC graus Celsius na execução do trabalho, acima do limite de tolerância decorrente da relação entre a taxa metabólica da atividade e o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – IBUTG (25,0ºC), atraindo insalubridade pelos critérios quantitativo e qualitativo – potencial carcinogênico da exposição permanente e duradoura a raios solares.

 

O empregador não informou o uso de EPI – o protetor solar, o protetor facial e os óculos são exemplos - e, ainda que constasse a informação, não se nota consenso científico na eliminação, seja pela confirmação do potencial cancerígeno da radiação ultravioleta, seja pela própria insegurança do emprego do equipamento, em prejuízo de qualquer conclusão de eficácia plena. Aplica-se a razão determinante da tese fixada no Tema 555/STF.

 

A alegação do INSS de que a qualificação da profissão de lavrador como tempo especial está despida de previsão legal ou regulamentar, sem possibilidade de subsunção à atividade agropecuária, nos termos de jurisprudência do STJ (PUIL nº 452, DJ 08/05/2019), fica prejudicada na conjuntura. A qualificação não provém de enquadramento por categoria profissional, mas da incidência de agente nocivo autônomo (calor).    

 

7)  Empregado rural no período de 02/05/2000 a 18/07/2000 e de 01/04/2003 até a data da elaboração do PPP do atual empregador (operador de máquinas e de transbordo)

 

O período de trabalho de 02/05/2000 a 18/07/2000 não pode ser qualificado como tempo especial, devido ao fato de que não é cabível enquadramento por categoria profissional, em detrimento da profissão descrita na CTPS, o segurado não juntou qualquer formulário profissiográfico do empregador, nem requereu a intimação da empresa para a juntada, e o perito judicial não dispunha de parâmetro material ou comparativo para fazer qualificação da atividade.

 

A mesma conclusão se aplica ao período de trabalho iniciado em 01/04/2003 e em vigor até a data da assinatura do PPP (08/03/2016): tanto o formulário profissiográfico, quanto o laudo pericial apuraram níveis de pressão sonora entre 63 e 80 decibéis, abaixo do limite considerado pelo regulamento como parâmetro de insalubridade – 90 e 85 decibéis –, e não constataram nenhum outro agente nocivo, o que inviabiliza a contagem abonada do tempo de serviço.         

 

8) Análise de benefício previdenciário/consectários da condenação

 

Com a averbação dos períodos de trabalho reconhecidos como tempo especial, a conversão na modalidade comum e a soma dos demais períodos de contribuição até a DER (07/03/2016), chega-se ao resultado de 32 anos de tempo de contribuição, insuficiente para a concessão de aposentadoria integral (35 anos) e de aposentadoria proporcional (idade mínima de 53 anos e tempo com pedágio de 35 anos, 9 meses e 27 dias), nos termos do artigo 9º da EC nº 20/1998.

 

Cabe, porém, reafirmação da DER, enquanto fenômeno do direito previdenciário a ser aplicado no processo administrativo ou no processo civil sob o fundamento de fato superveniente, segundo o Tema 995/STJ. O autor alcançou 35 anos de tempo de contribuição em 01/04/2018, no curso da ação (31/07/2017) e depois da citação do INSS, fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição integral, com a incidência do fator previdenciário - o autor atingiu somente 83,3 pontos, sem que possa optar pela fórmula de cálculo prevista no artigo 27-C da Lei nº 8.213/1991.

 

Nessa conjuntura, conforme o Tema 995 e os precedentes posteriores do STJ, não há prestações vencidas ou honorários de sucumbência relativamente ao capítulo do benefício previdenciário. O preenchimento dos requisitos da aposentadoria sobreveio à citação da autarquia, sem que ela tenha resistido a qualquer pretensão de reafirmação, em detrimento de responsabilidade por acréscimos moratórios ou pela movimentação indevida do Poder Judiciário – nexo de causalidade que orienta a imputação das verbas de sucumbência. Incidem apenas encargos moratórios na própria implantação do benefício previdenciário reafirmado em juízo, que deve se dar no prazo máximo de 45 dias, sob pena de mora da Administração Previdenciária (artigo 41-A, §5º, da Lei nº 8.213/1991):

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir.
2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário.
4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos:
É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.
6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER.
Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.

(Resp 1727063, Tema 995)

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITO MODIFICATIVO.
1. Embargos de declaração opostos pelo INSS, em que aponta obscuridade e contradição quanto ao termo inicial do benefício reconhecido após reafirmada a data de entrada do requerimento.
2. É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
3. Conforme delimitado no acórdão embargado, quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos.
4. O prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação, nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento.
5. Quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório de pequeno valor.
6. Quanto à obscuridade apontada, referente ao momento processual oportuno para se reafirmar a DER, afirma-se que o julgamento do recurso de apelação pode ser convertido em diligência para o fim de produção da prova.
7. Embargos de declaração acolhidos, sem efeito modificativo.

(EDcl no Resp 1727063).

 

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA E JUROS DE MORA. INOBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS FIXADOS PELO STJ NO JULGAMENTO DOS EDCL NO RESP 1.727.063/SP. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. No julgamento dos EDcl no REsp 1.727.063/SP (Tema Repetitivo 995/STJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 21/5/2020), a Primeira Seção desta Corte Superior fixou a orientação de que os honorários de sucumbência serão cabíveis apenas quando o INSS resistir à pretensão de reafirmação da DER, e os juros de mora incidirão quando não cumprida a obrigação oriunda de sua condenação em até 45 dias do prazo fixado pelo juízo.
2. O Tribunal de origem, apesar de ter adotado a tese firmada por esta Corte Superior de Justiça para reconhecer a possibilidade de reafirmação da DER, não seguiu os parâmetros fixados no julgamento dos EDcl no REsp 1.727.063/SP no que se refere aos consectários legais da condenação, uma vez que determinou o pagamento das parcelas vencidas acrescidas de juros moratórios desde a DER reafirmada e condenou a autarquia a honorários advocatícios, com o fundamento de que tais questões não teriam integrado "a questão de direito submetida a julgamento no Tema 995".
3. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ, AgInt no Resp 1989803, Primeira Turma, DJ 24/04/2023).

 

9) Honorários de advogado

 

Subsiste a fixação da verba honorária quanto à averbação do tempo de serviço, enquanto capítulo autônomo da concessão de benefício previdenciário.

 

Apesar da ampliação dos períodos averbáveis como tempo especial, a sucumbência recíproca aplicada pela sentença deve ser mantida. O autor conseguiu a averbação de parcela do período de trabalho, sucumbindo no reconhecimento do tempo situado entre abril de 2003 e a DER (07/03/2016), na indenização por danos morais e na concessão da própria aposentadoria, na data de início planejada. Não se trata de decaimento mínimo do pedido, para se canalizar todo o ônus da sucumbência à outra parte (artigo 86, parágrafo único, do CPC).

 

Assim, cada parte deve pagar honorários de advogado correspondentes a 12% do valor atualizado da causa, na ausência de condenação pecuniária, em atenção à complexidade do litígio (prova pericial) e à duração do trabalho (desde 2021), segundo o artigo 85, §2º, do CPC.  

 

Relativamente à suspensão da exigibilidade da condenação fixada em proporção à sucumbência, o autor não tem interesse recursal, uma vez que a sentença fez remissão ao artigo 98, §3º, do CPC, que corresponde justamente aos impactos da justiça gratuita no arbitramento da verba sucumbencial.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do autor, dou parcial provimento ao recurso na parte conhecida e nego provimento à apelação do INSS.

 

É o voto.      



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AVERBAÇÃO DE TEMPO ESPECIAL/CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A AGENTES NOCIVOS. LAUDO PERICIAL. ENQUADRAMENTO DE PARTE DO PERÍODO DE TRABALHO. REAFIRMAÇÃO DA DER. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA EM PARTE. RECURSO DO INSS DESPROVIDO.

1. A aposentadoria especial é concedida ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que exerça atividade laborativa em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por determinado período (15, 20 ou 25 anos), conforme relação de agentes nocivos constante de lei ou regulamento, com critérios de avaliação quantitativa (limites de tolerância na exposição ocupacional) e de avaliação qualitativa (natureza da exposição ocupacional).

2. Caso o trabalhador não complete o tempo necessário para a jubilação diferenciada, poderá converter o período de atividade especial em comum com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, devendo fazê-lo até a edição da EC nº 103/2019, que proibiu a conversão para trabalho exercido posteriormente (artigo 25, §2º, parte final).

3. A relação dos agentes físicos, químicos e biológicos nocivos é exemplificativa, segundo a Súmula 198 do extinto TFR e os Temas 534 e 1031 do STJ.

4. A forma de comprovação do tempo de atividade especial varia conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço (Temas 422 e 423/STJ): a) enquadramento por categoria profissional ou pelo exercício de atividade cuja nocividade não seja inerente a cada profissão, sem necessidade de permanência e habitualidade na exposição ocupacional (até 29/04/1995 – Lei nº 9.032/1995); b) formulários do INSS, especificamente IS n. SSS-501.19/7, ISS-132, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN-8030, e demonstrações ambientais (até 31/12/2003); e c) Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 01/01/2004).

5. A especificidade dos meios de prova estabelecida no âmbito da aposentadoria especial não prejudica a produção de perícia judicial na resolução de lide previdenciária, seja para invalidar informações contidas naqueles documentos técnicos, seja para suprir a ausência deles, através de aferição indireta de tempo de atividade especial – perícia por similaridade. Atuam como fundamentos o direito de ação, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da persuasão racional (AgInt no Resp 2022883, Segunda Turma, DJ 06/03/2023).

6. Os defensivos agrícolas fosforados e organofosforados vêm catalogados expressamente pela legislação previdenciária e trabalhista como agentes químicos prejudiciais à saúde e integridade física do trabalhador, sendo avaliados pelo critério qualitativo, sem previsão de limites de tolerância.

7. A exposição ocupacional a ruído, enquanto agente nocivo à integridade física e saúde do trabalhador, autoriza o enquadramento do tempo de serviço como especial, se estiverem presentes os seguintes requisitos (artigo 292 da IN INSS nº 128/2022, Anexo I da NR-15 do MTE e NHO-01 da Fundacentro): 1) quanto ao limite de tolerância – 80, 90 ou 85 decibéis, para medições feitas, respectivamente, até 05/03/1997, até 18/11/2003 e a partir de 19/11/2003; 2) quanto à forma de comprovação – laudo técnico ou demonstração ambiental substituta, como anexo dos formulários de reconhecimento de atividade especial e do Perfil Profissiográfico Previdenciário; e 3) quanto ao método de comprovação na hipótese de variação de pressão sonora durante a jornada de trabalho – pico de ruído ou o método do Nível de Exposição Normalizado (NEN),  para medições posteriores a janeiro de 2004 (Tema 1083/STJ).

8. O calor vem previsto pela legislação previdenciária e trabalhista como agente nocivo à saúde e integridade física do trabalhador (artigo 293 da IN INSS nº 128/2022, Anexo 3 da NR-15 do MTE e NHO-06 da Fundacentro), justificando o enquadramento da exposição ocupacional como tempo especial nas seguintes condições: 1) quanto ao limite de tolerância – 28ºC graus Celsius até 5 de março de 1997 e, a partir dessa data, resultado da relação entre a taxa metabólica da atividade e o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo - IBUTG; e 2) quanto à forma de comprovação - laudo técnico ou demonstração ambiental substituta, como anexo dos formulários de reconhecimento de atividade especial e do Perfil Profissiográfico Previdenciário. 

9. Embora a regulamentação faça referência apenas aos ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor (Decretos 83.080/1979, 2.172/1997 e 3.048/1999 e artigo 293 da IN INSS 128/2022), a fonte natural de calor no trabalho a céu aberto pode configurar também agente nocivo como fruto da exposição permanente e duradoura do segurado aos raios solares, com base na natureza exemplificativa da relação normativa de insalubridade. O fundamento científico pode ser extraído da Norma Regulamentadora 15 do MTE, Anexo 7, que considera a radiação não-ionizante (ultravioleta) como agente insalubre, sujeito ao critério qualitativo de avaliação, e da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, especificamente do grupo que elenca os agentes confirmados para carcinogenicidade, como a radiação solar e a ultravioleta (Portaria Interministerial MPS/MTE/MS nº 09/2014):

10. O laudo pericial, baseado no funcionamento de trator similar operado pelo autor, apurou a exposição a níveis de ruído de 97,6 decibéis, acima do limite de tolerância previsto pelos sucessivos regulamentos – 80, 90 e 85 decibéis. O perito empregou o método do Nível de Exposição Normalizado - NEN para ruídos variáveis, chegando a uma média ponderada presumidamente prejudicial à audição e a outras funções vitais do organismo humano.

11. O laudo pericial apurou também que o segurado esteve exposto a temperaturas médias de 30,4ºC graus Celsius na execução do trabalho, acima do limite de tolerância decorrente da relação entre a taxa metabólica da atividade e o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – IBUTG (25,0ºC), e à contaminação por defensivos agrícolas, como organofosforados. Trata-se de agentes cuja nocividade é presumida, seja pela ultrapassagem do limite de tolerância, seja pelo potencial carcinogênico – radiação ultravioleta e fósforo.

12. Não há prova de que o uso de equipamento de proteção individual - EPI tenha eliminado ou neutralizado a nocividade dos defensivos organofosforados, do ruído e do calor. O STF, conquanto haja decidido, no Tema 555, que a adoção do EPI pode neutralizar o agente nocivo e prejudicar a concessão de aposentadoria especial, ressalvou que a existência de dúvida na literatura científica sobre a eliminação/neutralização deve conspirar em favor do trabalhador e que o ruído, pelos danos sistêmicos que causa, além da perda/deterioração da audição, não é neutralizado pelo estado da técnica atual.

13. Trata-se de razão determinante aplicável aos demais agentes nocivos, seja porque o empregador não comprovou a eficácia plena dos equipamentos – sequer consta informação de uso de protetor solar, protetor facial e óculos, enquanto equipamentos de proteção individual voltados ao trabalho a céu aberto, nos termos da NR nº 06 e 31 do MTE -, seja porque não se nota consenso científico a respeito da eliminação – a medida envolve variáveis pouco controláveis, como o uso correto do EPI pelo trabalhador a todo momento e a fiscalização implacável do empregador, tanto que a legislação dá preferência ao Equipamento de Proteção Coletiva (artigo 166 da CLT e artigo 291, I, da IN INSS nº 128/2022).

14. O período de trabalho de 02/05/2000 a 18/07/2000 não pode ser qualificado como tempo especial, devido ao fato de que não é cabível enquadramento por categoria profissional, em detrimento da profissão descrita na CTPS, o segurado não juntou qualquer formulário profissiográfico do empregador, nem requereu a intimação da empresa para a juntada, e o perito judicial não dispunha de parâmetro material ou comparativo para fazer qualificação da atividade.

15. A mesma conclusão se aplica ao período de trabalho iniciado em 01/04/2003 e em vigor até a data da assinatura do PPP (08/03/2016): tanto o formulário profissiográfico, quanto o laudo pericial apuraram níveis de pressão sonora entre 63 e 80 decibéis, abaixo do limite considerado pelo regulamento como parâmetro de insalubridade – 90 e 85 decibéis –, e não constataram nenhum outro agente nocivo, o que inviabiliza a contagem abonada do tempo de serviço.

16. Tempo de contribuição insuficiente para a concessão de aposentadoria na DER. Cabimento da reafirmação. Exclusão de juros e honorários de advogado no capítulo do benefício previdenciário.

17. Sucumbência recíproca no capítulo da averbação de tempo especial. Suspensão da exigibilidade da condenação imposta ao autor. Justiça gratuita reconhecida por sentença.  

18. Apelação do autor conhecida em parte e provida parcialmente na parte conhecida. Apelação do INSS desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do autor, dar parcial provimento ao recurso na parte conhecida e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARCOS MOREIRA
DESEMBARGADOR FEDERAL