APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013472-04.2008.4.03.6100
RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
Advogado do(a) ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A
APELADO: BANCO ABN AMRO REAL S.A.
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013472-04.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL Advogado do(a) ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A APELADO: BANCO ABN AMRO REAL S.A. Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Exma. Sra. Desembargadora Federal Renata Lotufo (relatora): Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra o Banco ABN AMRO Real S.A. visando a condenação em ressarcimento de valores auferidos na cobrança de taxa pela compensação de cheques de “baixo valor” e indenização no montante de duas vezes o valor do ganho obtido durante o período de cobrança da taxa ou no valor de R$ 40.000.000,00. Em sentença (ID 93256926 – pp. 120/122) o Juízo de Primeiro Grau entendeu que, ante a expressa manifestação do Banco Central em não compor a lide, não remanesceu nenhuma pessoa ou entidade para justificar a permanência do feito na Justiça Federal. Destarte, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV do Código de Processo Civil de 1973. O Ministério Público Federal interpôs apelação (ID 93256926 – pp. 133/138) na qual sustenta, em síntese, a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda. Contrarrazões no ID 93256926 (pp. 143/158). O parecer ministerial manifestou-se pelo provimento da apelação para reconhecer a competência da Justiça Federal e remeter os autos para a primeira instância para regular processamento da demanda (ID 93256927 – pp. 29/39). Os autos foram remetidos para julgamento neste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 20 de agosto de 2009, tendo sido redistribuídos para este gabinete em 06 de março de 2023. É o relatório.
ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013472-04.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL Advogado do(a) ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: AURELIO ALEXANDRE STEIMBER PEREIRA OKADA - SP177014-A APELADO: BANCO ABN AMRO REAL S.A. Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM - SP118685-A, JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO - SP12363-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Exma. Sra. Desembargadora Federal Renata Lotufo (relatora): Da competência da Justiça Federal O juiz de primeiro grau entendeu que a manifestação do Banco Central de não integrar a lide faz com que nenhuma pessoa ou entidade justifique a permanência do feito na Justiça Federal, razão pela qual julgou extinto o processo sem resolução do mérito. Em seu apelo recursal o Ministério Público Federal defende que há interesse do Banco Central no objeto da demanda na medida que a autarquia federal é responsável pela regulamentação e fiscalização da atividade das instituições bancárias. Sustenta que a presença do MPF no polo ativo é suficiente para fixar a competência da Justiça Federal. Vejamos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando no sentido de que a simples presença do Ministério Público Federal no polo ativo não é suficiente para assegurar que o processo receba sentença de mérito na Justiça Federal. Nestas circunstâncias, deve-se observar se existe interesse federal envolvido para justificar a competência da Justiça Federal no julgamento da lide. Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar processo semelhante ao dos autos (cobrança de tarifa em cheques de baixo valor), já manifestou entendimento de que a competência é da Justiça Federal e de que o MPF tem legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública, vejamos: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CHEQUE DE BAIXO VALOR. EMISSÃO. TARIFA. COBRANÇA. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL E BANCO CENTRAL DO BRASIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PRIVADAS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. FORMAÇÃO. POSSIBILIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. TUTELA DE INTERESSES NITIDAMENTE FEDERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA CONFIGURADA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Ação civil pública ajuizada contra diversas instituições financeiras com vistas ao afastamento da cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos, por se cuidar de tutela de interesses individuais homogêneos de consumidores/usuários do serviço bancário (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990). 4. O Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional não têm legitimidade para figurar no polo passivo de demanda coletiva que não visa questionar a constitucionalidade ou a legalidade das normas por eles editadas, tampouco imputar a eles conduta omissiva por inobservância do dever de fiscalizar o cumprimento de seus próprios atos normativos. 5. Nas demandas coletivas de consumo, não há litisconsórcio passivo necessário entre todos os fornecedores de um mesmo produto ou serviço submetidos aos mesmos regramentos que dão suporte à pretensão deduzida em juízo, mas nada impede que o autor, em litisconsórcio facultativo, direcione a demanda contra um ou mais réus, desde que se faça presente alguma das hipóteses em que se admite a formação do litisconsórcio e que todos os demandados tenham legitimidade para figurar no polo passivo da ação. 6. O Ministério Público Federal tem legitimidade para o ajuizamento de ações civis públicas sempre que ficar evidenciado o envolvimento de interesses nitidamente federais, assim considerados em virtude dos bens e valores a que se visa tutelar. 7. As atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, sejam elas públicas ou privadas, subordinam-se ao conteúdo de normas regulamentares editadas por órgãos federais e de abrangência nacional, estando a fiscalização quanto à efetiva observância de tais normas a cargo dessas mesmas instituições, a revelar a presença de interesse nitidamente federal, suficiente para conferir legitimidade ao Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública. 8. Recursos especiais do Banco Central do Brasil e da União providos. 9. Recursos especiais de HSBC, SANTANDER, BRADESCO e ITAÚ-UNIBANCO não providos. (REsp n. 1.573.723/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 13/12/2019.) Assim, necessária a reforma da sentença para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. No mais, cabe apreciar o mérito da discussão, uma vez que o processo se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 1.013, § 3º, I do CPC. Das preliminares arguidas em contestação Em contestação o agente bancário suscita a incompetência da justiça federal; ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; impossibilidade jurídica do pedido; e inépcia da petição inicial (ID 93256410 – pp. 32/68). O juiz de primeiro grau deixou de apreciar as preliminares do réu pois extinguiu o feito sem resolução de mérito ao declarar a incompetência da Justiça Federal. Assim, como a sentença foi reformada, passa-se a analisar as preliminares levantadas. A questão atinente à competência para julgar a demanda e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a ação foram analisadas no tópico anterior, restando evidente que a ação deve ser julgada na Justiça Federal. Com relação à impossibilidade jurídica do pedido por “impossibilidade de invasão do Judiciário na esfera de atribuições do CMN e do BACEN” e por “impossibilidade do controle abstrato erga omnes da constitucionalidade/legalidade dos atos ou omissões do CMN e BACEN pela via da ação coletiva”, tem-se que devem ser afastadas as arguições. Ora, o objeto da presente ação é analisar a abusividade da cobrança de tarifa em cheques tidos como de valor baixo, ou seja, não se questiona o poder regulamentar e fiscalizatório do Sistema Financeiro Nacional e nem se contesta a constitucionalidade ou legalidade dos atos do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central. Logo, ao Judiciário é dado o poder de verificar eventuais práticas ilegais cometidas pelas instituições financeiras contra os seus clientes/consumidores. Ainda, não há impossibilidade jurídica nos pedidos de ressarcimento do valor ilicitamente auferido (item “c” da petição inicial) e de indenização (item “d” da exordial), notadamente por estarem corretamente delimitados os pleitos. Em verdade, entendo que os fundamentos das impugnações aos referidos pedidos se confundem com o próprio mérito da demanda, razão pela qual se analisará a amplitude da ação em momento oportuno. Da cobrança de tarifa na compensação de cheque de baixo valor A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Banco ABN AMRO Real S.A. em razão de valor cobrado dos clientes a título de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor. Na petição inicial se verifica que a ação é pautada, em síntese, na violação ao Código de Defesa do Consumidor, na violação ao princípio da isonomia e no enriquecimento ilícito da ré. Ante os fundamentos expostos, o MPF pugna pelo provimento dos seguintes pedidos (ID 93256409 – pp. 5/19): c) a condenação da ré a promover o ressarcimento do valor ilicitamente auferido durante todo o período de cobrança de taxa pela compensação de cheque de “baixo valor”, o qual será apurado na instrução, corrigido monetariamente e incidência de juros; d) a condenação da ré ao pagamento de indenização no montante de duas vezes o valor do ganho ilícito obtido durante todo o período de cobrança de taxa pela compensação de cheque de “baixo valor” ou no valor de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais), o que for maior, a ser revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, ex vi do disposto no artigo 13 da Lei nº 7.347/1985 c/c artigo 2º, I, do Decreto nº 1.306/1994; e) a condenação da ré nos ônus de sucumbência. Ainda, extrai-se da peça inaugural que, no âmbito da Procuradoria da República em São Paulo, foi instaurado o procedimento administrativo nº 1.34.001.004794/2005-50 a partir de denúncia questionando a legalidade da cobrança de taxa na emissão de cheques de baixo valor. Em 21.11.2006 o MPF expediu Recomendação às instituições financeiras para que fosse extinta a tarifa em discussão, vindo a obter como resposta dos bancos que a cobrança era regular e remunerava os custos pela prestação do serviço de compensação dos cheques. Neste contexto, é evidente que deve ser empregado aos autos as normas e diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça define que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Por se tratar de serviço prestado por entidade financeira aos seus próprios consumidores, não há dúvida da incidência do CDC na espécie. O art. 6º do CDC delimita que é direito do consumidor a proteção contra práticas ou cláusulas abusivas, vindo o art. 39 do mesmo diploma apontar a abusividade do fornecedor que aufere vantagem excessiva, vejamos: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; (...) Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; Pois bem, no presente caso a divergência recai na análise da legalidade da cobrança de tarifa pela compensação de cheques considerados de baixo valor pelo agente bancário. Nota-se que a instituição financeira apelada respondeu em 11.12.2006 a recomendação encaminhada pelo Ministério Público Federal, defendendo que “a extinção da tarifa por emissão de cheque de ‘valor baixo’ não se mostra possível, já que ela decorre de efetiva prestação de serviços (compensação de títulos), cuja remuneração está prevista legalmente” (ID 93256409 – pp. 147/148). No que se refere à remuneração dos serviços bancários, consta nos autos manifestação do Banco Central, datado de 14.11.2005, na qual informa que “não há normativo editado pelo Conselho Monetário Nacional ou por esta Autarquia que trate especificamente sobre a cobrança da tarifa mencionada” e aponta que há vedação de cobranças definidas na Resolução BACEN 2.303/1996 (ID 93256409 – pp. 22/24). A partir da Resolução 3.518/2007 do BACEN, que revogou a Resolução 2.303/1996, restou expressamente proibida a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais, tais como a compensação de cheques (art. 2º, I, “h”). Ainda, referida Resolução estipulou no seu art. 5º os serviços passíveis de remuneração, desde que explicitadas ao cliente ou usuário as condições de utilização e de pagamento. Em processo similar em que se discutia a cobrança de tarifa pelo serviço de compensação de cheques em função do valor transacionado, o STJ firmou entendimento de que a instituição financeira, para afastar a abusividade da taxa, deve demonstrar que o pagamento é uma contraprestação a um serviço especial: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TARIFA PARA EMISSÃO DE CHEQUE DE VALOR SUPERIOR A R$ 5 MIL. ABUSIVIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É válida a cobrança de tarifas pelas instituições financeiras quando correspondentes ao valor da contraprestação de um serviço adquirido pelo consumidor, não se revertendo em lucro para o banco (REsp n. 1.339.097/SP). 2. É abusiva a tarifa exigida do correntista pela emissão de cheques a serem compensados de valor igual ou superior a R$ 5 mil, pois não corresponde à contraprestação de um serviço especial. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.517.880/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 22/5/2024.) RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA PARA COMPENSAÇÃO DE CHEQUES DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MIL REAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO. RESOLUÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. INOCORRÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESPECIAL. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. 1. Demanda coletiva proposta por associação nacional postulando o reconhecimento da abusividade da cobrança de tarifa pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a compensação de cheques emitidos com valor igual ou superior a R$ 5.000,00. 2. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas partes. 2. A regra do artigo 81, inciso III, do CDC autoriza expressamente a defesa coletiva dos chamados direito individuais homogêneos. Doutrina e jurisprudência. 3. Não conhecimento do recurso especial quando a orientação do STJ firmou-se no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n.º 83/STJ. 4. A Resolução n.º 3.919/10, veda expressamente a cobrança de tarifas em contraprestação de serviços essenciais às pessoas naturais. 5. Não demonstrada a efetiva prestação de serviço especial a justificar a cobrança da referida taxa de compensação de cheques, deve ser reconhecida a sua abusividade. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp n. 1.208.567/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 20/2/2014, DJe de 10/3/2014.) Aliás, o Ministro Marco Buzzi, no voto proferido no REsp nº 1.729.440/SP, ressalta que “a Resolução nº 3.919/10, em que pese só tenha entrado em vigor após o ajuizamento da presente ação civil pública, positivou vedação já existente no Código de Defesa do Consumidor no sentido de obstar a cobrança, evidentemente abusiva, de taxas ‘extras’ relacionadas a serviços que não revelem caráter especial ou diferenciado, isto é, que não necessitem da adoção de procedimentos diversos daqueles utilizados para a maior parte dos clientes e que, por isso, reputa-se ilegal, em consonância com os ditames das normas de proteção ao consumidor” Neste aspecto, é possível concluir que a apreciação da legalidade da cobrança de tarifas bancárias se relaciona com a natureza do serviço prestado, isto é, a abusividade da taxa se revela quando a compensação de cheque é uma atividade inerente ao bom funcionamento da instituição financeira. Logo, apesar do entendimento supra ter sido consolidado apenas na Resolução BACEN 3.518/2007 ao vedar expressamente a tarifação, o reconhecimento da abusividade da cobrança de taxa deve ser ampliado, isto é, a falta de regulamentação em período anterior à citada resolução não justifica o pagamento de tarifa por emissão ou compensação de cheque de baixo valor, que se mostra ilegal e abusiva sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor. Permitir exigência diferente com base na importância fixada na ordem de pagamento do título afronta o princípio da isonomia, uma vez que se estaria dando tratamento desigual e injusto aos consumidores que emitem cheques de pequeno valor. No mais, o setor pericial do Ministério Público emitiu parecer (ID 93256409 – pp. 72/75) no qual expõe que: A compensação permite ao final de cada dia, que cada instituição transfira às suas congêneres apenas os saldos (ou diferenças), entre o valor total das ordens de pagamentos contra si emitidas (cheques) por estas recebidas, e aquelas recebidas contra as demais instituições. (...) Contudo, a compensação é um serviço prestado às instituições financeiras participantes do sistema, e não aos clientes destas instituições, embora estes venham a ser beneficiados de forma indireta. (...) Todavia, o custo de compensação de um cheque independe de seu valor (...) Destarte, infere-se que a cobrança da questionada tarifa onera o cliente por um serviço prestado entre as instituições financeiras participantes do sistema, ou seja, é imposta uma tarifação ao consumidor por uma atividade de interesse das instituições no tratamento do saldo das operações bancárias. Assim, caberia ao agente bancário demonstrar a efetiva prestação de um serviço diferenciado ao cliente para justificar a cobrança de tarifa na compensação de cheque em determinada faixa de valor. Inexistindo essa justificativa, imperioso reconhecer que se trata de uma prática abusiva ao colocar o consumidor em situação de desvantagem excessiva, notadamente pelo serviço não ser prestado ao cliente. Salienta-se, ainda, que eventual cláusula contratual prevendo o pagamento da taxa discutida é nula, nos termos do art. 51, IV e XV do CDC. Ademais, ao se declarar a abusividade da cobrança é necessário restabelecer o equilíbrio econômico, ante o enriquecimento ilícito do banco, razão pela qual deve ser condenada à restituição do valor indevidamente auferido em favor dos consumidores que emitiram cheques no valor tarifado, nos termos do art. 884 do Código Civil. Não obstante, por ser a pretensão autoral a tutela de direitos individuais homogêneos o provimento jurisdicional na fase de conhecimento deve ser genérico e abranger tão somente os elementos comuns (art. 95 do CDC), seguindo-se à liquidação individual para apurar a situação da parte lesada e o montante devido para reparação (art. 97 do CDC). Isto posto, a quantia a ser ressarcida deve ser calculada em sede de liquidação imprópria, momento em que se fará a análise individual das situações de cada consumidor, estabelecendo-se o montante reparatório correspondente e verificando a ocorrência e o nexo causal do dano em cada caso. Compensação pecuniária por danos morais coletivos Com relação ao pedido de pagamento de compensação pecuniária por danos morais coletivos, a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, não assiste razão ao autor. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que os danos morais coletivos ocorrem quando há interesses essencialmente coletivo e depende da violação intolerável do ordenamento jurídico e dos valores éticos fundamentais da sociedade, vejamos: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. ESTATUTO DO TORCEDOR. GINÁSIO DESPORTIVO. REGRAS DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO. DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS INDIVIDUAIS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O reconhecimento dos danos morais coletivos depende da violação intolerável do ordenamento jurídico e da ocorrência de grave ofensa à moralidade pública. 2. A simples desobediência a normas de segurança para eventos desportivos, sem potencial para gerar danos concretos aos torcedores, não enseja a imposição de indenização, especialmente porque as irregularidades foram sanadas após a atividade fiscalizatória do Poder Público. 3. A análise acerca da ocorrência de danos morais e materiais de natureza individual implicaria o revolvimento de fatos e provas, providências vedadas na instância especial. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.918.948/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 18/3/2024.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TARIFA DE ADITAMENTO CONTRATUAL. COBRANÇA. PREVISÃO NORMATIVA. RESOLUÇÃO CMN Nº 3.919/2010. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Não há óbice à cobrança da Tarifa de Aditamento Contratual, porquanto prevista no art. 5º, II, da Resolução nº 3.919/2010, do Conselho Monetário Nacional. Aplicação. 2. A exigência de uma tarifa bancária considerada indevida não agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, tampouco provoca repulsa e indignação na consciência coletiva, não dando ensejo a danos morais coletivos. Precedente. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.754.555/RN, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 31/8/2023.) RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PROCESSO COLETIVO. OMISSÕES. AUSÊNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DANOS MORAIS INDIVIDUAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DANOS MATERIAIS INDIVIDUAIS. SÚMULA 7/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DEMANDA QUE ENVOLVE A TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. 1- Ação Coletiva Indenizatória e Antitrust. 2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) o acórdão recorrido seria nulo por apresentar omissões e ausência de fundamentação; b) estariam caracterizados danos materiais e morais individuais; c) estaria caracterizada litigância de má-fé por parte da recorrida; e d) caracteriza dano moral coletivo a inserção, nos aparelhos celulares denominados de "Iphone 6", de "bloqueio tecnológico" no sistema operacional que inutiliza por completo o produto, inclusive com a perda de todos os dados nele contidos, na hipótese em que os consumidores realizaram reparos fora da rede credenciada pela fabricante. 3- Na hipótese em exame é de ser afastada a existência de omissões no acórdão recorrido, pois a matéria impugnada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia. 4- Não ocorreu, na hipótese, ofensa ao art. 489 do CPC, notadamente porque o acórdão adotou fundamentação suficiente para o deslinde da demanda. 5- No que diz respeito à tese relativa à caracterização de danos morais individuais, tem-se, no ponto, inviável o debate, porquanto não se vislumbra o efetivo prequestionamento. 6- Derruir a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de que a parte recorrente careceria de interesse de agir quanto ao pleito relativo aos danos materiais individuais, demandaria o revolvimento do arcabouço fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado da Súmula 7 do STJ. 7- A modificação da conclusão a que chegou o Tribunal estadual no que diz respeito à não caracterização da litigância de má-fé demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ. 8- O dano moral coletivo, por decorrer de injusta e intolerável lesão à esfera extrapatrimonial de toda comunidade, violando seu patrimônio imaterial e valorativo, isto é, ofendendo valores e interesses coletivos fundamentais, não se origina de violação de interesses ou direitos individuais homogêneos - que são apenas acidentalmente coletivos -, encontrando-se, em virtude de sua própria natureza jurídica, intimamente relacionado aos direitos difusos e coletivos. 9- Na hipótese dos autos, do exame da causa de pedir e do arcabouço fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias, não é possível afirmar que houve ofensa a direitos difusos ou coletivos, sendo certo que a demanda em testilha visa a tutela de direitos individuais homogêneos, motivo pelo qual não há que se falar em dano moral coletivo na espécie. 10- O não reconhecimento da caracterização do dano moral coletivo não retira a gravidade do evento ora examinado, tampouco isenta a parte recorrida de eventual responsabilidade por ofensa a direitos individuais homogêneos dos consumidores. 11- Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, não provido. (REsp n. 1.968.281/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 21/3/2022.) No presente caso, não há violação de valores essenciais da sociedade posto que se discute apenas a cobrança de tarifa por parte de agente bancário aos seus clientes, buscando a ação resguardar direitos individuais homogêneos. Outrossim, como bem apontado pela Ministra Nancy Andrighi, no voto proferido no REsp nº 1.968.281/DF, o não reconhecimento do dano moral coletivo não retira a gravidade do evento danoso e nem exime a parte de ser responsabilizada pela ofensa aos direitos dos consumidores. Por fim, para elucidar a questão, colaciono recente jurisprudência desta E. Corte em que se discutiu ação civil pública com o mesmo objeto dos autos: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUBMISSÃO AO ART. 942 DO CPC/15. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ. COBRANÇA DE TARIFA PELA COMPENSAÇÃO DE CHEQUE DE BAIXO VALOR. ILEGALIDADE. PRÁTICA ABUSIVA. CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. CONDENAÇÃO DO BANCO RÉU À DEVOLUÇÃO DA TARIFA INDEVIDAMENTE COBRADA DE SEUS CORRENTISTAS. DANO MORAL COLETIVO. CONDENAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. Diante do resultado não unânime, o julgamento teve prosseguimento conforme o disposto no art. 942 do CPC/15. 2. Ação civil pública ajuizada inicialmente pelo Ministério Público Federal em face do Banco do Bradesco S/A, para condenar a ré à devolução do valor cobrado dos correntistas a título de taxa ou tarifa pela compensação de cheques de baixo valor ou no valor de R$ 50.000.000,00, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 3. A legitimação da associação interveniente (Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores) está expressamente prevista no artigo 5º, § 2º, da Lei 7.347/1985, que autoriza sua habilitação na qualidade de litisconsorte ativo da parte autora, desde que satisfeitas as condições impostas pelos incisos I e II do mesmo artigo. 4. No caso, a documentação encartada aos autos comprova o atendimento dos requisitos legais, pois a associação está legalmente constituída há mais de um ano e prevê, dentre seus fins institucionais, a defesa dos direitos e interesses dos consumidores, não havendo que se falar na ausência de qualquer documento essencial a subsidiar sua integração ao polo ativo da lide. 5. O próprio autor da ação civil pública externou sua concordância com a intervenção requerida, restando evidenciada a legalidade da integração do Instituto Barão de Mauá ao polo ativo da demanda. 6. Tal matéria já havia sido oportunamente apreciada e decidida pela Primeira Turma desta Corte Regional, no julgamento do agravo de instrumento nº 0010883-35.2010.4.03.0000 (DJ 27/03/2015), em que foi dado provimento ao recurso da referida associação para determinar sua reintegração ao polo ativo do feito. 7. De rigor, portanto, o provimento do recurso do Instituto Barão de Mauá, para que seja reconhecida sua legitimidade ativa e afastada a extinção do feito sem resolução do mérito em relação à associação apelante.ad causam 8. No mérito, a controvérsia subjacente à lide refere-se à análise da legalidade da cobrança de tarifa pela compensação de cheque de baixo valor, devendo a questão ser apreciada sob o prisma constitucional e da legislação consumerista. 9. Não há dúvidas quanto à aplicabilidade das medidas protetivas do consumidor, previstas no Código de Defesa do Consumidor, aos contratos bancários. 10. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que as instituições financeiras, como prestadoras de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, § 2º, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor, editando, nesse sentido, a Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". 11. No mesmo sentido firmou-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, DJ 29/09/2006, p. 31, assentando-se que "as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor", excetuando-se da sua abrangência apenas "a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia". 12. O Código de Defesa do Consumidor estabelece, dentre os direitos consumeristas básicos, a proteção contra práticas ou cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (arts. 6º e 39). 13. No que concerne, especificamente, à disciplina da remuneração dos serviços bancários, facultava-se às instituições financeiras, até a edição da Resolução BACEN 3.518/2007, a cobrança de tarifas pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles definidos como básicos pela normatização de regência (Resolução BACEN 2.303/1996), desde que efetivamente contratados e prestados ao cliente, devendo apenas ser observada a transparência da política de preços adotada pela instituição, mediante a fixação de tabela com menção aos fatos geradores e os respectivos valores e a disponibilização nos extratos da razão para os lançamentos. 14. A partir da Resolução 3.518/2007 – que tem por objeto regulamentar as operações decorrentes de contratos de depósito, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de serviços ou de aplicação financeira –, a cobrança de tarifas passou a se limitar aos serviços taxativamente previstos na normativa do BACEN, sendo vedada para os demais, entendidos como essenciais e vinculados à prestação e ao bom funcionamento dos serviços de conta corrente e conta poupança. 15. No que tange à cobrança, pelas instituições bancárias, pelo serviço de compensação de cheques em função do valor transacionado, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que tal conduta constitui prática abusiva, por violação aos artigos 6°, IV, e 39, inciso V, ambos do Código de Defesa do Consumidor, ainda que no período anterior à vigência da Resolução BACEN 3.518/2007, sob o fundamento de tratar-se de serviço estritamente vinculado ao efetivo cumprimento das obrigações inerentes ao contrato formalizado junto à instituição financeira, não constituindo atividade excepcional e diferenciada que justifique a cobrança de tarifas bancárias. 16. A cobrança de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor não representa, efetivamente, uma contraprestação a um serviço prestado ao cliente da instituição financeira, mas sim uma tarifação imposta injustificadamente a parcela dos consumidores que decorre de um serviço prestado, em verdade, às próprias instituições financeiras participantes do sistema, e não aos clientes destas instituições. 17. A Recorrida, por sua vez, não logrou demonstrar que a compensação de cheques em determinada faixa de valor represente efetiva contraprestação de um serviço excepcional e diferenciado que possa justificar sua tarifação, sendo, portanto, forçoso reconhecer tratar-se de prática abusiva que impõe ao consumidor desvantagem excessiva. 18. Caracterizado o descumprimento contratual por parte da Apelada, que, na cobrança indevida pelos serviços de compensação de cheques de baixo valor, incorreu em violação ao pacta sunt servanda, bem como à isonomia, à probidade e à boa-fé objetiva (artigos 113 e 422, do Código Civil), a qual, por sua vez, constitui derivação do próprio paradigma da eticidade, que rege o Direito Civil. 19. Eventual cláusula contratual que sirva de fundamento à cobrança da referida tarifa deve ser declarada nula, na forma do artigo 51, IV e XV, do Código de Defesa do Consumidor. 20. Configurado o dano a um bem juridicamente tutelado, impõe-se a restauração deste ao seu status quo ante, restabelecendo-se o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. 21. Reconhecido o caráter abusivo da cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor e, por conseguinte, caracterizado o enriquecimento sem causa por parte da Recorrida, impõe-se a condenação da Ré, na forma do artigo 884, do Código Civil, à restituição, em favor dos consumidores que emitiram cheques no valor tarifado, da importância auferida pela Instituição Financeira durante todo o período de cobrança indevida. 22. Referindo-se a pretensão autoral, neste ponto, à tutela de direitos individuais homogêneos, o provimento jurisdicional exarado na fase de conhecimento deve ser genérico e abranger tão somente os elementos comuns, integrante do núcleo de homogeneidade do direito coletivamente tutelado (artigo 95, do CDC), sendo reservada à ação de liquidação a individualização completa do objeto da prestação, mediante cognição específica sobre as situações individuais de cada um dos lesados (artigo 97, do CDC). 23. Os valores a serem restituídos deverão ser apurados em sede de liquidação imprópria, onde se procederá à individualização das situações específicas de cada um dos lesados, apurando-se o montante devido a título de reparação pela conduta lesiva (quantum debeatur), como também a efetiva configuração do dano individualmente sofrido em cada caso e o respectivo nexo de causalidade (an debeatur). 24. Não cabe acolher o pedido de dano moral coletivo. O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de fixação de indenização por dano moral coletivo nas hipóteses em que se verifica lesão a "interesses essencialmente coletivos", que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais". 25. No caso concreto, não se vislumbra lesão a valores essenciais à sociedade, uma vez que o réu tão somente promoveu a cobrança de tarifa bancária indevida, não havendo, aí, tamanha imoralidade ou significativos efeitos deletérios à sociedade, a ponto de ensejar a configuração de um dano moral coletivo. 26. A cobrança de tarifa pela emissão de cheque de baixo valor é, sem dúvidas, ilegal, mas essa prática não lesa tão gravemente direitos da coletividade. 27. O Tribunal da Cidadania já decidiu que a lesão a direitos individuais homogêneos não dá ensejo ao dano moral coletivo. O caso dos autos é tipicamente de tutela de direitos individuais homogêneos, uma vez que os atos ilícitos do réu consistiram na cobrança indevida de tarifa de clientes específicos - configurando, portanto, lesões a direitos individuais subjetivos, decorrentes de uma origem comum, na forma do artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de tutela de direitos individuais homogêneos, não há que se falar em dano moral coletivo. 28. Apelação parcialmente provida para (i) reconhecer a legitimidade ativa do Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, tal como já decidido por esta Turma no agravo de instrumento n° 0010883-35.2010.4.03.0000, (ii) declarar a abusividade da cobrança de tarifa para pagamento e compensação de cheques de baixo valor e (iii) condenar o banco réu à devolução da tarifa indevidamente cobrada de seus correntistas. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5029509-69.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 10/10/2023, DJEN DATA: 17/10/2023) Portanto, pelas fundamentações expostas, faz-se necessária a reforma da sentença. Em respeito ao princípio da simetria, se o autor da ação civil pública, qualquer legitimado ativo que seja, não está obrigado ao pagamento de verbas sucumbenciais, tampouco a parte requerida, em caso de procedência da ação e desde que ausente a má-fé, estará obrigada ao pagamento de honorários sucumbenciais. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda, afastando a extinção do feito sem resolução do mérito, e, com fundamento no art. 1.013, § 3º, I do CPC, julgar parcialmente procedente a ação civil pública para declarar a abusividade da cobrança de tarifa na compensação de cheque de baixo valor e condenar a instituição financeira à devolução da tarifa indevidamente cobrada, nos termos da fundamentação. É como voto.
ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES
E M E N T A
DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DE TARIFA NA COMPENSAÇÃO DE CHEQUES DE BAIXO VALOR. ABUSIVIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DANO MORAL COLETIVO INEXISTENTE.
I. CASO EM EXAME
1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal visando o ressarcimento de valores cobrados a título de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor, bem como indenização por danos morais coletivos.
2. Sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito sob fundamento de incompetência da Justiça Federal.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. Discute-se: (i) a competência da Justiça Federal para julgar a demanda; (ii) a abusividade da cobrança de tarifa na compensação de cheques de baixo valor; e (iii) o ressarcimento do valor auferido e danos morais coletivos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
4. A competência da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda decorre da presença de interesse nitidamente federal na resolução do conflito, suficiente para conferir legitimidade ao Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública.
5. A cobrança da tarifa é abusiva pois impõe ao consumidor custo de um serviço essencial, já remunerado pelas instituições financeiras na relação interbancária, em desconformidade com as normas protetivas do consumidor, em especial o art. 39, V, do CDC.
6. A prática afronta o princípio da isonomia e gera enriquecimento indevido, pois diferencia consumidores com base no valor dos cheques emitidos sem justificativa razoável, gerando vantagem manifestamente excessiva ao fornecedor.
7. O pedido de dano moral coletivo não se sustenta uma vez que a conduta da instituição financeira não atingiu de forma relevante valores essenciais da sociedade ou direitos fundamentais de uma coletividade.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso provido. Reconhecida a competência da Justiça Federal. Parcial provimento à ação civil Pública para declarar a abusividade da tarifa e condenar a instituição financeira à devolução dos valores cobrados indevidamente. Indeferido o pedido de dano moral coletivo.
Tese de julgamento: “1. A competência da Justiça Federal está configurada na presença de interesse nitidamente federal no julgamento da demanda, o que confere legitimidade ao Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública. 2. A cobrança de tarifa pela compensação de cheques de baixo valor é abusiva, sendo devida a restituição dos valores cobrados. 3. A cobrança de tarifas bancárias abusivas não configura, por si só, dano moral coletivo”.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 109, I; CDC, arts. 6º, IV, e 39, V; Resolução BACEN 3.518/2007.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.729.440/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 13.06.2019; STJ, REsp nº 1.968.281/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.05.2021.