RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004721-83.2022.4.03.6315
RELATOR: 24º Juiz Federal da 8ª TR SP
RECORRENTE: DEOLINDA PERRI DE SOUZA
Advogado do(a) RECORRENTE: CLAUDIO JESUS DE ALMEIDA - SP75739-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004721-83.2022.4.03.6315 RELATOR: 24º Juiz Federal da 8ª TR SP RECORRENTE: DEOLINDA PERRI DE SOUZA Advogado do(a) RECORRENTE: CLAUDIO JESUS DE ALMEIDA - SP75739-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de recurso interposto da sentença prolatada nos autos em epígrafe que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade híbrida. Recorre a parte autora alegando, em síntese, estarem presentes no caso em apreço os requisitos legais para a concessão do benefício postulado. É o breve relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004721-83.2022.4.03.6315 RELATOR: 24º Juiz Federal da 8ª TR SP RECORRENTE: DEOLINDA PERRI DE SOUZA Advogado do(a) RECORRENTE: CLAUDIO JESUS DE ALMEIDA - SP75739-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Não verifico nos autos nenhuma nulidade processual notadamente no que pertine à produção de provas e observância do pleno contraditório e da ampla defesa. Passo ao exame do mérito. A prova do exercício de atividade rural pode ser realizada por todos os meios de prova admitidos em direito, consoante o disposto no artigo 332 do Código de Processo Civil, mas com a restrição do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91. A regulamentação da questão probatória contida no artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não tem por objetivo predeterminar o valor das provas, porém apenas finalidade protetiva do sistema previdenciário, sem, contudo, afastar a possibilidade de prova de qualquer fato por prova testemunhal, desde que acompanhada de um início de prova material. Não há cogitar, portanto, de inconstitucionalidade da norma inserta no referido dispositivo legal. O atual conceito de segurado especial é dado pela Lei 8.213/91, com redação alterada pela Lei 11.718/08 cujo artigo 11, inciso VII, dispõe o seguinte: “Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (...) VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (...) § 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (...) No caso, então, necessário verificar o enquadramento do período laborado pela parte autora e sua família como em regime de economia familiar, pois em outra hipótese à parte autora caberia comprovar as contribuições respectivas para a contagem do período trabalhado. O início de prova material pode ser constituído por documentos em nome do marido ou dos pais da autora mulher, conforme reiterada jurisprudência dos tribunais pátrios acerca do tema. Nesse sentido é oportuno destacar o conteúdo da Súmula 6, da TNU, segundo a qual: ”A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.” Observo não haver óbice à utilização de documentos em nome do pai do segurado, especialmente considerando que no meio rural, os documentos de propriedade de imóvel rural, contratos de parceria rural, bem como talonários e recibos comprobatórios da venda de produção rural costumam estar no nome do chefe de família, sem que isso desnature a colaboração de sua esposa e filhos no desenvolvimento do trabalho em regime de economia familiar. Neste sentido, vide os seguintes julgados do STJ e da TNU: PEDILEF 50123629320124047108, JUÍZA FEDERAL ANA BEATRIZ VIEIRA DA LUZ PALUMBO, TNU, DOU 28/06/2013 pág. 114/135; PEDILEF 200570950029774, JUÍZA FEDERAL MARIA DIVINA VITÓRIA, TNU, DJU 29/04/2008; PEDILEF 200672950087035, JUIZ FEDERAL LEONARDO SAFI DE MELO, TNU, DJU 05/03/2008; RESP 608007, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:07/05/2007 PG:00350; RESP 576912, JORGE SCARTEZZINI, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:02/08/2004 PG:00518. Destaco que o início de prova material deve ser contemporâneo ao período que pretende ver provado (Súmula 34, da TNU), sendo possível a concessão de eficácia retrospectiva ou prospectiva ao início de prova material apresentado, desde que fortemente amparado por robusta prova testemunhal (neste sentido, vide o entendimento exposto pelo STJ em sede de recurso representativo de controvérsia - Tema 638, bem como sua Súmula 577). No caso dos autos, a parte autora pleiteia o reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 07/1969 a 12/1975 em regime de economia familiar. Com bem ressaltado pela r. sentença, o início de prova material é datado de 1944, 1983 e 2017, de forma que os documentos não atendem o requisito da contemporaneidade. Não se nega a possibilidade de concessão de eficácia retrospectiva ou prospectiva ao início de prova material apresentado. Contudo, não é possível conceder esse efeito de forma tão ampla como pretende a parte autora, motivo pelo qual não é possível reconhecer o exercício de atividade rural. Contudo, verifico que a r. sentença laborou com equívoco ao julgar o mérito do feito. Observo que o STJ assim se posicionou por ocasião do julgamento do Tema 629, ao analisar hipótese de ausência de prova material apta: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016) (destaquei) Contudo, tratando-se de recurso julgado de acordo com o sistema concentrado, veiculando tema tido por representativo de controvérsia, reputo tecnicamente inviável permanecer decidindo em sentido contrário, mormente quando as decisões daquela Corte seguem reforçando o precedente firmado. Neste sentido: (...) Quanto à questão de fundo, mister ressaltar a orientação firmada nesta Corte no sentido de se poder flexibilizar os institutos de direito processual, em demanda na qual a pretensão gira em torno do direito a benefício previdenciário, com vistas a atender os ditames constitucionais e sociais inerentes à Previdência Social, os quais primam pela proteção do segurado. Essa compreensão ficou bem espelhada no julgamento, pela Corte Especial deste Tribunal, do Recurso Especial Repetitivo n. 1.352.721/SP, da relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 28/04/2016, quando se fixou a tese de que, não estando o feito devidamente instruído com as provas necessárias ao deslinde da controvérsia, a ação deve ser extinta sem resolução de mérito, a teor do art. 267 do CPC/73, e não com base no art. 269 do mesmo Codex. (...) No caso, o Tribunal de origem, ao solucionar a controvérsia, afastou o instituto da coisa julgada, a fim de viabilizar a propositura de nova demanda, adotando as seguintes razões de decidir, in litteris (fl. 171): Considerado o caráter social que permeia o Direito Previdenciário, a coisa julgada opera efeitos secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, o que significa afirmar que, ante novas circunstâncias ou novas provas, o pedido pode ser renovado. Precedentes desta Corte (...) Esclareço, por oportuno, que a coisa julgada na espécie deve produzir efeitos secundum eventum litis, de forma que, na hipótese de alteração das circunstâncias verificadas, poderá a parte autora postular o beneficio pretendido, fundando-se em melhores provas. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.624.605 - MG (2016/0234999-4), Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, 10/03/2017) Desta forma, ressalvando meu entendimento pessoal, necessária a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do precedente supracitado. Assim, diante de todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso inominado da parte autora, de modo a julgar extinto o feito sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso IV, do CPC. Sem condenação em honorários, tendo em vista que o artigo 55, da Lei nº 9.099/95 somente fixa tal condenação caso o recurso seja improvido. Transitada em julgado a presente decisão, dê-se baixa do feito ao juízo de origem. É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
I. CASO EM EXAME
Recurso inominado interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida. A parte autora sustenta o preenchimento dos requisitos legais para o benefício, alegando o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período de 07/1969 a 12/1975.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em definir se há início de prova material contemporâneo ao período alegado que permita o reconhecimento do tempo de atividade rural para fins de concessão da aposentadoria por idade híbrida.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A legislação previdenciária exige que a prova do exercício de atividade rural seja composta por início de prova material, admitindo-se a complementação por prova testemunhal, conforme o artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e a Súmula 6 da TNU.
O início de prova material deve ser contemporâneo ao período pretendido, sendo possível a concessão de eficácia retrospectiva ou prospectiva apenas quando acompanhado de robusta prova testemunhal, conforme entendimento consolidado no Tema 638 do STJ e Súmula 577 do STJ.
No caso, os documentos apresentados são datados de 1944, 1983 e 2017, não atendendo ao requisito da contemporaneidade, não se mostrando possível a concessão de eficácia retrospectiva ou prospectiva tão ampla ao início de prova material apresentado.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 629, fixou o entendimento de que a ausência de prova material apta implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, determinando a extinção do feito sem resolução de mérito, com possibilidade de repropositura da ação mediante novos elementos probatórios.
Diante do precedente vinculante do STJ, impõe-se a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do CPC.
IV. DISPOSITIVO
Recurso parcialmente provido para extinguir o feito sem resolução de mérito.