APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005053-55.2015.4.03.6130
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: FABIANA ZACARIAS FRANCA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005053-55.2015.4.03.6130 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO APELANTE: FABIANA ZACARIAS FRANCA APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de agravo interno interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra decisão monocrática que reconheceu a coisa julgada e extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC). A demanda de origem versa sobre ressarcimento ao erário, decorrente de valores supostamente recebidos indevidamente pela agravada a título de pensão por morte, conforme apontado pelo INSS. O juízo de primeiro grau condenou a parte ré ao pagamento dos referidos valores, por entender não configurada a existência de óbice à sua cobrança. Contra essa decisão foi interposta apelação, culminando na reforma da sentença e na extinção do processo pela decisão monocrática ora impugnada. A fundamentação da decisão recorrida repousa na alegada coisa julgada material proveniente da condenação criminal transitada em julgado nos autos de ação penal conexa, que, além de outras sanções, determinou o ressarcimento ao erário com base no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Argumentou-se que a execução de uma nova decisão condenatória na esfera cível configuraria bis in idem, contrariando os princípios da segurança jurídica e da economia processual. Em suas razões de agravo interno, o INSS sustenta que a condenação penal não exclui a possibilidade de pleito na esfera cível, notadamente pelo fato de a autarquia não ter integrado a ação penal como parte formal. Defende que a decisão monocrática não analisou adequadamente o cabimento da pretensão de ressarcimento, motivo pelo qual pugna pela sua reforma e pelo provimento do agravo. Por outro lado, a agravada apresentou contraminuta, reiterando os fundamentos da decisão agravada. Ressalta que a existência de coisa julgada na esfera penal impede a repetição do pedido na esfera cível, sob pena de violação do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e do artigo 485, inciso V, do CPC. Aduz, ainda, que eventual manutenção da demanda cível representaria enriquecimento sem causa por parte do INSS. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005053-55.2015.4.03.6130 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO APELANTE: FABIANA ZACARIAS FRANCA APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: O agravo interno foi interposto no prazo legal e preenche os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 1.021 do Código de Processo Civil. Passo, portanto, ao exame de seu mérito. O cerne da questão reside na possibilidade de tramitação simultânea de ações de ressarcimento ao erário nas esferas penal e cível, considerando a existência de condenação criminal transitada em julgado que fixou o dever de reparar os danos causados ao patrimônio público. Da coisa julgada e seus efeitos A decisão monocrática está amparada no artigo 485, inciso V, do CPC, que determina a extinção do processo sem resolução de mérito quando constatada a coisa julgada. No caso em análise, a sentença penal condenatória transitada em julgado fixou a reparação ao erário com base no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP). Assim, a matéria já foi decidida de forma definitiva, o que impede sua rediscussão em outra ação, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. A sentença penal condenatória transitada em julgado é dotada de eficácia executiva no que tange à reparação de danos, nos termos do artigo 91, inciso I, do Código Penal, e do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Assim, basta ao INSS proceder à execução direta do título executivo originado da sentença penal, sem necessidade de ajuizamento de nova demanda na esfera cível. Essa eficácia executiva é um corolário da unidade e coerência do sistema jurídico, que visa evitar a multiplicação desnecessária de processos e promover a celeridade na satisfação do crédito. Conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco, “a eficácia executiva das sentenças decorre de sua própria autoridade e da presunção de legitimidade que as reveste, dispensando a produção de novo título na esfera judicial” (“Execução no Processo Civil”, Malheiros, 2020). Ademais, a coisa julgada decorrente da sentença penal impede a rediscussão do mérito em sede cível, conforme artigo 485, inciso V, do CPC, que assim preconiza: “o juiz não resolverá o mérito quando reconhecer a existência de coisa julgada ou de perempção”. Tal previsão tem respaldo na necessidade de preservar a estabilidade das relações jurídicas e evitar o bis in idem, que configura afronta ao princípio da segurança jurídica consagrado no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, o qual garante que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Da vedação ao bis in idem Conforme reconhecido na decisão monocrática, a execução de uma segunda condenação pelos mesmos fatos configuraria enriquecimento sem causa por parte da autarquia, em violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A condenação criminal já estabeleceu o ressarcimento ao erário, sendo passível de execução direta, sem necessidade de nova demanda judicial. O argumento apresentado pelo INSS de que a duplicidade não existiria por se tratar de esferas distintas não se sustenta. Ambas as cobranças têm o mesmo objeto — ressarcir o erário em razão de fraude na concessão do benefício — e decorrem do mesmo fato gerador. Permitir a coexistência das execuções violaria o princípio da vedação ao bis in idem. Ainda que o INSS não tenha figurado formalmente como parte no processo penal, a condenação abrangeu a integralidade dos danos causados ao erário, conforme apurado e fixado judicialmente. Conforme a reconhecida lição da doutrina, o princípio da vedação ao bis in idem “significa, numa palavra, a impossibilidade de a pessoa ser responsabilizada mais de uma vez pela mesma conduta”, tornando “juridicamente inválida a imposição de qualquer outra sanção pela Administração Pública, mesmo que em sede revisional, tendo por pressuposto um mesmo ilícito”. A previsão à vedação ao bis in idem, de maneira mais abrangente, está expressa na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário, conforme decreto 678/92. É de se destacar que de acordo com referido trato internacional, não há nenhum tipo de distinção entre esferas do poder judiciário, de modo que, tal dispositivo abrange com precisão a proibição de que nova imputação por fato que já tenha sido enfrentado pelo judiciário contra alguém seja reprisada. Portanto, o que se veda a partir dessa garantia — e isso está igualmente abarcado pelos princípios gerais da proporcionalidade e da razoabilidade — é que o particular seja responsabilizado em medida superior àquela estritamente necessária para os fins que se pretende. Essa prerrogativa, ainda que não refletida de forma expressa no texto constitucional, é absolutamente extraível do ordenamento vigente, inclusive com respaldo indireto na atual redação do artigo 22, §3º, da LINDB, quando estabelece que “as sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato”. E se a finalidade da vedação ao bis in idem é impedir o excesso punitivo, por idênticas razões esse princípio seria aplicável ao dever de ressarcimento. Se a condenação em débito visa recompor o prejuízo eventualmente causado, a imposição desse dever mais de uma vez pelo mesmo fato (em mais de uma esfera ou na mesma) ocasionaria não somente prejuízo e insegurança à parte condenada, como violaria a boa-fé administrativa, trazendo enriquecimento ilícito ao poder público. Nesse sentido: Acórdão nº 1.681/2023-Plenário, rel. ministro Benjamin Zymler, Sessão de 16/08/2023; STJ, REsp nº 1.552.568/BA, rel. ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 4/4/2019; STJ, REsp 1.135.858/TO, rel. ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 22/09/2009, DJe 5/10/2009.; TRF5. Apelação Civel 0005925-64.2013.4.05.8400, rel. desembargador federal Alcides Saldanha, 3ª Turma, DJE 4/10/2016. Dispositivo Por todo o exposto, voto por negar provimento ao agravo interno interposto pelo INSS, mantendo na íntegra a decisão monocrática que extinguiu o processo sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso V, do CPC. É como voto. /gabcm/gdsouza
Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 0005053-55.2015.4.03.6130 |
Requerente: | FABIANA ZACARIAS FRANCA |
Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL |
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PENAL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA MATERIAL. BIS IN IDEM. INVIABILIDADE DE TRAMITAÇÃO SIMULTÂNEA DE DEMANDAS NAS ESFERAS PENAL E CÍVEL. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
Agravo interno interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra decisão monocrática que deu provimento à apelação da parte ré, extinguindo o processo de ressarcimento ao erário, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil. A demanda cível tem como objeto a devolução de valores recebidos indevidamente a título de pensão por morte, já abrangidos por condenação penal transitada em julgado, que fixou o dever de reparação de danos ao patrimônio público.
II. Questão em discussão
Há duas questões em discussão: (i) definir se a sentença penal condenatória transitada em julgado, que fixou reparação mínima de danos, impede nova demanda de ressarcimento na esfera cível; e (ii) estabelecer se a tramitação simultânea das ações penal e cível configuraria bis in idem, violando a segurança jurídica e os princípios da eficiência e da economicidade.
III. Razões de decidir
A sentença penal condenatória transitada em julgado possui eficácia executiva quanto à reparação dos danos causados, conforme previsto no artigo 91, inciso I, do Código Penal, e no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, dispensando a necessidade de ajuizamento de nova demanda cível.
A coisa julgada material impede a rediscussão do mérito da reparação em âmbito cível, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, preservando a estabilidade das relações jurídicas e evitando o bis in idem, em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
Ainda que o INSS não tenha figurado formalmente como parte no processo penal, a condenação penal abrangeu integralmente os danos causados ao erário, impossibilitando nova execução baseada nos mesmos fatos, sob pena de enriquecimento sem causa.
A tramitação simultânea de ações idênticas nas esferas penal e cível viola os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade (CF/1988, art. 37, caput), além de sobrecarregar o Poder Judiciário.
IV. Dispositivo e tese
Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
A sentença penal condenatória transitada em julgado, que determinou o ressarcimento ao erário, gera título executivo judicial que inviabiliza a tramitação de nova demanda cível para o mesmo objeto.
A coisa julgada penal impede a rediscussão do mérito na esfera cível, em respeito ao artigo 485, inciso V, do CPC, e ao artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/1988.
A tramitação simultânea de demandas de ressarcimento ao erário nas esferas penal e cível configura bis in idem, afrontando os princípios da eficiência e da economicidade.
_________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI, e art. 37, caput; CPC, art. 485, V, e art. 1.021; CP, art. 91, I; CPP, art. 387, IV.
Jurisprudência relevante citada: [--]