AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022196-14.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: URIEL MENGUE JUNIOR
Advogado do(a) AGRAVANTE: MARIANA COSTA - GO50426-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) AGRAVADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022196-14.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: URIEL MENGUE JUNIOR Advogado do(a) AGRAVANTE: MARIANA COSTA - SP503871-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de Agravo de Instrumento por URIEL MENGUE JUNIOR contra decisão proferida nos autos de “ação de reconhecimento da extensão da renegociação da dívida c/c obrigação de fazer” que move contra o Banco do Brasil S/A e outros. A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos: “Vistos, etc. Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela de urgência, requerida por URIEL MENGUE JUNIOR, em face de FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE, UNIÃO FEDERAL e BANCO DO BRASIL SA, objetivando, em apertada síntese e sem a oitiva da parte contrária, conforme consta da peça vestibular: “...Deferimento da liminar inaudita altera pars para determinar que seja imediatamente concedida a suspensão da cobrança das parcelas mensais de R$ 1.590,17, nos termos do art. 300 do CPC”. Afirma que está adimplente com as prestações referentes ao contrato de financiamento – FIES. Pretende a aplicação por analogia dos descontos da dívida do FIES aos adimplentes, nos termos da Lei nº 14.375/2022. No caso em questão com a interpretação extensiva do desconto de 77% o valor do seu saldo devedor resultaria em R$ 29.073,08 (juntou planilha aos autos virtuais). Requer o deferimento da justiça gratuita. Valor da causa R$ 100.820,38. É o breve relatório do necessário. Passo, doravante, à análise do pedido liminar. De acordo com o artigo 300 do Código de Processo Civil, a concessão da tutela de urgência exige a presença de elementos que evidenciem a probabilidade de direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Em exame de cognição sumária não vislumbro a presença dos requisitos acima referidos, posto que a situação narrada nos autos é controvertida e demanda melhor instrução do feito, com prévia e regular oitiva da parte contrária, não podendo ser reconhecido de plano pelo Juízo, inexistindo, assim, a necessária verossimilhança. Decisão liminar sem a oitiva da outra parte é medida de exceção, tendo cabimento em circunstâncias fáticas que efetivamente justifiquem a supressão do contraditório. Entendo que no presente caso e em homenagem ao princípio do contraditório e da ampla defesa a liminar deve ser indeferida. Ainda mais se tratando de pedido satisfativo e o fato do risco de prejuízo financeiro, ainda que reversível, não é suficiente para a concessão da medida postulada. Em arremate, sobre o tema em questão, quanto à não aplicação do desconto pretendido, destaco que a jurisprudência não se encontra em consonância com a tese defendida na inicial, porquanto não se encontra inadimplente o requerente, conforme pode ser conferido a seguir: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. FIES. RENEGOCIAÇÃO PREVISTA PELO ART. 5º-A, § 4º, V, "B", E VII DA LEI Nº 10.260/2001. APLICAÇÃO AOS CONTRATOS ADIMPLENTES. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O princípio da isonomia estipulado pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal (igualdade formal) tem como consequência a igualdade material, consistente na concretização da igualdade formal. Para tanto, aos cidadãos em situações idênticas deverá ser dispensado tratamento igual, e desigual aos cidadãos em situações diferentes, de modo a compensar a desigualdade fática apresentada e nivelar os sujeitos de Direito em um mesmo patamar. 2. O art. 5º, I e II, da Lei nº 14.375/2022 é claro ao definir que a concessão de descontos aos contratos do FIES tem como objeto os créditos classificados como inadimplentes, irrecuperáveis ou de difícil recuperação, observado o impacto líquido positivo na receita, nos termos do art. 6º, III, da mesma Lei. Almeja-se, portanto, minimizar os prejuízos suportados pelo erário com base nos contratos que se encontrem nessa situação, o que não ocorre com os financiamentos do FIES adimplidos em dia. 3. É especificamente essa a circunstância verificada no caso, em que são distintas as características dos contratos adimplidos e inadimplidos. Mostrando-se diversas suas situações jurídicas, a justiça social justifica a aplicação de percentuais diferenciados de desconto, sem que isso viole o princípio da isonomia. 4. Apelação cível desprovida. (TRF4, AC 5019864-64.2022.4.04.7001, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 24/01/2024). Grifei. APELAÇÃO CÍVEL. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. LEI N° 14.375/2022. IMPOSSIBILIDADE. ESTUDANTE ADIMPLENTE COM FIES. RESOLUÇÃO CG – FIES N° 51. DESCONTO DE 12% DA DÍVIDA PAGAMENTO À VISTA.RESCURSO DESPROVIDO. - Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, na qual requer a reforma de sentença que julgou improcedente pedido para aplicação dos dispositivos da Lei n° 14.375/2022 ao seu contrato de financiamento estudantil. - Da análise da legislação em comento observa-se que a Lei n° 14.375/2022 tem por objetivo viabilizar a renegociação de dívidas sobretudo de estudante inadimplente do FIES, desde que se enquadrem nos requisitos estabelecidos pela norma. - Da análise do artigo 1º, inciso V da Resolução CG- FIES n° 51 de 21/07/2022, depreende-se que dispôs sobre a possibilidade de desconto de 12% da dívida do estudante adimplente com o FIES para o pagamento do saldo devedor à vista. Verifico que essa hipótese não se aplica ao caso dos autos, diante da ausência de pedido da recorrente nesse sentido. - Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5013705-85.2023.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 23/11/2023, DJEN DATA: 30/11/2023). Grifei. Portanto, por não caber ao Poder Judiciário ampliar a extensão do benefício concedido por lei específica para situações não contempladas pelo Legislador Ordinário, não vislumbro na tese apresentada, a necessária plausibilidade para justificar a pretensão liminar. Acrescento que, por não estar o requente inadimplente, não vislumbro qualquer urgência na pretensão liminar. Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência, à mingua dos requisitos legais. Quanto ao pedido de justiça gratuita é o caso, também, de indeferimento. A concessão de gratuidade judiciária é uma excepcionalidade e depende de inequívoca demonstração de incapacidade financeira. Consta da declaração de Imposto de Renda do autor, juntada no ID 332563948, que no ano de 2023 o requerente auferiu ganhos isentos e não tributáveis no total de R$ 453.488,87. Assim, considerando que a parte Autora não logrou comprovar a insuficiência de recursos para custear as despesas do processo, entendo que não há como se dar guarida à pretensão, razão pela qual indefiro o pedido de justiça gratuita. Em decorrência, fica a parte Autora intimada à comprovar o recolhimento das custas iniciais no prazo de 15 dias, sob pena de cancelamento da distribuição. Após, com a regularização, citem-se. Intime-se a parte autora para regularização.” Sustenta a parte agravante, em síntese, que firmou contrato de financiamento estudantil em 08/12/2011, para o curso de Medicina. A fase de amortização iniciou-se em 10/06/2017. Encontra-se adimplente, mesmo tendo passado por condições financeiras desfavoráveis, como, por exemplo, a crise decorrente da pandemia causada pelo Covid-19. Ocorre que, com a edição da Lei nº 14.375/2022, passou a ser mais vantajosa a situação de inadimplência, diante dos descontos concedidos para renegociação da dívida, de até 99%, contra 12% possíveis para pagamento integral do saldo devedor. Houve distorção do princípio da isonomia e ofensa à moralidade, razoabilidade e capacidade contributiva. Requer aplicação analógica dos descontos da dívida do FIES, nos termos da Lei Nº 14.375/2022, com decretação da inconstitucionalidade de seu art. 5º, aplicando-se o desconto de 77% (devido no caso de inadimplência há mais de 360 dias, quanto aos devedores não inscritos no CadÚnico e que não tenham sido beneficiários do auxílio emergencial em 2021). Pugna pela concessão de tutela de urgência, para que seja suspensa a cobrança das parcelas mensais. O pedido de justiça gratuita foi indeferido. Foram apresentadas contrarrazões, contendo preliminares de ilegitimidade passiva, prescrição e de falta de interesse de agir, por falta de prévio requerimento administrativo. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022196-14.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: URIEL MENGUE JUNIOR Advogado do(a) AGRAVANTE: MARIANA COSTA - SP503871-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) AGRAVADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Considerando que o feito já se encontra em condições para julgamento, não vislumbro prejuízo à parte agravada na pronta inclusão do feito em pauta para julgamento, ainda que não tenha sido apreciado o pedido de concessão de medida liminar. Passo a apreciar a matéria preliminar. Na redação originária do art. 3º da Lei nº 10.260/2001, que instituiu o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), constou que sua gestão caberia ao Ministério da Educação e Cultura (MEC, órgão da União Federal), na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações do Fundo, cabendo à Caixa Econômica Federal (CEF, empresa pública) atuar como agente operador e administradora dos ativos e passivos, conforme regulamento e normas baixadas pelo CMN. A partir da edição da Lei nº 12.202/2010, que alterou a redação do art. 3º, II, da Lei nº 10.260/2001, a atribuição até então conferida à CEF foi repassada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE, autarquia federal), que passou a atuar na qualidade de agente operador do FIES. A conformação do FIES voltou a sofrer mudanças significativas com a edição da Lei nº 13.530/2007, modificando novamente a dinâmica de sua gestão ao alterar o mencionado art. 3º da Lei nº 10.260/2011, atualmente em vigor, nos seguintes termos: Art. 3º A gestão do Fies caberá: I - ao Ministério da Educação, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de vagas e de seleção de estudantes, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies; b) supervisor do cumprimento das normas do programa; c) administrador dos ativos e passivos do Fies, podendo esta atribuição ser delegada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); II - a instituição financeira pública federal, contratada na qualidade de agente operador, na forma a ser regulamentada pelo Ministério da Educação; III - ao Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies), que terá sua composição, sua estrutura e sua competência instituídas e regulamentadas por decreto, na qualidade de: a) formulador da política de oferta de financiamento; b) supervisor da execução das operações do Fies sob coordenação do Ministério da Educação. (...) A partir da Lei nº 13.530/2007, a gestão do FIES passou a ser tripartite entre o Ministério da Educação (com atribuições de natureza normativa, fiscalizatória e administrativa), a instituição financeira pública federal contratada (atuando como agente operador) e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-FIES, integrado por vários ministérios do Poder Executivo), exercendo, igualmente, funções normativas e fiscalizatórias. Daí decorreram a retomada da condição de agente operador pela instituição financeira pública federal (até então pertencente ao FNDE), e, ainda, a permissão de que a administração dos ativos e passivos do FIES (inicialmente conferida ao Ministério da Educação) pudesse ser por ele delegada ao FNDE (o que de fato aconteceu pela Portaria MEC nº 80/2018). Portanto, a instituição financeira pública federal contratada pelo Ministério da Educação passou a acumular as atribuições de agente operador e de agente financeiro do FIES, condição reforçada pelo art. 3º, §3º, da Lei nº 10.260/2001: Art. 3º (...) § 3º Na modalidade do Fies de que tratam os Capítulos II e II-A desta Lei, as atribuições de agente operador, de agente financeiro do Fies e de gestor do Fundo Garantidor do Fies (FG-Fies), de que trata o art. 6º-G desta Lei, poderão ser exercidas pela mesma instituição financeira pública federal contratada pelo Ministério da Educação, desde que a execução das atribuições seja segregada por departamentos. Para melhor compreensão das competências exercidas pelos entes gestores do FIES, entendo oportuna a transcrição daquelas de maior relevância, elencadas nos arts. 5º, 6º, 9º e 11, da Portaria MEC nº 209/2018, que dispõe detalhadamente sobre o esse fundo a partir do primeiro semestre de 2018: Art. 5º Ao MEC, por meio da Secretaria de Educação Superior - SESu/MEC, competirá: (...) IV - gerir os módulos do Sistema Informatizado do Fies - Sisfies de oferta de vagas e de seleção de estudantes; V - formular, nos termos aprovados pelo CG-Fies, a política de oferta de vagas e de seleção de estudantes; VI - realizar o processo de seleção das vagas e de estudantes a cada processo seletivo do Fies e do P-Fies; (...) X - prestar informações técnicas referentes às demandas judiciais e extrajudiciais relativas aos assuntos de sua competência; e XI - celebrar a contratação do agente operador e dos agentes financeiros do Fies, na condição de contratante. Art. 6º Ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE competirá: (...) IV - efetuar a gestão dos ativos e passivos do Fies, nos termos da Portaria MEC nº 80, de 1º de fevereiro de 2018; (...) VI - celebrar a contratação do agente operador e dos agentes financeiros do Fies, na condição de interveniente; VII - fiscalizar o contrato de prestação de serviços do agente operador e dos agentes financeiros do Fies; VIII - efetuar a transição das atividades ao agente operador da modalidade Fies, especialmente em relação aos contratos de financiamento estudantil firmados até o segundo semestre de 2017; IX - realizar as atividades de agente operador da modalidade Fies até a completa transição das atividades operacionais do Fies; (...) XVI - prestar informações técnicas referentes às demandas judiciais e extrajudiciais relativas aos assuntos de sua competência. Art. 9º Ao agente operador da modalidade Fies competirá: I - acompanhar a atuação dos agentes financeiros do Fies; (...) III - definir as minutas de Termo de Adesão das mantenedoras de IES e de contratos com o estudante; (...) X - realizar a execução financeira e orçamentária da modalidade Fies; XI - realizar o atendimento a demandas judiciais e extrajudiciais no âmbito de sua competência legal; e (...) § 1º Em relação ao atendimento ao público e aos estudantes financiados pela modalidade Fies, competirá ao agente operador: I - atender solicitações da sociedade por meio do Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão - e-SIC; II - desenvolver e manter interface com sistemas governamentais para apuração e consignação de renda; e III - prestar atendimento e orientação ao estudante financiado pela modalidade Fies e àqueles de que trata o art. 6º-B e 6º-F da Lei nº 10.260, de 2001. § 2º Em relação ao atendimento às mantenedoras de IES, competirá ao agente operador: I - prestar atendimento às entidades mantenedoras, às IES e às Comissões Permanentes de Supervisão e Acompanhamento do Fies - CPSAs; II - desenvolver e manter sistema de adesão das mantenedoras, das IES e das CPSAs; III - desenvolver e manter interface com a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB, referente à regularidade fiscal das mantenedoras; e IV - realizar os procedimentos de emissão, custódia, repasse, resgate e recompra dos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E - CFT-E. Art. 11. Ao agente financeiro da modalidade Fies competirá: I - controlar a inadimplência; (...) IV - efetuar a arrecadação e repasse à Conta Única da União do valor das amortizações; (...) VII - efetuar a inscrição dos devedores nos cadastros restritivos; (...) IX - formalizar os contratos de financiamento; (...) XIII - prestar atendimento ao estudante financiado; (...) XVI - realizar os aditamentos dos contratos; e (...) Nas disposições gerais e transitórias da Lei nº 10.260/2001, o art. 20-B (incluído pela Lei nº 13.530/2017) incumbiu o Ministério da Educação a regulamentação das condições e do prazo para a transição das atribuições do agente operador (do FNDE para a instituição financeira), tanto para os contratos de financiamento formalizados até o segundo semestre de 2017 quanto para os contratos formalizados a partir do primeiro semestre de 2018, determinando que o FNDE permanecesse com o encargo de agente operador enquanto não houvesse a referida regulamentação, determinação essa reforçada pelo art. 6º, IX, da Portaria MEC nº 209/2018, segundo o qual, compete ao FNDE “realizar as atividades de agente operador da modalidade Fies até a completa transição das atividades operacionais do Fies”. Foi autorizada ainda a contratação da CEF para exercer as atribuições de agente operador e financeiro do FIES e de gestor do Fundo Garantidor do FIES (FG-Fies, art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.260/2001), sendo facultada à União a contratação de outra instituição financeira pública federal para a mesma finalidade (situação na qual emerge o Banco do Brasil). A mesma Portaria MEC nº 209/2018, em seu art. 12, delimitou as competências pertinentes à gestão do FIES no período de transição das atribuições previstas na Lei nº 10.260/2001: Art. 12. Para os fins do disposto nos arts. 3º, inciso II, e 20-B da Lei nº 10.260, de 2001, observadas as competências de que trata a Seção II do Capítulo I desta Portaria, competirá: I - à SESu/MEC instaurar processo administrativo com o objetivo de proceder à contratação da instituição financeira pública federal para: a) desempenhar as atribuições de agente operador e agente financeiro do Fies dos contratos de financiamento da modalidade Fies firmados a partir do primeiro semestre de 2018; b) assumir as atribuições de agente operador dos contratos de financiamento da modalidade Fies firmados até o segundo semestre de 2017, nos termos do disposto no art. 20-B da Lei nº 10.260, de 2001; II - ao FNDE, na qualidade de interveniente, celebrar o instrumento contratual com a instituição financeira pública federal e exercer a fiscalização da execução dos serviços contratados. § 1º A contratação da instituição financeira pública federal referida na alínea "a" do inciso I do caput deste artigo ocorrerá em período anterior às atribuições definidas na alínea "b" do referido inciso. (...) § 3º O FNDE manterá as atribuições de agente operador dos contratos do Fies celebrados até o segundo semestre de 2017 até que sejam regulamentados as condições e o prazo para a transição de suas atribuições de agente operador para a instituição financeira pública federal, referidas na alínea "b" do inciso I do caput deste artigo, nos termos do disposto no art. 20-B da Lei nº 10.260, de 2001. Tratando-se, contudo, de ações que envolvam especificamente os recursos disponibilizados no próprio financiamento, a cobrança em favor do FIES caberá exclusivamente ao agente financeiro, independentemente de o contrato ser anterior ou posterior a 2018. Isso porque, a Resolução nº 36/2019, do Presidente do Comitê Gestor do FIES (CG-FIES), que dispôs sobre a cobrança judicial dos débitos referentes aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, no âmbito do FIES, disciplinou a matéria nos seguintes termos: Art. 2º A cobrança judicial dos débitos referentes aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) será realizada pela instituição financeira que exerce a atribuição de agente financeiro do contrato do Fies em atraso. (...) Art. 9º É dever do agente financeiro atuar na defesa processual do Fundo e apresentar os recursos e medidas cabíveis, com observância aos prazos judiciais determinados, salvo nas hipóteses de dispensa recursal fundamentada por súmula ou nota jurídica. Embora a Resolução CG-FIES nº 36/2019 se refira apenas aos financiamentos e encargos concedidos até o 2º semestre de 2017, a instituição financeira atuará também nas ações envolvendo contratos posteriores a 2018, já que a partir dessa data, ela passa a acumular as atribuições de agente operador e agente financeiro. Portanto, em conformidade com a legislação de regência (notadamente a Lei nº 10.260/2001 e alterações, a Portaria MEC nº 209/2018 e a Resolução CG-FIES nº 36/2019, o FIES tem gestão tripartite, com atribuições assim distribuídas: a) o Ministério da Educação e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies) atuam no campo programático-normativo, formulando políticas para implementação e aperfeiçoamento do programa de financiamento, bem como supervisionando sua execução, além de gerir os sistemas informatizados, e realizar o processo seletivo de estudantes, candidatos às vagas do programa, para posterior formalização dos contratos; b) a tarefa de agente operador é confiada ao FNDE (em relação aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, inclusive), e à instituição financeira pública federal (para contratos firmados a partir de 2018, ao menos enquanto não for concluída a transferência das atribuições estabelecida pelo art. 20-B, da Lei nº 10.260/2001, quando a instituição financeira passará a atuar na qualidade de agente operador também para os contratos anteriores a 2018); c) é da CEF ou Banco do Brasil o papel de agente financeiro responsável pela formalização e aditamento dos contratos de financiamento, arrecadação e repasse do valor das amortizações, além do controle da inadimplência. A legitimidade processual passiva deriva da correspondência entre o pedido formulado pelo autor e as atribuições confiadas na gestão tripartite, ao passo em que a legitimidade processual ativa para a cobrança dos financiamentos é do agente financeiro que participa do contrato. Rejeito, assim, a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo FNDE e pelo Banco do Brasil S/A. O art. 6º e o art. 205, ambos da Constituição Federal, definem a educação (aí incluído o ensino, em todos os seus níveis) como direito social fundamental de todos, reconhecido como dever do Estado e da família, a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade em favor do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Complementando esses preceitos constitucionais, o art. 45 da Lei nº 9.394/1996 estabelece que a educação superior será ministrada em instituições de ensino superior (públicas ou privadas), com variados graus de abrangência ou especialização (notadamente graduação, mestrado e doutorado). Diante da insuficiência de vagas ofertadas pelas instituições públicas de ensino superior, surgem mecanismos de estímulo ao acesso às instituições privadas, a exemplo do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES, criado em 1999, efetivado sob o controle do Ministério da Educação e destinado a financiar a graduação no ensino superior de estudantes que necessitarem, para o que devem estar regularmente matriculados em instituições não gratuitas e terem alcançado avaliação positiva em processos conduzidos por órgãos estatais. O FIES está disciplinado na Lei nº 10.260/2001 (resultante da conversão da MP nº 2.094-27, de 17/05/2001) e em diversos atos normativos da administração pública federal (especialmente do MEC e pelo Conselho Monetário Nacional), com destaque para a Resolução CMN nº 2647/1999. Servindo como instrumento de estímulo ao acesso à educação superior no país nos termos da legislação de regência, o FIES é efetivado mediante contrato (vale dizer, acordo de vontades) entre o estudante interessado e um agente financeiro do programa (atualmente, Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil), na condição de gestor da política pública, figurando ainda como interveniente a instituição de ensino aderente ao programa. Portanto, preenchidos os requisitos para adesão ao FIES, será formalizado um contrato cujo prazo de financiamento não poderá ser superior ao período necessário para a conclusão do curso. Na marcha da aplicação do FIES, foi editada a Lei nº 14.375/2022, que, entre outros itens, estabeleceu requisitos e condições para realização de transações resolutivas de litígio relativas à cobrança de créditos do FIES. Essa Lei nº 14.375/2022, em seu art. 1º, parágrafo único, prevê a observância de primados tais como isonomia, capacidade contributiva, transparência e moralidade, trazendo também, em seu art. 2º, diferentes modalidades de transação: Art. 2º São modalidades de transação aquelas realizadas por adesão, na cobrança de créditos contratados com o Fies até o segundo semestre de 2017 e cujos débitos estejam: I - vencidos, não pagos há mais de 360 (trezentos e sessenta) dias, e completamente provisionados; ou II - vencidos, não pagos há mais de 90 (noventa) dias, e parcialmente provisionados. Parágrafo único. A transação por adesão implicará a aceitação pelo devedor do Fies das condições estabelecidas em ato do Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies). Segundo o art. 5º da Lei nº 14.375/2022, a transação na cobrança de créditos do FIES, celebrada somente por adesão, poderá contemplar a concessão de descontos no principal, nos juros contratuais, nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, ou em créditos a serem transacionados classificados como inadimplentes, sendo vedada a transação que implique redução superior a 77% do valor total dos créditos a serem transacionados ou conceda prazo de parcelamento dos créditos superior a 150 meses, exceto se houver cobrança por meio de consignação à renda do devedor do Fies. Ressalvou-se, ainda, que na hipótese de transação que envolva pessoa inscrita no CadÚnico ou que tenha sido beneficiária do Auxílio Emergencial 2021, a redução máxima será de 99%. A legislação esclarece que os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação incluem aqueles completamente provisionados pela União em seus demonstrativos contábeis. Além disso, na liquidação de contratos inadimplentes por meio de pagamento à vista, além dos benefícios do desconto acima mencionado, é permitida a concessão de até 12% de desconto no principal da dívida. No art. 6º da Lei nº 14.375/2022, registrou-se que ato do CG-Fies disciplinará, entre outros itens, os procedimentos necessários à aplicação das hipóteses acima previstas. De todo o exposto, verifica-se que apenas os contratos inadimplentes com o FIES celebrados até o segundo semestre de 2017 poderão ser renegociados com desconto, desde que o estudante se enquadre em umas das hipóteses descritas na Lei n° 14.375/2022 e tenha formulado solicitação administrativa ao agente financeiro no período de 01/09/2022 à 31/12/2022, nos termos do artigo 1º Resolução CG-FIES n° 51, de 21/07/2022. A questão posta nos autos traz antigo dilema, existente em outras áreas (p. ex., tributária), ao conceder benefícios e descontos a tomadores de crédito inadimplentes, ao passo em que os adimplentes não recebem nenhuma benesse. Todavia, há que manter a ideia essencial que as obrigações devem ser integralmente adimplidas a tempo e modo, e que benefícios concedidos a devedores estão sob o crivo discricionário do credor (no caso, dependente de atos normativos, por se tratar de política pública), não podendo ser estendida, por isonomia, àqueles que cumpriram regularmente seus deveres. Sobre o assunto: APELAÇÃO CÍVEL. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. LEI N° 14.375/2022. IMPOSSIBILIDADE. ESTUDANTE ADIMPLENTE COM FIES. RESOLUÇÃO CG – FIES N° 51. DESCONTO DE 12% DA DÍVIDA PAGAMENTO À VISTA.RESCURSO DESPROVIDO. - Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, na qual requer a reforma de sentença que julgou improcedente pedido para aplicação dos dispositivos da Lei n° 14.375/2022 ao seu contrato de financiamento estudantil. - Da análise da legislação em comento observa-se que a Lei n° 14.375/2022 tem por objetivo viabilizar a renegociação de dívidas sobretudo de estudante inadimplente do FIES, desde que se enquadrem nos requisitos estabelecidos pela norma. - Da análise do artigo 1º, inciso V da Resolução CG- FIES n° 51 de 21/07/2022, depreende-se que dispôs sobre a possibilidade de desconto de 12% da dívida do estudante adimplente com o FIES para o pagamento do saldo devedor à vista. Verifico que essa hipótese não se aplica ao caso dos autos, diante da ausência de pedido da recorrente nesse sentido. - Apelação desprovida. (TRF3. ApCiv 5013705-85.2023.4.03.6100. Segunda Turma. Rel: Desembargadora Federal Renata Lotufo. Julgamento: 23/11/2023. DJEN Data: 30/11/2023) Observe-se que o estabelecimento de critérios objetivos para aplicação das benesses, como o tempo da dívida e capacidade contributiva do devedor não implica ofensa a qualquer primado constitucional. No caso dos autos, trata-se de contrato de financiamento estudantil adimplente, firmado em 2011, sem formulação requerimento administrativo de transação. Deve-se considerar que não foram atendidas as condições fixadas na Lei n. 14.375/2022 para a concessão de qualquer desconto. Reporto-me, por oportuno, às condições financeiras do agravante, já mencionadas no Id. 306454051 por ocasião da apreciação do pedido de concessão de justiça gratuita. Trata-se de médico que em sua última declaração de rendimentos (2023/2024) informou ter recebido de pessoa jurídica da qual informa ser titular de 50% das cotas, rendimentos isentos e não tributáveis no valor de R$ 453.488,87 no ano de 2023, sendo titular de bens e direitos no valor total de R$ 1.662.116,35 ao final de 2023, entre investimentos, imóveis e veículos. Frise-se que a eventual concessão do desconto pretendido, de montante substancial da dívida, a pessoa com plenas condições de arcar com as condições contratadas (que, por si só, já decorrem do acesso a grande benefício social de incentivo à educação, feito à custa do erário), é que significaria ofensa à moralidade, a capacidade contributiva e ao interesse público. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento. É o voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO. FIES. LEGITIMIDADE. DESCONTOS PARA INADIMPLENTES. LEI 14.375/2022. TRANSAÇÃO. REQUISITOS. EXTENSÃO PARA ADIMPLENTES. IMPOSSIBILIDADE.
- Em conformidade com a legislação de regência (notadamente a Lei nº 10.260/2001 e alterações, a Portaria MEC nº 209/2018 e a Resolução CG-FIES nº 36/2019, o FIES tem gestão tripartite, com atribuições assim distribuídas: a) o Ministério da Educação e o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies) atuam no campo programático-normativo e na supervisão da execução dessa política pública, incluindo a administração de sistemas informatizados e realização do processo seletivo de estudantes para posterior formalização dos contratos; b) a tarefa de agente operador é confiada ao FNDE (em relação aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, inclusive), e à instituição financeira pública federal (para contratos firmados a partir de 2018, ao menos enquanto não for concluída a transferência das atribuições estabelecida pelo art. 20-B, da Lei nº 10.260/2001); c) é da CEF ou Banco do Brasil o papel de agente financeiro responsável pela formalização e aditamento dos contratos de financiamento, arrecadação e repasse do valor das amortizações, além do controle da inadimplência. A legitimidade processual passiva deriva da correspondência entre o pedido formulado pelo autor e as atribuições confiadas na gestão tripartite, ao passo em que a legitimidade processual ativa para a cobrança dos financiamentos é do agente financeiro que participa do contrato.
- Na marcha da aplicação do FIES, foi editada a Lei nº 14.375/2022, que, entre outros itens, estabeleceu requisitos e condições para realização de transações resolutivas de litígio relativas à cobrança de créditos do FIES. Essa Lei nº 14.375/2022, em seu art. 1º, parágrafo único, prevê a observância de primados tais como isonomia, capacidade contributiva, transparência e moralidade, trazendo também, em seu art. 2º, diferentes modalidades de transação.
- Segundo o art. 5º da Lei nº 14.375/2022, a transação na cobrança de créditos do FIES, celebrada somente por adesão, poderá contemplar a concessão de descontos no principal, nos juros contratuais, nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, ou em créditos a serem transacionados classificados como inadimplentes, sendo vedada a transação que implique redução superior a 77% do valor total dos créditos a serem transacionados ou conceda prazo de parcelamento dos créditos superior a 150 meses, exceto se houver cobrança por meio de consignação à renda do devedor do Fies. Ressalvou-se, ainda, que na hipótese de transação que envolva pessoa inscrita no CadÚnico ou que tenha sido beneficiária do Auxílio Emergencial 2021, a redução máxima será de 99%.
Apenas os contratos inadimplentes com o FIES, celebrados até o segundo semestre de 2017, poderão ser renegociados com desconto, desde que o estudante se enquadre em umas das hipóteses descritas na Lei n° 14.375/2022 e tenha formulado solicitação administrativa ao agente financeiro no período de 01/09/2022 à 31/12/2022, nos termos do artigo 1º Resolução CG-FIES n° 51, de 21/07/2022.
- A questão posta nos autos traz antigo dilema, existente em outras áreas (p. ex., tributária), ao conceder benefícios e descontos a tomadores de crédito inadimplentes, ao passo em que os adimplentes não recebem nenhuma benesse. Todavia, há que manter a ideia essencial que as obrigações devem ser integralmente adimplidas a tempo e modo, e que benefícios concedidos a devedores estão sob o crivo discricionário do credor (no caso, dependente de atos normativos, por se tratar de política pública), não podendo ser estendida, por isonomia, àqueles que cumpriram regularmente seus deveres.
- No caso dos autos, trata-se de contrato de financiamento estudantil adimplente, firmado em 2011, sem formulação requerimento administrativo de transação. Deve-se considerar que não foram atendidas as condições fixadas na Lei n. 14.375/2022 para a concessão de qualquer desconto.
- Merecem registro as condições financeiras do agravante. Trata-se de médico que em sua última declaração de rendimentos (2023/2024) informou ter recebido de pessoa jurídica da qual informa ser titular de 50% das cotas, rendimentos isentos e não tributáveis no valor de R$ 453.488,87 no ano de 2023, sendo titular de bens e direitos no valor total de R$ 1.662.116,35 ao final de 2023, entre investimentos, imóveis e veículos.
- Agravo de instrumento desprovido.