Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000321-87.2016.4.03.6003

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

APELADO: JS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
REPRESENTANTE: JOAQUIM ROMERO BARBOSA

Advogados do(a) APELADO: FABIANO FARRAN LEAL DE QUEIROZ - MS19521-A, FRANCISCO LEAL DE QUEIROZ NETO - SP257644-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: MONTAGO CONSTRUTORA LTDA
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: DOUGLAS ALBERTO DOS SANTOS - PR65466-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MARCIONE PEREIRA DOS SANTOS - PR17536-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000321-87.2016.4.03.6003

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

 

APELADO: JS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
REPRESENTANTE: JOAQUIM ROMERO BARBOSA

Advogados do(a) APELADO: FABIANO FARRAN LEAL DE QUEIROZ - MS19521-A, FRANCISCO LEAL DE QUEIROZ NETO - SP257644-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: MONTAGO CONSTRUTORA LTDA
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: DOUGLAS ALBERTO DOS SANTOS - PR65466-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MARCIONE PEREIRA DOS SANTOS - PR17536-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto pela CAIXA ECONOMICA FEDERAL em face de sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Três Lagoas/MS que, em ação de adjudicação compulsória, assim decidiu:

“3. Dispositivo.

Diante da fundamentação exposta, julgo procedentes os pedidos formulados, fazendo-o com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para declarar a nulidade da hipoteca instituída sobre o apartamento nº 108, tipo 04, bloco A, térreo, com a respectiva vaga de garagem nº 81, do Condomínio Don El Chall, em Três Lagoas/MS, objeto da matrícula nº 70.361.

Ademais, condeno a Montago Construtora Ltda. a outorgar a escritura definitiva do apartamento nº 108, tipo 04, bloco A, térreo, com a respectiva vaga de garagem nº 81, do Condomínio Don El Chall, em Três Lagoas/MS, objeto da matrícula nº 70.361 aos autores.

Condeno a Caixa Econômica Federal e a Montago Construtora Ltda. ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao(à) defensor(a) dos requerentes. Considerando a complexidade e importância da causa, fixo os honorários em 13% (treze por cento) sobre o valor da causa, com fulcro no art. 85, §2º, do CPC/2015. Ressalto que a responsabilidade de cada uma das rés se limita a metade dessas verbas (honorários e custas processuais), nos termos do art. 87 do CPC/2015.

Além disso, tendo em vista que as alegações dos autores foram corroboradas pelos elementos de prova colhidos durante a instrução processual; e verificado o periculum in mora, ante a ameaça ao direito de propriedade constitucionalmente garantido, sopesando-se ainda os efeitos econômicos de uma constrição hipotecária num bem imóvel, o qual pode vir a ser excutido, concedo a antecipação dos efeitos da tutela, e determino à Caixa Econômica Federal que, no prazo de 15 (quinze) dias, promova a baixa do gravame incidente sobre: o apartamento nº 108, tipo 04, bloco A, térreo, com a respectiva vaga de garagem nº 81, do Condomínio Don El Chall, em Três Lagoas/MS, objeto da matrícula nº 70.361.

De seu turno, determino à Montago Construtora Ltda. que, no prazo de 15 (quinze) dias, proceda à transferência do aludido imóvel aos autores.

A Secretaria deste juízo deverá promover a intimação da construtora ré após a comprovação da exclusão da hipoteca pela Caixa, por meio de publicação no Diário Oficial (art. 513, §2º, inciso I, do CPC/2015), sendo este o termo inicial do seu prazo.

Fixo multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) em caso de descumprimento de tais determinações no prazo fixado, limitada à quantia de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) nos termos do art. 537 do CPC/2015. Destaca-se que tal medida se aplica a ambas as requeridas quanto às respectivas obrigações.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, visto que não configurada qualquer das hipóteses do art. 496 do CPC/2015.

Se houver interposição de recurso de apelação, processe-o na forma da lei.

Sentença registrada e publicada eletronicamente.

Intimem-se”.

Alega a CEF, em síntese, que a garantia hipotecária somente é liberada após a liquidação da dívida, sendo que a Construtora tomadora do crédito ainda se encontra inadimplente, não havendo possibilidade de liberação do gravame. Aduz que o Recorrido, quando da assinatura do contrato de compra e venda, anuiu com a garantia hipotecária. Menciona, ainda, o direito de sequela decorrente da hipoteca. Contesta a multa imposta pela sentença, por ser muito elevada. Pugna pela reforma da sentença.

Com as respectivas contrarrazões, subiram os autos a esta C. Corte Regional.

Petição juntada por JS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA e MONTAGO CONSTRUTORA LTDA, no dia 17/01/2025, endereçada ao MM Juízo de 1ª Instância, pleiteando o cancelamento das indisponibilidades que pesam sobre o imóvel (ID 311894923).

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 


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2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000321-87.2016.4.03.6003

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

 

APELADO: JS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
REPRESENTANTE: JOAQUIM ROMERO BARBOSA

Advogados do(a) APELADO: FABIANO FARRAN LEAL DE QUEIROZ - MS19521-A, FRANCISCO LEAL DE QUEIROZ NETO - SP257644-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: MONTAGO CONSTRUTORA LTDA
 

ADVOGADO do(a) INTERESSADO: DOUGLAS ALBERTO DOS SANTOS - PR65466-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: MARCIONE PEREIRA DOS SANTOS - PR17536-A

 

 

 

 

 

V O T O

 

 O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Preliminarmente, quanto à petição ID 311894923, nada a deliberar, porquanto se trata de requerimento que se insere na competência do Juízo prolator da sentença.

Destaco, inicialmente, que a hipoteca é considerada como o direito real de garantia que grava bem imóvel (ou a ele equiparado pela lei - art. 1.473 do CC), de propriedade do devedor ou de terceiro, mas sem transmissão da posse ao credor, conferindo a este último o direito de preferência e de promover a sua alienação judicial em caso de inadimplemento da obrigação garantida, a qual pode ser de dar, de fazer ou de não fazer. Não podem ser hipotecados os bens imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade ou os que se encontrem fora do comércio (art. 1.420 do CC).

Trata-se de relevante instituto jurídico, visto que favorece a obtenção de crédito e a circulação de riquezas, na exata medida em que propicia a realização de inúmeros negócios jurídicos. São características da hipoteca: a) acessoriedade, já que a hipoteca não pode existir sem a obrigação principal, por ela garantida (art. 1.419 do CC); b) indivisibilidade, pois enquanto não for integralmente satisfeita a obrigação principal, a hipoteca subsiste sobre a totalidade dos bens gravados; c) publicidade, visto que apenas com a regular inscrição junto ao Cartório de Registro de Imóveis é que a hipoteca se considera constituída, passando a produzir efeitos perante terceiros; d) especialidade, porquanto os bens dados em garantia hipotecária devem estar perfeitamente individualizados; e e) direito de sequela, visto que o credor hipotecário pode seguir a coisa em poder de todo aquele que a detenha ou possua, pois sua eficácia é "erga omnes".

Para a validade da garantia real hipotecária, a legislação de regência exige a capacidade geral para os atos da vida civil, assim como a capacidade especial para alienar, na medida em que apenas as coisas suscetíveis de alienação é que podem ser dadas em garantia hipotecária. Isso é assim, pois o bem imóvel hipotecado pode vir a ser alienado em hasta pública, caso descumprida a obrigação principal.

De outro lado, é certo que a hipoteca não impede a alienação do imóvel dado em garantia, posto que " É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado" (art. 1.475, caput, do CC). É dispensada, inclusive, a anuência do credor hipotecário para que o proprietário aliene o imóvel dado em garantia, até porque ela seria desnecessária, na medida em que, em razão do direito de sequela, o credor, titular da garantia real, tem o direito de perseguir o imóvel em poder de quem quer que o detenha ou possua, podendo executar a garantia mesmo que o bem já tenha sido transferido para o patrimônio de terceiro. 

 A hipoteca se constitui por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e desde então vale entre as partes como crédito pessoal. Sua inscrição no cartório de registro de imóveis atribui a tal garantia a eficácia de direito real oponível "erga omnes". De fato, um dos requisitos essenciais da hipoteca é o seu registro perante o cartório de registro de imóveis. Pode-se dizer que, na verdade, é o registro em cartório que confere publicidade ao direito real de garantia, tornando-o oponível contra terceiros (devedores quirografários, terceiros adquirentes do imóvel e outros credores que não registraram o título), tornando ineficazes, perante a execução hipotecária, todos os gravames e alienações posteriores. Ao contrário, caso a hipoteca não seja registrada, perderá sua força de garantia da obrigação, pois somente valerá como credito pessoal entre as partes da relação obrigacional. Nesse sentido, julgado do C. STJ:

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTERIOR. Se, à data da promessa de compra e venda, o imóvel já estava gravado por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata de direito real oponível erga omnes; o cumprimento da obrigação de escriturar a compra e venda do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigida de quem a assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial conhecido, mas não provido.
(REsp n. 314.122/PA, relator Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 27/6/2002, DJ de 5/8/2002, p. 329.)

A hipoteca convencional, ou seja, aquela instituída pela via do contrato entre as partes, tem validade pelo prazo de trinta anos. Dessa forma, as partes são livres para estipular o prazo que lhes convier e prorrogá-lo mediante simples averbação, mas sem que seja ultrapassado o referido limite, o qual, uma vez alcançado, gerará a perempção da hipoteca. Uma vez que se perfaça esse prazo de trinta anos, só poderá subsistir o contrato de hipoteca mediante novo título e novo registro e, nesse caso, será mantida a precedência que lhe competir (art. 1.485 do CC).

A extinção da hipoteca, por seu turno, é regulada pelos arts. 1.499 a 1.501 do Código Civil, segundo os quais a hipoteca se extingue: a) tendo caráter acessório, pela extinção da obrigação principal; b) pelo perecimento da coisa; c) pela resolução da propriedade; d) pela renúncia do credor, que deve ser expressa; e) pela remição, efetuada pelo credor da segunda hipoteca, pelo adquirente do imóvel hipotecado, pelo executado, seu cônjuge, descendente ou ascendente; f) pela arrematação ou adjudicação, no mesmo processo ou em outro, desde que o credor hipotecário, notificado judicialmente da venda, não compareça para defender o seu direito (art. 1.499 do CC). “Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova” (art. 1.500 do CC). No entanto, "Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução" (art. 1.501 do CC).

Ressalte-se, entretanto, que o C. STJ editou a Súmula 308, com a seguinte redação: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. A leitura da orientação sumulada deixa clara sua intenção de proteção do terceiro de boa-fé, que não pode ser prejudicado pelos efeitos de um contrato que lhe é completamente estranho.

Não se desconhece, é verdade, a existência de controvérsia acerca do âmbito de incidência da Súmula nº 308, especialmente se seria ou não aplicável a pessoas jurídicas. Todavia, independentemente de tal polêmica, certo é que a jurisprudência do C. STJ é pacífica na linha de que a orientação sumular não se aplica à compra e venda de imóveis comerciais, mas apenas de imóveis residenciais, especialmente mediante contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Tome-se como exemplo, o seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COMERCIAL. HIPOTECA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO. VALIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 308/STJ. PRECEDENTES.

1. Consoante reiterado entendimento desta Corte Superior, "a Súmula 308/STJ não se aplica aos contratos de aquisição de imóveis comerciais, incidindo apenas nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação - SFH, em que a hipoteca recai sobre imóvel residencial". Assim, "é válida a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador quando firmada anteriormente à celebração da promessa de compra e venda de imóvel comercial" (AgInt no REsp 1.702.163/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 6/11/2019). Precedentes.

2. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 1.982.469/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 17/8/2022.)

Com efeito, examinando os precedentes que deram origem à elaboração da referida Súmula 308, percebe-se que versam sobre pessoas físicas que celebraram contrato de promessa de compra de imóvel destinado à moradia na planta, os quais foram dados em hipoteca pela construtora à instituição financeira. 

No caso dos autos, relata a sentença que "J.S.Empreendimentos Imobiliários Ltda., representada por Joaquim Romero Barbosa, ambos qualificados na inicial, propôs ação de adjudicação compulsória, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em face da Montago Construtora LTDA. e da Caixa Econômica Federal – CEF, postulando pela desconstituição de hipoteca estabelecida em favor do banco réu, bem como pela adjudicação compulsória do apartamento nº 108, tipo 04, bloco A, térreo, com a respectiva vaga de garagem nº 81, do Condomínio Don El Chall, em Três Lagoas/MS, objeto da matrícula nº 70.361, sob pena de multa diária.

Alega, em justa síntese, que, em 12/03/2013, firmou contrato de compra e venda com a Montago Construtora Ltda., cujo objeto é o apartamento supracitado, pagando integralmente o valor avençado, R$134.203,79, em 22/03/2013. Assevera que, embora tenha cumprido sua obrigação, a empresa não procedeu à outorga da escritura definitiva, conforme pactuado, e não resgatou a hipoteca frente à CEF. Por fim, sustenta que a garantia, constituída entre construtora e instituição financeira, não tem eficácia perante o adquirente do imóvel de boa-fé". (ID 307072882)

A sentença ora apelada julgou procedente o pedido, forte na compreensão de que:

"Desse modo, compulsando a documentação colacionada aos autos, conclui-se que restou demonstrado o integral adimplemento da obrigação pecuniária assumida com a compra do apartamento. Neste sentido, o recibo de quitação integral do contrato de compra e venda objeto dos autos emitido pela Montago Ltda., com firma reconhecida em cartório (fl. 29), foi reforçado pela manifestação da Montago Ltda., que confessou, em sua contestação, o total adimplemento das obrigações dos requerentes no âmbito do compromisso de compra e venda (fl. 66).

Também a CEF, em sua contestação (fls. 178/192), em nenhum momento negou o adimplemento dos valores pelos requerentes, apenas que tiveram ciência e manifestaram concordância quanto à instituição da hipoteca.

Deveras, o cerne da demanda cinge-se à eficácia da hipoteca constituída pela construtora em favor de instituição financeira, no âmbito de contrato particular de mútuo, com recursos do Sistema Financeiro de Habitação – SFH (fls. 15/28 e 197/208). Nesse aspecto, faz-se imperativa a observância da Súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça (...)"

Tenho, contudo, que a sentença merece reforma. Com efeito, examinando os autos, verifica-se da cláusula segunda do contrato social da pessoa jurídica autora (JS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA):

"A sociedade explora o ramo de Administração de bens móveis e imóveis próprios, prestação de serviços administrativos, financeiros, assessoria e planejamento, desenvolver atividades industriais e comerciais, participação no capital de outras sociedades, organização de festas, promoções de eventos, marinas e locação de embarcações para lazer". (ID 307072757, fls. 50)

Da leitura da petição inicial desta ação, por sua vez, percebe-se que a intenção da sociedade autora é mesmo a comercialização do imóvel adquirido (ID 307072757, fls. 4), de modo que este não pode ser considerado como sendo um imóvel residencial para fins de atrair a incidência da Súmula nº 308 do C. STJ. Na verdade, deve-se considerá-lo como um imóvel comercial, na medida em que se trata de ativo circulante para o desenvolvimento da atividade econômica imobiliária explorada pela sociedade autora. Esta última, outrossim, também não pode ser tida como hipossuficiente, haja vista que, por conta do seu objeto social, tem (ou pelo menos deveria ter) plena ciência do que é uma hipoteca e quais as consequências advindas da aquisição de um imóvel que poderia vir a ser dado em garantia hipotecária, valendo registrar que a autora concordou expressamente com a possibilidade de constituição desse gravame, como se nota da cláusula 4.b do contrato de promessa de compra e venda da unidade imobiliária objeto da lide (ID 307072757, fls. 18). Não há que se falar, portanto, que a autora seja um consumidor, nos moldes em que definido pelo art. 2º do CDC, que adota a denominada teoria finalista mitigada, segundo a qual consumidor é o destinatário final do produto ou serviço, ou a pessoa física ou jurídica que, embora não seja a destinatária final do produto ou do serviço, esteja em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor.

Ora, a intenção da Súmula 308 do C.STJ, extraída dos precedentes que lhe deram origem, é a de proteger o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e venda do imóvel residencial e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento. Entretanto, há que se entender que a ineficácia da hipoteca contra terceiro adquirente somente se justifica como forma de tutela do direito fundamental à moradia (art. 6º da CF) e não como forma de proteção de sociedades empresárias que se encontram no exercício da atividade econômica que constitui seu objeto social. Isso é assim, porquanto o exame dos precedentes que originaram a Súmula nº 308 indica que o adquirente do imóvel deve ser considerado consumidor, na forma definida pelo art. 2º do CDC, ou seja, destinatário final do produto ou serviço, ou hipossuficiente, sem conhecimento técnico para compreender as consequências e características de uma garantia real hipotecária. 

Portanto, a situação dos autos não se enquadra na orientação prevista na Súmula nº 308 do C. STJ, que aponta para o sentido de que a hipoteca firmada entre construtora e agente financeiro somente não é oponível, merecendo cancelamento, nos casos em que o comprador adimplente adquire o imóvel para fins de moradia e não no caso de imóveis comerciais ou mesmo imóveis que foram comprados por pessoa jurídica que atua no mercado imobiliário, para fins de revenda, ou seja, o referido verbete sumular não se mostra aplicável a imóveis de natureza ou destinação comercial. Busca-se, com isso, a proteção do consumidor de boa-fé que não assume os riscos de uma atividade econômica de investimento para obtenção de lucro futuro no mercado imobiliário. Nessa mesma linha, precedente do E. TRF da 4ª Região:

EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. LIBERAÇÃO DE HIPOTECA. ATIVIDADE EMPRESARIAL. SÚMULA 308 DO STJ. PESSOA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE.

A finalidade da proteção consolidada na Súmula nº 308 do STJ não visa favorecer à pessoa jurídica no exercício da atividade empresarial, mas destina-se precipuamente às pessoas que adquirem um imóvel de construtora como consumidor final e não podem ter seu direito à propriedade ou moradia ameaçado por conta da hipoteca prestada pela construtora perante o agente financeiro.

(TRF4, AC 5061174-83.2018.4.04.7100, 3ª Turma, Relator ROGERIO FAVRETO, julgado em 24/09/2019)

Não se pode ignorar, por outro lado, as repercussões econômicas da aplicação indiscriminada da orientação contida na Súmula nº 308 do C. STJ, fora das situações para as quais foi ela editada pela Corte Superior. De fato, não se desconhece o alto custo de execução dos empreendimentos imobiliários em geral, os quais demandam grandes somas de recursos financeiros, fazendo com que o mercado imobiliário tenha que recorrer ao mercado de crédito, de modo que as incorporadoras se veem na contingência de contratar financiamento destinado à construção, de conformidade com a Resolução n° 4.676/2018 do Banco Central do Brasil (BACEN). Tal Resolução dispõe sobre  os critérios para contratação de financiamento imobiliário pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e disciplina o direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança. Trata-se, evidentemente, de financiamento de valor elevado, a exigir garantia compatível com o montante emprestado, sendo que, uma das modalidades de garantia é justamente a hipoteca do terreno e das unidades imobiliárias nele construídas, conforme estabelece o art. 7º da mencionada Resolução nº 4.676/2018, do BACEN, "in verbis":

Art. 7º As operações de financiamento imobiliário de que trata esta Resolução destinadas à aquisição, à construção ou à produção de imóveis deverão ser garantidas por:

(...)

III - hipoteca, em primeiro grau, do imóvel objeto da operação;

IV - hipoteca, em primeiro grau, de outro imóvel do mutuário ou de imóvel de terceiros;

(...)

Nesse diapasão, a aplicação generalizada da Súmula 308 do C. STJ, fora daquelas situações excepcionais que justificaram sua edição, todas elas relativas à proteção do direito fundamental à moradia, desconstituindo garantias reais que haviam sido licitamente pactuadas de boa-fé, retirando-lhe sua eficácia "erga omnes", traz grave e inevitável repercussão no mercado de crédito para a construção de empreendimentos imobiliários. De fato, o esvaziamento da garantia hipotecária em situações de inadimplemento da obrigação principal por parte da incorporadora tomadora do financiamento, acarreta o consequente aumento do risco de crédito e da própria taxa de inadimplência junto às instituições financeiras, impactando na taxa de juros remuneratórios cobrados por estas como contraprestação pela prestação do serviço bancário, o que, por sua vez, encarece o custo de execução da obra e da oferta que chegará ao adquirente do imóvel. Essa situação, portanto, termina por dificultar ainda mais o acesso da população de baixa renda à moradia digna. 

Além disso, tal como já mencionado acima, as formas de extinção da hipoteca são reguladas pelos arts. 1.499 e 1.500 do Código Civil. Muito embora não se trate de rol exaustivo, havendo outras hipóteses previstas em lei (perempção legal - art. 1.485 do CC; anulação em virtude de fraude contra credores - art. 163 do CC; consolidação da propriedade, quando se concentram na mesma pessoa as figuras do credor e do proprietário do imóvel; etc.), o certo é que estas são as formas ordinárias de extinção da garantia real, de modo que qualquer outra forma, em especial o cancelamento por força de incidência da Súmula nº 308 do C. STJ deve ser tida por excepcional, sendo reservada para casos bastante específicos. Assim, se o cancelamento da hipoteca pela aplicação da orientação contida na Súmula nº 308 do C. STJ deve realmente ficar restrita a situações excepcionais, atinentes à aquisição do imóvel para fins de moradia, situações em que há o contraponto de relevante garantia fundamental prevista na CF/1988, em benefício do consumidor hipossuficiente, percebe-se que a lide versada nestes autos não se enquadra em tais exceções, não estando presente nenhuma hipótese legal de extinção da hipoteca legitimamente celebrada em garantia do financiamento contratado para a execução da obra.

Portanto, à luz das considerações acima, não há que se falar em nulidade da hipoteca instituída sobre o apartamento nº 108, tipo 04, bloco A, térreo, com a respectiva vaga de garagem nº 81, do Condomínio Don El Chall, em Três Lagoas/MS, objeto da matrícula nº 70.361.

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para julgar IMPROCEDENTE o pedido de adjudicação compulsória.

Condenação da Autora em custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa atualizado (art. 85, § 2º, do CPC), a serem repartidos em partes iguais entre os dois Réus.

É como voto. 



E M E N T A

 

DIREITO CIVIL. HIPOTECA. CAUSAS DE EXTINÇÃO. IMÓVEL RESIDENCIAL. EMPRESA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. ATIVO CIRCULANTE. SÚMULA 308/STJ. INAPLICABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA.

- Regulada pelos arts. 1.499 a 1.501 do Código Civil, a hipoteca se extingue nas listadas nesses preceitos, cujo rol não é exaustivo considerando as previsões de outros preceitos do mesmo códi (p. ex., art. 163 e art. 1.485).

-  Segundo a Súmula 308/STJ, “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. A leitura da orientação sumulada deixa clara sua intenção de proteção do terceiro de boa-fé, que não pode ser prejudicado pelos efeitos de um contrato que lhe é completamente estranho.

- É verdade a existência de controvérsia acerca do âmbito de incidência da Súmula nº 308, especialmente se seria ou não aplicável a pessoas jurídicas. Todavia, independentemente de tal polêmica, certo é que a jurisprudência do C. STJ é pacífica na linha de que a orientação sumular não se aplica à compra e venda de imóveis comerciais, mas apenas de imóveis residenciais, especialmente mediante contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

- A empresa autora atua no segmento de empreendimentos Imobiliários Ltda., e ajuizou o presente feito de adjudicação compulsória, postulando pela desconstituição de hipoteca estabelecida em favor do banco réu, acerca de imóvel residencial com a respectiva vaga de garagem.

- A intenção da sociedade autora é a comercialização do imóvel adquirido, de modo que este não pode ser considerado como sendo um imóvel residencial para fins de atrair a incidência da Súmula 308/STJ. Na verdade, esse bem deve ser considerado imóvel comercial, na medida em que se trata de ativo circulante da autora no desenvolvimento de sua atividade econômica imobiliária.

- A autora não pode ser considerada consumidor, nos moldes em que definido pelo art. 2º do CDC, que adota a denominada teoria finalista mitigada, segundo a qual consumidor é o destinatário final do produto ou serviço, ou a pessoa física ou jurídica que, embora não seja a destinatária final do produto ou do serviço, esteja em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor.

- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido de adjudicação compulsória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
DESEMBARGADOR FEDERAL