Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011549-61.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ITSSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A., THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011549-61.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ITSSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A., THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela União em face da sentença que, em ação de procedimento comum ajuizada por IT´SSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A e por THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES, julgou procedente o pedido para declarar a inexistência de relação jurídico tributária entre as partes, em função do exercício de opção das ações no Plano de Outorga de Opção de Compra de Ações, na AGE de 30/04/2021, quanto à exigência da pessoa jurídica, das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários e da multa por suposta ausência de retenção de imposto de renda quando do exercício das opções pelo participante, bem como do autor, do imposto de renda sobre o suposto rendimento quando do exercício das opções. O julgado também condenou a ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, arbitrados em 10% sobre o valor da causa até 200 salários mínimos, em 8% sobre o valor da causa, no que exceder e até 2.000 salários mínimos, e em 5% sobre o restante, a ser rateado proporcionalmente entre os autores, nos termos do artigo 85, §§ 3º e 5º do Novo Código de Processo Civil, bem como ao pagamento das despesas processuais.

A apelante discorre sobre a natureza do contrato de opção de compra de ações por empregados e administradores (employee stock options), enfatizando que se diferenciam das stock options mercantis em razão das seguintes características: são oferecidas a um público restrito e pela própria companhia (sem a presença de um terceiro lançador), são pessoais e intransferíveis, são recebidas como contraprestação do trabalho e ambas as partes pretendem a valorização das ações no mercado. Ressalta, ademais, a inexistência de riscos ao detentor do direito de exercer a opção, frisando, dentre outros fatores, que o preço de exercício é fixado em valores muito inferiores ao preço de mercado da ação. Com isso, defende a incidência das contribuições previdenciárias e a terceiras entidades (art. 195 da CF/88 e art. 22, I e III, da Lei nº 8.212/91), do imposto de renda e da multa decorrente de sua não retenção pela fonte pagadora, acrescentando ainda que a habitualidade é da essência do plano de stock option¸ uma vez que o exercício da opção, por ser exercitável após o cumprimento de um prazo determinado, acaba por estimular a permanência na empresa dos professionais beneficiados. Ademais, em se tratando de diretores de sociedade anônima, seria irrelevante a caracterização da habitualidade, tendo em vista o vínculo estatutário que mantêm com a empresa, sendo caracterizados como contribuintes individuais. Por fim, refere-se aos princípios constitucionais da equidade e da solidariedade e pede a o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões pela parte autora, os autos foram encaminhados para este Tribunal.

Determinado o sobrestamento deste feito por força de decisão proferida pela Vice-Presidência ao selecionar os Recursos Especiais interpostos nos autos dos processos nº 5026819-04.2017.4.03.6100, nº 5000441-40.2019.4.03.6100 e nº 5002396-42.2017.4.03.6144 como representativos de controvérsia, na forma do artigo 1.036, §1º, do Código de Processo Civil.

Incluído o feito em pauta, o julgamento após sustentação oral do patrono da apelada.

Parecer técnico apresentado por IT´SSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A e por THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES.

Memoriais apresentados pela UNIÃO.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

ITSSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A e THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES, qualificados na inicial, propuseram a presente ação declaratória visando:

  1. afastar, em relação à pessoa jurídica,  a incidência de contribuições previdenciárias sobre folha de salários e demais rendimentos decorrentes do trabalho, em virtude do exercício da opção de compra pelo coautor;
  2. afastar, em relação à pessoa jurídica,  a incidência de multa por ausência de retenção de IRPF quando do exercício das opções do coautor;
  3. afastar a incidência do IRPF, em relação ao coautor pessoa física, no momento do exercício da opção da compra.

Relata que foi implementado Stock Option Plan , o qual tem natureza contratual e não trabalhista. Ademais, o mero exercício do direito de compra das ações, por parte do beneficiário do plano,  não implica na configuração do fato gerador das contribuições previdenciárias incidentes sobre folha de pagamento. Tampouco resulta em imediato incremento na renda a justificar a incidência do IRPF.

A sentença foi julgada procedente.

Interposta apelação, o e. Relator deu provimento ao recurso da União Federal e à remessa necessária, considerando que o caso em tela não se confunde com Stock Option Plan.

Respeitosamente, não me ponho de acordo com tal conclusão.

O procedimento de outorga de opções de compra de ações a administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou sociedade sob controle se encontra previsto no artigo 168, § 3º, da Lei n 6.404/1976.

Infelizmente, a previsão genérica ali contida não foi objeto de qualquer regulamentação legislativa mais específica. Porém, é possível, a partir da previsão legal, que a outorga de opções de compra , naquele caso, deve ser atribuída a pessoas com alguma ligação com a companhia e que não há, sequer, necessidade de contraprestação por parte destes beneficiários, visto que a norma não faz menção a venda ou alienação, mas, mera outorga.

Em regra, o Fisco considera, para fins de incidência da contribuição sobre folha de salários, que o beneficiário da opção de compra de ações da empresa outorgante, ao exercer tal direito, tem um incremento salarial, decorrente da relação trabalhista e, portanto, faz nascer o fato gerador da contribuição previdenciária de responsabilidade da pessoa jurídica. No que toca ao IRPF, entende a Administração Tributária que o exercício da opção de compra implica em aumento patrimonial, fazendo nascer o fato gerador daquela exação.

Como de conhecimento geral, o Superior Tribunal de Justiça, apreciando no Tema 1.226, a questão de “...Definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo”, assentou, quanto ao IRPF, a seguinte tese:

 

a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.

b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.

 O Ministro Relator do Recurso Especial, preocupado com a vedação constante da Súmula 07 daquela Corte, ponderou:

 

Efetivamente, como bem lembrado pelo Min. Mauro Campbell Marques, é vedado ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, reexaminar o conteúdo e as cláusulas específicas de contratos individuais para solucionar casos concretos, não sendo possível, muito menos, neles se arrimar para estabelecer posicionamento vinculativo em precedente de observação obrigatória por todos os operadores jurídicos.

 

Não será, contudo, essa a hipótese no presente julgamento.

Em verdade, partir-se-á do conceito genérico dos aludidos planos de opção de compra de ação para definir sua natureza – se remuneratória ou estritamente comercial.

 

Como se vê, aquela Corte teve a especial preocupação de analisar a questão da SOP sob o ponto de vista conceitual. A tese firmada por ela, portanto, tem natureza conceitual, aplicável de forma vinculante quando se tratar de IRPF, por força da lei processual, mas, também aplicável, ainda que sem a força vinculante,  quando se trata da discussão acerca da incidência das contribuições previdenciárias sobre folha de salários sobre o SOP. Não faria qualquer sentido o Superior Tribunal de Justiça fixar a natureza em abstrato de Stock Option Plan para determinado tributo e se considerar que ela tem natureza diversa em relação a outro, mormente quando o IRPF e a Contribuição sobre folha de salários guardam tantos aspectos em comuns, ainda que diversos.

 Logo, não vejo como não considerar, para efeitos de incidência das contribuições previdenciárias sobre folha de salários, que o exercício do direito de compra de ação outorgado pela pessoa jurídica ao seu empregado, diretor ou pessoa a ela vinculada, não tem natureza mercantil.

No voto proferido no Tema 1.226, assim se pronunciou o STJ:

 

“O reconhecimento de que, no ato em que exercida a opção de compra de ações no âmbito do SOP, não há suporte fático para a incidência da norma tributária do imposto de renda, ante a inexistência de "acréscimo patrimonial/renda", se mostra bastante para a solução da contenda.

 

No entanto, considerando que o presente julgamento consiste em precedente de observação vinculante, releva tratar da linha defensiva fazendária de que a oferta de ações pela companhia nesses moldes seria espécie de "remuneração" do trabalhador, atrelada ao contrato de trabalho, em observância à regra do art. 1.038, § 3º, do CPC (O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida).

Para tanto, recorro à doutrina especializada na seara trabalhista, segundo a qual (g.n.):

O direito de opção não se enquadra no § 1º do art. 457 da CLT, pois não representa comissão, percentagem, gratificação ajustada, diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador. Não se trata de gratificação porque o empregador não paga o valor, mas o obreiro paga para obter o direito de comprar as ações. Compreende fatores aleatórios à companhia, como a valorização das ações no mercado.

[...]

Não se enquadra a stock option como espécie de salário-utilidade, pois não representa para o empregado um plus obtido com seu trabalho, mas decorre do desempenho das ações da companhia. Não é espécie de participação nos lucros, pois a questão não decorre da existência de lucros, mas da valorização das ações do empregador.

[...]

Se se entender que a prestação é uma espécie de salário variável, o empregador também teria de pagar ao empregado a diferença entre o valor da opção e o valor de venda, se este último fosse menor do que o primeiro, pois o trabalhador não pode assumir os riscos de sua atividade (art. 2º da CLT). Entretanto, isso não ocorre. Discutível também seria a habitualidade no pagamento, pois ocorreria a cada três anos, em alguns planos, ou a cada cinco anos, em outros. Habitual seria o que estaria dentro de no máximo um ano e não mais, como ocorre para férias, gratificação natalina etc.

[...]

 O empregado não tem direito de opção como pagamento pela prestação de serviço na empresa. O ganho na venda das ações não é uma retribuição paga pelo empregador. Não existe contraprestação salarial. Trata-se de situação completamente alheia à prestação de serviços. Não se poderia dizer que é remuneração a opção de compra em que o empregado tem prejuízo no mercado financeiro. Assume o trabalhador o risco na opção de ganhar ou de perder, como no caso em que o preço das ações declina para preços inferiores aos da opção. O empregado assume, portanto, o risco da flutuação do valor das ações. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 269).

 

Conclui, assim, o mencionado doutrinador que "[a] stock option não pode ter natureza salarial, pois o empregado paga para exercer o direito de opções. Não é algo que lhe é dado de graça pelo empregador, que representa um plus. [...] A natureza jurídica da opção de compra de ações é mercantil, embora feita durante o contrato de trabalho, pois representa mera compra e venda de ações. [...] É uma situação aleatória, que nada tem a ver com o empregador em si, mas com o mercado de ações" (op cit, p. 270).

A jurisprudência do Tribunal de cúpula da Justiça obreira, a qual, em atenção ao espirito do art. 927 do CPC, entendo importante mencionar nessa quadra, já que a discussão perpassa necessariamente pela averiguação de se tratar, ou não, de remuneração advinda de contrato de trabalho, parece confirmar as impressões doutrinárias referidas anteriormente, como mesmo se depreende dos seguintes julgados:

(...)”

Assim, não parece existir dúvidas de que aquela Corte, ontologicamente, classifica Stock Option Plan, invariavelmente, como uma operação de natureza mercantil, sem lhe atribuir natureza trabalhista.

 

Realmente, conforme bem apontado pelo e. Ministro Relator, o beneficiário da opção, para auferir algum lucro, tem que pagar pelas ações, não se configurando, assim, salário.

 

Esta Segunda Turma também tem precedentes no sentido de afastar a incidência da contribuição previdenciária sobre o exercício da opção.

 

 

TRIBUTÁRIO. STOCK OPTIONS PLAN. NATUREZA JURÍDICA: MERCANTIL. EXERCÍCIO DE OPÇÃO DE COMPRA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. 

Stock options correspondem a opção de compra futura de ações da empresa pelo empregado, por valor prefixado, em geral abaixo do preço de mercado, após período de carência previamente estipulado, sendo que o acréscimo patrimonial percebido a final decorre do contrato mercantil e não da remuneração pela força de trabalho do empregado.

Não há incidência de contribuição previdenciária quando do exercício da opção de compra da "Stock Option Plans" pelo funcionário.

Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, , AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012218-52.2020.4.03.0000, Rel. , julgado em 21/10/2021, DJEN DATA: 28/10/2021)

 

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E DE TERCEIROS. STOCK OPTION. 

I. Alegação de inadequação da via eleita rejeitada.

II. Não incidência de contribuições previdenciárias e de terceiros sobre os ganhos decorrentes de operação stock option que se reconhece. Precedentes da Corte.

III. Recurso e remessa oficial desprovidos.   

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5021083-34.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 07/02/2023, Desembargadora Federal para o Acórdão PEIXOTO JUNIOR, DJEN DATA: 16/02/2023)

 

 

Destaco, inobstante, a pertinência dos apontamentos feitos pelo e. Relator, no sentido de que a situação fática indica que o beneficiário da opção tinha informações privilegiadas acerca da alienação da pessoa jurídica. Realmente, o procedimento de alienação da pessoa jurídica não é simples e tampouco rápido. A experiência permite concluir que há uma grande probabilidade de ter ocorrido mera simulação.  Porém, não verifico prova efetiva de tal simulação.

E mais: a alienação de parte das cotas da pessoa jurídica não necessariamente implicaria na certeza do incremento do valor das ações. O valor das ações se sujeita à vontade do mercado e este reage de maneiras imprevisíveis. Por exemplo, a alienação poderia ter sido vista pelo mercado como sinal de falta de força econômica, a adquirente poderia não gozar de boa imagem perante o mercado devido à falta de governança transparente, o valor justo das ações poderia já ter alcançado seu limite no momento da alienação, enfim, há uma infinidade de fatores que influenciam no preço da ação.

Ainda que se argumente que, no caso concreto, houve diminuição do risco, como bem salientado pelo e. Relator, ele continuou existindo e não se pode concluir que a alienação de parte da pessoa jurídica acarretaria, com absoluta certeza, aumento no valor das ações a comprovar a efetiva ocorrência de simulação. Era muito provável que o valor das ações subisse, era muito provável que o beneficiário teria lucro, mas, não era certo.

A legislação, atualmente, é vaga ao disciplinar o SOP, o que permite uma maior manipulação das situações fáticas, acarretando distorções como as vistas nestes autos. Porém, a falta de regulamentação precisa não pode implicar em indevida limitação do direito.  

Em resumo, entendo que a situação fática, à luz da jurisprudência desta Turma e do entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, não permite concluir pela natureza salarial da verba, mesmo diante dos sólidos argumentos lançados pelo e. Relator.

No que toca à incidência do IRPF, os embargos de declaração opostos pela União Federal no acórdão que julgou o Tema 1.226 foram julgados no dia 19 de novembro de 2024 tendo sido mantido na íntegra a tese lá fixada.

Quanto à multa isolada, acompanho a fundamentação do e. Relator.

Ante o exposto, nego provimento à apelação da União Federal e à remessa necessária. Em consequência, majoro o valor dos honorários sucumbenciais, em dez por cento sobre os patamares fixados na sentença de primeiro grau.

É como voto.

 

AUDREY GASPARINI

DESEMBARGADORA FEDERAL


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5011549-61.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ITSSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A., THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES

Advogados do(a) APELADO: GABRIELA SILVA DE LEMOS - SP208452-A, PAULO CAMARGO TEDESCO - SP234916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Registro, inicialmente, que o Agravo de Instrumento nº 5017172-73.2022.4.03.0000 foi julgado prejudicado, tendo em vista a prolação de sentença no feito de origem.

Distribuído o recurso à minha relatoria, houve o sobrestamento do feito por força de decisão proferida pela Vice-Presidência deste Tribunal que assim determinou até que o E. Superior Tribunal de Justiça julgasse a afetação (CPC, art. 1.036, §1º, parte final) com relação aos processos nºs. 5026819-04.2017.4.03.6100, 5000441-40.2019.4.03.6100 e  5002396-42.2017.4.03.6144, selecionados como representativos de controvérsia. Na sequência, o E. STJ decidiu pela afetação da matéria sob o Tema nº 1.226, nos seguintes termos: "Definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo.". 

Com o posterior julgamento do recurso pertinente ao Tema nº 1.226, não há mais razão para o sobrestamento deste feito. Dito isso, passo à apreciação da remessa necessária e do recurso de apelação da União.

A questão posta nos autos diz respeito à matéria de fato para fins de aplicação ou distinção quanto ao Tema 1226/STJ, notadamente se a operação litigiosa se caracteriza como: 1) Employee Stock Options Plan, definida como operação de renda variável (negócio mercantil) sujeita a imposto de renda (em regra, de 15%) sobre o ganho de capital apenas quando da venda das ações, sem a incidência de contribuição previdenciária (patronal e do trabalhador), ou; 2) remuneração do trabalho paga em forma de ações (salário indireto), sobre qual há imposto de renda da pessoa física (pela tabela progressiva) e de contribuições previdenciárias (patronal e do trabalhador), mesmo que exista contrato sugerindo negociação de opções.

Em 11/09/2024, o e.STJ analisou a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan - SOP), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, em acórdão assim ementado:

TRIBUTÁRIO. REPETITIVO. TEMA N. 1.226/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA/IRPF. ADESÃO DO ADMINISTRADOR A REGIME DE OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES DA COMPANHIA EM QUE ATUA (STOCK OPTION PLAN ? ART. 168, § 3º, DA LEI N. 6.404/1976). POSTERIOR EFETIVAÇÃO DA COMPRA DE TAIS AÇÕES PELO ADMINISTRADOR. PRETENSÃO DO FISCO NACIONAL EM TRIBUTAR O LUCRO OBTIDO NESSA AQUISIÇÃO COMO FRUTO DE REMUNERAÇÃO LABORAL. IMPOSSIBILIDADE. OPERAÇÃO DE NATUREZA MERCANTIL. EXAÇÃO EXIGÍVEL SOMENTE POR OCASIÃO DA REVENDA DAQUELAS MESMAS AÇÕES. IRPF INCIDENTE APENAS SOBRE O MONTANTE APURÁVEL A TÍTULO DE GANHO DE CAPITAL.

1. Recurso especial, sob o regime repetitivo, em que o tema afetado recebeu a seguinte redação: "Definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos ( Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo".

2. Em linhas gerais, o denominado Stock Option Plan (SOP) consiste na oferta, pela Sociedade Anônima, de opção de compra de ações em favor de seus executivos, empregados ou prestadores de serviços, sob determinadas condições e com preço preestabelecido (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976). O interessado, então, poderá aderir à opção e, a tempo e modo, efetivar a compra das respectivas ações, por elas pagando o preço outrora definido pela companhia.

Posteriormente, já titular das ações, poderá o adquirente realizar a sua venda no mercado financeiro.

3. De acordo com o art. 43 do CTN, o fato imponível para a tributação do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial.

4. Presente a desenganada natureza mercantil, e não laboral- remuneratória, na aquisição e revenda de ações pelo regime Stock Option, verifica-se acréscimo patrimonial tributável apenas quando da posterior revenda das ações pelo adquirente, em caso de ganho de capital. 5. TESES FIRMADAS:

a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.

b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.

6. Resolução do caso concreto: recurso especial do contribuinte provido.

(REsp n. 2.074.564/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 11/9/2024, DJe de 18/9/2024.)

Nesse REsp n. 2.074.564/SP foi firmada a seguinte tese no Tema 1226: “a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente. b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.”

Ao permitir que a assembleia-geral da companhia outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle, o art. 168, §3º, da Lei nº 6.404/1976, assim como o Tema 1226/STJ, tem como premissa que o Employee Stock Options Plan é elaborado como operação de renda variável, o que não significa que todo e qualquer SOP tenha os elementos básicos desse negócio mercantil (podendo, inclusive, representar um Phantom Stock Options Plan).

Portanto, primeiro é necessário compreender os elementos básico de contratos com opções, intermediados por corretoras de títulos e valores mobiliários e que têm por objeto ações negociadas em bolsa de valores, para, depois, verificar se transações feitas entre empresas (de capital aberto ou fechado) e seus administradores e empregados têm tais elementos mínimos do mercado de renda variável.

Como se sabe, contratos que negociam opções são derivativos do mercado de ações e, assim, são produtos de renda variável arriscados, pois as partes “apostam” que, em determinado dia futuro, o preço das ações estará acima ou abaixo de um valor que estipulam. Esse aspecto mostra o elemento mais marcante do SOP, o risco do negócio.

Por serem intermediados por corretoras de valores mobiliários e registrados em bolsa de valores, em negociação impessoal, sobretudo com preços determinados pelo mercado em transações diárias de ações, há outro elemento essencial nas negociações de opções, a transparência.

Outro elemento essencial é o fluxo financeiro, marcadamente sua ordem cronológica, que ilustro com os seguintes dados: a) partes: comprador (ou investidor) e vendedor (ou lançador); b) objeto: prerrogativa (opção) de compra/venda relativa a uma ação; c) dia da negociação (ou outorga): quando as partes celebram o contrato de opção; d) strike: preço unitário e futuro de uma ação, estabelecido pelo comprador e pelo vendedor, no dia da negociação, como referência para o exercício (ou não) da opção; e) prêmio: valor pago no momento da negociação (ou outorga) pelos direitos concernentes à opção (substancialmente menor que o strike) ; f) dia e hora do exercício da opção: momento no qual o strike é comparado com o preço de mercado então praticado para uma ação; e g) dia da liquidação: quando o valor total da transação (baseado no strike) será pago se a opção for exercida. Já no dia da negociação (letra “c”, acima), é necessário que o titular da prerrogativa eventualmente a ser exercida apresente garantias patrimoniais para honrá-la em caso de exercício, sendo conferidas e confirmadas por entidades que intermediam o negócio.

Há várias modalidades de opções, como PUT (opção de venda), na qual o proprietário de ações, temendo expressiva queda do papel, paga prêmio para que um investidor seja obrigado a ficar com as ações se o preço unitário atingir um mínimo estipulado. Mas a modalidade que importa para esse feito é a CALL (a qual se assemelha a Employee Stock Options Plan), que passo a descrever para que sejam compreendidos os elementos mínimos e cumulativos mencionados (risco, transparência e fluxo financeiro em ordem cronológica).

Em uma CALL (opção de compra) intermediada por corretora que atua em bolsa de valores, por exemplo, em 18/11/2024, a pessoa A (investidor) aposta com a pessoa B (proprietária de 1 milhão de ações da empresa X, no valor de R$ 10,00 a unidade) que esse título mobiliário terá valor unitário maior ou menor que R$ 12,00 em 20/01/2025. No momento da negociação das opções (18/11/2024), a pessoa A paga para a pessoa B um prêmio (p. ex., 1,0% sobre R$ 12,00) que lhe dará direito exercer a opção de compra, devendo também garantir que tem condições de exercê-la em 20/01/2025, sendo que a pessoa B será obrigada entregar o papel a R$ 12,00 mesmo que a unidade esteja cotada a R$ 15,00 em 20/01/2025. No caso do exercício da opção em 20/01/2025, a pessoa A deve pagar R$ 12.000.000,00 para pessoa B, em 22/01/2025, assumindo a titularidade das ações desde então. Se o valor da unidade estiver abaixo de R$ 12,00 em 20/01/2025, a opção não exercida “vira pó” e a pessoa B fica com o prêmio pago pela pessoa A.

Nesse exemplo, contata-se que sempre haverá há fluxo financeiro no pagamento do prêmio (18/11/2024), podendo também ocorrer pagamento (22/01/2025) se houver exercício das opções em 20/01/2025.

É importante frisar que a discussão dos autos não diz respeito ao momento da venda dessas ações após adquiridas pela pessoa A (p. ex., em 24/07/2025, por R$ 16,00 a unidade), pois é indiscutível que, desde 22/01/2025, ela é a proprietária de 1 milhão de ações ao custo unitário de R$ 12,00, cujo ganho de capital será tributado como renda variável. A lide diz respeito à diferença positiva entre o preço da ação estipulado no dia da aposta (negociação das opções) e o valor de mercado no dia futuro definido para o exercício (ou não) da opção de compra, ou seja, entre R$ 12,00 e R$ 14,00 reais a unidade, apurada em 20/01/2025. Com o exercício da opção de compra (mesmo antes de vender as ações), há um ganho para o investidor na ordem de R$ 2.000.000,00 ao comprar 1 milhão de ações por R$ 10.000.000,00 quando as mesmas valem, no mesmo dia, R$ 12.000.000,00.

Tratando-se de Employee Stock Options, o lançador é a empresa e o investidor é pessoa que presta serviços a essa mesma pessoa jurídica (diretor, gerente, administrador, empregado ou prestador, dependendo do plano), daí porque essas opções são geralmente pessoais e intransferíveis e têm como objetivo, via de regra, estimular o comprometimento do adquirente para com a empresa. Por isso, geralmente há exigência de considerável tempo de prestação de serviços do adquirente à empresa lançadora após o dia da negociação ou outorga da opção (período de carência, ou vesting period), sob pena de perda do direito ao exercício da opção; assim, os adquirentes dessa opção trabalham na expectativa de valorização da ação de empresa empregadora como forma de participar financeiramente desse crescimento, em comunhão de interesses.

Portanto, mesmo considerando que o Employee Stock Options Plan não é intermediado por corretora de valores mobiliários, não tem seu preço pautado por transações impessoais em bolsas de valores e não exige garantia patrimonial assegurando que o diretor-trabalhador-investidor terá recursos para pagar o valor total das ações no caso de exercício da opção de compra, o SOP será um legítimo negócio mercantil se tiver os elementos (mínimos e cumulativos) do mercado de renda variável: 1) risco para a empresa e para o investidor (administrador, empregado ou prestador), respeitadas as regras de insiders e de compliance; 2) transparência nas bases contratadas, sobretudo, os critérios para definir os preços das ações, tanto no momento da negociação das opções e quanto no dia do exercício da opção de compra; e 3) fluxo financeiro, em ordem cronológica, comprovando o pagamento do prêmio, pelo investidor à empresa, no dia da negociação das opções e, em havendo exercício de compra, também do valor total das ações transacionadas, no dia da liquidação do contrato.

Com esses elementos mínimos e cumulativos, o Employee Stock Options Plan atenderá à ratio decidendi do Tema 1226/STJ, materializando-se, de fato, como negócio mercantil de renda variável. Nesse caso, a pessoa física deve recolher apenas IR exclusivo como ganho de capital em mercado de renda variável (às alíquotas no art. 21 da Lei nº 8.981/1995, na redação dada pela Lei nº 13.259/2016), e sem incidência de contribuição previdenciária (patronal e do empregado), somente quando houver a venda das ações. No exemplo, não haverá qualquer tributação em 20/01/2025, mas apenas com a venda em 24/07/2025, por R$ 16,00 a unidade, incidindo apenas IR (de 15%) sobre R$ 4.000.000,00 (diferença entre o custo de aquisição e o valor da venda), sem qualquer contribuição previdenciária (patronal ou do trabalhador).

Sem um desses elementos mínimos e cumulativos (risco, transparência e fluxo financeiro em ordem cronológica), inexistirá negócio mercantil de renda variável, impedindo a aplicação do Tema 1226/STJ pois haverá distinção entre sua ratio decidendi e o caso concreto.

O contrato não pode eliminar o risco porque a negociação foi feita em favor de administrador que tem informações privilegiadas (insider trading), ou porque dispensa o trabalhador-investidor do pagamento do prêmio quando da negociação da opção, ou ainda permitir que a liquidação do contrato seja feita apenas após o trabalhador ter acesso às ações e a possibilidade de vendê-las em mercados. Inexistindo risco e fluxo financeiro em ordem cronológica, que caracterizam os negócios mercantis de renda variável, o trabalhador só tem a ganhar. E, também, no dia da contratação das opções e do dia de seu exercício de compra, o preço da ação não poderá ser fixado de modo obscuro, prejudicando a transparência em mercado de risco. O favorecimento da empresa em relação ao seu empregado demonstra o propósito remuneratório do plano de Employee Stock Options, sendo alcançado pelo art. 457, §§ 1º a 4º da CLT.

Assim, a diferença entre o preço pago pelo exercício da opção de compra e o valor de mercado dessas ações, no mesmo dia, será caracterizado como acréscimo patrimonial, produto do trabalho, salário indireto ou pagamento em forma de ações (art. 33 da Lei nº 12.973/2014), sujeito à tabela progressiva do IRPF nos moldes da Lei nº 7.713/1988 (que chega a 27,5%) e, também, à contribuição previdenciária (patronal e do empregado), conforme a Lei nº 8.212/1991. No mesmo contexto está o tratamento tributário do IRPJ e da CSLL, previsto para a empresa em conformidade com o art. 33 da Lei nº 12.973/2014. No exemplo, em 20/01/2025, haverá um acréscimo patrimonial de R$ 2.000.000,00 para a pessoa A (pagamento de salário em forma de ações, art. 33 da Lei nº 12.973/2014, pois pagou R$ 10.000.000,00 quando as ações valiam, no mesmo dia, R$ 12.000.000,00), sobre os quais haverá incidência de IR pela tabela progressiva e contribuições previdenciárias (patronal e trabalhador).

É necessário lembrar que acréscimo patrimonial e pagamento de remuneração (bases materiais para a incidência de IR e para a contribuição previdenciária, respectivamente) não se confundem com máxima liquidez (representada pelo uso obrigatório de moeda), até porque está amplamente consolidada no direito brasileiro a legítima tributação de salários indiretos (p. ex., quando empresas custeiam despesas pessoais de seus empregados, ou entregam a eles, sem custo, bens móveis ou imóveis a título de pagamento pelo trabalho).

Muito embora o regime de caixa seja a regra para a tributação de pessoas físicas e para contribuição previdenciária (Lei nº 7.713/1988 e Lei nº 8.212/1991), há aquisição de disponibilidade econômica e jurídica ou o ganho do trabalhador quando salários são pagos na forma de ações, mesmo porque esses papéis têm liquidez.

A habitualidade no pagamento traz ínsita a noção de frequência no tempo (E.STF, Tema 20), mas a periodicidade não precisa ser mensal e nem simétrica, bastando que seja previsível e atrelada ao serviço do trabalhador prestado ao tomador. A isenção condicionada do art. 28, I, §9º, “j”, da Lei nº 8.212/1991, é aplicável apenas à participação nos lucros ou resultados pagos pela empresa a seus empregados se respeitada a Lei nº 10.101/2000, não sendo extensível quando os parâmetros forem imprecisos ou fixados unilateralmente pela empresa. E os acréscimos decorrentes do plano de Employee Stock Options não podem ser equiparado a abono ou ganhos eventuais, previstos no art. 28, § 9º, “e”, item 7, da mesma Lei nº 8.212/1991, justamente quando se caracterizarem como rendimentos vinculados ao trabalho.

Na Solução de Consulta COSIT 258/2018, a Receita Federal do Brasil firmou entendimento sobre a incidência de IRPF na fonte pela tabela progressiva mensal, no momento em que ocorrer o efetivo pagamento dos rendimentos (considerando-se como tal a entrega de recursos pela fonte pagadora, mesmo mediante depósito em instituição financeira em favor do beneficiário). Sobre a contribuição previdenciária, essa mesma Solução de Consulta COSIT 258/2018 indica a exigência da quota patronal (art. 22, I e II, da Lei 8.212/1991), bem como das contribuições dos segurados empregados (art. 20, art. 28, I, e art. 30, I, “a”, também da Lei 8.212/1991, cujo fato gerador dessa remuneração variável somente se aperfeiçoará quando restar efetivamente configurada a remuneração (ou seja, quando, solicitado o resgate da premiação pelo participante, é quantificada a retribuição pelo seu trabalho, ainda que o pagamento ou crédito ocorra posteriormente).

Em suma, para atender ao disposto no art. 168, §3º, da Lei nº 6.404/1976, assim como à ratio decidendi do Tema 1226/STJ, o Employee Stock Options Plan será caracterizado como negócio mercantil de renda renda variável se estipular, com transparência e objetividade, o prêmio e os critérios para definição do strike e do preço da ação no dia do exercício da opção, bem como que exija a liquidação integral da transação antes da entrega das ações para o trabalhador-investidor que exercer a opção de compra. O risco que marca o mercado de renda variável exige que o diretor, gerente, administrador, empregado ou prestador: a) pague o prêmio no momento da negociação ou outorga da opção, não podendo ser diferido para o dia previsto para o exercício da prerrogativa de compra; b) pague o montante da liquidação da opção exercida (segundo o strike) antes de vender essas mesmas ações. E, no caso de a empresa ter capital fechado, o preço de mercado das ações deve ser o extraído no momento do exercício da opção, não podendo ser arbitrado previamente quando da negociação ou outorga da opção, e nem calculado por critérios subjetivos da direção superior da empresa.

No caso dos autos, a parte autora, ora apelada, juntou a Ata de Reunião do Conselho de Administração, realizada em 03/05/2021, por meio da qual foram aprovados o 1º Programa e a alocação das opções no âmbito do Plano de Opção de Compra de Ações aprovado pela Companhia em 30/04/2021 (id nº 266985455).

Por sua vez, o Plano de Opção de Compras, previu, em seu item “4” a celebração de “contrato de opção de compra de ações”. Já o item “5” dispôs sobre “prazo de carência” e “evento de liquidez”, este último representado por eventual alteração de controle acionário da empresa ou com relação a suas controladas, alienação de seus ativos ou abertura de capital através de oferta pública de ações (IPO). O plano também possui regras quanto ao “prazo de exercício” (item 7), preço de exercício e opção de pagamento (itens 8 e 9), prevendo o item 9.3 que “....o preço de exercício deverá ser pago à vista pelo participante, simultaneamente à formalização da subscrição ou aquisição, conforme o caso, da ação objeto da opção...”, “salvo se previsto de outra forma nos contratos de opção” (id nº 266985456)

Prosseguindo, o 1º Programa de Opção de Compra de Ações, teve, como participante, o coautor desta ação, Thomas Luiz Cabral de Menezes. Além disso, fixou em R$ 200.000,00 o preço de aquisição das opções, a ser pago em até 15 (quinze) dias da data da celebração do Contrato de Opção. Quanto ao preço de exercício, previu que “será calculado com base no valor dos investimentos realizados pelo Actis IB Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia da Companhia até a data do exercício das Opções, em reais, sem correção”. O item 6.1 determina que, em caso de não pagamento do preço de exercício nos termos previstos, as respectivas opções restarão automaticamente extintas e sem que o participante tenha direito a qualquer reembolso ou indenização (id nº 266985457).

As partes também providenciaram a juntada do contrato de opção de compra de ações firmado com o participante Thomas Luiz Cabral de Menezes, segundo qual foram previstos os eventos de liquidez e condições de exercício. Vale destacar que o item 3.4, ao dispor sobre o exercício a partir do 2º aniversário, menciona que as partes deverão tomar todas as medidas necessárias, para que a concretização do negócio, “...incluindo a subscrição das ações e pagamento do preço de exercício ocorra em até 45 (quarenta e cinco) dias contados da Notificação de Exercício” (id nº 266985458, pág. 04).

Também consta dos autos a comprovação de depósito judicial referente ao Imposto sobre a Renda (id nº 266985543), tendo a parte autora, em réplica à contestação (id nº 266985547), providenciado a juntada do comprovante do depósito relacionado ao contrato de opção, no valor de R$ 200.000,00 (id nº 266985548), de 18/05/2021, bem como da transferência do valor correspondente ao exercício, no montante de R$ 17.850.539,03, em 06/05/2022 (id nº 266985550)

Importante destacar ainda que, segundo memória de cálculo apresentada pela parte autora (id nº 266985544), o preço de exercício e de venda, por ação, foi de R$ 0,8539 e de R$ 1,11, respectivamente.

Uma vez delineados os principais pontos do contrato, constata-se que o negócio firmado entre as partes não apresenta as características mercantis de Stock Options.  A análise dos autos revela que o risco e a transparência, próprios do mercado de ações, não estão presentes no caso concreto, isso porque o contrato de opção de compra foi assinado em 03/05/2021 (id nº 266985458) e, já em 18/05/2021, começaram as tratativas para a venda da empresa (MDA), além do que, pouco mais de 5 (cinco) meses depois, em outubro de 2021, ocorreu o evento de liquidez (id nº 266985459), relacionado à compra de participação na sociedade autora pela sociedade ACrisure  (Acrisure Brasil Participações Ltda. e Acrisure European Holding Limited).

Ora, o início formal das tratativas (em 15/05/2021) para a venda da empresa (MDA) obviamente ocorre quando houve anteriores tratativas informais, o que certamente abrange o curto período anterior no qual foi formalizado o SOP entre a parte-autora e seu Diretor-Presidente (insider trading). Em outras palavras, não é crível que, em 03/05/2021, quando foi assinado o SOP, a apelada e seu diretor desconhecessem a real possibilidade do evento de liquidez que, pouco mais de 05 meses após, acabou sendo concretizado. Mesmo que o início de negociação (em 15/05/2021) não deve ser confundido com a celebração da venda da empresa, essas informações (já sabidas pelo insider) macularam o risco e a transparência da SOP sub judice.

Vale dizer, à época do evento liquidez e antes disso, o apelado Thomaz Luiz Cabral de Menezes figurava como administrador da sociedade IT’SSEG Corretora de Seguros S/A (id. nº 266985452, pág. 07 – “termo de posse” como Diretor Presidente e id nº 266985459, pág. 71). Também é certo que, em se tratando de negócio vultoso, de transferência de participação acionária de empresa de grande porte, a negociação abrange período longo, o que é necessário, inclusive, para realização de auditorias, verificações contábeis e aprovações. Ademais, as tratativas são complexas, disso se podendo concluir que a Administração, e o seu Diretor Presidente, certamente já possuíam conhecimento do que estaria por ocorrer muito antes da concretização do negócio, sendo-lhes possível, inclusive, prever margens de flutuação do preço de ações.

Portanto, nesse cenário, não é crível que a parte autora, ou seja, a sociedade IT’SSEG, administrada, dentre outros, por Thomaz Luiz Cabral de Menezes, ao assinar a opção de compra das ações em maio de 2021, não tivesse prévio conhecimento da transferência acionária a ser realizada poucos meses depois e, portanto, do negócio a ser celebrado, com reflexos, inclusive, no preço das ações, fator a descaracterizar o risco e a transparência, inerente aos negócios mercantis envolvendo a compra e venda de ações. Essa conclusão é reforçada, conforme acrescentou a União em sua apelação, pela existência de cláusula contratual que mitigou ainda mais os riscos do negócio ao prever que na hipótese de não consumação do evento de liquidez no prazo de até 60 (sessenta) dias contados da data em que ocorrer o exercício das opções, as partes deverão tomar todas as medidas necessária para voltar ao status quo anterior, de modo que o participante volte a ter as mesmas opções (id nº 266985458, pág. 04).

Diante desse quadro fático, a situação exposta nos autos configura, a meu ver, remuneração pelo trabalho realizado pelos administradores da sociedade apelada por meio da aquisição de ações. Assim, não vejo amparo para acolher o pedido de afastamento de contribuições previdenciárias ou da incidência do imposto sobre a renda.

Quanto à multa isolada de que trata o art. 9º da Lei nº 10.426/2002, em decorrência da falta de retenção do IR na Fonte pela sociedade coautora, verifica-se que foi providenciado o depósito judicial do tributo, antes do decurso de seu prazo de recolhimento, conforme se depreende a partir dos documentos ids nºs. 266985543, 266985544 e 266985545. Dessa forma, não deve incidir a mencionada multa no caso concreto. Nesse ponto, portanto, deve ser rejeitado o pedido formulado pela União em apelação, quando já havia sido comprovado nos autos o depósito judicial do imposto de renda.

 Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal, mantendo a incidência dos tributos em discussão, apenas afastando a exigibilidade da multa relacionada à não retenção do imposto de renda.

Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85, §§3º e 5º do CPC, condeno cada uma das partes ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (que arbitro como equivalente ao proveito econômico tratado nos autos, não obstante a procedência parcial da pretensão), na seguinte proporção: 90% a ser pago pela parte autora e 10% a ser pago pela União. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É o voto.


 


Autos: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5011549-61.2022.4.03.6100
Requerente: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Requerido: ITSSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A. e outros

 

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. STOCK OPTION PLAN. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E IMPOSTO DE RENDA. NATUREZA MERCANTIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DA UNIÃO DESPROVIDAS.

I. CASO EM EXAME

  1. Ação de procedimento comum ajuizada por IT´SSEG CORRETORA DE SEGUROS S.A e THOMAZ LUIZ CABRAL DE MENEZES visando a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária quanto à exigência de contribuições previdenciárias sobre folha de salários, multa por ausência de retenção de imposto de renda e imposto de renda sobre suposto rendimento no exercício de opções de compra de ações. A sentença julgou procedente o pedido e condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

  1. Há três questões em discussão: (i) determinar se o exercício do direito de compra de ações no âmbito do Stock Option Plan configura fato gerador de contribuições previdenciárias; (ii) estabelecer se há incidência do imposto de renda na aquisição das ações pelo beneficiário do plano; e (iii) definir a aplicabilidade da multa por ausência de retenção do imposto de renda pela fonte pagadora.

III. RAZÕES DE DECIDIR

  1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.226, fixou a tese de que os planos de opção de compra de ações possuem natureza mercantil e não remuneratória, afastando a incidência de imposto de renda no momento da aquisição das ações.

  2. A ausência de natureza salarial do Stock Option Plan impede a incidência de contribuições previdenciárias sobre folha de salários, uma vez que os ganhos decorrentes da valorização das ações não se caracterizam como contraprestação pelo trabalho prestado.

  3. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho corrobora o entendimento de que o Stock Option Plan não constitui remuneração ou salário-utilidade, uma vez que os beneficiários assumem riscos inerentes à valorização das ações no mercado (Tema 1.226).

  4. No caso concreto, ainda que a situação fática possa indicar a existência de informações privilegiadas sobre a alienação da empresa, não há comprovação efetiva de simulação que justifique a tributação pretendida pela União.

  5. Quanto à multa isolada prevista no art. 9º da Lei nº 10.426/2002, verifica-se que o tributo foi depositado judicialmente antes do vencimento do prazo de recolhimento, afastando a penalidade aplicada.

IV. DISPOSITIVO E TESE

  1. Remessa necessária e apelação da União desprovidas.

Tese de julgamento:

  1. O exercício do direito de compra de ações no âmbito do Stock Option Plan não configura fato gerador para incidência de contribuições previdenciárias, pois não se trata de contraprestação salarial.

  2. A aquisição das ações pelo beneficiário do Stock Option Plan não enseja incidência de imposto de renda, conforme fixado no Tema 1.226 do STJ.

  3. O depósito judicial do imposto de renda antes do vencimento do prazo de recolhimento afasta a aplicação da multa isolada prevista no art. 9º da Lei nº 10.426/2002.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 195; Lei nº 8.212/1991, art. 22, I e III; Lei nº 6.404/1976, art. 168, § 3º; Lei nº 10.426/2002, art. 9º.

Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1.226; TRF 3ª Região, AI nº 5012218-52.2020.4.03.0000; TRF 3ª Região, ApelRemNec nº 5021083-34.2019.4.03.6100.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Segunda Turma decidiu, por maioria, negar provimento à apelação da União Federal e à remessa necessária, nos termos do voto da senhora Desembargadora Federal Audrey Gasparini, acompanhada pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Renata Lotufo e David Dantas; vencidos os senhores Desembargadores Federais Carlos Francisco (relator) e Alessandro Diaferia, que lhes davam parcial provimento. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
AUDREY GASPARINI
DESEMBARGADORA FEDERAL